Tag Archive for: Letras de canções

Poluição

Ao som de uma caixa de música

[ Caixinha de Música ]

Ao som de uma caixa de música, acordou João
Ao lado do berço um corpo caído, desilusão
A casa vazia e no ar um cheiro a solidão
Para lá da janela uma visão tão estranha O que terá acontecido?

Como um pássaro que saiu do ninho e esvoaçou
João deu a medo alguns passos pelo quarto e sem querer
Debruçou o corpo sobre o chão morno e adormeceu
Talvez p’ra dormir o seu último sono E o que fica a dizer de…?

João, mais uma vítima nuclear numa casa no meio da cidade
Onde só se contavam histórias de mal e de bem
João, mais uma vítima nuclear numa casa no meio da cidade
Onde só se contavam histórias de realidade

Uma brisa estranha chegou de repente, com sabor a fim
E uma noite fria caiu sobre os restos do auge do poder
Entre o tudo e o nada ficou uma sombra, uma recordação
Talvez algum dia alguém venha a perguntar: “O que terá acontecido?”

Um manto de fumo cobriu a cidade, em forma de adeus
Talvez p’ra apagar a última imagem guardada da Terra
A tocar no meio do deserto plantado a caixinha ficou
Testemunha ingénua das glórias já findas E das marcas da vida

João, mais uma vítima nuclear numa casa no meio da cidade
Onde só se contavam histórias de mal e de bem João,
mais uma vítima nuclear numa casa no meio da cidade
Onde só se contavam histórias de realidade

Letra e música: Sebastião Antunes Intérprete: Sebastião Antunes & Quadrilha* (ao vivo no Estúdio 3 da Rádio e Televisão de Portugal, Lisboa) Versão discográfica anterior: Sebastião Antunes & Quadrilha com João Pedro Pais (in CD “Perguntei ao Tempo”, Sebastião Antunes/Alain Vachier Music Editions, 2019) Versão original: Peace Makers (in single “Caixinha de Música / Recordação de Hiroshima”, Victória Records, 1988) Outra versão: Quadrilha (in CD “Deixa Que Aconteça: Ao Vivo”, Vachier & Associados/Ovação, 2006)

Ai que bom

[ Tango Poluído ]

Ai que bom, que bom que é!
Ai que grande reinação!
Não há no mundo melhor
Que viver em poluição!

Aos domingos, no Verão,
Lá vou eu, de madrugada,
Recompor-me da saúde
Nas praias da Cruz Quebrada.

Banhando-me ao pé do esgoto,
Respirando os seus odores,
Ao chegar o fim do dia
Vou p’ra casa com mais cores.

Fui um dia p’rà montanha
E passei um mau bocado
Respirando o tal ar puro,
Quase morri sufocado.

Fiquei logo com os pulmões
A pedir por caridade
O cheiro a óleo queimado
Que respiro na cidade.

Ai que bom, que bom que é!
Ai que grande reinação!
Não há no mundo melhor
Que viver em poluição!

Não me venhas com a conversa
Das comidas naturais,
Dás-me cabo dos tomates
Com esses sermões papais.

O frango só com hormonas,
Salsichas só enlatadas,
Peixinho só do Barreiro
E frutas bem sulfatadas.

Há p’ra aí quem diga mal
Da nossa Televisão,
Mas dela já não me passo
P’rà minha cultivação:
Vinte e cinco horas por dia
De cultura e informação

Poluindo a consciência,
Tudo a Bem da Nação.
Ai que bueno, que bueno!
Ai que grande reinação!

Não há no mundo melhor
Que viver em poluição!
Vi um tal da ecologia
Gritando como um possesso
Contra a bomba nuclear,
Contra a bomba do progresso.

Fiz-lhe ver que estava errado,
Pois não há nada mais belo
Nem há morte mais limpinha
Que o quente do cogumelo.

Disse-me um da intervenção:
“Lá estás tu com essa mania,
A cantar o tango assim
Estás a imitar o Letria”.

Mas eu estou certo e seguro
Que o Jôjô não leva a mal,
Embora ele tenha a patente
Do tango em Portugal.

Ai que bom, que bom que é!
Ai que grande reinação!
Não há no mundo melhor
Que viver em poluição!

Ai que bueno, que bueno!
Ai que grande reinação!
Não há no mundo melhor
Que morrer em poluição!

Letra e música: Luís Cília
Intérprete: Luís Cília (in LP “Marginal”, Diapasão/Sassetti, 1981)

Poluição

Poluição

Reciclanda

Reciclanda

O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração), realiza oficinas de música durante o ano letivo e dinamiza atividades em colónias de férias. Municípios, Escolas, Agrupamentos, Colégios, Festivais, Bibliotecas, CERCI, Centros de Formação, Misericórdias, Centros de Relação Comunitária, podem contratar serviços Reciclanda.

Contacto

António José Ferreira
962 942 759

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Terra

Canções sobre a terra

Letras

Brota a água

Brota a água da pedra bruta:
Sua luta, labuta,
De tudo dessedentar;
Ganha altura, desmesura
De tanto querer ser mar.

Corre campos, cria formas
Que nem ousara sonhar;
Dança ritmos, canta trovas
Antes de chegar ao mar.

A ciência que o mar tem
Não tem nada de pasmar:
Não há regato nem rio
Que ao mar não vá parar.

Brota a água da pedra bruta:
Sua luta, labuta,
De tudo dessedentar;
Ganha altura, desmesura
De tanto querer ser mar.

Corre campos, cria formas
Que nem ousara sonhar;
Dança ritmos, canta trovas
Antes de chegar ao mar.

Brota a água da pedra bruta:
Sua luta, labuta,
De tudo dessedentar;
Ganha altura, desmesura
De tanto querer ser mar.

Corre campos, cria formas
Que nem ousara sonhar;
Dança ritmos, canta trovas
Antes de chegar ao mar.

Letra e música: Pedro Mestre
Intérprete: Pedro Mestre com Janita Salomé (in CD “Campaniça do Despique”, Viola Campaniça Produções Culturais/Pedro Mestre, 2015)
Outra versão de Pedro Mestre com Janita Salomé (in DVD “No CCB: Pedro Mestre & Convidados”, Pedro Mestre, 2017)

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Horas mortas

[ Árvores do Alentejo ]

Horas mortas… Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido… e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis do horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
– Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

Poema: Florbela Espanca (in “Charneca em Flor”, 1930)
Música: Teresa silva Carvalho
Intérprete: Teresa silva Carvalho (in CD “Teresa Silva Carvalho: O Melhor dos Melhores”, vol. 35, Movieplay, 1994)
Também recitado por Eunice Muñoz

Luz que actua

[ Gaia de Saia ]

Luz que actua, Lua cheia em ti, faz querer viver mais
Expões o corpo receptivo à noite, dons de fértil musa

Iluminar põe o clima a subir, noite de clara Lua
Numa dança de saia rodada a sorrir, que essa tua vida é tua

Mãe dos homens que gera vida e luz
Gaia Deusa, musa, Mulher nua
Não se tomba, não se deixa cair
Que essa tua, que essa tua vida, que essa tua vida é tua

Mãos de força vergam o tempo a teimar, a lutar sem desistir
Tais direitos nem se devem questionar, direito a se expressar

Ser um ventre e um colo protector, e voluntária na sua dor
Ser mulher é existir entre os iguais, é resistir muito mais

Mãe dos homens que gera vida e luz
Gaia Deusa, musa, Mulher nua
Não se tomba, nem se deixa cair
Que essa tua vida é tua, vida é tua

Mãe dos homens que gera vida e luz
Gaia Deusa, Mulher nua
Não se tomba, nem se deixa cair
Que essa tua, que essa tua vida, que essa tua vida é tua

Letra e música: Luís Pucarinho
Intérprete: Luís Pucarinho* (in CD “SaiArodada”, Luís Pucarinho/Alain Vachier Music Editions, 2018)

Quero sempre ver as estrelas

Quero sempre ver as estrelas
Todo o mundo a navegar
Quer sempre ver o Sol
E o brilho do teu olhar

Corre, corre, maré alta
Correm rios e oceanos
Cresce a erva na ribeira
Fazem ninhos todos os anos

Quero ver as baleias
Todo o mundo a navegar
Quero sempre ver as estrelas
Quero ver o Sol raiar

Quero ver as baleias
Todo o mundo a navegar
Quero sempre ver as estrelas
Quero ver o Sol raiar

Voam bandos ao entardecer
Garças brancas e o algravão
Pássaros cheios de esperança
O riozinho e o espigão

Quero ouvir sempre o marulho
E as tempestades de Inverno
Quero ouvir sempre os sinos
E o silêncio que é eterno

Quero ver as baleias
Todo o mundo a navegar
Quero sempre ver as estrelas
Quero ver o Sol raiar

Quero ver as baleias
Todo o mundo a navegar
Quero sempre ver as estrelas
Quero ver o Sol raiar

Quero ver as baleias
Todo o mundo a navegar
Quero sempre ver as estrelas
Quero ver o Sol raiar

Letra: José Francisco Vieira
Música: Ana Figueiras e José Francisco Vieira
Intérprete: Flor de Sal (in CD “Flor de Sal”, José Francisco Vieira & Ana Figueiras/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Quero ver o que a terra me dá

[ Cantiga da Terra ]

Quero ver o que a terra me dá
ao romper desta manhã:
o poejo, o milho e o araçá,
a videira e a maçã.

Ó mãe-d’água, ó mãe de chuvas mil,
já não quero teu aguaceiro;
quero ver a luz do mês de Abril
e a folia ao terreiro.

E vou colher inhames e limões,
hortelã e alecrim;
e vou cantar charambas e canções,
p’ra te ver ao pé de mim.

E os requebros deste teu bailar,
quero ser o cantador;
e vou saudar a várzea desse olhar,
ao compasso do tambor.

E vou colher inhames e limões,
hortelã e alecrim;
e vou cantar charambas e canções,
p’ra te ver ao pé de mim.

E os requebros deste teu bailar,
quero ser o cantador;
e vou saudar a várzea desse olhar,
ao compasso do tambor.

Letra e música: José Medeiros (1988 – para a série ficcional “O Barco e o Sonho”, RTP-Açores, 1989)
Intérprete: Musica Nostra (in CD “Cantos da Terra”, Açor/Emiliano Toste, 2009)
Versão original: José Medeiros (in 2LP “O Barco e o Sonho | Balada do Atlântico | Xailes Negros”: LP 2, Philips/Polygram, 1989; CD “7 Anos de Música”, 2.ª edição, DisRego, 1992)

Laurissilva madeirense

Laurissilva madeirense

Terra mãe

[ Terra Global ]

Terra mãe que me viu nascer
Cheia de encantos à beira do mar
Tem água e sede de vencer
Tem desertos de mágoa
Lá longe há outra terra
Esquecida no tempo
Enquanto há tempo, nunca é tarde demais
Nos sentimentos somos todos iguais
Enquanto há esperança e o sonho não morrer
Haja mudança que a terra vai renascer
Cresci entre o amor e o perdão
Sempre vi o mundo no horizonte
A minha terra é o meu coração
Que ama, grita e sente
Lá longe há outra gente
Que sofre em silêncio
Enquanto há tempo, nunca é tarde demais
Nos sentimentos somos todos iguais
Enquanto há esperança e o sonho não morrer
Haja mudança que a terra vai renascer
Enquanto há tempo, nunca é tarde demais
Nos sentimentos somos todos iguais
Enquanto há esperança e o sonho não morrer
Haja mudança que a terra vai renascer

Letra: Samuel Lopes
Música: João Lopes
Intérprete: Citânia
Versão original: Citânia (in Livro/CD “Segredos do Mar”, Seven Muses, 2011)

Verdes são os campos

[ Verdes São os Campos ]

Verdes são os campos,
Da cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes;

De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

Poema (excerto): Luís de Camões
Música: José Afonso
Intérprete: José Afonso (in “Traz Outro Amigo Também”, Orfeu, 1970, reed. Movieplay, 1987; CD “Poesia Encantada”, vol. 2, EMI-VC, 2004)
Outra versão: Teresa Silva Carvalho (in “Ó Rama, Ó Que Linda Rama”, Orfeu, 1977, reed. Movieplay, 1994)

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Janita Salomé

Canções políticas

Letras

Reciclanda

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Envio-lhe esta missiva

[ Vozes do Sul – Carta à Senhora Dona Europa ]

Envio-lhe esta missiva
De profundo desagrado
Por vê-la assim cativa
De usurários encartados

Sujeita a novos tormentos
Subvertidas são as leis
Vampiros a sugam sedentos
Ceptro na mão velhos reis

As contas dos euro-réis
Somam mentiras e medos
Já nos tiraram os anéis
Mas não nos levam os dedos

Cantando ao sol e à lua
Vozes do Sul
Já ao fundo da rua
Vozes do Sul

As contas dos euro-réis
Somam mentiras e medos
Já nos tiraram os anéis
Mas não nos levam os dedos

Cantando ao sol e à lua
Vozes do Sul
Já ao fundo da rua
Vozes do Sul

Poema e música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé
Versão original: Janita Salomé (in CD “Valsa dos Poetas”, Cantar ao Sol/Ponto Zurca, 2018)

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Sons Vadios, Cantos de Cego

Canções à desgarrada

Letras

Vieste lá da Galiza

Desgarrada

— Vieste lá da Galiza
Com vontade de cantar;
Trouxeste uma sanfona
E romances de encantar.

E agora que aqui estás,
Mostra a tua habilidade!
Não és cego, nem tens cão
E vives numa cidade.

— Eu veño lá de lonxe,
Catro horas de camiño,
Para cantar e tocar
Os romances do ceguiño.

Como non hai unha feira
Podemos, enton, gravar:
Esta é unha maneira
Da memória conservar.

Isso, sim, é de valor!
Boa ideia, genial:
Tocar as canções de cego
Da Galiza e Portugal!

Isso, sim, é de valor!
Boa ideia, genial:
Tocar as canções de cego
Da Galiza e Portugal!

Letra e música: César Prata
Intérpretes: Ariel Ninas & César Prata* (in CD “Cantos de Cego da Galiza e Portugal”, aCentral Folque, 2016)

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fadista Lucília do Carmo

Canções sobre fado

Letras

Ai de mim que me perdi

Ai de mim que me perdi
Pelos caminhos do tédio
Perdi-me, cheguei aqui
Agora não tem remédio

Ai de mim que me perdi
Perdi-me no fim da estrada
Ai de mim porque vivi
A vida desencontrada

Tantos caminhos andados
Não fui eu que os descobri
Foram meus passos mal dados
Que me trouxeram aqui

Perdida me acho da vida
E a vida já me perdeu
Ando na vida perdida
Sem saber quem a viveu

Por mais que queira encontrar
A razão do meu viver
A razão de cá andar
Não posso compreender

Que culpa tem o destino
Dos caminhos que eu andei?
Fui eu no meu desatino
Que andei e não reparei

Perdida estou sem remédio
Meu pecado e meu castigo
Pecado é morrer de tédio
Castigo é viver contigo

Por mais que queira encontrar
A razão do meu viver
A razão de cá andar
Não posso compreender

Não posso compreender
A razão de cá andar
A razão do meu viver
Não posso compreender

Poema: Amália Rodrigues (ligeiramente adaptado)
Música: Amélia Muge
Arranjo: José Mário Branco
Intérprete: Amélia Muge (in CD “Amélia com Versos de Amália”, Amélia Muge/Leve Music, 2014)

Alguém que Deus já lá tem

[ Fado Malhoa ]

Alguém que Deus já lá tem
Pintor consagrado
Que foi bem grande e nos dói
Já ser do passado
Pintou numa tela
Com arte e com vida
A trova mais bela
Da terra mais querida

Subiu a um quarto que viu à luz do petróleo
E fez o mais português dos quadros a óleo
Um Zé de samarra co’amante a seu lado
Com os dedos agarra
Percorre a guitarra e ali vê-se o fado

Faz rir a ideia de ouvir com os olhos, senhores
Fará, mas não p’ra quem já o viu, mas em cores
Há vozes de Alfama naquela pintura
E a banza derrama canções de amargura

Dali vos digo que ouvi a voz que se esmera
O som dum faia banal, cantando a Severa
Aquilo é bairrista, aquilo é Lisboa
Boémia e fadista
Aquilo é da artista, aquilo é Malhoa

Letra: José Galhardo
Música: Frederico Valério

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Ando na vida à procura

[ Triste Sorte ]

Ando na vida à procura
Duma noite menos escura
Que traga luar do céu,
Duma noite menos fria
Em que não sinta agonia
Dum dia a mais que morreu.

Vou cantando amargurado,
Vou dum fado a outro fado
Que fale dum fado meu:
Meu destino assim cantado
Jamais pode ser mudado
Porque do fado sou eu.

Ser fadista é triste sorte
Que nos faz pensar na morte
E em tudo que em nós morreu,
E andar na vida à procura
Duma noite menos escura
Que traga luar do céu.

Letra: João Ferreira-Rosa
Música: Alfredo Duarte “Marceneiro” (Fado Cravo)
Intérprete: Camané
Versão discográfica anterior de Camané (in CD/DVD “Infinito Presente”, Warner Music, 2015)

Outras versões: Camané (in 2CD “Como Sempre… Como Dantes”: CD 1 – “Como Sempre: Ao Vivo em Palco”, EMI-VC, 2003); Camané (in 2CD “Como Sempre… Como Dantes”: CD 2 – “Como Dantes: Ao Vivo no Embuçado”, EMI-VC, 2003); Camané (in DVD “Ao Vivo no S. Luiz”, EMI, 2006); Camané (in CD/DVD “Ao Vivo no Coliseu: Sempre de Mim”, EMI, 2009; 2CD “Camané: O Melhor 1995-2013 (Edição Especial)”: CD 1, EMI, 2013)

Versão original: João Ferreira-Rosa (in EP “Embuçado”, Columbia/VC, 1965; CD “Embuçado” (compilação), EMI-VC, 1988, reed. Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007; 2CD “Ontem e Hoje”: CD 1, EMI-VC, 1996; CD “O Melhor de João Ferreira-Rosa”, Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008; CD “João Ferreira-Rosa: Essencial”, Edições Valentim de Carvalho/CNM, 2014)

Outras versões: João Ferreira-Rosa (in LP “Fado”, Imavox, 1978); João Ferreira-Rosa (in CD “No Wonder Bar do Casino Estoril”, Ovação, 2004)

Bendita esta forma de vida

[ Bendito Fado, Bendita Gente ]

Intérprete: Mafalda Arnauth

Chegaste a horas

[ Leva-me aos fados ]

Intérprete: Ana Moura

Convém que seja moderno

[ Que Fado É Esse, Afinal? ]

Convém que seja moderno,
Ritmado sem critério
E fácil de consumir;
Que não deixe de imitar
As modas que estão a dar,
Que não ouse resistir.

Convém que não seja triste,
Que se venda, que se lixe
O valor do seu passado;
Que se sirva ao desbarato
Como um hambúrguer no prato,
Produto pré-fabricado.

Convém que seja feliz,
Não importa o que se diz
Se agradar a toda a gente;
Que a nada diga respeito,
Seja a música um efeito
E a palavra indiferente.

Convém que seja educado,
Que se cante em qualquer lado,
Popular, comercial.
Mas quando o oiço cantar,
Só me resta perguntar:
Que Fado é esse, afinal?

Mas quando o oiço cantar,
Só me resta perguntar:
Que Fado é esse, afinal?

Letra: Duarte
Música: José Mário Branco (Fado Gripe)
Intérprete: Duarte (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)

Deixa Que te Cante um Fado

Deixa que te cante um fado,
Ao menos de vez em quando!
Deixa que te cante um fado
Como quem reza chorando!

Deixa que te cante um fado
Que me fale sempre em ti!
Cantarei de olhos cerrados,
Os olhos com que te vi.

Deixa que te cante um fado,
Mesmo sem fé ou sem arte!
Se nunca pude esquecer-te
É que não posso deixar-te.

Deixa que te cante um fado!
Todo o meu sonho está nisto:
Que depois de o ter cantado
Te lembres que ainda existo.

Poema: Pedro Homem de Mello
Música: José Marques do Amaral (Fado José Marques do Amaral)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Fados (Fado das Faias)”, RCA Victor, 1963; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978)

Descalço, venho dos confins da infância

[ Entrega ]

Descalço, venho dos confins da infância
Que a minha infância ainda não morreu.
Atrás de mim em face ainda há distância,
Menino Deus, Jesus da minha infância,
Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu!

Venho da estranha noite dos poetas,
Noite em que o mundo nunca me entendeu.
Vê, trago as mãos vazias dos poetas,
Menino Deus, amigo dos poetas,
Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu!

Feriu-me um dardo, ensanguentei as ruas
Onde o demónio em vão me apareceu.
Porque as estrelas todas eram suas,
Menino irmão dos que erram pelas ruas,
Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu!

Quem te ignorar ignora bem os que são tristes
Ó meu irmão Jesus, triste como eu.
Ó meu irmão, menino de olhos tristes,
Nada mais tenho além dos olhos tristes
Mas o que tenho, e nada tenho, é teu!

Poema: Pedro Homem de Mello
Música: Carlos Gonçalves
Intérprete: Ricardo Ribeiro
Primeira versão discográfica de Ricardo Ribeiro (in CD “Largo da Memória”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2013)
Versão original: Amália Rodrigues (in LP/CD “Obsessão”, EMI-VC, 1990, reed. Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)

Desdenharam-me, bem sei

[ Fado Lenitivo ]

Desdenharam-me, bem sei,
Quando um dia comecei
A cantar sofrida o fado;
Não sabiam o motivo:
É que o fado é lenitivo
D’um coração torturado.

Ao ver de todo perdidas,
As minhas esperanças mais queridas,
Senti, fui talvez pisada;
E era doce companhia
Para a minha melancolia
O chorar d’uma guitarra.

Amarguras e cansaços,
A minha dor em pedaços
Eu vou esquecendo a cantar;
E nos queixumes do fado,
Já nem sei se é um trinado
Se a minh’alma a soluçar.

Sei que me ouves lamentando,
As mágoas que vou cantando
Só tu podes entender;
Vou meu fado dedicar-te:
Uma dor que se reparte
Não custa tanto a sofrer.

Letra: Fernanda Santos
Música: Helena Moreira Vieira
Intérprete: Tânia Oleiro (in CD “Terços de Fado”, Museu do Fado Discos, 2016)
Versão original: Maria do Rosário Bettencourt (in EP “Lenitivo”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1966; CD “Maria do Rosário Bettencourt”, col. Fados do Fado, vol. 41, Movieplay, 1998)

Desta luta constante

[ O fado que me traga ]

Desta luta constante
O futuro é meu alento
Numa roda gigante
Tão gigante que pára o tempo

Uma volta sem regresso
Até uma terra esquecida
E na minha sorte tropeço
Sozinha na madrugada perdida

O fado que me traga
O que o tempo me levou
A saudade que me abra
O caminho do que sou
O fado que me traga
O que a saudade não deixou
O sentido das palavras
Que o tempo apagou

Uma lágrima no mar
Perdida na voz do silêncio
Aprisiona a ternura
E adormece o meu encanto

Quando me sinto nua
Não me quero ver mais ao espelho
O destino não me quer tua
Porque o amor morreu no desejo

O fado que me traga
O que o tempo me levou
A saudade que me abra
O caminho do que sou
O fado que me traga
O que a saudade não deixou
O sentido das palavras
Que o tempo apagou

Letra: Samuel Lopes
Música: Miguel Rebelo
Intérprete: Ana Laíns (in CD “Sentidos”, Difference, 2006)

Deus pede

Conta e Tempo

Deus pede [hoje] estrita conta do meu tempo
E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta;
Mas como dar, sem tempo, tanta conta,
Eu que gastei, sem conta, tanto tempo?

Para dar a minha conta feita a tempo
O tempo me foi dado, e não fiz conta;
Não quis, sobrando tempo, fazer conta,
Hoje quero acertar conta e não há tempo.

Oh! vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis o vosso tempo em passa-tempo!
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta
Pois aqueles que sem conta gastam tempo,
Quando o tempo chegar de prestar conta,
Chorarão, como eu, o não ter tempo!

Poema: Frei António das Chagas (António da Fonseca Soares, 1631-1682)
Música: José Júlio Paiva (Fado Complementar)
Intérprete: Camané (in CD “Infinito Presente”, Warner Music, 2015)

Dizem que o fado é saudade

[ O Sentir do Cantador ]

Dizem que o fado é saudade,
Miséria, sofrer e dor…
Mas o fado é, na verdade,
O sentir do cantador.

Em cada palavra sua,
Em cada verso cantado,
O cantador insinua
A tristeza do seu fado.

Não canta por simpatia,
Não canta para viver:
É que cantando alivia
Um pouco do seu sofrer.

Tornando tão magoado
O timbre da sua voz,
Que o fado fica gravado
Na alma de todos nós.

Letra: Maria Manuel Cid
Música: Francisco José Marques (Fado Évora)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Passeio à Mouraria”, RCA Victor, 1964; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978)

Então, até amanhã, meu dia triste

[ Último Poema ]

Então, até amanhã, meu dia triste,
Na taverna da noite do meu fado,
Onde canto o amor que não existe,
Neste meu amanhã abandonado.

Grito dentro de mim a noite e o dia,
Nesta hora do sonho mais profundo,
Que regressa na voz da despedida
Com que te vejo por estar no mundo.

Nas palavras amadas que perdi,
O ontem que tu foste já me foge.
“Então, até amanhã!”, disseste, e eu vi
Que o amanhã não chega ao ontem de hoje.

“Então, até amanhã!”, disseste, e eu vi
Que o amanhã não chega ao ontem de hoje.

Letra: Vasco de Lima Couto
Música: Manuel Mendes
Intérprete: Ricardo Ribeiro
Primeira versão discográfica de Ricardo Ribeiro (in CD “Hoje É Assim, Amanhã Não Sei”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2016)
Versão original: Beatriz da Conceição [ao vivo no Restaurante Típico Nónó, Lisboa

Era o amor

[ Verdes Anos ]

Era o amor
que chegava e partia:
estarmos os dois
era um calor
que arrefecia
sem antes nem depois…

Era um segredo
sem ninguém para ouvir:
eram enganos
e era um medo,
a morte a rir
nos nossos verdes anos…

Foi o tempo que secou
a flor que ainda não era.
Como o Outono chegou
no lugar da Primavera!

Era o amor
que chegava e partia:
estarmos os dois
era um calor
que arrefecia
sem antes nem depois…

Era um segredo
sem ninguém para ouvir:
eram enganos
e era um medo,
a morte a rir
nos nossos verdes anos…

No nosso sangue corria
um vento de sermos sós.
Nascia a noite e era dia,
e o dia acabava em nós…

Poema: Pedro Tamen (excerto)
Música: Carlos Paredes (introdução de “Despertar”, in EP “Guitarradas Sob o Tema do Filme Verdes Anos”, Alvorada, 1964; CD “Carlos Paredes e Artur Paredes”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 36, Movieplay, 1994; CD “Os Verdes Anos de Carlos Paredes: As Primeiras Gravações a Solo 1962-1963”, Movieplay, 2003; Livro/4CD “O Mundo Segundo Carlos Paredes: Integral 1958-1993”: CD1 – “Despertar”, EMI-VC, 2003)
Intérprete: Mariana Abrunheiro (in Livro/CD “Cantar Paredes”, Mariana Abrunheiro/BOCA – Palavras Que Alimentam, 2015)
Versão original (canção): Teresa Paula Brito (in filme “Os Verdes Anos”, de Paulo Rocha, 1963)
Outra versão de Teresa Paula Brito (in EP “Canções Para Fim de Noite”, Riso e Ritmo, 1968; CD “Teresa Paula Brito”, col. Clássicos da Renascença, vol. 61, Movieplay, 2000)

És Povo feito Mulher

[ Ai, Amália! ]

És Povo feito Mulher;
A cantar és toda a gente
que sabe aquilo que quer
e diz aquilo que sente.

As tuas caras são tantas:
mais de mil que Deus te deu…
Com mil corações tu cantas
e há mais mil dentro do teu.

Ai, Amália das mil caras
e mais de mil corações!
Ai, rio que nunca páras
até à foz das canções!…

Nos ecos da tuz voz,
nos silêncios que a torturam
sofrem pedaços do nós,
pedaços que se procuram.

Levantas a tua voz,
o Fado nasce ao teu jeito!
E sentimos todos nós
que te cabemos no peito…

Ai, Amália das mil caras
e mais de mil corações!
Ai, rio que nunca paras
até à foz das canções!…

Ai, Amália das mil caras
e mais de mil corações!
Ai, rio que nunca paras
até à foz das canções!…

Letra: Luísa Bivar
Música: João Braga
Intérprete: João Braga (in LP “Do João Braga para a Amália”, Diapasão/Lamiré, 1984; CD “João Braga”, col. Fado Alma Lusitana, vol. 19, Levoir/Correio da Manhã, 2012)

Esta ilha que há em mim

[ A Ilha do Meu Fado ]

Esta ilha que há em mim
E que em ilha me transforma
Perdida num mar sem fim
Perdida dentro de mim
Tem da minha ilha a forma

Esta lava incandescente
Derramada no meu peito
Faz de mim um ser diferente
Tenho do mar a semente
Da saudade tenho o jeito

Trago no corpo a mornaça
Das brumas e nevoeiros
Há uma nuvem que ameaça
Desfazer-se em aguaceiros
Nestes meus olhos de garça

Neste beco sem saída
Onde o meu coração mora
Oiço sons da despedida
Vejo sinais de partida
Mas teimo em não ir embora

Letra: João Mendonça
Letra: José Medeiros
Intérprete: Dulce Pontes (in CDs “Caminhos”, Movieplay, 1996; “O Coração Tem Três Portas”, Ondeia Música, 2006)

Eu quero cantar palavras

[ Fado Não-Valentim ]

Eu quero cantar palavras
De letras por inventar,

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Implacáveis como espadas,
Tão profundas como o mar.

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

As palavras por dizer
Por dentro das que são ditas,

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Impossíveis a crescer
Por fora das mais bonitas.

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Ditas todas devagar
No silêncio mais sonante,

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Como um conto de encantar,
Como a vaga mais distante.

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

E quando para as cantar
Elas se façam escrever,

Quero outro fado, ó-laró-laró!

Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

As letras serão meus lábios,
A tinta o meu sangue a arder.

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Dizer palavras de mel
Até a voz ficar rouca.

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Gastar toda a minha pele
Nos beijos da tua boca.

Quero outro fado, ó-laró-laró…,
Nos beijos da tua boca.

Letra: João Gigante-Ferreira
Música: Popular
Intérprete: Helena Sarmento
Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)

Eu sei que esperas por mim

[ Mais um Fado no Fado ]

Eu sei que esperas por mim,
Como sempre, como dantes,
Nos braços da madrugada;
Eu sei que em nós não há fim,
Somos eternos amantes
Que não amaram mais nada.

Eu sei que me querem bem,
Eu sei que há outros amores
Para bordar no meu peito;
Mas eu não vejo ninguém
Porque não quero mais dores
Nem mais bâton no meu leito.

Nem beijos que não são teus
Nem perfumes duvidosos,
Nem carícias perturbantes;
E nem infernos, nem céus,
Nem sol nos dias chuvosos,
Porque ‘inda somos amantes.

Mas Deus quer mais sofrimento,
Quer mais rugas no meu rosto
E o meu corpo mais quebrado; [bis]
Mais requintado tormento,
Mais velhice, mais desgosto
E mais um fado no fado.

Letra: Júlio de Sousa
Música: Carlos da Maia (Fado Perseguição)
Intérprete: Camané
Outras versões: Camané (in CD “Pelo Dia Dentro”, EMI-VC, 2001; 2CD “Camané: O Melhor 1995-2013 (Edição Especial)”: CD 2, EMI, 2013); Camané (in 2CD “Como Sempre… Como Dantes”: CD 1 – “Como Sempre: Ao Vivo em Palco”, EMI-VC, 2003); Camané (in DVD “Ao Vivo no S. Luiz”, EMI, 2006) [ao vivo com Fábia Rebordão, 2008 / Gala 12 do programa “Operação Triunfo”; Camané (in CD/DVD “Ao Vivo no Coliseu: Sempre de Mim”, EMI, 2009). Versão original [?]: Rui David (com música de Alfredo Marceneiro – Fado Cravo) (in EP “Meu Amor, Minha Saudade”, FF/RR Discos, ?)

Eu sei que sou demais

Eu sei que sou demais na tua vida,
Eu sei que nem me vês tão apagado,
Apenas uma sombra indefinida,
O resto de voz triste condenada.
Eu sei que sou demais na tua vida,
De tudo quanto fui não sou mais nada.

Ai quem me dera prender o teu futuro
E uni-lo ao meu, assim tal maneira,
Como hera verde se prende ao velho muro
E ali fica p’la vida inteira!

Eu sei que estou a mais no teu caminho,
Eu sei que nada tens p’ra me dar,
E sei que nesta luta estou vencido
Por outro amor que tens no meu lugar.
Mas sei, amor, que eu, da tua vida,
Ninguém jamais, ninguém pode apagar.

Ai quem me dera prender o teu futuro
E uni-lo ao meu, assim tal maneira,
Como hera verde se prende ao velho muro
E ali fica p’la vida inteira!

Ai quem me dera prender o teu futuro
E uni-lo ao meu, assim tal maneira,
Como hera verde se prende ao velho muro
E ali fica p’la vida inteira!

Letra e música: Joaquim Tavares Pimentel
Intérprete: Ricardo Ribeiro
Primeira versão discográfica de Ricardo Ribeiro (in CD “Hoje É Assim, Amanhã Não Sei”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2016)
Versão original: Alice Maria (in EP “Primeiro Amor”, Estúdio/Mundusom, 1972?)

Eu uso um xaile bordado

[ Num Gesto Que se Adivinha ]

Eu uso um xaile bordado
Porque os p’rigos que há no fado
São bem maiores que os da vida;
O xaile é como uma pele
E quando me embrulho nele
Sinto-me mais protegida.

Parece umas mãos de mãe:
Sabem guiar-nos tão bem
E sossegam tantos medos
Que sempre que elas me tocam
As franjas do xaile evocam
A ternura dos seus dedos.

Num gesto que se adivinha
O xaile é uma andorinha
Num céu que eu mesma criei;
Mas assim que o braço pára
O xaile que antes voara
Parece o manto de um rei.

E quando o corpo desiste
Numa palavra mais triste,
Num grito mais demorado,
O xaile velho e sem franjas
São asas de anjos ou anjas
Que me aconchegam ao Fado.

O xaile velho e sem franjas
São asas de anjos ou anjas
Que me aconchegam ao Fado.

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Armando Machado (Fado Maria Rita)
Intérprete: Katia Guerreiro* (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)

Existe um fado

[ Não Existe Fado Antigo ]

Existe um fado, um só fado
Que assenta na tradição;
E p’ra ser bem cantado
Só faz falta um coração.

Não é por pôr uma tuba,
Acrescentar a bateria
Que uma geração derruba
O que antes se fazia.

Não quero a eternidade
Nem os momentos de glória:
Quero deixar na saudade
Um pouco da minha história.

Não existe fado novo
Como não há fado antigo:
Ele é o grito que um povo
Carrega sempre consigo.

Não existe fado novo
Como não há fado antigo:
Ele é o grito que um povo
Carrega sempre consigo.

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: João do Carmo Noronha (Fado Pechincha)
Intérprete: Celeste Rodrigues (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)

Foi assim

[ Lume ]

Foi assim: era costume…
Tu vinhas pedir-me lume
Ao balcão daquele bar
E eu disse que não, primeiro;
Depois, comprei um isqueiro
E até voltei a fumar.

As noites que nós passámos!
Quantos cigarros fumámos!
Tanto lume que eu te dei!
Um dia acordei com frio:
Estava o cinzeiro vazio
E nunca mais te encontrei.

Mas ontem, naquele bar
De repente vi-te entrar,
Foste direita ao balcão:
Como era teu costume
Vieste pedir-me lume
Mas eu disse-te que não.

Se quando te foste embora
Deitei o isqueiro fora,
Que lume te posso eu dar?
Pede a outro que te ajude!
P’ra bem da minha saúde
Eu já deixei de fumar.

Sem dormir, de madrugada
Ouvi teus passos na escada,
Vi da janela o teu carro;
Debaixo do travesseiro
Encontraste o meu isqueiro
E acendeste-me o cigarro.

Letra: Manuela de Freitas
Música: Armando Machado (Fado Santa Luzia)
Intérprete: Camané (in CD “Infinito Presente”, Warner Music, 2015)

Já toda a gente sabe

[ Aos Sete Ventos ]

Já toda a gente sabe a novidade:
o Fado, que nasceu na Mouraria,
é Património da Humanidade
e quebra mais fronteiras dia a dia.

Há quem tenha aprendido português
p’ra entender de um modo mais profundo
os fados que a ‘Amália Rodriguez’
cantava aos sete ventos pelo mundo.

‘Thank you’, ‘gracias’, ‘merci’ ou ‘arigato’
são formas de o fadista agradecer:
quando ao chegar o fim de cada acto
vê lágrimas nos rostos a escorrer.

Em Espanha, no Brasil ou no Japão
o Fado é cada vez mais bem cantado;
e porque ali se escuta um coração
é Portugal que diz: “muito obrigado!”

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Armando Machado (Fado Aracélia ou Fado Cunha e Silva)
Intérprete: Cristina Branco (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)

Lavava no rio lavava

Lavava no rio lavava
Gelava-me o frio gelava
Quando ia ao rio lavar
Passava fome passava
Chorava também chorava
Ao ver minha mãe chorar

Cantava também cantava
Sonhava também sonhava
E na minha fantasia
Tais coisas fantasiava
Que esquecia que chorava
Que esquecia que sofria

Já não vou ao rio lavar
Mas continuo a chorar
Já não sonho o que sonhava
Se já não lavo no rio
Por que me gela este frio
Mais do que então me gelava

Ai minha mãe, minha mãe
Que saudades desse bem
Do mal que então conhecia
Dessa fome que eu passava
Do frio que me gelava
E da minha fantasia

Já não temos fome, mãe
Mas já não temos também
O desejo de a não ter
Já não sabemos sonhar
Já andamos a enganar
O desejo de morrer

Letra: Amália Rodrigues
Música: José Fontes Rocha
Intérprete: Amália Rodrigues (in “Gostava de Ser Quem Era”, Columbia/VC, 1980, reed. EMI-VC, 1995; CD “O Melhor de Amália”, vol. III, EMI-VC, 2003)

Luas de prata gentia

[ Se ao menos houvesse um dia ]

Luas de prata gentia
Nas asas de uma gazela
E depois, do seu cansaço,
Procurasse o teu regaço

No vão da tua janela
Se ao menos houvesse um dia
Versos de flor tão macia
Nos ramos com as cerejas
E depois, do seu Outono,
Se dessem ao abandono
Nos lábios, quando me beijas
Se ao menos o mar trouxesse
O que dizer e me esquece
Nas crinas da tempestade
As palavras litorais
As razões iniciais
Tudo o que não tem idade
Se ao menos o teu olhar
Desse por mim ao passar

Como um barco sem amarra
Deste fado onde me deito
Subia até ao teu peito
Nas veias de uma guitarra

Letra: João Monge
Música: Casimiro Ramos (Fado Três Bairros)

Intérprete: Camané (in CD “Esta Coisa da Alma”, EMI-VC, 2000)

Na ribeira deste rio

Na ribeira deste rio
Ou na ribeira daquele
Passam meus dias a fio
Nada me impede, me impele
Me dá calor ou dá frio

Vou vendo o que o rio faz
Quando o rio não faz nada
Vejo os rastros que ele traz
Numa sequência arrastada
Do que ficou para trás

Vou vendo e vou meditando
Não bem no rio que passa
Mas só no que estou pensando
Porque o bem dele é que faça
Eu não ver que vai passando

Vou na ribeira do rio
Que está aqui ou ali
E do seu curso me fio
Porque se o vi ou não vi
Ele passa e eu confio

Letra: Dori Caymmi, sobre poema de Fernando Pessoa
Música: Dori Caymmi ?
Intérprete: Paulo Bragança (in CD “Os Mistérios do Fado”, Polydor, 1996)

Na tua voz

[ Amália ]

Na tua voz há tudo o que não há,
há tudo o que se diz e não se diz;
Há os sítios da saudade em tua voz,
o passado, o futuro, o nunca, o já;
Há as sílabas da alma e há um país.
Porque tu, mais que tu, és todos nós.

Na tua voz embarca-se e não mais,
não mais senão o mar e a despedida.
Há um rasto de naufrágio em tua voz,
onde há navios a sair do cais,
nessa voz por mil vozes repartida.
Porque tu, mais que tu, és todos nós.

Há mar e mágoa, e a sombra de uma nau,
a gaivota de O’Neill e o rio Tejo,
saudade de saudade em tua voz,
um eco de Camões e o escravo Jau,
amor, ciúme, cinza e vão desejo.
Porque tu, mais que tu, és todos nós.

Amor, ciúme, cinza e vão desejo.
Porque tu, mais que tu, és todos nós.

Poema: Manuel Alegre
Música: José Fontes Rocha
Intérprete: João Braga (in CD “Fado Fado”, Ariola/BMG Portugal, 1997; CD “Fados Capitais”, Impreopa/A Capital, 2002)

Não Sou Fadista de Raça

Não sou fadista de raça,
Não nasci no Capelão;
Eu canto o fado que passa
Nas asas da tradição!

Nunca usei negra chinela
Nem vesti saia de lista;
Nunca entrei numa viela
Mas tenho raça fadista!

Tirei suspiros ao vento,
Olhei um pouco o passado;
Busquei do mar um lamento
E fiz assim o meu fado.

É este fado famoso
Que, em noites enluaradas,
O Conde de Vimioso
Tangia nas guitarradas.

Era fidalgo de raça
E ficou na tradição
Cantando o fado que passa
Na Rua do Capelão.

Letra: Maria Teresa Cavazinni
Música: Alfredo Duarte “Marceneiro” (Fado Bailarico)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “O Riso Que me Deste”, RCA Victor, 1967; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978; 2LP “Álbum de Recordações”: LP 1, Polydor/PolyGram, 1985; CD “Temas de Ouro da Música Portuguesa”, Polydor/PolyGram, 1992; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006; CD “Tereza Tarouca”, col. Fado Alma Lusitana III, vol. 3, Levoir / Correio da Manhã, 2014)

Nesta terra soberana e fadista

[ No Sítio do Coração ]

Nesta terra soberana e fadista
Concebido fruto da contradição
Eu nasci independente e meio artista
Navegante e poeta de ocasião
Eu nasci independente, mar à vista
Marinheiro e idealista de ocasião

Há quem diga que o futuro já está escrito
E por isso não adianta o que eu fizer
Outros dizem que isso não é mais que um mito
Inventado por um príncipe qualquer

Canta!
Ouve a guitarra que trina
Acompanhando o lamento
De tantas penas em vão!
Sente
O sentimento da gente
Que já só tem desalento
No sítio do coração!

Da janela do meu quarto vê-se o rio
Branqueando as suas águas na maré
Desaguando as suas mágoas num vazio
Para quem foi tudo pouco nada é
E ao olhar o seu reflexo tão vazio
Alguém viu que ele finge que não vê

Canta!
Ouve a guitarra que trina
Acompanhando o lamento
De tantas penas em vão!
Sente
O sentimento da gente
Que já só tem desalento
No sítio do coração!

Eu nasci independente e meio artista
Navegante e poeta de ocasião

Canta!
Ouve a guitarra que trina
Acompanhando o lamento
De tantas penas em vão!
Sente
O sentimento da gente
Que já chegou o momento
De ouvirmos outra canção!

Letra: J.J. Galvão (José João Oliveira Galvão)
Música: Rui Filipe Reis
Intérprete: Rosa Negra (in CD “Fado Mutante”, iPlay, 2011)

Nunca tive moeda de troca

[ Moeda de Troca ]

Nunca tive moeda de troca
Para o que recebi da saudade
Mas é só pelo que ela me toca
Que tudo o que canto, é verdade
É essa a moeda de troca
Cantar o meu fado, para o dar à saudade.

Mas às vezes o fado acontece
Sem que a gente entenda,
O que fez
E o fadista cansado agradece
E chora baixinho, outra vez

Quero unir a minha às vossas almas
Sem perder a saudade de vista
Não me importa que me batam palmas
Ou gritem à grande “Ahhh fadista!!”
Quero ouvir o silêncio das almas
Assim que o mistério do fado as conquista.

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Manuel Graça Pereira
Intérprete: Catarina Rocha

O Fado é triste

[ Fado do Contra ]

Perguntaste-me outro dia

[ Tudo Isto É Fado ]

Perguntaste-me outro dia
Se eu sabia o que era o fado;
Eu disse que não sabia,
Tu ficaste admirado.

Sem saber o que dizia,
Eu menti naquela hora
E disse que não sabia,
Mas vou-te dizer agora.

Se queres ser o meu senhor
E teres-me sempre a teu lado,
Não me fales só de amor:
Fala-me também de fado.

A canção que é meu castigo
Só nasceu p’ra me prender:
O fado é tudo o que eu digo
Mais o que eu não sei dizer.

Almas vencidas,
Noites perdidas,
Sombras bizarras;
Na Mouraria
Canta um rufia,
Choram guitarras.

Amor, ciúme,
Cinzas e lume,
Dor e pecado:
Tudo isto existe,
Tudo isto é triste,
Tudo isto é fado.

Se queres ser o meu senhor
E teres-me sempre a teu lado,
Não me fales só de amor:
Fala-me também de fado.

A canção que é meu castigo
Só nasceu p’ra me prender:
O fado é tudo o que eu digo
Mais o que eu não sei dizer.

Almas vencidas,
Noites perdidas,
Sombras bizarras;
Na Mouraria
Canta um rufia,
Choram guitarras.

Amor, ciúme,
Cinzas e lume,
Dor e pecado:
Tudo isto existe,
Tudo isto é triste,
Tudo isto é fado.

Letra: Aníbal Nazaré
Música: Fernando Carvalho
Intérprete: Rua da Lua
Primeira versão de Rua da Lua (in CD “Rua da Lua”, Rua da Lua, 2016)
Versão original: Amália Rodrigues (grav. 1952) (in CD “Abbey Road 1952”, EMI-VC, 1992, Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007)

Quando o fado era menino

[ Quando o Fado For Grande ]

Quando o Fado era menino
Dizia: “quando eu for grande
Hei-de inventar um destino
Que meu coração comande.”

E percebeu que os poetas
Eram quem, como as crianças,
Abriam portas secretas
Sem chaves nem alianças.

Ao entrar no universo
Do poeta popular,
Ele vai escrevendo um verso
Que já nasce milenar.

E por saber que os adultos
Podem voltar à infância,
Não quer que os poetas cultos
Se mantenham à distância.

Rouba um poema a Pessoa,
Ao Ary pede uma glosa
E uns versos sobre Lisboa
Ao mestre Linhares Barbosa.

Se voltasse a ser menino
Diria: “quando eu crescer
Hei-de inventar um destino
Num poema por escrever.”

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Alberto Simões da Costa (Fado Torres do Mondego)
Intérprete: Ricardo Ribeiro (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)

Se o fado é esta sina

[ É o Mar Que nos Ensina ]

Se o fado é esta sina
que nos lava a alma,
é o mar quem nos ensina
quando nos devolve a calma.

Não aceitar pantomina,
o que a sorte nos destina.
Sem saber o que queremos,
temos o que merecemos.

A vida assim
não é um canto à dor.
O fado é sina
mas também amor.

Diziam que era um povo
que não se governava,
mas forte o coração
não se deixava governar.

Somos terra de lavrar
e sabemos o mar de cor,
mas esta gente a cantar
é bem capaz do melhor.

A vida assim
não é um canto à dor.
O fado é sina
mas também amor.

E lá bem no fim do mundo,
não se entendendo as palavras,
sente-se a saudade eterna
no trinado das guitarras.

Porque a razão não se entende
nem se vê o fim ao mar,
mas na voz ainda há quem pense
ver o fado a marear.

A vida assim
não é um canto à dor.
O fado é sina
mas também amor.

A vida assim
não é um canto à dor.
O fado é sina
mas também amor.

Letra e música: José Barros
Arranjo: José Barros e Mimmo Epifani
Intérprete: José Barros e Navegante
Versão original: José Barros e Navegante (in CD “À’Baladiça”, Tradisom, 2018)

Sou do Fado

[ Loucura ]

Intérprete: Ana Moura

Sou cavaleiro errante

[ Fado Mutante ]

Sou cavaleiro errante
Deserto, imensidão
E vou errando sempre buscando o Oriente
Secreto no meu coração

Sou cavaleiro ausente
Tão-só recordação
E vou atrás do vento que vem de Levante
E cheira a jasmim e açafrão

Um dia vou contar a minha história
Talvez assim me prestes atenção
Porque o que eu sou é parte da memória
Que a gente tem guardada num caixão

Ai este fado mutante
De lua emigrante
De tempo liberto
Ai esta sina minguante
Às vezes tão longe
As vezes tão perto

Tão longe, tão longe, tão perto…

Sou cavaleiro andante
Herói de uma ficção
E levo sempre a luz de uma estrela cadente
Na palma da minha mão…

Um dia vou contar a minha história
Talvez assim me prestes atenção
Porque o que eu sou é parte da memória
Que a gente tem guardada num caixão

Ai este fado mutante
De lua emigrante
De tempo liberto
Ai esta sina minguante
Às vezes tão longe
Às vezes tão perto

Tão longe, tão longe, tão perto…
Tão longe, tão longe, tão perto…
Tão longe, às vezes tão perto…
Tão longe, tão longe, tão perto…
Tão longe, tão longe, tão perto…
Tão longe, tão longe, tão perto…

Às vezes longe
Às vezes perto
Às vezes longe
Às vezes perto
Às vezes longe
Às vezes perto
Às vezes longe
Às vezes perto

Letra: J.J. Galvão (José João Oliveira Galvão)
Música: Rui Filipe Reis
Intérprete: Rosa Negra (in CD “Fado Mutante”, iPlay, 2011)

Sou do fado

[ É Loucura ]

Sou do fado como sei,
Vivo um poema cantado
Dum fado que eu inventei.
A falar não posso dar-me,
Mas ponho a alma a cantar,
E as almas sabem escutar-me.

Chorai, chorai, poetas do meu país
Troncos da mesma raiz
Da vida que nos juntou!
E se vocês não estivessem a meu lado,
Então… não havia fado
Nem fadistas como eu sou.

Esta voz, tão dolorida,
É culpa de todos vós,
Poetas da minha vida.
“É loucura!”, oiço dizer,
Mas bendita esta loucura
De cantar e de sofrer.

Chorai, chorai, poetas do meu país,
Troncos da mesma raiz
Da vida que nos juntou!
E se vocês não estivessem a meu lado,
Então… não havia fado
Nem fadistas como eu sou.

E se vocês não estivessem a meu lado,
Então… não havia fado
Nem fadistas como eu sou.

Letra: Júlio de Sousa
Música: Júlio de Sousa (Fado Loucura)
Intérprete: Marta Pereira da Costa
Versão original: Lucília do Carmo (in LP “Recordações”, Decca/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2008; 2LP/CD “O Melhor de Lucília do Carmo”, EMI-VC, 1990; CD “O Melhor de Lucília do Carmo”, Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)

fadista Lucília do Carmo
fadista Lucília do Carmo

Sou filho de um deus menor

[ Adeus, Até um Outro Dia ]

Sou filho de um deus menor
E de um corrido maior
Mas seja lá o que for
Já nasci com esta dor

Cresci no fio da navalha
Sei a cartilha de cor
Num coração de canalha
Mora um pobre pinga-amor

Ai mas que triste a triste vida em que vive um desgraçado
Sempre a cavalo entre a desgraça e o fado malogrado

Muito boa noite, minhas senhoras, meus senhores!
Desculpem lá o meu atraso, cheguei tarde mas cheguei
E já que vim o melhor é eu cantar
E só não canto melhor porque eu não sei

A minha sorte na vida
Já adivinho qual é:
Ser uma rosa enjeitada
De que ninguém quer saber

Em tudo eu sou infeliz
Mesmo até no meu cantar
Põe-se a tremer a guitarra
Antes de me acompanhar

Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela companhia
No peito levo uma saudade, adeus, até um outro dia

Muito obrigado madames e cavalheiros
Mostrem lá os mealheiros para eu me motivar
E já que pedem vou-vos fazer a vontade
Que eu só canto pelo gosto de cantar

Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela companhia
No peito levo uma saudade, adeus, até um outro dia
Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela… em tão bela companhia
No peito levo… levo uma saudade, adeus, adeus, até um outro dia

Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela companhia
No peito levo uma saudade, adeus, até um outro dia

Muito obrigado madames e cavalheiros
Mostrem lá os mealheiros para eu me motivar
E já que pedem vou-vos fazer a vontade
Que eu só canto pelo gosto de cantar

Muito obrigado madames e cavalheiros
Os aplausos servem sempre para eu me consolar
E já que pedem vou-vos fazer a vontade
Que eu só canto pelo gosto de cantar

Letra: J.J. Galvão (José João Oliveira Galvão)
Música: Rui Filipe Reis
Intérprete: Rosa Negra (in CD “Fado Mutante”, iPlay, 2011)

Temos pena, hoje não dá

[ Fado Abananado ]

Temos pena, hoje não dá
estou fechada para balanço
Temos pena, hoje não dá
estou fechada para balanço
querem fado, pois não há
se não gostam como eu danço
querem fado, pois não há
se não gostam como eu danço”

Desculpe lá, turista
Bater o nariz na porta
A nossa fadista
Está numa de ir embora
Diz ela que não canta
Se não for para dançar
Falar, pouco adianta
Pois responde a cantar:

Refrão

Desculpe lá, turista
Também sinto aquilo que sente
A ingrata fadista
Acha que hoje isto é diferente
“fruta cristalizada”
Diz que é “só no bolo rei!”
Já nos mandou à fava
E canta por aí, que eu sei:

Refrão

Desculpe lá, turista
Já tomámos providência
É a sétima fadista
Com esta exigência
Querem abanar o fado
E nós dizemos que não
Mas o fado, abananado,
Já só pega de abanão

Refrão

Pedro da Silva Martins
Música: Manuel Graça Pereira
Intérprete: Catarina Rocha

Toda a saudade é fingida

[ Covers ]

Toda a saudade é fingida,
A tristeza disfarçada:
Parecem já não ter vida,
De fado não têm nada.

Já não são fados, são ‘covers’:
Imitações desalmadas,
Reproduções do destino
Tantas vezes tão cantadas.

Esses que tentam viver
Aquilo que outros viveram
Acabam por se perder
No tanto que não fizeram.

Vampiragem pós-moderna
Da Lisboa dos turistas:
Falam da velha taberna
Mas querem ser futuristas.

Letra: Duarte
Música: João do Carmo Noronha (Fado Pechincha)
Intérprete: Duarte (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)

Verdes ondas branca flor

[ Fado Azul (Se Azul se Atreve) ]

Verdes ondas branca flor
Cor-do-vento espuma breve
Verdes ondas branco-em-flor
Cor-do-vento espuma breve
Qualquer cor a do Amor
Beijo-azul p’ra quem se atreve
Qualquer cor a do Amor
Beijo-azul p’ra quem se entregue

Como barco rumo ao sul
No meu corpo a maresia
Como barco rumo ao sul
No meu corpo a maresia
À procura desse azul
Que o teu corpo prometia
Na procura desse azul
Naveguei-te até ser dia

Tão constante foste vaga
Tão ardente a maré-viva
Tão constante foste vaga
Tão ardente a maré-viva
Tua proa que naufraga
Nosso rasto de saliva
Tua proa que em mim naufraga
Nossas bocas à deriva

Este jeito de ser livre
Na prisão da tua boca
Este jeito de ser livre
Na prisão da tua boca
Sabe a tudo onde não estive
Lucidez que me põe louca
Sabe a tudo onde não estive
Lucidez é coisa pouca

Somos chuva tão precisa
Somos ventos do Magrebe
Somos ecos da Galiza
Somos tudo o que se perde
Somos língua que desliza
Como tudo o que se escreve
Somos beijo desta brisa
Beijo-azul se azul se atreve.

Letra: João Gigante-Ferreira
Música: Francisco Viana (Fado Vianinha)
Intérprete: Helena Sarmento
Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)

Voar

[ Fado em Branco ]

Voar
Sem culpa do mar
Que nunca se deita
Sentir
A chuva a cair
De vida insuspeita

Sofrer
A dor de morrer
Na dor imperfeita
Sorrir
Por dentro mentir
Verdade perfeita

Assim é a vida
De dor dividida
Cerrada no peito
Um barco à deriva
Verdade fingida
Doença sem leito

Eu bem que não queria
Saber algum dia
Que sempre serei
O vento do norte
Sem vida nem morte
Sem crime nem lei

Amar
De amor sufocar
A boca na boca

Florir
Ficar e partir
De tanto ser pouca

Vender
De graça o prazer
Sentir como louca

Chorar
Sem culpa do mar
Do beijo e da boca

Assim é a vida
De amor dividida
Cerrada no peito
Um barco à deriva
Mentira fingida
Doença sem leito

Eu bem que não queria
Saber algum dia
Que sempre serei
O vento do norte
Sem vida nem morte
Sem crime nem lei

Eu bem que não queria
Saber algum dia
Que sempre serei
O vento do norte
Sem vida nem morte
Sem crime nem lei

O verso da sorte
Sem que isso me importe
Saber que cheguei

Letra: João Gigante-Ferreira
Música: Samuel Cabral e João Gigante-Ferreira
Intérprete: Helena Sarmento
Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)

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Cantigas de pão e vinho

Canções de alimentação

Letras

BEBE A TERRA NEGRA

[ Fragmentos ]

1. Bebe a terra negra
e à terra as árvores
as águas aos ventos
o sol às águas
e ao sol a lua
E as estrelas claras
Porque é que só eu
não hei-de beber?

2. Traz a água e o vinho e coroas
de flores que agora com Eros
me debato…

3. De novo amo e já amo
Deliro e não deliro
Estou louco e não estou louco

Poema: Anacreonte (Grécia, séc. VI a.C.) (in O Vinho e as Rosas: Antologia de Poemas Sobre a Embriaguez , org. Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim, 1995)
Recitado por Carlos Mota de Oliveira
Música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé (in CD “Vinho dos Amantes”, Som Livre, 2007)

DEVE-SE ESTAR SEMPRE EMBRIAGADO

[Embriagai-vos ]

Deve-se estar sempre embriagado. Nada mais
importa. Para que o horrível fardo do tempo
não vos pese sobre os ombros e vos faça pender
para a terra, deveis embriagar-vos sem cessar.
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude,
à vossa escolha. Mas embriagai-vos!
E se um dia, nos degraus de um palácio, na erva
verde de uma valeta, na solidão baça do vosso
quarto, acordades, já sóbrios, perguntai ao vento,
à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que
foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo
o que canta, a tudo o que fala, perguntai: “Que
horas são?”. E o vento, a onda, a estrela, a ave,
o relógio, responder-vos-ão: “São horas de vos
embriagardes!”. Para que não sejais os escravos
martirizados do tempo, embriagai-vos sem cessar.
De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha.

Poema em prosa: Charles Baudelaire (in O Vinho e as Rosas: Antologia de Poemas Sobre a Embriaguez, org. Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim, 1995)
Recitado por Carlos Mota de Oliveira
Música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé (in CD “Vinho dos Amantes”, Som Livre, 2007)

Reciclanda

Reciclanda

O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração), realiza oficinas de música durante o ano letivo e dinamiza atividades em colónias de férias. Municípios, Escolas, Agrupamentos, Colégios, Festivais, Bibliotecas, CERCI, Centros de Formação, Misericórdias, Centros de Relação Comunitária, podem contratar serviços Reciclanda.

Contacte-nos:

António José Ferreira
962 942 759

DONDE VEM RODRIGO

[ Cantigas às Serranas ]

Donde vem Rodrigo,
Donde vem Gonçalo,
De sachar o milho,
De mondar o prado.

Seja diligente
Quem amor semeia,
Que quem não granjeia
Não colhe a semente.
Semeou Rodrigo,
Semeou Gonçalo,
Haverão do milho
Se mondam o prado.
Quem de amor se esquece
No tempo de verde,
Não colhe o que perde
Entre erva que cresce,
Por isso Rodrigo,
Por isso Gonçalo,
Vão sachar o milho,
Vão mondar o prado.
Amor que aproveita,
Se antes de gradar
Cresce em seu lugar
Ciúme e suspeita,
Triste de Rodrigo,
Triste de Gonçalo,
Mal por seu cuidado,
Se não sacha o milho,
Se não monda o prado.
Amor que ficou
Em terra deserta
Colhe quem acerta,
Não quem semeou.
Semeou Rodrigo,
Semeou Gonçalo,
Para haverem o milho
Cumpre haver cuidado.
Em terra mimosa
Ninguém faça escolha,
Vai-se o grão na folha,
De muito viçosa.
Gonçalo e Rodrigo,
Cumpre ser lembrado,
De sachar o milho,
De mondar o prado.

Letra: Baltazar Estaço
Música: Custódio Castelo
Intérprete: Cristina Branco (in CD “Sensus”, Universal, 2003)

HOJE O ESPAÇO É ESPLÊNDIDO

[ O Vinho dos Amantes ]

Hoje o espaço é esplêndido
Sem freio, sem esporas, sem rédea,
Partamos evolados do vinho
Para um céu mágico e divino!

Como dois anjos que calentura
implacável tortura
No azul cristal da manhã
Sigamos a miragem distante!

Mansamente balouçados sobre a asa
Do turbilhão inteligente,
Num delírio paralelo,

Minha irmã, voando olhos nos olhos,
Fugiremos sem descanso nem tréguas
Para o paraíso dos meus sonhos

Poema: Charles Baudelaire (versão livre de Janita Salomé)
Música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé (in CD “Vinho dos Amantes”, Som Livre, 2007)

QUEM QUISER QUE CANTE

[ Quadras ]

Quem quiser que cante bem
Dê-me uma pinga de vinho
O vinho é coisa boa
Faz o cantar mais fininho

Venha vinho, beberemos
Molharemos a garganta
Eu sou como o rouxinol
Quanto mais bebe mais canta

O vinho é coisa santa
Que nasce da cepa torta
A uns faz perder o tino
A outros errar a porta

O meu amor já vem torto
Já se perdeu no caminho
Já não se lembra de mim

Quadras populares (recolhidas por Manuel Rocha, da Brigada Victor Jara), excepto a penúltima, da autoria de António Aleixo, e a última, de Francisco Hélder Pimenta (Ti Chico Chinês), do Redondo.
Música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé (in CD “Vinho dos Amantes”, Som Livre, 2007)

VÁ DE BOCA EM BOCA

[ No Banquete ]

Vá de boca em boca
Uma taça dourada
Somos pó e nada,
Estamos a passar
Como o vinho passa
Na taça
Da vida
P’ra logo em seguida
No chão se entornar.

Vá de boca em boca
Uma taça bem cheia.
A luz da candeia
Fez de nós iguais.
Só gente e tristeza
Na mesa
Da vida
Até que a bebida
Nos torne imortais.

Vá de boca em boca
Uma taça de prata.
Se o prazer nos mata,
Deixá-lo matar.
É a melhor morte
Que em sorte
Nos calha
Cair na batalha
No chão do lagar.

Vá de boca em boca
Uma taça de cobre.
E se houver que sobre
Siga outra rodada
Bebamos, que foge
Já hoje
Outro dia
E no fim da orgia
Somos pó e nada.

Poema (inédito): Hélia Correia
Música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé (in CD “Vinho dos Amantes”, Som Livre, 2007)

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António Variações

Canções sobre a vida

Letras

De tanta vida que prendo

[ Fado do Cansaço ]

É ou não é

É ou não é
Que o trabalho dignifica
É assim que nos explica
O rifão que nunca falha?
É ou não é
Que disto, toda a verdade,
Que só por dignidade
No mundo, ninguém trabalha!

É ou não é
Que o povo nos diz que não,
Que o nariz não é feição
Seja grande ou delicado?
No meio da cara
Tem por força que se ver,
Mesmo a quem o não meter
Aonde não é chamado!

Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é!
Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é! Pois é!

É ou não é
Que um velho que à rua saia
Pensa, ao ver a minissaia:
Este mundo está perdido?!
Mas se voltasse
Agora a ser rapazote
Acharia que saiote
É muitíssimo comprido?

É ou não é
Bondosa a humanidade
Todos sabem que a bondade
É que faz ganhar o céu?
Mas a verdade,
Nua sem salamaleque,
Que tive de aprender
É que ai de mim se não for eu!

Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é!
Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é! Pois é!

Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é!
Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é! Pois é!

Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é!
Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é! Pois é!

Letra: Alberto Janes
Intérprete: Mariza

Estrada da vida

Estrada da vida,
Oh estrada do meu destino,
Onde, feito peregrino,
Meu coração se perdeu!
Estrada da vida,
Feita de dor e de esperança,
Quem a subiu não se cansa,
Que o diga quem a desceu.

Estrada da vida,
Longa estrada onde eu sigo,
Sem ter mesmo um braço amigo
Onde me possa apoiar;
Estrada da vida,
Onde os passos mal dados
Ficam p’ra sempre marcados
Como na pele a sangrar.

Volta depressa,
Ó minha esperança perdida!
Um rumo certo na vida
Quero por fim encontrar.

Volta depressa,
Ó minha esperança perdida!
Um rumo certo na vida
Quero por fim encontrar.

Volta depressa,
Ó minha esperança perdida!
Um rumo certo na vida
Quero por fim encontrar.

Letra e música: João Dias Nobre
Intérprete: Ricardo Ribeiro (in CD “Hoje É Assim, Amanhã Não Sei”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2016)
Versão original: Maria José da Guia (in EP “Barro Divino”, Estúdio/Mundusom, 1969?)

Reciclanda

Reciclanda

O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração), realiza oficinas de música durante o ano letivo e dinamiza atividades em colónias de férias. Municípios, Escolas, Agrupamentos, Colégios, Festivais, Bibliotecas, CERCI, Centros de Formação, Misericórdias, Centros de Relação Comunitária, podem contratar serviços Reciclanda.

Contacte-nos:

António José Ferreira
962 942 759

Eu sei

[ O tempo não para ]

Eu sei, que a vida tem pressa
que tudo aconteça,
sem que a gente peça,
Eu sei,
Eu sei, que o tempo não pára,
tempo é coisa rara
e a gente só repara,
quando ele já passou

Não sei, se andei depressa demais
Mas sei que algum sorriso eu perdi
Vou pedir ao tempo,
que me dê mais tempo
para olhar para ti
De agora em diante,
não serei distante
Eu vou estar aqui

Cantei,
cantei a Saudade da minha cidade
e até com vaidade, cantei
Andei, pelo Mundo fora
e não via a hora
de voltar para ti

Não sei, se andei depressa demais
Mas sei que algum sorriso eu perdi
Vou pedir ao tempo,
que me dê mais tempo
para olhar para ti
De agora em diante,
não serei distante
Eu vou estar aqui

Música: Miguel Gameiro
Intérprete: Mariza

Hoje, a semente

[ O Melhor de Mim ]

Letra: AC Firmino
Música: Tiago Machado
Intérprete: Mariza

Largar, partir

Largar, partir
Desta terra pardacenta
Desta gente sempre igual
Macambúzia, pachorrenta
Indiferente e desatenta
Deste imenso lamaçal
De chorincas
Eternos sorumbáticos
De sopinhas sem sal
Dengosos e apáticos
Seus choros melismáticos
Lamúrias em caudal
A verter, a verter
Pois chorar é beber!

Largar, partir
Rumo a terras misteriosas
Com segredos sem ter fim
Criaturas majestosas
Outras tantas tenebrosas
Como nunca vi assim
E tesouros
Druidas, feiticeiros
E pós de perlimpimpim
Princesas e arqueiros
Sereias, viageiros
Tudo novo para mim
A encher, a encher
Pois partir é crescer!

Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
A não ser p’ra voltar a partir

Largar, partir
Rumo a terras misteriosas
Com segredos sem ter fim
Criaturas majestosas
Outras tantas tenebrosas
Como nunca vi assim
E tesouros
Druidas, feiticeiros
E pós de perlimpimpim
Princesas e arqueiros
Sereias, viageiros
Tudo novo para mim
A encher, a encher
Pois partir é crescer!

Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
A não ser p’ra voltar a partir

Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
A não ser p’ra voltar a partir

Letra e música: Manuel Maio
Intérprete: A Presença das Formigas (in CD “Pé de Vento”, A Presença das Formigas/Careto/XMusic, 2014)

Gaivotas

Muda de vida

Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se a vida em ti a latejar

Ver-te sorrir eu nunca te vi
E a cantar, eu nunca te ouvi
Será te ti, ou pensas que tens… que ser assim?

Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se a vida em ti a latejar

Ver-te sorrir eu nunca te vi
E a cantar, eu nunca te ouvi
Será te ti, ou pensas que tens… que ser assim?

Olha que a vida não, não é nem deve ser
Como um castigo que tu terás que viver

Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se a vida em ti a latejar

Letra e música: António Variações
Intérprete: Manuela Azevedo / Humanos (in CD “Humanos”, EMI-VC, 2004)

Não consigo dominar

[ Estou Além ]

Não consigo dominar
Este estado de ansiedade
A pressa de chegar
P’ra não chegar tarde
Não sei de que é que eu fujo
Será desta solidão
Mas porque é que eu recuso
Quem quer dar-me a mão

Vou continuar a procurar
A quem eu me quero dar
Porque até aqui eu só

Quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi

Esta insatisfação
Não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder
Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
Vontade de partir
P’ra outro lugar

Vou continuar a procurar
O meu mundo, o meu lugar
Porque até aqui eu só

Estou bem
Aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou

Esta insatisfação
Não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder
Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
Vontade de partir
P’ra outro lugar

Vou continuar a procurar
A minha forma, o meu lugar
Porque até aqui eu só

Estou bem
Aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou

Letra e música: António Variações (António Joaquim Rodrigues Ribeiro)
Intérprete: António Variações (in single “Povo Que Lavas no Rio / Estou Além”, EMI-VC, 1982; “Anjo da Guarda”, EMI-VC, 1983, reed. 1998; CD “O Melhor de António Variações”, EMI-VC, 1997)

Rapaz do Bairro da Lata

Nasci no Vale Escuro
Brinquei entre latas
Pulei o alão
Andei à pedrada
Escorreguei do muro
Caí no jará
Ganhei ao pião.
A jogar à bola
Perdi a sacola
Mais o que trazia
A fugir ao guarda
Que nos perseguia.
Mas que bem sabia
Faltarmos à escola!

Já rapaz crescido
Sequer fui ouvido
Só meu pai o quis:
Entrei de aprendiz
Para uma oficina
Minha negra sina
Ofício gritado
Estalo safanão
Era um pau-mandado
Nas mãos do patrão.

Lembrança dos jogos
Que tanto gostava
Deu-me pra pensar
Que jogo era aquele
Que só um jogava?
E no outro dia
Logo que o patrão
Levantou da mão
Para a bofetada
Peguei num martelo
Entrei na jogada.

Mudei de oficina
Subi de aprendiz
Dobrei uma esquina
Minha vida fiz.
Na escola nocturna
Meti-me a estudar
Tenho namorada
Vamos namorar
Tenho amigos certos
Vamos trabalhar
Todos a lutar
Pelas coisas da vida
Que queremos viver!

Poema: Manuel da Fonseca (De “Poemas Inéditos”, in “Poemas Completos”, pref. Mário Dionísio, 5.ª edição, Lisboa: Forja, 1975 – p. 171-172)
Música: Paulo Ribeiro
Intérprete: Paulo Ribeiro com Tim (in CD “O Céu Como Tecto e o Vento Como Lençóis”, Açor/Emiliano Toste, 2017)

Manuel da Fonseca

Manuel da Fonseca

Não tenhas medo do escuro

Não tenhas medo do escuro
Mesmo que seja tão duro
Ter à frente a noite inteira;
Vou cantar para tu dormires
E até tu conseguires
Fico à tua cabeceira.

Para que fiques descansada
E não durmas assustada
Vou deixar a luz acesa;
Assim podes ter certeza
Que não há sombra malvada
Que te apanhe de surpresa.

Não fiques assim de cara triste!
O que dói nunca resiste até mais não
E nada cai mais fundo do que o chão.

Tristeza não é feitio
E o calor depois do frio
É tão certo como o Verão;
Por maior que seja a ferida
Tu vais ver que tem saída
Essa dor no coração.

Mesmo que tudo pareça
Não ter pés nem ter cabeça,
Mete fé no que eu te juro;
Eu vou estar aqui por perto
E não há nada mais certo
Que a manhã depois do escuro.

Não fiques assim de cara triste!
O que dói nunca resiste até mais não
E nada cai mais fundo do que o chão.

Não fiques assim de cara triste!
O que dói nunca resiste até mais não
E nada cai mais fundo do que o chão.

E nada cai mais fundo do que o chão.

Letra: José Fialho Gouveia
Música: Rogério Charraz
Arranjo: Rogério Charraz, Paulo Loureiro e Jaume Pradas
Intérprete: Rogério Charraz (in CD “Não Tenhas Medo do Escuro”, Rogério Charraz/Compact Records, 2016)

Largar, partir

Largar, partir
Desta terra pardacenta
Desta gente sempre igual
Macambúzia, pachorrenta
Indiferente e desatenta
Deste imenso lamaçal
De chorincas
Eternos sorumbáticos
De sopinhas sem sal
Dengosos e apáticos
Seus choros melismáticos
Lamúrias em caudal
A verter, a verter
Pois chorar é beber!

Largar, partir
Rumo a terras misteriosas
Com segredos sem ter fim
Criaturas majestosas
Outras tantas tenebrosas
Como nunca vi assim
E tesouros
Druidas, feiticeiros
E pós de perlimpimpim
Princesas e arqueiros
Sereias, viageiros
Tudo novo para mim
A encher, a encher
Pois partir é crescer!

Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
A não ser p’ra voltar a partir

Largar, partir
Rumo a terras misteriosas
Com segredos sem ter fim
Criaturas majestosas
Outras tantas tenebrosas
Como nunca vi assim
E tesouros
Druidas, feiticeiros
E pós de perlimpimpim
Princesas e arqueiros
Sereias, viageiros
Tudo novo para mim
A encher, a encher
Pois partir é crescer!

Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
A não ser p’ra voltar a partir

Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
A não ser p’ra voltar a partir

Letra e música: Manuel Maio
Intérprete: A Presença das Formigas (in CD “Pé de Vento”, A Presença das Formigas/Careto/XMusic, 2014)

O dia não te correu bem

[ A Mesma Camisola ]

O dia não te correu bem e não gostas do que fazes
E agora só pedes um pouco de atenção
Diz tudo para fora, estou pronto para ouvir
Diz-me algo que não saiba e que te dê a razão
Vais ter de mim um ar de sério compreensivo
Num abraço convincente, como se fosse um irmão
Diz agora o que te vai na mente e no que puder ajudar
Tens aqui um amigo com quem… com quem podes contar
No fundo, na frente, na mesma camisola,
A frio, a quente com a cara para dar
No bom, no mau, no que importa realmente
Levo a tua bandeira, onde consiga chegar

O dia não te correu bem e não gostas do que fazes
Não é culpa de ninguém e podes sempre mudar
Procura no que sabes um caminho para andar
Trata a vida sempre bem, que ela bem te vai tratar
Põe amor no teu caminho e a verdade ao de cima
Nunca ficarás sozinho e podes ajudar também
Se alguém no teu presente possa a vir necessitar
Faz de ti um amigo com quem… com quem se possa contar
No fundo, na frente, na mesma camisola,
A frio, a quente com a cara para dar
No bom, no mau, no que importa realmente
Levo a tua bandeira, onde consiga chegar

No fundo, na frente, na mesma camisola,
A frio, a quente e com a cara para dar
No bom, no mau, no que importa realmente
Levo a tua bandeira, onde consiga chegar

No fundo, na frente, na mesma camisola,
A frio, a quente e com a cara para dar
No bom, no mau, no que importa realmente
Levo a tua bandeira…

Letra e música: Luís Pucarinho
Intérprete: Luís Pucarinho com Jorge Benvinda (in CD “Orgânica Mente Humana”, Caracol Secreto Associação/Alain Vachier Music Editions, 2015)

O que é a vida?

[ Fala do Índio ]

O que é a vida? É o brilho.
O que é a vida? É a noite.
É o sopro do bisonte
no inverno, no inverno.

É sombra que corre na erva
e se perde ao fim do dia.
As cinzas dos antepassados
são p’ra nós sagradas
e quando os bosques sussurram
não sentimos medo,
e quando os bosques sussurram
não sentimos medo.

O que é a vida? É o brilho.
O que é a vida? É a noite.
É o sopro do bisonte
no inverno, no inverno.

É sombra que corre na erva
e se perde ao fim do dia.
As cinzas dos antepassados
são p’ra nós sagradas
e quando os bosques sussurram
não sentimos medo,
e quando os bosques sussurram
não sentimos medo.

O que é a vida?

O que é a vida? É o brilho.
O que é a vida? É a noite.
É o sopro do bisonte
no inverno, no inverno.

O que é a vida?
O que é a vida?

O que é a vida?

Letra e música: João Afonso Lima
Intérprete: João Afonso (in CD “Missangas”, Mercury/Polygram, 1997, reed. Universal Music, 2017)

João Afonso, Missangas

João Afonso, Missanga

Que do céu tombassem violinos

[ Epitáfio ]

Que do céu tombassem violinos
Decidindo por nós, gente maior,
Na forma, no projecto e na ideia,
No fazer sempre mais, sempre melhor!

Que o povo alcançasse em sentimento
Sempre a classe mais alta do poema
E a vida fosse mais que este momento
Entre farrapos de nada e alfazema!

Que a vida fosse alma e fosse vinho,
Fosse vento nas searas ondulantes
E orgasmos de prazer e rosmaninho
E luxo e sonho e fúria a cada instante!

E oceanos de espuma nos levassem
Cavalgando o desespero de partir!
E tudo fosse simples e elevado
Como um prado orvalhado no sentir!

De tudo, tanto que eu acreditei
Tantos anos de espera convertida,
Sobra um sabor de que nada aconteceu
Pelas regras que devia haver na vida.

Por isso, um dia, parto, assim, sem despedida
Entre memórias e cantos partilhados.
E este excesso fabuloso sem ter fim
Vai comigo, fiquem, disso, descansados.

Sobrará de mim, talvez, fraca memória,
Esta luxúria da vida, alguns recados,
Este modo amordaçado de sorrir
E uma montanha de amores nunca alcançados.

Espantosamente, como é qu’inda deixo sonhos?
Mais que o dobro dos feitos consumados!
Só não deixo meias-tintas nem favores,
Nem regras, nem peias, nem pudores.

Deixo excessos, truculências e humores.
Mas virtudes?! Nem pensar! Tudo pecados!

Espantosamente, como é qu’inda deixo sonhos?
Mais que o dobro dos feitos consumados!
Só não deixo meias-tintas nem favores,
Nem regras, nem peias, nem pudores.

Deixo excessos, truculências e humores.
Mas virtudes?! Nem pensar! Tudo pecados!

Poema e música: Pedro Barroso
Intérprete: Pedro Barroso* (in CD “Palavras ao Vento”, Ovação, 2014)

Pedro Barroso
Pedro Barroso
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Contradições

Canções de contrários

Letras

A chuva choveu

[ Chuva de Paus ]

A chuva choveu num dia de sol
Um peixe cresceu em cima do anzol
Tenho dois corações para gostar melhor
Um bate cá dentro, o outro não tem lugar

Um rio balançou p’ra trás e p’rá frente
Tenho duas bocas p’ra cantar diferente
Uma tem tristeza e cheiro a manjerico
Quando a outra cant’a esta dá lhe o fanico

Chuva de Paus, Castelo de Areia
Grão-de-Bico é bom à sombra da bananeira
Tenho sete vidas e uma epifania
Sou gata, estou viva no reino de hoj’em dia

Chuva de Paus, Castelo de Areia
Grão-de-Bico é bom à sombra da bananeira
Tenho sete vidas e uma epifania
Sou gata, estou viva no reino de hoj’em dia

Letra: Miguel Cardina
Música: Pedro Damasceno
Arranjo: Diabo a Sete
Intérprete: Diabo a Sete (in CD “tarAra”, atrasdosbarrocos.com, 2011)

Alguém a ganhar

[ O Beijo da Medusa ]

Alguém a ganhar
Alguém a perder
Alguém a lucrar
Alguém a morrer
Nestas areias movediças
De ganâncias, de cobiças
Um sinistro ritual
Terra prometida
Prometida a quem?
Terra proibida
Terra de ninguém
É uma nova Babilónia
Por dentro da nossa insónia
Uma louca espiral
Pode ser fatal a voz da tua musa
Muito cuidado com o beijo da medusa
Pode ser fatal a voz da tua musa
Muito cuidado com o beijo da medusa
O ovo da serpente, a dança guerreira
Vê lá, não deites gasolina na fogueira
E pode ser fatal a voz da tua musa
Muito cuidado com o beijo da medusa
Salta, soldadinho
Da tua trincheira
Salta, soldadinho
Desta bandalheira
Será que a vida continua?
Esta guerra não é tua
Quem te quer endrominar?

Alguém a ganhar
Alguém a perder
Alguém a lucrar
Alguém a morrer
Sorte caipora
Já abriram a boceta de Pandora
Quem nos quer envenenar?

Pode ser fatal a voz da tua musa
Muito cuidado com o beijo da medusa
Pode ser fatal a voz da tua musa
Muito cuidado com o beijo da medusa
O ovo da serpente, a dança guerreira
Vê lá, não deites gasolina na fogueira
E pode ser fatal a voz da tua musa
Muito cuidado com o beijo da medusa
Gregos e troianos
Abutres e falcões
Há tantos enganos
Nas vossas missões
Rio de raiva e de veneno
Sanguinário, tão obsceno
Um pesadelo que não tem fim
Uivo de chacais
Voz que se apagou
Em lutas tribais
Pranto que secou
Vou questionar a tua sentença, a tua lei
Pois já nem sei
Se foi Abel que matou Caim

Letra e música: José Medeiros
Arranjo: Paulo Borges
Intérprete: José Medeiros (in Livro/2CD “Fados, Fantasmas e Folias”: CD 1, Algarpalcos, 2010)

Reciclanda

Reciclanda

O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração), realiza oficinas de música durante o ano letivo e dinamiza atividades em colónias de férias. Municípios, Escolas, Agrupamentos, Colégios, Festivais, Bibliotecas, CERCI, Centros de Formação, Misericórdias, Centros de Relação Comunitária, podem contratar serviços Reciclanda.

Contacte-nos:

António José Ferreira
962 942 759

Anda cá

[ Tempos Anormais ]

Anda cá, se queres ver
As coisas que eu vi:
Um pato a endoidecer,
Outro a sorrir.

Anda cá, nem podes crer
Coisas de contar:
Uma centelha a chover,
Outra a congelar.

Anda cá, se queres ver
As coisas que eu vi:
Gente cansada a lançar
Pragas contra si.

Andam no ar vibrações,
Tempos anormais,
Gente que pede aflições
A quem lhas der mais.

Anda cá, se queres ver
As coisas que eu vi:
Um pato a endoidecer,
Outro a sorrir.

Anda cá, nem podes crer
Coisas de contar:
Uma centelha a chover,
Outra a congelar.

Anda cá, se queres ver
As coisas que eu vi:
Gente cansada a lançar
Pragas contra si.

Andam no ar vibrações,
Tempos anormais,
Gente que pede aflições
A quem lhas der mais.

Letra: Miguel Cardina
Música: Pedro Damasceno, Julieta Silva e Celso Bento
Intérprete: Diabo a Sete (in CD “Figura de Gente”, Sons Vadios, 2016)

A Verdade da Mentira

Coisas que o Mundo não me quer contar
Ou eu não sei entender;
Coisas que a vida me quer ensinar
E eu não quero aprender.

Será que os rios
Sabem o caminho do mar
P’ra lá chegar?
Ou alguém lhes vem mostrar?…

Se eu te contar a verdade
Sem te dizer quase nada,
Tu vais dizer com vontade
Que eu escondo a verdade calada.

Mas, se eu te contar a verdade
E te disser que é mentira,
Tu vais dizer com vontade
Que até a verdade se vira.

Por trás do muro há uma voz a falar,
Deste lado nada se vê;
Dizem-me sempre par’acreditar
Mas não me dizem em quê.

Tantas palavras cruzadas perdidas p’lo ar
E eu a pensar…
Como as hei-de eu arrumar?

Se eu te contar a verdade
Sem te dizer quase nada,
Tu vais dizer com vontade
Que eu escondo a verdade calada.

Mas, se eu te contar a verdade
E te disser que é mentira,
Tu vais dizer com vontade
Que até a verdade se vira.

Se eu te contar a verdade
Sem te dizer quase nada,
Tu vais dizer com vontade
Que eu escondo a verdade calada.

Mas, se eu te contar a verdade
E te disser que é mentira,
Tu vais dizer com vontade
Que até a verdade se vira.

Se eu te contar a verdade
Sem te dizer quase nada,
Tu vais dizer com vontade
Que eu escondo a verdade calada.

Mas, se eu te contar a verdade
E te disser que é mentira,
Tu vais dizer com vontade
Que até a verdade se vira.

Letra: Sebastião Antunes
Música: Paulo Loureiro
Arranjo: Paulo Loureiro e José Salgueiro
Intérprete: Ana Laíns (in CD “Portucalis”, Ana Laíns/Seven Muses, 2017)

Coisas que o mundo

[ A Verdade da Mentira ]

Coisas que o Mundo não me quer contar
Ou eu não sei entender;
Coisas que a vida me quer ensinar
E eu não quero aprender.

Será que os rios
Sabem o caminho do mar
P’ra lá chegar?
Ou alguém lhes vem mostrar?…

Se eu te contar a verdade
Sem te dizer quase nada,
Tu vais dizer com vontade
Que eu escondo a verdade calada.

Mas, se eu te contar a verdade
E te disser que é mentira,
Tu vais dizer com vontade
Que até a verdade se vira.

Por trás do muro há uma voz a falar,
Deste lado nada se vê;
Dizem-me sempre par’acreditar
Mas não me dizem em quê.

Tantas palavras cruzadas perdidas p’lo ar
E eu a pensar…
Como as hei-de eu arrumar?

Se eu te contar a verdade
Sem te dizer quase nada,
Tu vais dizer com vontade
Que eu escondo a verdade calada.

Mas, se eu te contar a verdade
E te disser que é mentira,
Tu vais dizer com vontade
Que até a verdade se vira.

Se eu te contar a verdade
Sem te dizer quase nada,
Tu vais dizer com vontade
Que eu escondo a verdade calada.

Mas, se eu te contar a verdade
E te disser que é mentira,
Tu vais dizer com vontade
Que até a verdade se vira.

Se eu te contar a verdade
Sem te dizer quase nada,
Tu vais dizer com vontade
Que eu escondo a verdade calada.

Mas, se eu te contar a verdade
E te disser que é mentira,
Tu vais dizer com vontade
Que até a verdade se vira.

Letra: Sebastião Antunes
Música: Paulo Loureiro
Arranjo: Paulo Loureiro e José Salgueiro
Intérprete: Ana Laíns (in CD “Portucalis”, Ana Laíns/Seven Muses, 2017)

Ana Laíns
Ana Laíns

Sou Dual

Eu quero andar sem pés no chão,
Talvez sim, talvez não…
Ser uma conta certa e errada,
Ser tudo, ser nada.

Escrever sem nada p’ra dizer
E falar só por querer;
Num contra-senso todo imenso
Sou eu, quando penso.

Certeza inquieta, que aperta,
Que oprime e liberta,
Que às vezes acerta:
Sou dual.

Puxar meu barco pela areia,
Volta e meia, desistir;
Dar-me a quem me quer ver feia,
E de quem me vê, fugir.

Senhora dos meus devaneios,
Imperfeita perfeição,
Carrego mil e um anseios
No peito e nas mãos.

Certeza inquieta, que aperta,
Que oprime e liberta,
Que às vezes acerta:
Sou dual.

Certeza inquieta, que aperta,
Que oprime e liberta,
Que às vezes acerta:
Sou dual.

Letra: Ana Laíns e Mafalda Arnauth
Música: Ivan Lins
Arranjo: Paulo Loureiro e Ana Laíns
Intérprete: Ana Laíns com Ivan Lins (in CD “Portucalis”, Ana Laíns/Seven Muses, 2017)

Ana Laíns, Portucalis

Ana Laíns, Portucalis

Tubarão tinha dentes de rainha

[ Tamboril ]

Tubarão tinha dentes de tainha
E a tainha tinha dentes de tambor
Toca traz tempo chuva tempestade
Tubarão trincou um touro nos taleigos da vontade

Tubarão tinha o tímpano trocado
E trocado (es)tava o tempo todo o ano
Toca traz tempo chuva tempestade
Tubarão tamborilou ‘inda a missa ia a metade

Tubarão traficou-se em tamboril
Troca-tintas com retoque teatral
Toca terça, quarta, quinta, noite e dia
Travestido no Entrudo c’uma tromba de enguia

Tamboril teve tísica ao contrário
Já tossia como tosse o tubarão
Toca terça, quarta, quinta, noite e dia
Tamboril entubarou num atalho p’rá Turquia

Tubarão tinha dentes de tainha
E a tainha tinha dentes de tambor
Toca traz tempo chuva tempestade
Tubarão trincou um touro nos taleigos da vontade

Tubarão tinha o tímpano trocado
E trocado (es)tava o tempo todo o ano
Toca traz tempo chuva tempestade
Tubarão tamborilou ‘inda a missa ia a metade

Tubarão traficou-se em tamboril
Troca-tintas com retoque teatral
Toca terça, quarta, quinta, noite e dia
Travestido no Entrudo c’uma tromba de enguia

Tamboril teve tísica ao contrário
Já tossia como tosse o tubarão
Toca terça, quarta, quinta, noite e dia
Tamboril entubarou num atalho p’rá Turquia

Letra: Miguel Cardina
Música e arranjo: Diabo a Sete
Intérprete: Diabo a Sete

Com um olhar de soslaio

[ Prosas Mordazes ]

Com um olhar de soslaio, não me vêem como eu sou
Atracados na memória, com quem ando e onde vou

E falam sobre mim, sem me conhecer
Dizem que é assim, não têm o que dizer
Não têm o que dizer, não têm o que dizer

Não sabem da minha vida, quem morreu e quem ficou
São nuances que descuram, que ninguém lhes segredou

E falam sobre mim, sem me conhecer
Dizem que é assim, nem sei que lhes dizer
Nem sei que lhes dizer, nem sei que lhes dizer

Entre dentes especulam, onde vou e o que faço
Não passam de vis criaturas a quem nego o meu enlaço

E falam sobre mim, sem me conhecer
Dizem que é assim, nunca hão-de saber
Nunca hão-de saber, nunca hão-de saber

E falam sobre mim, sem me conhecer
Dizem que é assim, não têm o que dizer
Falam sobre mim, sem me conhecer
Dizem que é assim, nem sei que lhes dizer
Falam sobre mim, sem me conhecer
Dizem que é assim, nunca hão-de saber
Nunca hão-de saber, nunca hão-de saber

Letra e música: Miguel Moita Fernandes
Arranjo: Lacre
Intérprete: Lacre
Versão original: Lacre (in CD “Opus 0”, Lacre/Tradisom, 2013)

Como diferem das minhas

[ Minhas Penas ]

Como diferem das minhas
As penas das avezinhas
Que de leves leva o ar
Só as minhas pesam tanto
Que às vezes nem já o pranto
Lhes alivia o pesar

As minhas penas não caem
Nem voam nunca, nem saem
Comigo desta amargura
Mostram apenas na vida
A estrada já conhecida
Trilhada pelos sem ventura

Passam dias, passam meses
Passam anos, muitas vezes
Sem que uma pena se vá
E se uma vem, mais pequena
Ai, depois nem vale a pena
Porque mais penas me dá

Que felizes são as aves
Como são leves, suaves,
As penas que Deus lhes deu
Só as minhas pesam tanto
Ai, se tu soubesses quanto…
Sabe-o Deus e sei-o eu

Só as minhas pesam tanto
Ai, se tu soubesses quanto…
Sabe-o Deus e sei-o eu

Letra: Fernando Caldeira
Música: Carlos da Maia
Intérprete: Maria Teresa de Noronha (in CD “O Melhor de Maria Teresa de Noronha”, EMI-VC, 1992)

Num dia sou quem me encontro

[ Caminho Certo ]

Num dia sou quem me encontro,
Num outro dia me perco
Na vida que conto
Tão longe e tão perto.
Será o caminho certo?

Vem de tão longe este espanto
Tão inquieto, tão perfeito
De tudo o que tenho de incerto.
Saudade,
Que é feito
Do caminho certo?

Faço o que tenho a fazer,
Longe daqui é mais perto.
Quem vai dizer?
Como saber
Qual o caminho certo?

Haja um dia que se encontre
Sem saber ao que virá,
Se fica p’ra lá do deserto.
Saudade,
Eu sei lá
Se é o caminho certo!

Vem de tão longe este espanto
Tão inquieto, tão perfeito
De tudo o que tenho de incerto.
Saudade,
Que é feito
Do caminho certo?

Letra: Viriato Teles
Música: Ricardo Fino
Arranjo: Quiné Teles
Intérprete: Ela Vaz (in CD “Eu”, Micaela Vaz, 2017)

Só por existir

Só por existir
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar

Só por ter dois sóis
Só por hesitar
Fiz a cama na encruzilhada
E chamei casa a esse lugar

E anda sempre alguém por lá
Junto à tempestade
Onde os pés não têm chão
E as mãos perdem a razão

Só por inventar
Só por destruir
Tenho as chaves do céu e do inferno
E deixo o tempo decidir

E anda sempre alguém por lá
Junto à tempestade
Onde os pés não têm chão
E as mãos perdem a razão

Só por existir
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar
Eu sei que nenhuma vai ganhar

Letra e música: Jorge Palma
Intérprete: Jorge Palma (in “Bairro do Amor”, Polygram, 1989)

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Orblua, Retratos Cinéticos

Canções do tempo

Letras

Chorava por te não ver

[ Fado das Horas ]

Chorava por te não ver,
Por te ver eu choro agora;
Mas choro só por querer,
Querer ver-te a toda a hora.

Passa o tempo de corrida,
Quando falas e eu te escuto;
Nas horas da nossa vida
Cada hora é um minuto.

Quando estás ao pé de mim
Sinto-me dona do mundo;
Mas o tempo é tão ruim,
Tem cada hora um segundo.

Deixa-te estar a meu lado
E não mais te vás embora,
P’ra o meu coração, coitado,
Viver na vida uma hora.

Deixa-te estar a meu lado
E não mais te vás embora,
P’ra o meu coração, coitado,
Viver na vida uma hora.

Letra: António Sabrosa
Música: Maria Teresa de Noronha

Gosto de te ouvir cantar

[ Chuva nos Beirados ]

Gosto de te ouvir cantar,
Ó chuva, nos beirados,
Trauteando músicas de encantar,
Tornando os dias molhados:
É o Inverno a chegar.
Gosto de te ouvir cair,
Ó chuva, nos telhados,
Sussurrando melodias calmas;
O teu gotejo sincopado,
De sinfonia abstracta,
É como a amizade
Quando o amor nos falta!

Gosto de te ouvir cantar,
Ó chuva, nos beirados,
Trauteando músicas de encantar,
Tornando os dias molhados:
É o Inverno a chegar.
Gosto de te ouvir cair,
Ó chuva, nos telhados,
Sussurrando melodias calmas;
O teu gotejo sincopado,
De sinfonia abstracta,
É como a amizade
Quando o amor nos falta!
É como a amizade
Quando o amor nos falta!

Letra: Rogério Perrolas
Música e arranjo: Rogério Charraz
Intérprete: Rogério Charraz com António Caixeiro, Buba Espinho e Eduardo Espinho (in CD “Não Tenhas Medo do Escuro”, Rogério Charraz/Compact Records, 2016)

Reciclanda

Reciclanda

O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração), realiza oficinas de música durante o ano letivo e dinamiza atividades em colónias de férias. Municípios, Escolas, Agrupamentos, Colégios, Festivais, Bibliotecas, CERCI, Centros de Formação, Misericórdias, Centros de Relação Comunitária, podem contratar serviços Reciclanda.

Contacte-nos:

António José Ferreira
962 942 759

Nesses dias em que as horas

[ Ondulações ]

Nesses dias em que as horas
se fazem dias sem fim,
já não sou eu quem acorda,
há alguém que dorme em mim.

Era mar ainda agora,
fiz-me rio sem saber
que o céu que em mim demora
é só foz e anoitecer.

Sou pedra em fogo lento
vaga sem lua nem vez,
conto em riso e lamento,
quanto o tempo desfez.

E quando um barco pressente
dessa noite o marulhar,
dou o peito à corrente,
sou um rio feito mar.

Era mar ainda agora
fiz-me rio sem saber
que o céu que em mim demora
é só foz e anoitecer.

Se me deres uma vez mais
a maré do teu olhar,
eu serei somente um cais
onde possas aportar.

Letra: Helena Carvalho
Música: Fernando Dias Marques
Arranjo: Fernando Marques
Intérprete: Fernando Marques Ensemble (in CD “(des)Encontros”, Fernando Marques Ensemble, 2016)

No mês de Janeiro

[ Calendário ]

No mês de Janeiro
Vem a chuva e vem o vento,
Enquanto em Fevereiro
Chega ao fim o meu tormento.

Nos idos de Março
Faço as malas e abalo;
Abril, o que faço?
Canto sempre e não me calo.

E no mês de Maio
Tiro a roupa e vou ao mar;
E nessa não caio:
De em Junho me calar.

No calor de Julho
Ainda mais canto com gosto,
E logo mergulho
O corpo no mês de Agosto.

Quando em Setembro
Eu finalmente descubro
Que ainda me lembro
Dos teus anos em Outubro.

E assim em Novembro,
Se eu agora não me engano,
Cheira-me a Dezembro,
Chega ao fim o fim do ano.

De novo em Janeiro…
Ainda algum tempo me sobra
Para em Fevereiro
Deitar enfim mãos à obra.

Fica tudo pronto
Lá para finais de Março;
Em Abril eu conto
Encontrar-te num abraço.

Em Maio de flores
Espero que a chuva não caia;
E em Junho, se fores ao mar,
Vês-me lá na praia.

O levante em Julho
Chega mesmo a meu gosto:
Dou mais um mergulho,
Faço anos em Agosto.

Partem em Setembro,
Rumo a sul, as andorinhas;
De Outubro a Dezembro
Ficam sem folhas as vinhas.

E assim terminamos
Mais um ano nesta lida:
Canção que acabamos
No seu ponto de partida.

Letra e música: Sérgio Mestre
Intérprete: OrBlua com Janita Salomé (in Livro/CD “Retratos Cinéticos”, Fungo Azul/Ocarina, 2015)

Nos dias de hoje

Nos dias de hoje,
Ninguém sabe a quantas anda:
Manda quem pode,
Pode quem manda.
Nos dias de hoje,
Não sentimos confiança:
Salva-se a música
E siga a dança!
Nos dias de hoje,
Ninguém sabe o que o espera,
Se é inverno ou primavera,
Indiferença ou compaixão.
Nos dias de hoje,
A justiça não impera,
A igualdade desespera,
É confusa a confusão.

Salva-se o amor,
Salva-se a esperança,
Salvam-se os olhos duma criança;
Salva-se a honra,
Salva-se a paz,
Salvam-se os beijos que tu me dás!

Nos dias de hoje,
Ninguém sabe o de amanhã,
E fazer planos
É coisa vã.
Nos dias de hoje,
Já não há motivação
Para dar às balas
O coração.
Nos dias de hoje,
Ninguém sabe o que o espera,
Se é um sonho ou uma quimera
Ter saudades do futuro.
Nos dias de hoje,
Ninguém põe as mãos no fogo
Por um amanhã mais novo,
Por um amanhã mais puro.

Salva-se o amor,
Salva-se a esperança,
Salvam-se os olhos duma criança;
Salva-se a honra,
Salva-se a paz,
Salvam-se os beijos que tu me dás!

Salva-se o amor,
Salva-se a esperança,
Salvam-se os olhos duma criança;
Salva-se a honra,
Salva-se a paz,
Salvam-se os beijos que tu me dás!

Salva-se a honra,
Salva-se a paz,
Salvam-se os beijos que tu me dás!

Letra e música: Tozé Brito
Intérprete: Ricardo Ribeiro (in CD “Hoje É Assim, Amanhã Não Sei”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2016)

O tempo perguntou ao tempo

[ Charanga do Tempo ]

O tempo perguntou ao tempo
Quanto tempo o tempo tem;
O tempo respondeu ao tempo
Que o tempo tem tanto tempo
Quanto tempo o tempo tem.
Tempo que parece Deus
E Deus que parece a Vida;
Vida que pareço eu
Entre o riso e o pranto
Numa busca sem medida.

O tempo perguntou ao tempo
Quanto tempo o tempo tem;
O tempo respondeu ao tempo
Que o tempo tem tanto tempo
Quanto tempo o tempo tem.
Sobre o tempo ninguém sabe,
Talvez ele saiba de nós;
Não se vende, não se rende,
Tantas vezes não se entende
E quase sempre manda em nós!

O tempo perguntou ao tempo
Quanto tempo o tempo tem;
O tempo respondeu ao tempo
Que o tempo tem tanto tempo
Quanto tempo o tempo tem.
Mas sei qu’ele sabe o que faz
Sem se dar a entender;
Na verdade que trouxer
Venha o tempo que vier,
Hei-de ser tempo de paz.

O tempo perguntou ao tempo…
Sobre o tempo ninguém sabe…
O tempo perguntou ao tempo…
Talvez ele saiba de nós…
O tempo perguntou ao tempo…
O tempo, o tempo, o tempo…
O tempo, o tempo, o tempo, o tempo…
O tempo perguntou ao tempo
Quanto tempo o tempo tem.

Letra: Popular (refrão) e Ana Laíns
Música: Carlos Lopes
Intérprete: Ana Laíns
Versão original: Ana Laíns com Mafalda Arnauth (in CD “Portucalis”, Ana Laíns/Seven Muses, 2017)

São tempos

São tempos acesos
e os dias correndo,
e quanto mais corres
menos vais vivendo.

Os olhos são tristes,
os cravos murcharam,
a esperança ainda existe,
mas as vozes calaram.

Os campos são amplos,
a vida é às voltas,
mas, às páginas tantas,
eu morro em revoltas.

São tempos gritantes
e as horas passando,
e quantas mais passam
mais vais naufragando.

Nos teus olhos há sonhos
que a sombra encobriu.
Há restos da esperança
que um Abril floriu.

Os campos são amplos,
a vida é às voltas,
mas, às páginas tantas,
eu morro em revoltas.

São tempos de fúria
por servidões encoberta,
quando mais te enfureças
mais o meu canto desperta.

Nos nossos olhos há sonhos
que vão florescer,
na certeza que um dia
Abril vai romper.

Os campos são amplos,
a vida é às voltas,
mas, às páginas tantas,
eu morro em revoltas.

Letra: Joana Lopes
Música: António Pedro
Intérprete: Musicalbi
Versão original: Musicalbi (in CD “Solidão e Xisto”, Musicalbi, 2019)

Se o tempo não chega a ser

[ O Fado do Tempo Morto ]

Se o tempo não chega a ser
Mais que as horas a passar,
Talvez o mal de o perder
Me deixe um dia ganhar.

Das mil voltas que já dei
Ao mundo que já foi meu,
Fica-me o tempo em que amei
Todo o mundo que era teu.

Talvez de mim me perdesse
E me esquecesse de ti…
E então o tempo dos dois
Seria o que não vivi.

Não sei bem se inda te quero,
Ou se é sina que Deus me deu…
Meu amor, se não te espero
É porque o tempo morreu…

Letra: Carlos Leitão
Música: Popular (Fado Menor)
Intérprete: Ana Laíns
Versão original: Ana Laíns (in CD “Portucalis”, Ana Laíns/Seven Muses, 2017)

Sei quantas luas

[ Dias Cruzados ]

Sei quantas luas tu dormiste,
Neste teu mundo tão triste,
Neste teu encanto puro!

Foi uma vida sem história,
Quatro ventos sem memória,
Numa onda sem retorno!

E… cruzam-se os dias,
Mesmo… sem ter seu rumo próprio…
Nome… cada letra é teu gosto…
Cada gosto em teu luar, devagar!

Vem, nesse pensamento vago,
Onde choro e não me encontro,
Onde canto ao longe o Fado…

Traz esses dias que se cruzam,
Em redor de noites brancas,
Ao sabor de luas calmas.

E… cruzam-se os dias,
Mesmo… sem ter seu rumo próprio…
Nome… cada letra é teu gosto…
Cada gosto em teu luar, devagar!

Os dias cruzados, amados,
Vencidos, perdidos…
Enganados!

Amantes das luas,
Das noites cruzadas,
Amadas sentidas… Rotinas!…
Fugindo…

Os dias cruzados, amados,
Vencidos, perdidos…
Enganados!

Amantes das luas,
Das noites cruzadas,
Amadas sentidas… Rotinas!…
Fugindo, ouvindo o mar do dia!…

Os dias cruzados, amados,
Vencidos, perdidos…
Enganados!

Amantes das luas,
Das noites cruzadas,
Amadas sentidas… Rotinas!…
Fugindo…

Os dias cruzados, amados,
Vencidos, perdidos…
Enganados!

Amantes das luas,
Das noites cruzadas,
Amadas sentidas… Rotinas!…
Fugindo, ouvindo o mar do dia!…

Letra: José Flávio Martins
Música: António Pedro
Intérprete: Musicalbi
Versão original: Musicalbi (in CD “Solidão e Xisto”, Musicalbi, 2019)

Vamos embora, é tarde

[ Passam Horas, Passam Dias ]

Vamos embora, é tarde, tão tarde,
nem demos porque o tempo já passou.
Alguma coisa em nós se vai perdendo,
alguma coisa em nós se encontrou.
Vamos contar que há amanhã
p’ra tudo o que ainda não foi dito,
até ver, vamos lá viver.

Passam horas, passam dias,
horas nossas que lá vão,
uns passam, outros ficam.
Não vão.

Quem está? Quem foi embora?
No abrir e fechar da hora,
quem faz connosco a vida
não demora.

O que devemos ao tempo, vivendo,
que resgatamos à morte, no fim.
Uma andorinha cantando,
cantando à vida,
poisada no beiral da cantiga
e é este canto maior
que faz do tempo uma voz,
tecendo os dias em nós.

Passam horas, passam dias,
horas nossas que lá vão,
uns passam, outros ficam.
Não vão.

Quem está? Quem foi embora?
No abrir e fechar da hora,
quem faz connosco a vida
não demora.

Passam horas, passam dias,
horas nossas que lá vão,
uns passam, outros ficam.
Não vão.

Quem está? Quem foi embora?
No abrir e fechar da hora,
quem faz connosco a vida
não demora.

Letra: Amélia Muge
Música: José Barros
Arranjo: José Barros e Miguel Tapadas
Intérprete: José Barros e Navegante
Versão original: José Barros e Navegante (in CD “À’Baladiça”, Tradisom, 2018)

Orblua, Retratos Cinéticos

Orblua, Retratos Cinéticos

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Gileno Santana

Canções com histórias

Letras

A grande nau Catrineta

[ Cantiga de levantar ferro ]

A grande nau Catrineta
Tem os seus mastros de pinho.
Ai lé, ai lé,
Marujinho, bate o pé.
O ladrão do despenseiro
Furtou a ração do vinho.
Ai lé, ai lé,
Marinheiro, vira à ré.

Antes de caçar as gáveas,
Põe-se o ferro sempre a pique.
Ai lé, ai lé,
Cada qual mostra o que é.
Para a nau ficar a nado
Abrem-se as portas ao dique.
Ai lé, ai lé,
Chega tudo cá p’rá ré.

Quando as gáveas vão aos rizes,
A maruja talha o lais.
Ai lé, ai lé,
Quem é moiro não tem fé.
Sobem dois a impunir,
A rizar sobem os mais.
Ai lé, ai lé,
Tu com tu, e cré com cré.

Quando o barco faz cabeça,
Ala braços, iça a giba.
Ai lé, ai lé,
Vai de longo que é maré.
Quando ele arranca o ferro,
Vira então de leva arriba.
Ai lé, ai lé,
Vira mar e San José.

E de usança, ao quarto d’alva,
Matar na coberta o bicho.
Ai lé, ai lé,
Deixa a maca, põe a pé.
Antes da baldeação,
Varre o moço, apanha o lixo.
Ai lé, ai lé,
Peito à barra, finca o pé.

Todo o barco que anda a corso
Caça outro que se veja.
Ai lé, ai lé,
Muito cafre tem Guiné.
E todo o moço do convés
Caça a isca na bandeja.
Ai lé, ai lé,
Mazagão não é Salé.

Letra: Autor desconhecido (possivelmente do séc. XVII)
Música: Francisco Pimenta
Intérprete: O Baú com Sebastião Antunes (in CD “Achega-te”, O Baú, 2012)

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A história que a gente vos quer contar

[ Travessa do Poço dos Negros ]

A história que a gente vos quer contar
Aconteceu um dia em Lisboa
Aonde o tempo corre devagar

Chegámos era cedo à ribeira
Ainda todo o peixe respirava
E a outra carga aos poucos definhava

O gemido do cordame das amarras
Juntava-se ao lamento dos porões
E o que nos chega fora são canções

A gente viu sair uma outra gente que dançava
Um estranho bailado em tom dolente
Marcado pelo bater das correntes

Anda linda
Vamos p’ra ver se é verdade
Que lá se pode ouvir cantar
Anda linda
Vamos ao poço dos negros
P’ra ver quem pode lá morar

Mais tarde fomos ter àquela parte da cidade
Que é mais profunda do que a maré baixa
E a Lua só visita por vaidade

De novo a estranha moda se dançava
Agora com suspiros de saudade
Agora com bater de corações

Anda linda
Vamos p’ra ver se é verdade
Que lá se pode ouvir cantar
Anda linda
Vamos ao poço dos negros
P’ra ver quem pode lá morar

Batiam com as barrigas e roçavam-se nas coxas
Os corpos já dourados de suor
E as bocas já vermelhas dos amores

Quisemos nós saber qual era o nome desta moda
Respondeu-nos um velho já mirrado:
Lundum, mas se quiserem chamem Fado

Anda linda
Vamos p’ra ver se é verdade
Que lá se pode ouvir cantar
Anda linda
Vamos ao poço dos negros
P’ra ver quem pode lá morar

Letra: Luís Represas
Música: João Gil
Intérprete: Trovante (in “Trovante 84”, EMI-VC, 1984; reed. 1988)

Reciclanda

Reciclanda

O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração), realiza oficinas de música durante o ano letivo e dinamiza atividades em colónias de férias. Municípios, Escolas, Agrupamentos, Colégios, Festivais, Bibliotecas, CERCI, Centros de Formação, Misericórdias, Centros de Relação Comunitária, podem contratar serviços Reciclanda.

Contacte-nos:

António José Ferreira
962 942 759

Ai apertem os cintos

[ Corpo Inteiro ]

Ai apertem os cintos, vamos começar
Vou contar uma história de desencantar
Eram quatro donzelas a olhar o Sol
Cada qual em busca do amor
Procurando saber o que arde sem se ver
Se é a dor ou se é o prazer

A primeira caiu num sono fatal
À espera que um sapo a salvasse do mal
A segunda abalou nas ondas do mar
Nunca mais veio p’ra contar
A terceira, devota subiu aos céus
Uma voz que fugiu do lugar

Vou contar uma história de desencantar
Eram quatro donzelas presas pelo olhar
Já três delas se foram por causa do amor
Como carne que estilhaçou
Se o que arde não cura e o desejo é fartura
Só a quarta é que se salvou

Vou contar uma história de desencantar
Vi a quarta donzela que olhava p’ra o mar
De improviso cantava para o último sol
A mais doce feitiçaria
Quatro flores cortadas e ela não murchou
E das febres fez alegria

Letra: Miguel Cardina
Música: Pedro Damasceno e Julieta Silva
Arranjo: Diabo a Sete e Julieta Silva
Intérprete: Diabo a Sete (in CD “Figura de Gente”, Sons Vadios, 2016)

Beatriz foi à praça

[ Beatriz e João ]

Beatriz foi à praça para comprar o pão,
Pela manhã se arregaça, para a vida vencer
E, na cama deitado de ressaca, o João
Chegou embriagado, deitou tudo a perder

Beatriz sai porta fora, o João fica a chorar
Diz que se vai embora se isto continuar

Mulher feliz namora e não quer chorar
Não deixes ir embora quem te quer namorar!

O João volta a casa e promete mudar
Beatriz desconfia, tentando acreditar
Dedicou-se à mulher, entregou-se a valer
Mas ela sabe o que quer e não se quer perder

João sai porta fora, Beatriz fica a chorar
Diz que se vai embora se isto continuar

Homem feliz namora e não quer chorar
Não deixes ir embora quem te quer namorar!

Beatriz chama o João, com tanto p’ra discutir
Quis ouvir olhando nos olhos o João dizendo que não vai repetir
O João prometeu, pediu-lhe para acreditar
Beatriz respondeu: “Tudo bem, mas vou-me embora se isto continuar…”

Mulher feliz namora e não quer chorar
Não deixes ir embora quem te quer namorar!

Homem feliz namora e não quer chorar
Não deixes ir embora quem te quer namorar!

Letra e música: Luís Pucarinho
Intérprete: Luís Pucarinho* (in CD “SaiArodada”, Luís Pucarinho/Alain Vachier Music Editions, 2018)

De um trapo velho

[ Cinco Vidas ]

De um trapo velho fiz
cinco saias que querem rodar
Num pano branco cosi
cinco bolsos para te levar

De saco às costas parti
sem saber se ia voltar
Cabeça erguida
e olhos de quem quer olhar

Pus-te na minha mão
cinco dedos para me escapar
O mundo deu-me então
cinco vidas para me curar

E lá do bolso de trás
perguntaste se ainda podias falar
Cabeça erguida, respondi:
tanto me faz

Pela estrada andei
quantas voltas eu dei
sem encontrar
um motivo para voltar

De um trapo velho fiz
cinco saias que querem rodar
Num pano branco cosi
cinco bolsos para te levar

E lá do bolso de trás
perguntaste quando ia parar
Cabeça erguida, respondi:
até ter paz

Pela estrada andei
quantas voltas eu dei
sem encontrar
um motivo para voltar

tanto me faz
até ter paz

Letra: Eugénia Ávila Ramos
Música: Tiago Oliveira
Intérprete: Rua da Lua* (in CD “Rua da Lua”, Rua da Lua, 2016)

Deram-me uma burra

[ Cantiga da Burra ]

Deram-me uma burra que era mansa
Que era brava
Toda bem-parecida
Mas a burra não andava
A burra não andava
Nem p’rá frente nem p’ra trás
Muito eu lhe ralhava
Mas eu não era capaz
Eu não era capaz de fazer a burra andar
Passava do meio-dia e eu a desesperar
E eu a desesperar
Ai que desespero o meu
Falei-lhe num burrico
E a burra até correu

Deram-me uma burra que era mansa
Que era brava
Toda bem-parecida
Mas a burra não andava
A burra não andava
Nem p’rá frente nem p’ra trás
Muito eu lhe ralhava
Mas eu não era capaz
Eu não era capaz de fazer a burra andar
Passava do meio-dia e eu a desesperar
E eu a desesperar
Ai que desespero o meu
Falei-lhe num burrico
E a burra até correu

Letra e música: Sebastião Antunes, Manuel Meirinhos, Paulo Meirinhos, Alexandre Meirinhos e Paulo Preto
Arranjo: Luís Peixoto
Intérprete: Sebastião Antunes e a Quadrilha com Galandum Galundaina (in CD “Com Um Abraço”, Vachier & Associados, 2012)

Deu-se agora

[ Casório Divertido ]

Deu-se agora, há pouco tempo,
Um casório divertido:
A noiva mais que danada,
Lá pela noite adiantada,
Arrancou o nariz ao marido.

É o que acontece aos velhos
Que procuram mocidade…
Quando se despiu deitou
E o nariz lhe arrancou
Por não fazer a vontade.

Procuraram-lhe as vizinhas:
— «Que fizeste ao teu Viriato?»
— «Dormir com homem e ter frio,
Dormir com homem e ter frio,
Vale mais dormir com gato!»

Foi consultar o doutor,
Disse-lhe que não tinha cura;
E agora, por qualquer lado,
A chorar o desgraçado,
Faz uma triste figura.

Letra e música: Tradicional (Aldeia do Bispo, Guarda, Beira Alta)
Informante: Júlia Costa Fonseca
Recolha: Américo Rodrigues
Intérpretes: Ariel Ninas & César Prata (in CD “Cantos de Cego da Galiza e Portugal”, aCentral Folque, 2016)

Ele vinha sem muita conversa

[ Minha História ]

Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar
Eu só sei que falava e cheirava e gostava de mar
Sei que tinha tatuagem no braço e dourado no dente
Minha mãe se entregou a esse homem perdidamente

Ele assim como veio partiu não se sabe p’ra onde
E deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe
Esperando, parada, pregada na pedra do porto
Com seu o único velho vestido cada dia mais curto

Quando enfim eu nasci, minha mãe embrulhou-me num manto
Me vestiu como se eu fosse assim uma espécie de santo
Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher
Me ninava cantando cantigas de cabaré

Minha mãe não tardou a alertar toda a vizinhança
A mostrar que ali estava bem mais que uma simples criança
E não sei bem se por ironia ou se por amor
Resolveu me chamar com o nome do Nosso Senhor

Minha história é esse nome que ainda carrego comigo
Quando vou bar em bar, viro a mesa, berro, bebo e brigo
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de Menino Jesus

Letra: Chico Buarque, a partir da letra original de Paola Pallotino para a canção “4 marzo 1943”
Música: Lucio Dala
Intérprete: Pensão Flor
Versão discográfica de Pensão Flor (in CD “O Caso da Pensão Flor”, Pensão Flor/Brandit Music, 2013)
Primeira versão de Chico Buarque (in LP “Construção”, Philips, 1971, reed. Philips, 1988, Universal Music, 2017)
Versão original: Lucio Dala (in LP “Storie di Casa Mia”, RCA Italiana, 1971, reed. RCA/BMG Ricordi, 1996)

Estava difícil combinar um café

[ Sabes? Eu Também ]

Estava difícil combinar um café, mas desta vez lá foi
Talvez possamos falar do que já lá vai, que às vezes ainda dói
Da coragem esquecida que já se perdeu
Quem deixou por dizer: foste tu ou fui eu?
Da lembrança guardada num canto qualquer
Da palavra apagada por não se entender
E dizer-te num gesto mais enternecido:
“Sabes? Eu também… ando um bocado perdido.”

Vou preparar-te um jantar. Com certeza, vou ser original
E vou escolher-te um bom vinho. Tu sabes, nunca me saí mal
E falar-te das voltas que a vida trocou
Das verdades que o tempo já entrelaçou
Entre sonhos queimados lançados ao vento
Entre a cor de um sorriso e o tom de um lamento
E dizer-te de um sopro empurrado pela sorte:
“Sabes? Eu também… ando um bocado sem norte.”

Olha, não fiz sobremesa. Deixa lá, fica p’ra a outra vez
Vamos deixar mais um copo ao falar dos quês e dos porquês
Uma história que nos apeteça lembrar
Um episódio que nunca nos deu p’ra contar
Um segredo guardado p’lo cair do pano
Um encontro marcado no cais de um engano
E dizer-te na hora em que a voz fraquejar:
“Sabes? Eu também… me apetece chorar.”

E vou chamar um táxi. É hora p’ra te levar a casa
Era suposto um de nós nesta altura ficar com a alma em brasa
Mas a vida é assim, não aconteceu
Pouco importa dizer: foste tu ou fui eu?
O que importa é o abraço que estava por dar
Há-de haver uma próxima e mais um jantar
E dizer-te a sorrir: “Já passa das três,
Dorme bem! E, quem sabe?, um dia talvez…”

Um dia talvez…
Um dia talvez…
Um dia talvez…

Letra e música: Sebastião Antunes
Arranjo: Miguel Veras
Intérprete: Sebastião Antunes (in CD “Singular”, Sebastião Antunes & Quadrilha/Alain Vachier Music Editions, 2017)
Versão original: Sebastião Antunes (in CD “Cá Dentro”, Vachier & Associados, 2009)

Estavam todas juntas

[ Ronda das Mafarricas ]

Estavam todas juntas
Quatrocentas bruxas
À espera, à espera
À espera da lua cheia

Estavam todas juntas
Veio um chibo velho
Dançar no adro
Alguém morreu

Arlindo coveiro
Com a tua marreca
Leva-me primeiro
Para a cova aberta

Arlindo, Arlindo
Bailador das fadas
Vai ao pé coxinho
Cava-me a morada

Arlindo coveiro
Cava-me a morada
Fecha-me o jazigo
Quero campa rasa

Arlindo, Arlindo
Bailador das fadas
Vai ao pé coxinho
Cava-me a morada

Letra: António Quadros (pintor)
Música: José Afonso
Intérprete: José Afonso (in “Cantigas do Maio”, Orfeu, 1971, reed. Movieplay, 1987)

Eu que me comovo

[ Bolero do Coronel Sensível Que Fez Amor em Monsanto ]

Eu que me comovo
Por tudo e por nada
Deixei-te parada
Na berma da estrada
Usei o teu corpo
Paguei o teu preço
Esqueci o teu nome
Limpei-me com o lenço
Olhei-te a cintura
De pé no alcatrão
Levantei-te as saias
Deitei-te no banco
Num bosque de faias
De mala na mão
Nem sequer falaste
Nem sequer beijaste
Nem sequer gemeste
Mordeste, abraçaste
Quinhentos escudos
Foi o que disseste
Tinhas quinze anos
Dezasseis, dezassete
Cheiravas a mato
À sopa dos pobres
A infância sem quarto
A suor a chiclete
Saíste do carro
Alisando a blusa
Espiei da janela
Rosto de aguarela
Coxa em semifusa
Soltei o travão
Voltei para casa
De chaves na mão
Sobrancelha em asa
Disse: “fiz serão”
Ao filho e à mulher
Repeti a fruta
Acabei a ceia
Larguei o talher
Estendi-me na cama
De ouvido à escuta
E perna cruzada
Que de olhos em chama
Só tinha na ideia
Teu corpo parado
Na berma da estrada
Eu que me comovo
Por tudo e por nada

Letra: António Lobo Antunes
Música: Vitorino
Intérprete: Vitorino (in CD “Eu Que me Comovo por Tudo e por Nada”, EMI-VC, 1992)

Façam roda

[ Conto do Bicho Papão ]

Façam roda a ver quem vai ao meio
cada um com seu par, tira a pedrinha
ciruma, acabei eu primeiro
ficas tu a tapar, não dá madrinha
já ninguém te pergunta quantos queres
já não ouves ninguém contar: um, dó, li, tá
afinal qual é o dedo que preferes
quem está livre, livre está

Ninguém fala do homem do saco
ninguém espreita por baixo do colchão
já ninguém acredita na côca
nem no bicho papão

Salta à corda, joga à barra do lenço
adivinha o que eu penso, dá a partida
falua, quem acerta na malha
danada da canalha está fugida
salta ao eixo a fugir à cabra cega
olha o meu pião, mas eu não to dou não
onde é que anda a viuvinha que não chega?
E a sardinha a dar na mão

Ninguém fala do homem do saco
ninguém espreita por baixo do colchão
já ninguém acredita na côca
nem no bicho papão

Ai se eu pudesse habitar
um jogo electrónico
voltava a ser falado,
voltava a assustar
imaginem lá qual não era a sensação
de uma consola
com o jogo do regresso do papão

Ninguém fala do homem do saco
ninguém espreita por baixo do colchão
já ninguém acredita na côca
nem no bicho papão

Letra e música: Sebastião Antunes
Intérprete: Quadrilha (in CD “Entre Luas”, Ovação, 1997)

Não sei se tinha chegado

[ Rapariga da Estação ]

Não sei se tinha chegado,
Se porventura partia…
Mas tinha um lugar sentado
E reparei no que lia.

Cabelos negros caídos
– Longos, lisos, deprimidos –
Escondem o decote ousado
Do seu cinzento vestido.

Não consegui dizer nada,
Preferi que fosse assim:
Antes só que acompanhada
Mesmo que seja por mim.

Condição de quem resiste:
Abandono, solidão…
Tão inspiradora e triste
Rapariga da estação.

Não consegui dizer nada,
Preferi que fosse assim:
Antes só que acompanhada
Mesmo que seja por mim.

Condição de quem resiste:
Abandono, solidão…
Tão inspiradora e triste
Rapariga da estação.

Letra e música: Duarte
Intérprete: Duarte* (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)

Ia eu pelo concelho de Caminha

[ Coro das Velhas ]

Ia eu pelo concelho de Caminha
quando vi sentada ao sol uma velhinha
curioso, uma conversa entabulei
como se diz nuns romances que eu cá sei

Chamo-me Adozinha, disse, e tenho já
os meus 84 anos, feitos há
mês e meio, se a memória não me falha
mas inda vou durar uns anos, Deus me valha

Com esta da austeridade, meu senhor
nem sequer dá para ir desta pra melhor
os funerais estão por um preço do outro mundo
dá pra desistir de ser um moribundo

Rabugenta, eu? Não senhor
eu hei-de ir desta pra melhor
mas falo pelos que eu cá deixo
não é por mim que eu me queixo
não é por mim que eu me queixo

Ó Felisbela, ó Felismina
ó Adelaide, ó Amelinha
ó Maria Berta, ó Zulmirinha
vamos cantar o coro das velhas?
Vamos!

Cá se vai andando
co’a cabeça entre as orelhas

Não sei ler nem escrever mas não me ralo
alguns há que até a caneta lhes faz calo
é só assinar despachos e decretos
p’ra nos dar a ler a nós, analfabetos

E saúde tenho p’ra dar e vender
não preciso de um ministro para ter
tudo o que ele anda a ver se me pode dar
pode ir ele para o hospital em meu lugar

E quanto a apertar cinto, sinto muito
filosofem os que sabem lá do assunto
mas com esta cinturinha tão delgada
inda posso ser de muitos namorada

Rabugenta, eu? Não senhor
eu hei-de ir desta pra melhor
mas falo pelos que eu cá deixo
não é por mim que eu me queixo
não é por mim que eu me queixo

Ó Felisbela, ó Felismina
ó Adelaide, ó Amelinha
ó Maria Berta, ó Zulmirinha
vamos cantar o coro das velhas?
Vamos!

Cá se vai andando
co’a cabeça entre as orelhas

E se a morte mafarrica, mesmo assim
me apartar das outras velhas, logo a mim
digo ao Diabo, “não te temo, ó camafeu
conheci piores infernos do que o teu”

Rabugenta, eu? Não senhor
eu hei-de ir desta pra melhor
mas falo pelos que eu cá deixo
não é por mim que eu me queixo
não é por mim que eu me queixo

Ó Felisbela, ó Felismina
ó Adelaide, ó Amelinha
ó Maria Berta, ó Zulmirinha
vamos cantar o coro das velhas?
Vamos!

Cá se vai andando
co’a cabeça entre as orelhas

Letra e música: Sérgio Godinho
Intérprete: Sérgio Godinho (in “Salão de Festas”, Philips/Polygram, 1984; “Era Uma Vez Um Rapaz”, Philips/Polygram, 1985; “Noites Passadas: O Melhor de Sérgio Godinho (ao vivo)”, EMI-VC, 1995)

No centro da Avenida

[ Teresa Torga ]

No centro da Avenida,
No cruzamento da rua,
Às quatro em ponto, perdida
Dançava uma mulher nua.

A gente que via a cena
Correu para junto dela
No intuito de vesti-la,
Mas surge António Capela

Que aproveitando a barbuda
Só pensa em fotografá-la.
Mulher na democracia
Não é biombo de sala.

Dizem que se chama Teresa,
Seu nome é Teresa Torga;
Muda o pick-up em Benfica
E atura a malta da borga.

Aluga quartos de casa
Mas já foi primeira estrela;
Agora é modelo à força
Que o diga António Capela.

T’resa Torga, T’resa Torga
Vencida numa fornalha!
Não há bandeira sem luta,
Não há luta sem batalha!

T’resa Torga, T’resa Torga
Vencida numa fornalha!
Não há bandeira sem luta,
Não há luta sem batalha!

Letra e música: José Afonso
Intérprete: Ana Laíns
Versão discográfica de Ana Laíns (in CD “Portucalis”, Ana Laíns/Seven Muses, 2017)
Versão original: José Afonso (in LP “Com as Minhas Tamanquinhas”, Orfeu, 1976, reed. Movieplay, 1987, 1996, Art’Orfeu Media, 2012)

No mercado da Ribeira

[ O Namorico da Rita ]

No mercado da Ribeira
há um romance de amor
entre a Rita que é peixeira
e o Chico que é pescador

Sabem todos os que lá vão
que a Rita gosta do Chico
só a mãe dela é que não
consente no namorico

Quando ele passa por ela
ela sorri descarada
porém, o Chico à cautela
não dá trela nem diz nada

Que a mãe dela quando calha
ao ver que o Chico se abeira
por dá cá aquela palha
faz tremer toda a Ribeira

Namoram de manhãzinha
e da forma mais diversa
dois caixotes de sardinha
dão dois dedos de conversa

E há quem diga à boca cheia
que depois de tanta fita
o Chico de volta e meia
prega dois beijos na Rita

Quando ele passa por ela
ela sorri descarada
porém o Chico à cautela
não dá trela nem diz nada

Que a mãe dela quando calha
ao ver que o Chico se abeira
por dá cá aquela palha
faz tremer toda a Ribeira

Letra: Artur Ribeiro
Música: António Mestre
Intérprete: Amália Rodrigues (1946; 1958) (in CD “Fado Amália”, Movieplay, 1998)

No Sábado eu fui

[ O café da Sãozinha ]

No Sábado eu fui
beber o meu fino
ali ao café da Sãozinha
e lá a conversa por mais quieta
chega sempre à cozinha

O prato do dia
junto trazia o caso de uma senhora
Que disse ter visto a Zaida
sair de mão dada
com o Zé do Candal

E o morcão do homem dela
de barba à janela
A ler o jornal
E por entre tintos e brancos
Bagaços sandes de presunto
Como àgua a correr
de mesa pra mesa rodava o assunto

Sem se fazer caso
era vê-lo crescer
O irmão do barbudo
até então mudo
deixa sair uma posta
que a gaja é uma sostra
não faz nenhum
e sabe bem do que gosta
O Rui dos Guindais
que conhece os pais
chegou-se mais ao balcão
E de mão em concha confessa
que ele é uma peça
e não tem posição
que estoura o guito no casino
e em casa o menino
alimenta-se a pão
E por entre tintos e brancos
Bagaços sandes de presunto
Como água a correr
de mesa pra mesa
rodava o assunto
Sem se fazer caso
era vê-lo crescer
O homem da São
conhece a canção
e tira da manga a manilha
saca da raquete
e atira o filete
prós ouvidos da filha
eu sempre te disse
desta família
não há um que se aproveite
esquece o Candal ó Tininhas
e não queres ver
a madeira a queimar
se um anda perdido no jogo
o outro há de ter fogo
para a gente apagar
E por entre tintos e brancos
Bagaços sandes de presunto
Como água a correr
de mesa pra mesa
rodava o assunto

Sem se fazer caso
era vê-lo crescer
O Gusto do talho
pai da Zaidinha
chega e pede um cimbalino
E o Tó do café
faz conversa a ré
e encosta o pente fino
A São que sabia que na cantoria
não tinha sido a primeira
falou afiando as facas
O que há mais é vacas
E bois a pastar

O António estava como a cal
implorando a Jesus
para a São se calar

E por entre tintos e brancos
Bagaços sandes de presunto
Como água a correr
de mesa p’ra mesa
rodava o assunto
Sem se fazer caso
era vê-lo crescer

Letra: Manel Cruz
Música: Gileno Santana
Voz: Vitorino Salomé

Nem Sequer Dei por Isso

Pelo fim da tarde tu sais do emprego
E eu não sei porque é que aqui vim parar
É assim um desassossego
Tento ir sempre onde possas estar

Por sorte tu até sorris
E nem sequer me vens com muitos ‘porquês’
E dizes com um certo ar feliz:
“Com que então, por aqui outra vez?”

Num parque ao domingo
P’lo meio da cidade
Ou num café ao entardecer

Será que é mentira?
Será que é verdade?
Mas o que é que me está acontecer?

Já sei! Não há explicação
A cabeça está num reboliço
Se calhar apaixonei-me por ti
E nem sequer dei por isso

Ao virar da esquina, em qualquer transporte
Acabamos sempre por nos cruzar
E eu acho um caso de sorte
Cada vez que te posso encontrar

Está-me a correr bem, já ganhei o dia
Só porque me dissestes um “olá!”
E gosto da tua ironia
Se perguntas mais uma vez: “Por cá?”

Mensagem trocada, gesto embaraçado
Lá vou eu outra vez a planar
Desculpa, desculpa! Foi número errado
Mas ficamos uma hora a falar

Já sei! Não há explicação
A cabeça está num reboliço
Se calhar apaixonei-me por ti
E nem sequer dei por isso

Tanto melhor quando não se espera
E era bom que fosse como imaginei

Já sei! Não há explicação
A cabeça está num reboliço
Se calhar apaixonei-me por ti
E nem sequer dei por isso

Já sei! Não há explicação
A cabeça está num reboliço
Se calhar apaixonei-me por ti
E nem sequer dei por isso

Letra e música: Sebastião Antunes
Intérprete: Sebastião Antunes & Quadrilha (in CD “Perguntei ao Tempo”, Sebastião Antunes/Alain Vachier Music Editions, 2019)

Sebastião Antunes, TV Sintra

Sebastião Antunes, TV Sintra

P’lo artigo cento e tal

[ Fado Jurídico-Criminal ]

P’lo artigo cento e tal
Da regra dos bons costumes,
A maçã do senhor Nunes
É um bem celestial.

Estão a postos os jurados,
Numa sala as testemunhas;
O arguido rói as unhas,
Os juízes descansados.

«Não fui eu, foi a Serpente!
Não sei mais o que lhes diga!»
«Isso é história muito antiga
Contada por toda a gente».

«Comi por ter muita fome»,
Suplicou o acusado,
«Sou órfão de pai e mãe
E estou desempregado.»

«Quantos anos, p’ra que constem?»,
Perguntou o presidente;
«Oitenta feitos ontem»,
O meirinho diligente.

«O senhor não tem vergonha
De ter fome àquela hora?
Mas que vício ou que peçonha
O não deixou vir embora?»

«Já me custa muito a andar
E o que eu quero já me esquece…
Fui vítima de maus tratos
E não tinha GPS!»

«Não pense que nos engana,
É suprema esta questão:
A maçã que aqui se trata
É a Civilização!

E que sorte tem o senhor
Demandado nesta liça,
Que tem pago defensor,
Que a tremer pediu justiça.

«Vai o réu, pois, condenado
À pena mais capital!»
Disse o último jurado:
«Esconjurado está o mal!»

Tudo está no seu lugar:
A maçã dos bons costumes,
A árvore que é do Nunes,
Os polícias a acenar.

O arguido p’rá cadeia,
A cadeia a transbordar;
O meirinho p’ró IKEA,
Os juízes a jantar.

O meirinho p’ró IKEA,
Os juízes a jantar.

Letra: João Gigante-Ferreira
Música: André Teixeira
Intérprete: Helena Sarmento
Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)

Quando entrei no restaurante

Quando entrei no restaurante
Que muitas vezes frequento
Testemunhei sem querer
O que em seguida comento

Estava à mesa uma família
Todos muito bem vestidos
Quando veio o empregado
P’ra recolher os pedidos

Notou-se um amor profundo
Bonito de apreciar
Mostrava-se ali ao mundo
Uma família exemplar

A decisão foi veloz
O menu nem foi olhado
Duas pizzas e um hamburguer
E foi o caso encerrado

E sem mais tempo perder
Os adultos e o fedelho
Com enorme agilidade
Sacaram do aparelho

Nota-se um amor profundo
Não há nada p’ra falar
Cada qual está no seu mundo
É uma família exemplar

O pai no seu telemóvel
Vê novidades da bola
E o filho entusiasmado
Mata zombies na consola

A mãe no motor de busca
Procura com precisão
A novelinha patusca
Que vai curtir ao serão

Nota-se um amor profundo
Que há harmonia no lar
Cada qual está no seu mundo
É uma família exemplar

No afã nos polegares
Num repasto a bom teclar
Nem uma simples palavra
Lograram articular

Por fim a pensar fiquei
Sem deixar de me afligir
Que raio de sociedade
Estamos nós a construir?

Notou-se um amor profundo
Que há-de frutificar
Com cada um no seu mundo
Temos um mundo exemplar

Aníbal Raposo, Forum Elos – Diálogos, 25 de junho de 2021

“(Acabado de fazer. Vou musicar)”

Uma velha, muito velha

[ Diabo da Velha ]

Uma velha, muito velha,
Veio aqui à minha aldeia
Com um saco pelas costas
Para fazer uma venda;
E o povo lá pedia…
Mas comprava o que não queria.

Foi para o largo apregoar:
«– Quem quer, quem quer?
Quem quer vir cá comprar
Belas coisas que aqui trago
Neste saco abençoado?
Venham que eu vendo barato!»

Fui lá ver o que ela tinha,
Queria eu uma sardinha;
Disse-me ela que não tinha
Mas que antes me vendia
Uma tampa de panela,
Ai o diabo da velha!

«– Oiça lá, ó menina,
P’ra que quer uma sardinha
Que até traz uma espinha
Que lhe pode fazer mal?
Antes disso leve a tampa
Que foi de nobre panela!
Pode confiar na velha,
Faço preço especial!»

Fui comprar eu a tampa:
Para que serve sem panela?!
Fui enganada, que tola!,
Pelo diabo da velha.

Uma velha, muito velha,
Veio aqui à minha aldeia
Com um saco pelas costas
Para fazer uma venda;
E o povo lá pedia…
Mas comprava o que não queria.

Foi para o largo apregoar:
«– Quem quer, quem quer?
Quem quer vir cá comprar
Belas coisas que aqui trago
Neste saco abençoado?
Venham que eu vendo barato!»

Voltei eu àquela venda:
Desta vez não caio, não!
Queria eu uma saia
Mas fez ela promoção:
Comprei quatro colchões,
Ai que bela ocasião!

«– Oiça lá, ó menina,
P’ra que quer uma saia
Que lhe dá ventos debaixo?
Ainda fica constipada…
Pela cara está cansada,
Deve andar a dormir mal…
Precisa de um colchão novo:
Vendo quatro ao preço de um.»

Fui comprar que era barato,
Lá caí eu na esparrela:
Vivo só, bastava-me um…
Fui enganada pela velha!

Uma velha, muito velha,
Veio aqui à minha aldeia
Com um saco pelas costas
Para fazer uma venda;
E o povo lá pedia…
Mas comprava o que não queria.

Foi para o largo apregoar:
«– Quem quer, quem quer?
Quem quer vir cá comprar
Belas coisas que aqui trago
Neste saco abençoado?
Venham que eu vendo barato!»

Eu também fui à venda,
Queria eu um serrote;
Vendeu-me ela um cavalo,
Sem saber andar a trote…
Ai o diabo da velha
E a minha triste sorte!

«– Oiça lá, belo moço,
P’ra que quer um serrote
Que sem dentes afiados
Não fazem nem um corte?!
Antes disso, um cavalo
Que sem dentes também corre
P’ra chamar a donzela
Que por certo trará sorte!»

Fui comprar aquele cavalo:
Para que serve sem a sela?!
Ainda nem uma donzela…
Fui enganado pela velha!

Uma velha, muito velha,
Veio aqui à minha aldeia
Com um saco pelas costas
Para fazer uma venda;
E o povo lá pedia…
Mas comprava o que não queria.

Letra e música: Carlos Norton
Intérprete: OrBlua (in Livro/CD “Retratos Cinéticos”, Fungo Azul/Ocarina, 2015)

Vivia num mundo próprio

[ O Músico Que Perdeu os Sapatos ]

Vivia num mundo próprio
onde não entra quem quer;
E se estava ou não sóbrio?
Se era homem ou mulher?
Não tinha que ser assim:
explicar porque aqui vim.

Musica è forma di vita
senza forma stabilita,
senza nessuno che decide
che non sai mai dire no,
senza nessuno che decide
che non sai mai dire no.

De andar sempre à procura,
há quem lhe decida a vida,
que esta coisa de Cultura
já de banal é esquecida.
E se chega a vida dura,
logo parte à despedida.

Lo spettacolo era un viaggio
e una bela fattoria,
naturale era il paesaggio
bela gente finta allegria
una nuvola de estate
tutto quanto poi bagnò.

Sapatos muito molhados
não dá jeito a carregar;
O calor dá pés descalços,
logo os venho aqui buscar.
E não estavam lá, partiram:
e nunca mais já se viram.

Si può perdere il controllo,
anche con la leggerezza,
si può perdere le scarpe
con una certa timidezza.
Ma musicista non ha età
mai perde la dignità.

Perso la notte, perso il dia,
Perso le scarpe e l’allegria.
Perso la notte, perso il dia,
Perso le scarpe e l’allegria.

Perdeu a noite, perdeu o dia,
Perdeu os sapatos e a alegria.
Perdeu a noite, perdeu o dia,
Perdeu os sapatos e a alegria.

Letra: José Barros
Música: José Barros e Mimmo Epifani
Intérpretes: José Barros & Mimmo Epifani*
Versão original: José Barros & Mimmo Epifani (in CD “Mar da Lua”, José Barros/Tradisom, 2015)

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