Letras da canção portuguesa sobre temas relacionados com a alimentação

Cantigas de pão e vinho

BEBE A TERRA NEGRA

[ Fragmentos ]

1. Bebe a terra negra
e à terra as árvores
as águas aos ventos
o sol às águas
e ao sol a lua
E as estrelas claras
Porque é que só eu
não hei-de beber?

2. Traz a água e o vinho e coroas
de flores que agora com Eros
me debato…

3. De novo amo e já amo
Deliro e não deliro
Estou louco e não estou louco

Poema: Anacreonte (Grécia, séc. VI a.C.) (in O Vinho e as Rosas: Antologia de Poemas Sobre a Embriaguez , org. Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim, 1995)
Recitado por Carlos Mota de Oliveira
Música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé (in CD “Vinho dos Amantes”, Som Livre, 2007)

DEVE-SE ESTAR SEMPRE EMBRIAGADO

[Embriagai-vos ]

Deve-se estar sempre embriagado. Nada mais
importa. Para que o horrível fardo do tempo
não vos pese sobre os ombros e vos faça pender
para a terra, deveis embriagar-vos sem cessar.
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude,
à vossa escolha. Mas embriagai-vos!
E se um dia, nos degraus de um palácio, na erva
verde de uma valeta, na solidão baça do vosso
quarto, acordades, já sóbrios, perguntai ao vento,
à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que
foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo
o que canta, a tudo o que fala, perguntai: “Que
horas são?”. E o vento, a onda, a estrela, a ave,
o relógio, responder-vos-ão: “São horas de vos
embriagardes!”. Para que não sejais os escravos
martirizados do tempo, embriagai-vos sem cessar.
De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha.

Poema em prosa: Charles Baudelaire (in O Vinho e as Rosas: Antologia de Poemas Sobre a Embriaguez, org. Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim, 1995)
Recitado por Carlos Mota de Oliveira
Música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé (in CD “Vinho dos Amantes”, Som Livre, 2007)

DONDE VEM RODRIGO

[ Cantigas às Serranas ]

Donde vem Rodrigo,
Donde vem Gonçalo,
De sachar o milho,
De mondar o prado.

Seja diligente
Quem amor semeia,
Que quem não granjeia
Não colhe a semente.
Semeou Rodrigo,
Semeou Gonçalo,
Haverão do milho
Se mondam o prado.
Quem de amor se esquece
No tempo de verde,
Não colhe o que perde
Entre erva que cresce,
Por isso Rodrigo,
Por isso Gonçalo,
Vão sachar o milho,
Vão mondar o prado.
Amor que aproveita,
Se antes de gradar
Cresce em seu lugar
Ciúme e suspeita,
Triste de Rodrigo,
Triste de Gonçalo,
Mal por seu cuidado,
Se não sacha o milho,
Se não monda o prado.
Amor que ficou
Em terra deserta
Colhe quem acerta,
Não quem semeou.
Semeou Rodrigo,
Semeou Gonçalo,
Para haverem o milho
Cumpre haver cuidado.
Em terra mimosa
Ninguém faça escolha,
Vai-se o grão na folha,
De muito viçosa.
Gonçalo e Rodrigo,
Cumpre ser lembrado,
De sachar o milho,
De mondar o prado.

Letra: Baltazar Estaço
Música: Custódio Castelo
Intérprete: Cristina Branco (in CD “Sensus”, Universal, 2003)

HOJE O ESPAÇO É ESPLÊNDIDO

[ O Vinho dos Amantes ]

Hoje o espaço é esplêndido
Sem freio, sem esporas, sem rédea,
Partamos evolados do vinho
Para um céu mágico e divino!

Como dois anjos que calentura
implacável tortura
No azul cristal da manhã
Sigamos a miragem distante!

Mansamente balouçados sobre a asa
Do turbilhão inteligente,
Num delírio paralelo,

Minha irmã, voando olhos nos olhos,
Fugiremos sem descanso nem tréguas
Para o paraíso dos meus sonhos

Poema: Charles Baudelaire (versão livre de Janita Salomé)
Música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé (in CD “Vinho dos Amantes”, Som Livre, 2007)

QUEM QUISER QUE CANTE

[ Quadras ]

Quem quiser que cante bem
Dê-me uma pinga de vinho
O vinho é coisa boa
Faz o cantar mais fininho

Venha vinho, beberemos
Molharemos a garganta
Eu sou como o rouxinol
Quanto mais bebe mais canta

O vinho é coisa santa
Que nasce da cepa torta
A uns faz perder o tino
A outros errar a porta

O meu amor já vem torto
Já se perdeu no caminho
Já não se lembra de mim

Quadras populares (recolhidas por Manuel Rocha, da Brigada Victor Jara), excepto a penúltima, da autoria de António Aleixo, e a última, de Francisco Hélder Pimenta (Ti Chico Chinês), do Redondo.
Música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé (in CD “Vinho dos Amantes”, Som Livre, 2007)

VÁ DE BOCA EM BOCA

[ No Banquete ]

Vá de boca em boca
Uma taça dourada
Somos pó e nada,
Estamos a passar
Como o vinho passa
Na taça
Da vida
P’ra logo em seguida
No chão se entornar.

Vá de boca em boca
Uma taça bem cheia.
A luz da candeia
Fez de nós iguais.
Só gente e tristeza
Na mesa
Da vida
Até que a bebida
Nos torne imortais.

Vá de boca em boca
Uma taça de prata.
Se o prazer nos mata,
Deixá-lo matar.
É a melhor morte
Que em sorte
Nos calha
Cair na batalha
No chão do lagar.

Vá de boca em boca
Uma taça de cobre.
E se houver que sobre
Siga outra rodada
Bebamos, que foge
Já hoje
Outro dia
E no fim da orgia
Somos pó e nada.

Poema (inédito): Hélia Correia
Música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé (in CD “Vinho dos Amantes”, Som Livre, 2007)

Partilhe
Share on facebook
Facebook