barítono José de Freitas

JOSÉ DE FREITAS

José de Freitas, de nome completo José Cirilo de Freitas Silva, nasceu na Madeira e foi padre da Congregação da Missão (Padres Vicentinos). Já depois de padre, estudou nos conservatórios do Porto e de Lisboa, onde concluiu o Curso Superior de Canto com excelente classificação. Em 1978 tornou-se artista residente do Teatro Nacional de São Carlos onde se estreou com Schaunard em La Bohème. Foi intérprete de importantes papéis de barítono e de baixo-barítono em Portugal e no estrangeiro. Foi também diretor de coros e compositor de cânticos litúrgicos.

ENTREVISTA

Qual foi o primeiro momento em que se lembra de ter tido consciência de que a música era importante para si?

O primeiro momento?! Preferiria falar de uma pequena série de momentos… Concretizando: No meu 5º ano do seminário (hoje 9º ano), cerca dos 16 anos, quando a chamada “mudança de voz” era já algo acentuada, o meu ilustre professor de música, Padre António Ferreira Telles, poucos dias após ter-me convidado para tocar harmónio em algumas cerimónias litúrgicas (ele era o harmonista oficial, obviamente) e pedir-me para, alternadamente com outro colega, iniciar os cânticos na liturgia (o equivalente a solista), veio falar comigo na véspera da festa do Padroeiro do seminário (S. José), e disse-me: “Confio muito em ti para “segurares” a 4ª voz na missa solene de amanhã.” Ora aí tem um “puzzle” com bastante significado na minha “consciência musical” de jovem seminarista…

Quais os professores que mais o influenciaram no tempo de seminário?

Vou referir-me apenas a professores de música, obviamente. Desde os primeiros anos, tive uma veneração especial por um ilustre mestre, muito “sui generis”, mas muito competente e sabedor: o Padre António Ferreira Telles, a que atrás aludi. Era excelente harmonista, compositor, ótimo harmonizador. O Pe. Fernando da Cunha Carvalho, felizmente ainda entre nós, também teve influência na minha orientação musical, e não só. Mas vou salientar, sem querer ser injusto para os atrás citados e porventura outros, o Pe. João Dias de Azevedo, que muito me ajudou sobretudo no harmónio e no órgão, no Seminário de Mafra, onde fiz o meu noviciado (1954-1956). Nesse período, cheguei a tocar órgão em algumas celebrações dominicais e festas na Basílica de Mafra… E, para completar os anos do seminário, não poderei omitir o Pe. Fernando Pinto dos Reis (1929-2010).

Depois de ir para o seminário e de ser padre, quando é que se apercebeu de que cantar era o mais importante na sua vida profissional?

Como disse, cedo me iniciei e fui crescendo na função de solista. Continuei-a ao longo de todo o curso, alternando-a com o múnus de harmonista. Terminado o curso, fui incumbido da disciplina de Música (além de outras), no seminário menor. O concílio do Vaticano II acabava de privilegiar o vernáculo na liturgia. Iniciei a renovação de todo o repertório vigente. Eu próprio dei largas a uma velha paixão e iniciei a composição de cânticos em português, incluindo o “ordinário” e o “próprio” da missa para determinadas solenidades, além de outros cânticos circunstanciais. Aconselhado por não poucos, matriculei-me no Conservatório do Porto. Canto? Composição? Duas paixões. Muito incitado e encorajado pela professora D. Isabel Mallaguerra, decidi-me mais seriamente pelo canto, sem descurar a composição musical.

Após o curso geral de canto no Conservatório do Porto, vim a concluir o Curso Superior no Conservatório Nacional com a professora D. Helena Pina Manique. Com o programa do exame do curso superior concluído com alta classificação, fui convidado para vários recitais em Lisboa e não só. Iniciei logo de seguida o curso de ópera com o professor Álvaro Benamor e D. Helena Pina Manique. Fui admitido no Coro Gulbenkian, onde estive durante alguns meses até seguir para Paris com uma bolsa de estudos.

O diretor do Teatro Nacional de São Carlos, Eng. João Paes, que já me ouvira no Conservatório, convidou-me para, temporariamente, interromper o estágio em Paris e vir a Lisboa preparar o desempenho de um importante papel numa ópera portuguesa. Bem sucedido, pediu-me para, após o estágio parisiense, seguir para Florença, afim de preparar, com o famoso Gino Bechi, o importantíssimo papel de primeiro barítono (Lord Enrico d’Ashthon) da ópera Lucia di Lamermoor, de Donizetti. Cantei esse papel em novembro de 1977, no Teatro Rivoli (Porto)…

Toda esta “bola de neve” a partir da conclusão do curso superior de canto em 1974, todo o incrível desencadear de situações até finais de 1977, todo o ano de 1977 sobretudo, tudo isso responde à sua pergunta… Parafraseando, em contraste, um fadista, diria: “Ser cantor não foi meu sonho, mas cantar foi o meu fado…”

Dos anos em que estudou Música e Canto, que professores tiveram uma influência mais decisiva?

Nos conservatórios do Porto e de Lisboa, tive a felicidade de ser orientado respetivamente pelas professoras D. Isabel Mallaguerra e D. Helena Pina Manique, e ainda, por algum tempo, pela D. Arminda Correia, sem esquecer o Prof. Álvaro Benamor (cena).

Em Paris, como olvidar o trabalho com a famoso baixo Huc-Santana e o não menos célebre barítono Gabriel Bacquier? Em Itália, e aqui em Portugal, Gino Bechi foi simplesmente precioso no trabalho vocal e cénico. Este famoso barítono, que também me honrava com a sua amizade, cantou nos anos 40, em todos os grandes palcos do mundo. A sua famosa “entrega” aos espetáculos e nos espetáculos, quer cenicamente mas sobretudo vocalmente, levou-o a tal desgaste que teve de terminar a sua carreira por volta dos 40 anos, precisamente com a idade com que eu comecei…

Foi difícil deixar de ser padre e optar pela carreira musical?

Quando, em finais dos anos 60, me matriculei no Conservatório do Porto, confesso que o meu sonho era dar uma componente artística à minha missão de padre.

Começaram a surgir, porém, situações que não deixaram de me ir perturbando. Alguma confusão começou a instalar-se nos meus horizontes… Estávamos em pleno pós-74… Sobretudo a partir de 1977, comecei a sentir-me ultrapassado pelos acontecimentos. Tinham de ser tomadas decisões… Não podia viver na ambiguidade!… Houve muitas dúvidas, muitas incertezas… O meu Padre Provincial de então propôs-me fazer as duas coisas: padre e cantor… Tudo se desenrolava vertiginosamente… Eram convites para concertos, para óperas, etc.
Cheguei mesmo a atuar durante não pouco tempo, estando ainda no exercício do ministério… Fui chegando à conclusão de que as duas funções não faziam grande sentido… Em finais de 1978, acabei por tomar a decisão: pedi para Roma a dispensa do exercício das ordens. Não tive resposta fácil. Demorou mais de dois anos. Pelo meio, um apelo a que repensasse…

Qual foi o papel da Igreja na sua vida musical?

Primeiramente, como é obvio, penso em todo o curso do seminário. Para além de todos os aspetos da formação, a música da Igreja, o canto gregoriano, ocupou uma grande parte desse período, quer na teoria, quer na prática. O nosso Cantuale, um livro específico da Congregação da Missão com os mais belos cânticos gregorianos e muitos outros, a uma ou mais vozes, dominou grande parte desses anos, as nossas vozes e as nossas almas.

No seminário Maior, durante o curso de filosofia e teologia, para além das mais belas obras de polifonia sacra, cantávamos, todos os domingos e festas, o “comum” e o “próprio” em gregoriano, de acordo com o emblemático Liber Usualis, a mais completa obra do canto da Igreja. Tudo isto, naturalmente acompanhada da parte teórica, marca indelevelmente a minha personalidade e a minha formação musical. E não esqueço que quase sempre, alternadamente, fui organista e solista…

Após a ordenação, seguiram-se anos dominados pelo Concílio do Vaticano II, com uma série extraordinária de documentos sobre a música e a liturgia em vernáculo,com o aparecimento de excelentes compositores. E foram sempre surgindo, com os diversos papas, importantes documentos sobre a música litúrgica. Não posso esquecer os “famosos” cursos gregorianos de Fátima que frequentei.

Durante os anos 1977-1995, em que a vida artística teve o seu lado prioritário, nunca deixei de estar atento aos documentos da Igreja sobre música sacra e à obra de excelentes compositores que temos.

A partir de 1997, já no pós – S. Carlos, a pedido do meu grande amigo Conégo José Serrasina que acabava de ficar à frente da Paróquia dos Anjos, em Lisboa– a minha paróquia -, comecei a orientar o coro paroquial, tomando a peito a renovação dos cânticos e a dinamização litúrgica. Baseava-me sempre nos textos de cada celebração. Após 5 anos de intenso e profícuo trabalho, abracei outro projeto – na Capela do Palácio da Bemposta (Academia Militar), onde colaborei durante 13 anos (2003 – 2016). Durante este período, compus dezenas de cânticos que vieram a ser publicados pela Academia Militar, em 2012, num volume com o título Deus é Amor. Porque o “contexto” de então era “específico”, o referido volume irá “sofrer” brevemente substancial alteração.

Qual foi a maior deceção na sua vida?

Se me permite, não apresentaria uma mas duas deceções, e ambas no âmbito do mundo lírico. A primeira, logo de início. Tinha feito 40 anos. Eram diferentes, agora, o sonho e o ideal. Imaginava que perante mim, ia surgir um meio pleno de elevação, um ambiente superior, de arte, de cultura, etc. Cedo, porém, fui verificando e concluindo que as cores que sonhara belas, não, não o eram assim tanto… A realidade era bastante mais prosaica… Bem!… Respirei fundo, bem fundo, passe a expressão… E, vamos a isso!… Mas vamos mesmo! O desafio que ora iniciava era para ganhar, era mesmo para vencer!… E foi! Não tive o caminho atapetado de rosas, longe disso, muito longe! Foram necessárias uma fibra excecionalmente forte como considero ter, uma fé inabalável em Deus como efetivamente tenho, e também, obviamente, uma grande confiança nos talentos que Deus me deu, aliados à formação que tive (não poderei esquecê-lo!) E…aí vou eu!… E nem tudo foram espinhos, digamos em abono da verdade. Tive um público que me admirava e apoiava bastante, excelentes e excecionais críticas, outras nem tanto… E, entre um pessoal que rodava as três centenas (coro, orquestra, cantores, técnicos, etc), tive não poucos amigos e admiradores! Não esqueço que, logo no começo, nos primeiros ensaios, vi lágrimas nos olhos de algum do pessoal, ao verem a minha entrada enérgica, decidida, confiante, e pensando no “mundo” donde acabava de chegar… aos 40 anos!…

A segunda deceção foi no fim. Em finais de 92, a SEC, tendo à frente o Dr. Pedro Santana Lopes, achou por bem dissolver a Companhia Portuguesa de Ópera (cantores, orquestra, etc). Éramos 14 os cantores principais. Mesmo tendo em conta que eu continuava a cantar no país e não só, esta foi sem dúvida uma grande deceção. Aos 55 anos, encontrava-me no ponto mais alto da carreira, a nível vocal e cénico, na minha opinião e na de quantos me conheciam e ouviam! Esperava estar “em grande” mais uma boa dezena de anos… Lembrei-me então das palavras de Gino Bechi, quando, certo dia, nos anos 80, após fazer as célebres e espetaculares demonstrações, vocais e cénicas, durante um ensaio, e quando já contava perto dos 80 anos, teve este desabafo: “Agora é que eu sei cantar!”

Pois é!… Parafraseando o meu mestre, diria: “Agora… é que eu sabia cantar!…”

Qual foi o momento mais alto da carreira como cantor lírico?

Desempenhei os mais diversos papéis de 1º barítono, de baixo-barítono, papéis característicos, enfim, foram cerca de 50… Nunca tive um fracasso nos meus desempenhos. Pelo contrário! Escolher o momento mais alto?!… É difícil!… Estou a lembrar-me de não poucos… Do “Le Grand-Prêtre de Dagom” da ópera Samson et Dalila, de Saint-Saëns, em 1983. Quis preparar o papel em Lyon com o meu ex-professor de Paris, o grande barítono Gabriel Bacquier. Estou a recordar-me do “Dulcamara” da ópera L’Elisir d’Amore, de Donizetti, em 1984 e 1985… Do “Rocco”, da ópera Fidelio de Beethoven… Enfim, não vou alongar-me na citação de outras boas e belas hipóteses…

Mas vou escolher como momento mais alto uma ópera fora do estilo clássico: a ópera Kiú, do compositor espanhol Luís de Pablo, levada à cena em 1987 no Teatro Nacional de São Carlos. O meu papel de Babinshy, o pivô da ópera, na sua grande espetacularidade e dificuldade vocal e cénica, foi na verdade um momento muito alto na minha carreira! Não foi por acaso que o próprio compositor Luís de Pablo e o maestro Jesús Ramón Encimar me convidaram, 5 anos depois (dezembro de 1992 – janeiro de 1993), para interpretar em Madrid o mesmo papel!…

Quais foram os cantores líricos mundiais que mais o inspiraram?

Estavam na moda, nos anos 60, cantores líricos que deveras nos entusiasmavam. Lembro-me, por exemplo, de Mário Lanza, de Luís Mariano, de Alfredo Krauss que vim a conhecer em São Carlos, e com o qual contracenei, inicialmente, num ou noutro pequeno papel. E vários outros, quase todos tenores. O meu tipo de voz é de barítono ou de baixo-barítono. Mas foi sobretudo a partir do Curso Superior de Canto que comecei a interessar-me por vozes líricas, o que é absolutamente natural. Dado o meu tipo de voz, cerca de cinco ou seis cantores internacionais dominavam particularmente os meus gostos. Comecemos pelos alemães Dietrich Fischer-Dieskau e Hermann Prey, barítonos. O primeiro, absolutamente excecional em lied, tendo cantado praticamente tudo o que havia nesse domínio. Muitos o consideraram o maior músico do século XX. Foi inclusivamente maestro de música sacra. Ouvi-o ao vivo em Paris. Hermann Prey era superior como ator. As suas interpretações em óperas de Mozart, Rossini, Donizetti ficaram memoráveis. Outros dois barítonos ou baixo-barítonos, Fernando Corena e Rolando Panerai, eram também grandes cantores e atores, mais característicos que os anteriores. Outro barítono que, vocalmente (não cenicamente) me enchia as medidas, era Piero Cappuccilli. Era um barítono a que eu chamaria heróico-dramático, com uma incrível potência de voz. Jamais esquecerei o seu desempenho em Simon Boccanegra de Verdi, no São Carlos…

Poderia obviamente alongar-me, no que às vozes masculinas diz respeito. Mas também não posso deixar de me referir a vozes femininas que, além de nós deixarem siderados, tanto nos ensinaram! Antes de mais, Maria Callas!… Depois, uma Victoria de los Angeles que cheguei a ouvir na Gulbenkian. Fiorenza Cossotto, Mirella Freni, Christa LudwigMonserrat Caballé que ouvi em Paris dirigida por Leonard Bernstein… Uma Joan Sutherland, La Stupenda, a tal que cantou a Traviata no Coliseu na famosa noite de 24 para 25 de abril de 1974, com o já citado Alfredo Kraus… E eu estava lá!…

Quais os músicos portugueses mais influentes na sua carreira?

Por músicos, entendo compositores, professores, pianistas, ensaiadores, “pontos”, cantores, e, porque não, críticos… Antes de mais, as minhas duas professoras nos conservatórios do Porto e de Lisboa, respetivamente: Isabel Malaguerra e Helena Pina Manique. A professora D. Arminda Correia fez de forma extraordinária a breve transição entre uma e outra. Álvaro Benamor, na classe de ópera. A pianista Maria Helena Matos que me acompanhou com enorme competência desde o Conservatório Nacional, incluindo o exame final, e praticamente em todos os recitais que fui dando ao longo da carreira. O maestro Armando Vidal, músico de gema, com o qual preparei, como a generalidade dos artistas, quase todos os papéis que tinha a desempenhar nas dezenas de óperas em que fui interveniente. Entre os maestros – “pontos” – , não esquecerei o maestro Pasquali que tão competentemente orientou, durante os primeiros tempos, as nossas intervenções em palco, e o maestro Ascenso de Siqueira, grande e bom amigo e incrível ser humano… Tive a felicidade de trabalhar com encenadores como António Manuel Couto Viana, que me honrava com a sua amizade, Carlos Avillez (em várias óperas), Luís Miguel Cintra, João Lourenço

Cantores? Álvaro Malta, Hugo Casaes, Elizette Bayan, Armando Guerreiro, e outros… Lembro-me ainda de preciosas “dicas” que me deu Álvaro Malta

Compositores? Antes de mais, o Prof. Cândido Lima. Conheci-o em Paris. Conversávamos muito. Não esqueço o dia em que ele me apresentou ao seu amigo Iannis Xenakis… Fomos juntos a vários concertos. Preparei, com ele ao piano, algumas obras suas para canto. Foi meu pianista num concurso de canto em que fui premiado… Tudo isto em Paris, em 1977.

Com o grande compositor Fernando Lopes-Graça, tive a honra de preparar um importante papel de solista na sua obra As Sete Predicações d’Os Lusíadas, em vista à estreia mundial da mesma no VI Festival da Costa do Estoril (1980).
Joly Braga Santos honrava-me com a sua amizade e admiração. Com ele ensaiei o papel de solista na sua Cantata Das Sombras, sobre texto de Teixeira de Pascoaes, para primeira audição mundial no Teatro de S. Luís, a 27 de julho de 1985, com o Coro Gulbenkian, e enquadrada no XI Festival de Música da Costa do Estoril. De Joly Braga Santos nunca poderei esquecer as suas palavras, em pleno palco, no fim da última récita da sua Trilogia das Barcas, em maio de 1988: “Estou a compor uma ópera, para a Expo de Sevilha (daí a 4 anos), baseada numa obra de Frederico Garcia Llorca, Bodas de Sangue e tenho um muito bom papel para si”. Entretanto, o maestro falecia 2 meses depois, a 18 de julho de 1988, o que constituíu uma grande perda para o País, para a cultura portuguesa.

Quanto a críticos, devo dizer que, entre outros, Francine Benoit, João de Freitas Branco, José Blanc de Portugal muito me encorajaram e elogiaram!

E hoje, o que acha da evolução da ópera em Portugal?

Francamente, tenho dificuldade em responder. Há cerca de vinte e cinco anos, após a extinção da Companhia Portuguesa de Ópera e de ter dado como terminada a minha carreira lírica, abracei outro projeto e alheei-me bastante desse tema. Sei que, sobretudo por razões orçamentais, a programação se ressente, e muito. Tudo parece ser diferente. Repito: não tenho dados que me permitam fazer qualquer juízo de valor…

O que pensa do papel da música na Igreja?

Desde o Seminário Maior, fui lendo atentamente, e mais que uma vez, os documentos papais que surgiram desde o princípio do século XX:
o Motu próprio de São Pio X (1903) sobre a Restauração da Música Sacra;
a Constituição Apostólica Divini Cultus (1928) no pontificado de Pio XI, sobre a liturgia e a música sacra; a Encíclica Musicae Sacrae Disciplina (1953), do Papa Pio XII, sobre a Música Sacra, vocal e instrumental.

Logo após o Concílio do Vaticano II, surge a Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium (1963), a realçar que “a acção litúrgica reveste maior nobreza quando é celebrada com canto, com a presença dos ministros sagrados e a participação ativa do povo”. E quando fala de canto, obviamente que se refere ao canto sagrado intimamente unido com o texto. E se o canto gregoriano ocupa sempre um lugar privilegiado em igualdade de circunstâncias, não são excluídos os outros géneros de música sacra mormente a Polifonia, desde que em harmonia com o espírito da ação litúrgica, e de acordo com os diversos tempos litúrgicos, com as diversas celebrações e os vários momentos da celebração. Compositores, organistas, mestres de coro, cantores, músicos (instrumentistas) devem formar um todo para o esplendor do canto.

Alguns anos após o Concílio, a famosa Instrução Musicam Sacram (1967), da Sagrada Congregação dos Ritos, é a síntese, diria perfeita, do que à Música Sacra diz respeito, desde o canto na celebração da missa, passando pela preparação de melodias para os textos em vernáculo, depois a música para instrumental, o Canto no Ofício, etc etc.

O assunto levar-nos-ia ainda a três ou quatro intervenções de São João Paulo II, a uma célebre conferência do Cardeal Ratzinger (mais tarde Papa Bento XVI) em 1985, a uma Nota Pastoral dos nossos bispos por ocasião do Ano Europeu da Música (em novembro de 1985).

E o nosso Papa Francisco, por mais de uma vez, tem insistido que a Música Sacra e Canto Litúrgico devem estar plenamente inculturados nas linguagens artísticas atuais.

Quais os compositores que mais ouve e, desses, que obras prefere?

J.S. Bach é incontornável. Oiço com frequência, por exemplo, a Cantata do Café, cuja ária Hat man nicht mit seinen kindern fez parte do programa do meu exame do Curso Superior de Canto de Concerto, e foi uma das provas de acesso ao Coro Gulbenkian, em novembro de 1974; a Missa em Si m, cujas árias de baixo cantei; e a Paixão Segundo S. João, em que interpretei o papel de Jesus, no Porto, em abril de 1977, quando ainda estagiava em Paris…
Haëndel (O Messias, e Música Aquática); Beethoven (Sinfonias 3, 6 e 9) e a ópera Fidelio, cujo papel de Rocco desempenhei em junho de 1986; Mozart (o Requiem que, enquanto membro do Coro Gulbenkian, cantei no Coliseu em 1975, com gravação para a Erato; a Sinfonia nº 40, etc etc); Haydn (A criação, a Missa de Santa Cecília e a Sinfonia Concertante); Bizet (Carmen); Bramhs (Um Requiem Alemão);Rossini (Stabat Mater); Tchaickowsky (Romeu e Julieta e Francesa da Rimini; Dvorak (Sinfonia nº 9, O Novo mundo); Ravel (Bolero); Rodrigo (Concerto de Aranjuez); Strauss (valsas); Elgar (Concerto para violoncelo).

E muito, muito mais, obviamente.

O que o levou a colecionar livros e discos?

Certamente, e de uma forma geral, o meu gosto pela música, a ligação à Igreja, o meu profissionalismo, a cultura. É claro que tudo se desenrola de acordo com as diversas etapas da vida:

a minha função de professor de Música (além de outras disciplinas) no seminário menor, após a minha formação, e o começo dos meus estudos no Conservatório;

a minha transição para a vida pastoral, durante 3 anos;

a minha ida para Lisboa para concluir o curso Superior, do Conservatório, e a minha curta passagem pela Fundação Gulbenkian;

o meu estágio de dois anos em Paris, concluído com 2 meses em Itália;

o começo e a continuação da minha carreira lírica no Teatro Nacional de São Carlos;

os 3 anos pós-São Carlos em que continuei a minha carreira;

o abraçar de novo projeto: “trabalhar” um coro inserido numa missão pastoral na Paróquia dos Anjos (Lisboa), a minha Paróquia, a partir de 1997 e, posteriormente, de 2003 a 2016, na capela do Palácio da Bemposta (Academia Militar);

e porque não dizê-lo, as minhas viagens de automóvel, algumas longas, nos anos 70 e daí para cá, para já não falar da minha própria casa…

Como vê, são muitas as etapas e as circunstâncias em que procurei estar sempre em dia e dentro das exigências das mesmas. Livros, discos, cassetes, CDs, DVDs eram verdadeiros instrumentos de trabalho, de cultura, de ocupação, de prazer…

Julgo ter sintetizado as razões da minha importante biblioteca e discoteca, das quais progressivamente e criteriosamente, me vou voluntariamente desfazendo.

Antes da sua formação académica no conservatório, que lugar tinha a música erudita no seu papel de formador no seminário?

Além de renovar completamente o repertório de cânticos religiosos que vinha de há longos anos (o que supunha rodear-me de bom material), comecei a interessar-me por vozes maravilhosas que os discos faziam chegar até nós (Mario Lanza, Luis Mariano, Alfredo Krauss etc, e por orquestras excecionais que nos traziam as mais belas melodias clássicas, canções famosas, música de filmes históricos…

Tive sempre a preocupação de partilhar com os meus jovens alunos algum desse maravilhoso mundo musical… Era importante para a educação da sua sensibilidade, dos seus gostos, da sua cultura.

Lembro-me, e muitos ex-alunos (quer do seminário, quer do ensino público) se recordarão de ter dado a ouvir, entre outras obras, uma pequena peça do compositor russo Alexander Borodine. Tratava-se de Nas estepes da Ásia Central. Era a caravana que surgia ao longe, a marcha dos camelos, a intensidade instrumental que “subia” a anunciar a chegada da caravana, a permanência no terreno, o retomar da marcha, os sons que se iam extinguido… até a caravana se perder de vista!… Era tudo tão belo, tão claro! Apaixonante!… O interesse era enorme. Os alunos começavam a compreender que a música tem um sentido, um conteúdo, uma intenção, uma finalidade, uma expressão!
O mesmo sucedeu com outras obras, como o Hino da Alegria, da IX Sinfonia de Beethoven! Etc etc.

Mas adverti-os sempre para que nada disto desviasse a atenção do essencial da sua formação!…

Em três palavras como se caracteriza a si mesmo?

Persistente! Perfecionista! Brioso!

Lisboa, 19 de março de 2018

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JOSÉ DE FREITAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL

Um barítono que é crítico de si próprio

Correio da Manhã, 28 de abril de 1986

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De padre a cantor principal de ópera no Teatro São Carlos

Diário de Notícias do Funchal, 11 de maio de 1986

.

José de Freitas: de padre a cantor

Correio da Manhã, 02 de agosto de 1987

Porto

Água do rio clara

[ Barqueiros ]

Água do rio clara
Deixa passar a barrenta;
Quem tem o coração duro
Cai ao chão e não rebenta.

Ai, amor, deita a barca ao rio!
Deita a barca ao rio!
Vamos barquear!
Ai, amor, se a barca tomba
Caio ao rio,
Não sei nadar!

A água daquele rio
Corre que desaparece;
Quem tem amor vadio

Tanto “alembra” como esquece.
Ai, amor, deita a barca ao rio!
Deita a barca ao rio!
Vamos barquear!
Ai, amor, se a barca tomba
Caio ao rio,
Não sei nadar!

Minha mãe diz que não quer
Ter um filho marinheiro:
Tem medo que lhe morra
Nos embalos do Loureiro.

Ai, amor, deita a barca ao rio!
Deita a barca ao rio!
Vamos barquear!
Ai, amor, se a barca tomba
Caio ao rio,
Não sei nadar!

Letra e música: Tradicional (“Deita a Barca ao Rio” e “Amendoeira” – Barqueiros, Mesão Frio, Douro Litoral/Alto Douro; “Muinheira de Piornedo” – Galiza)
Intérprete: Arrefole (in CD “Veículo Climatizado”, Açor/Emiliano Toste, 2006)

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Pode ser do seu interesse o Musorbis, sítio do património musical dos concelhos, ou o Instrumentário Português, que já contém 100 instrumentos tradicionais no País.

Neste porto manso eterno

[ Porto Antigo ]

Neste porto manso eterno onde descanso
porque me fica aqui o peito e o sentido
com aquela água imensa navegando,
este rio, ao passar, fala comigo
e parece murmurar-se quente e brando
como o mundo é mais sereno em Porto antigo.

O velho Douro é como um hino à natureza
escorrendo entre os dedos da montanha
ao sol que o faz vibrar e pressentir
mostrando a história em socalcos vinhateiros
nos solares de baronetes e herdeiros
com brasões verdadeiros ou a fingir

Dos barcos que se cruzam indo e vindo
alguém levanta a mão saudando ao longe
como um monge pagão fugido à norma.
O próprio rio me esmaga e me transforma,
o casario dá impressão que vai cair
e eu sei que vou chorar quando partir.

Sei que o tempo ali parou naquele cais
e não quero saber de mais informação
que a que me traz com majestade o Douro amigo.
Eu quero ficar ali para sempre, ali contigo,
olhos nas margens do sentir, a mão na mão.
Ai, como o mundo é mais sereno em Porto Antigo.

Poema e música: Pedro Barroso
Intérprete: Pedro Barroso
(in CD “Navegador do Futuro”, Ocarina, 2004)

Pedro Barroso, Navegador do Futuro

Quem vem e atravessa o rio

[ Porto sentido ]

Quem vem e atravessa o rio
junto à Serra do Pilar,
vê um velho casario
que se estende até ao mar.

Quem te vê ao vir da ponte,
és cascata são-joanina
erigida sobre um monte
no meio da neblina

por ruelas e calçadas
da Ribeira até à Foz,
por pedras sujas e gastas
e lampiões tristes e sós.

Esse teu ar grave e sério
dum rosto de cantaria
que nos oculta o mistério
dessa luz bela e sombria.

Ver-te assim abandonado
nesse timbre pardacento,
nesse teu jeito fechado
de quem mói um sentimento

E é sempre a primeira vez
em cada regresso a casa
rever-te nessa altivez
de milhafre ferido na asa.

Letra: Carlos Tê
Música: Rui Veloso
Intérprete: Rui Veloso
(in “Rui Veloso”, EMI-VC, 1986)

Tenho dentro do meu peito

[ Cantiga da Segada ]

Tenho dentro do meu peito,
Ai dentro do meu peito,
Dois moinhos a moer:
Um anda, o outro desanda,
Ai o outro desanda,
Assim é o bem-querer.

Tenho dentro do meu peito,
Ai dentro do meu peito,
Um alambique d’aguardente,
P’ra destilar as saudades,
Ai ouvides, ouvides,
Quando de ti estou ausente.

Letra e música: Tradicional (Castro Daire, Douro Litoral)
Recolha: José Alberto Sardinha (1977, in “Portugal – Raízes Musicais”: CD 1 – Minho e Douro Litoral, BMG/JN, 1997)
Intérprete: Segue-me à Capela
Primeira versão de Segue-me à Capela (in CD “Segue-me à Capela”, Segue-me à Capela, 2004)

Viriato

Canções da (e sobre a) Beira Alta

Letras

Adeus, Maria da Graça

— «Adeus, Maria da Graça!
Na Espanha foste criada,
Foste a servir p’rá Póvoa, (oh ai)
Lá vieste enganada.

Lá vieste enganada
De Manuel Celestino;
Fugiste p’ró Feijoal, (oh ai)
Lá tiveste o menino.

Lá tiveste o menino,
No teu ventre foi gerado;
Agarraste-o pelas pernas, (oh ai)
Deitaste-o p’ró telhado.

Deitaste-o p’ró telhado
De sem o ninguém saber;
Tens a casa rodeada, (oh ai)
Já te querem vir prender.»

— «Não tenho medo à Polícia
Nem à Guarda Fiscal,
Só tenho medo ao juiz (oh ai)
Que me leva ao tribunal.

Viva lá, senhor juiz!
Tenho muito a agradecer:
Deu-me cama p’ra dormir (oh ai)
E casa p’ra eu viver.

Letra e música: Tradicional (Aldeia do Bispo, Guarda, Beira Alta)
Informante: Júlia Costa Fonseca
Recolha: Américo Rodrigues
Intérpretes: Ariel Ninas & César Prata* (in CD “Cantos de Cego da Galiza e Portugal”, aCentral Folque, 2016)
Primeira versão: César Prata (in CD “Canções do Ceguinho”, Aquilo, 2003)

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Pode ser do seu interesse o Musorbis, sítio do património musical dos concelhos, ou o Instrumentário Português, que já contém 100 instrumentos tradicionais no País.

Ay eu, coitada

I
Ay eu, coitada,
como vivo em gram cuidado
por meu amigo que ei alongado!
Muito me tarda o meu amigo na Guarda!
II
Ay eu, coitada,
como vivo em gram desejo
por meu amigo que tarda e nom vejo!
Muito me tarda o meu amigo na Guarda!

Poema: D. Sancho I (c. 1199)
Música (reconstituição): Pedro Caldeira Cabral Intérprete: La Batalla (in “Cantigas d’Amigo”, EMI-VC, 1984, reed. 1991)

Pedro Caldeira Cabral, Cantigas d’Amigo

As façanhas do coveiro

[ O Coveiro de Pínzio ]

As façanhas do coveiro
De Pínzio, lindo lugar:
Desenterrava os defuntos
Para a roupa lhes tirar.

Como nunca tinham visto,
Tudo estava a duvidar…
Até que um certo dia
Lá o foram a espreitar.

Dia primeiro de Junho,
Fez tão grande tirania:
Defunto desenterrou
Manuel Francisco Maria.

Estava o povo lastimando
A morte daquele vizinho
Por na vida ser honrado,
Mostrava a todos carinho.

Talvez que durante a vida
Nunca levasse pancada,
Como lhe deu o coveiro
Nos braços com uma enxada.

Roubando-lhe toda a roupa,
Só com a camisa o deixou;
E até os próprios sapatos
Ao defunto raptou.

Letra e música: Tradicional (Castanheira, Guarda, Beira Alta)
Informante: José Fortunato
Recolha: César Prata
Intérpretes: Ariel Ninas & César Prata* (in CD “Cantos de Cego da Galiza e Portugal”, aCentral Folque, 2016)
Primeira versão: César Prata (in CD “Canções de Cordel”, Teatro Municipal da Guarda, 2010)

Nota: Pínzio é o nome de uma freguesia do concelho de Pinhel, distrito da Guarda.

Reciclanda

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O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração), realiza oficinas de música durante o ano letivo e dinamiza atividades em colónias de férias. Municípios, Escolas, Agrupamentos, Colégios, Festivais, Bibliotecas, CERCI, Centros de Formação, Misericórdias, Centros de Relação Comunitária, podem contratar serviços Reciclanda.

Contacte-nos:

António José Ferreira
962 942 759

De Lisboa me mandaram

[ E o Cai Di e o Cai Dá ]

De Lisboa me mandaram
(E o cai di e o cai dá!)
Um prato com um belo molho:
(E o cai di ai dá!)
As costelas de uma pulga
E o coração de um piolho.

E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai di ai dá!
E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai dá!
E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai di ai dá!
E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai dá!

De Lisboa me mandaram
(E o cai di e o cai dá!)
Quatro pêras num raminho:
(E o cai di ai dá!)
Como era coisa boa
Comeram-nas no caminho.

E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai di ai dá!
E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai dá!
E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai di ai dá!
E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai dá!

Minha mãe, p’ra me eu casar,
(E o cai di e o cai dá!)
Prometeu-me quanto tinha:
(E o cai di ai dá!)
Assim que me agarrou casada
Deu-me uma agulha sem linha.

E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai di ai dá!
E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai dá!
E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai di ai dá!
E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai dá!

Minha mãe, p’ra me eu casar,
(E o cai di e o cai dá!)
Prometeu-me três ovelhas:
(E o cai di ai dá!)
Uma cega, outra coxa
E outra mocha sem orelhas.

E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai di ai dá!
E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai dá!
E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai di ai dá!
E o cai di e o cai dá!
E o cai di ai dá!

Letra e música: Tradicional (Beira Alta)
Intérprete: Ai!* (in CD “Ai!”, Ai!/RequeRec, 2013)

Deu-se agora, há pouco tempo

[ Casório Divertido ]

Deu-se agora, há pouco tempo,
Um casório divertido:
A noiva mais que danada,
Lá pela noite adiantada,
Arrancou o nariz ao marido.

É o que acontece aos velhos
Que procuram mocidade…
Quando se despiu deitou
E o nariz lhe arrancou
Por não fazer a vontade.

Procuraram-lhe as vizinhas:
— «Que fizeste ao teu Viriato?»
— «Dormir com homem e ter frio,
Dormir com homem e ter frio,
Vale mais dormir com gato!»

Foi consultar o doutor,
Disse-lhe que não tinha cura;
E agora, por qualquer lado,
E a chorar o desgraçado
Faz uma triste figura.

Letra e música: Tradicional (Aldeia do Bispo, Guarda, Beira Alta)
Informante: Júlia Costa Fonseca
Recolha: Américo Rodrigues
Intérpretes: Ariel Ninas & César Prata (in CD “Cantos de Cego da Galiza e Portugal”, aCentral Folque, 2016)
Primeira versão: César Prata (in CD “Canções do Ceguinho”, Aquilo, 2003)

E onde vais, Rosalina?

[ Rosalina ]

— «E onde vais, ó Rosalina?
Onde vais que eu também vou?»
— «Vou colher caldo à horta,
Vou colher caldo à horta,
Que a minha mãe me mandou.

Chegou ao portão da horta,
Deitou-lhe um braço por cima…
— «Tu andas a namorar!
Tu andas a namorar!
Não mo negues, Rosalina!

— «Eu não lo nego a si,
Nem a si nem a ninguém;
Eu vou à minha vontade,
Eu vou à minha vontade,
De meu pai, de minha mãe.

— «Toma lá uma facada!
Vai levá-la à tua mãe!
Se não casares comigo,
Se não casares comigo,
Não casas com mais ninguém!

Toma lá outra facada
Já depois de estares morta!»
Isto foi acontecido,
Isto foi acontecido
Ao portal da nossa horta.

Até as faces lhe cortou
P’ra ninguém a conhecer;
Atou-lhe um lenço ao rosto,
Atou-lhe um lenço ao rosto
Para o sangue não correr.

Torradas, novas torradas,
E a faca corta as urtigas.
Olha o que os rapazes fazem,
Olha o que os rapazes fazem
Por causa das raparigas!

Letra e música: Tradicional (Avelãs de Ambom, Guarda, Beira Alta)
Informante: Maria dos Prazeres Ganhão
Recolha: Américo Rodrigues
Intérpretes: Ariel Ninas & César Prata* (in CD “Cantos de Cego da Galiza e Portugal”, aCentral Folque, 2016)
Primeira versão: César Prata (in CD “Canções do Ceguinho”, Aquilo, 2003)

Estando a Dona Infanta

[ A Bela Infanta (romance novelesco) ]

Estando a Dona Infanta
No seu jardim assentada,
Com o seu pente d’oiro
Seus cabelos penteava.

Deitou os olhos ao largo,
Viu vir uma grande armada;
Capitão que nela vinha
Muito bem a governava.

— «Dizei-me, meu capitão
Dessa tão formosa armada,
Se vistes o meu marido
Em terras que Deus pisava!»

— «Dizei-me, minha senhora,
Os sinais que ele levava!»
— «Levava cavalo branco,
Selim de prata dourada;
Na ponta da sua lança
A cruz de Cristo levava.»

— «Pelos sinais que me deste
Tal cavaleiro não vi…
Mas quanto dareis, senhora,
A quem o trouxera aqui?»

— «Daria tanto dinheiro
Que não tem conto nem fim
E as telhas do meu telhado
Que são de oiro e marfim.»

— «Guardai o vosso dinheiro,
Vossas telhas de marfim!
Vosso marido sou eu,
Reparai bem para mim!

O anel de sete pedras
Que eu convosco reparti:
Que é dela a outra metade?
Pois a minha vê-la aqui!»

— «Andai cá, ó minhas filhas,
Que o vosso pai é chegado!
Abram-se os novos portões
Há tanto tempo fechados!
Vamos dar graças a Deus,
Graças a Deus consagrado!»

Letra e música: Tradicional (Dirão da Rua, Sortelha, Sabugal, Beira Alta)
Arranjo: César Prata e Vânia Couto
Intérprete: César Prata e Vânia Couto
Versão discográfica de César Prata e Vânia Couto (in CD “Rezas, Benzeduras e Outras Cantigas”, Sons Vadios, 2019)

Sortelha
Sortelha

Nasci em terras de xisto

[ Serra do Açor ]

Nasci em terras de xisto
à beira do rio Ceira
em lugar de balsa sem porto
numa serra onde o Açor pousou
em leito de feno dormi.
Cresci na terra de sargaço
correndo em lameiros verdejantes
ouvi o sopro dos ventos
junto ao correr das levadas
vi noites sem luar.
Ouvi histórias de bruxaria
lendas de lobisomens
almocreves e mouras encantadas
vi sementeiras e colheitas
as malhas e debulhas.
Saltei fogueiras de rosmaninho
acendi o madeiro de Natal
cantei janeiras pelo povoado,
cheirei alecrim e loureiro,
bebi chá de sabugueiro.
Nadei nas águas do Alva
na ponte que tem três entradas
em Avô, terra de poetas;
cantei baladas ao luar
até o galo cantar.
Que importa ser acordado
dos sonhos desta noite
pela coruja que é a “surga”
ou pelo sino da capela?
Tudo isto existe, tudo isto é belo,
nada mudou, tudo está como era dantes…

Letra e música: Fernando Pereira
Intérprete: Real Companhia in CD “Em Forma de Abraço”, 2005)

Os três Reis do Oriente

[ São José Estava Triste (Canção de Natal) ]

Os três Reis do Oriente
Toda a noite caminharam:
Procuraram o Deus-Menino,
Só em Belém o acharam.
Quando a Belém chegaram
Já toda a gente dormia:
Porteiro, abri a porta,
Porteiro da portaria!
São José estava triste
Ao ver Maria a sofrer;
Um anjo do céu lhe disse:
– Jesus está pra nascer!
Não há graça embaladora
Como a de mãe quando cria:
É como Nossa Senhora,
Mãe de Deus, Ave-Maria!
Indo José e Maria
Recensear-se a Belém,
Numa noite escura e fria
Nossa Senhora foi mãe.

Letra e música: Popular (Minho / Beira Litoral / Beira Alta)
Recolha: José Alberto Sardinha
Intérprete: Maio Moço (in CD “Canto Maior, Tradisom, 2002)

Maio Moço, Canto Maior

Pastoras da Estrela

Pastoras da Estrela
Pastoras para Estrela vão
Cantando e animadas
A vida em flor
Nenhum amor
Que as torne malfadadas
Com a Primavera
A palpitar
À serra vão chegar
No prado verde
Cheiros mil
Mal rompe
O sol a aurora
Com mantos vão
Um rancho são
De moças encantadas
Dançam em roda
Alegres estão
Saudando a alvorada
Ao longe no horizonte luz
O bronze aguçado
Da guerra vêm
Guerreiros cem
O louro festejado
Entram na dança
Magia no ar
P’la noite a repousar
No Outono é hora de voltar
Para a aldeia engalanada
Pastoras vão
Mas já não são
Meninas encantadas

Cristina Branco, Sensus

Letra e música: Miguel Carvalhinho
Intérprete: Cristina Branco (in CD “Sensus”, Universal, 2003)

Sei que vais ficar sozinha

[ Carta da Mãe para a Filha ]

Sei que vais ficar sozinha,
Meu amor, minha filhinha,
Meu anjo, minha adorada!
Só pede o meu coração
Que tu tenhas compaixão
Da tua mãe desgraçada!

Minha filha, meu amor,
Por não suportar a dor
Do desgosto mais profundo,
Eu morro de sofrer farta!
Quando ouvires ler esta carta
Eu já não sou deste mundo.

Meu amor, minha querida,
Por não suportar a vida
Tormentosa que levava,
Morro sem soltar um “ai”!
Matei-me e matei teu pai
Que com outra me enganava.

Peço em minha confissão:
Não me negues teu perdão,
Diga o mundo o que disser!
Já por ti a Deus pedi:
Não sofras o que eu sofri
Quando um dia fores mulher!

Música: César Prata
Letra: Tradicional (Vela, Guarda, Beira Alta)
Informante: Joaquim Santos
Recolha: Américo Rodrigues
Intérpretes: Ariel Ninas & César Prata (in CD “Cantos de Cego da Galiza e Portugal”, aCentral Folque, 2016)
Primeira versão: César Prata (in CD “Canções do Ceguinho”, Aquilo, 2003)

Trigo loiro

Trigo loiro, trigo loiro,
Ai, quem me dera o teu valor!
Que entrara no cálice de oiro,
Ai, onde entra Nosso Senhor.

Trigo loiro, trigo loiro,
Ai, quem me dera a tua cor!
Levara a cruz ao Calvário,
Ai, como fez Nosso Senhor.

Trigo loiro, trigo loiro,
Ai, quem me dera o teu valor!
Que entrara no cálice de oiro,
Ai, onde entra Nosso Senhor.

Trigo loiro, trigo loiro,
Ai, quem me dera a tua cor!
Levara a cruz ao Calvário,
Ai, como fez Nosso Senhor.

Trigo Loiro (cantiga de ceifa)
Letra e música: Tradicional (Gonçalo, Guarda, Beira Alta)
Intérprete: Ai! (in CD “Lavra, Boi, Lavra: Canções de Trabalho”, Ai!/Coruja do Mato, 2015)
Outras versões com César Prata: Chuchurumel – “Canção da Ceifa” (in CD “No Castelo de Chuchurumel”, Chuchurumel/Luzlinar, 2005); Ai! (in CD “Ai!”, Ai!/RequeRec, 2013)

Trigo loiro
Trigo loiro

Tenho Sede, Amor, Dá-me Água

[ Tenho um grande amor por ti! ]

Tenho sede, amor, dá-me água!
Não me dês pela panela!
Dá-me pela tua boca
Que eu não tenho nojo dela!

Tenho sede, amor, dá-me água
Lá da fonte do Outeiro,
Que me não saiba a lodo
Nem à raiz do pinheiro!

Água da fonte da aldeia,
Ensina-me o teu cantar
Que os meus olhos volta e meia
Andam com água a chorar!

Tenho sede, amor, dá-me água!
Não me dês pela panela!
Dá-me pela tua boca
Que eu não tenho nojo dela!

Tenho sede, amor, dá-me água
Lá da fonte do Outeiro,
Que me não saiba a lodo
Nem à raiz do pinheiro!

Água da fonte da aldeia,
Ensina-me o teu cantar
Que os meus olhos volta e meia
Andam com água a chorar!

Letra e música: Tradicional (Guarda, Beira Alta)
Arranjo: César Prata e Vânia Couto
Intérprete: César Prata e Vânia Couto* (ao vivo no Estúdio 3 da Rádio e Televisão de Portugal, Lisboa)
Versão discográfica de César Prata e Vânia Couto (in CD “Rezas, Benzeduras e Outras Cantigas”, Sons Vadios, 2019)

Uma casa muito velha

[ Ó Zé ]

Uma casa muito velha, ó Zé,
Cheia de teias de aranha, ó Zé:
Está uma bruxa num canto, ó Zé,
Que te mata se te apanha, ó Zé.

Ó Zé, Ó Zé, Ó Zé, pequenino é!
Ó Zé, vai lavar a cara! Vai lavar a cara!
Vai lavar o pé!

Cala-te! Aí vem a raposa, ó Zé,
Com o rabo muito comprido, ó Zé:
Quer comer o meu menino, ó Zé,
Mas eu tenho-o aqui escondido, ó Zé.

Ó Zé, Ó Zé, Ó Zé, pequenino é!
Ó Zé, vai lavar a cara! Vai lavar a cara!
Vai lavar o pé!

Eu vi um lobo na serra, ó Zé,
Que te come se tu choras, ó Zé:
Não chores mais, meu menino, ó Zé,
Senão ele sabe onde moras, ó Zé.

Ó Zé, Ó Zé, Ó Zé, pequenino é!
Ó Zé, vai lavar a cara! Vai lavar a cara!
Vai lavar o pé!

O meu menino é bonito, ó Zé,
Está farto que se lhe diga, ó Zé:
«Assim bom e bonitinho, ó Zé,
Um dia será feliz, ó Zé.»

Ó Zé, Ó Zé, Ó Zé, pequenino é!
Ó Zé, vai lavar a cara! Vai lavar a cara!
Vai lavar o pé!

Letra e música: Tradicional (Manhouce, São Pedro do Sul, Beira Alta)
Intérpretes: Ana Tomás & Ricardo Fonseca (in CD “Canções de Labor e Lazer”, Ana Tomás & Ricardo Fonseca, 2017)

Vai-te embora, ó papão

Vai-te embora, ó papão,
De cima desse telhado!
Vai-te embora, ó papão,
De cima desse telhado!
Deixa dormir o menino
Um soninho descansado!
Deixa dormir o menino
Um soninho descansado!

Vai-te embora, ó papão,
De cima desse telhado!
Vai-te embora, ó papão,
De cima desse telhado!
Deixa dormir o menino
Um soninho descansado!
Deixa dormir o menino
Um soninho descansado!

Letra e música: Tradicional (Arganil, Beira Alta)
Recolha: Rodney Gallop (1932-33, in livro “Cantares do Povo Português”, trad. António Emílio de Campos, Lisboa: Instituto para a Alta Cultura, 1937; “A Canção Popular Portuguesa”, de Fernando Lopes Graça, col. Saber, Vol. 23, Lisboa: Publicações Europa-América, 1953 – p. 61; 3.ª edição, col. Saber, Vol. 23, Mira-Sintra: Publicações Europa-América, s/d. – p. 58; “Cancioneiro Popular Português”, de Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça, Lisboa: Círculo de Leitores, 1981 – p. 17)
Intérpretes: Ana Tomás & Ricardo Fonseca (in CD “Canções de Labor e Lazer”, Ana Tomás & Ricardo Fonseca, 2017)

Vós chamais-me Moreninha

Vós chamais-me Moreninha,
Isto é do pó do linho;
Lá me vereis ao domingo
Como a flor de rosmaninho.

O meu amor não é este,
Não é este nem o quero;
O meu tem os olhos verdes,
O teu tem-nos amarelos.

Tu dizes que me queres muito,
O teu querer é engano:
Cortais pela minha vida
Como a tesoura no pano.

Vós chamais-me Moreninha,
Isto é do pó do linho;
Lá me vereis ao domingo
Como a flor de rosmaninho.

Letra e música: Tradicional (Malhada Sorda, Almeida, Beira Alta)
Recolha: Michel Giacometti (“Maçadela do Linho”, 1969, in LP “Beira Alta, Beira Baixa, Beira Litoral”, série “Antologia da Música Regional Portuguesa”, Arquivos Sonoros Portugueses/Michel Giacometti, 1970; 5CD “Portuguese Folk Music”: CD 3 – Beiras, Strauss, 1998; 6CD “Música Regional Portuguesa”: CD 4 – Beiras, col. Portugal Som, Numérica, 2008)
Intérprete: Musicalbi* (in CD “Adufando: Sinais da Beira Baixa”, Musicalbi, 2012)
Outra versão: O Baú (in CD “Achega-te”, O Baú, 2012)

* Musicalbi:
Carlos Salvado – bandolim, boukouki, banjo, guitarra folk, guitarra eléctrica, adufe, voz
Filipa Melo – voz
Horácio Pio – acordeão, coros
Maria Côrte – violino, harpa
António Pedro – piano, percussões, voz
Dario Vaz – baixo
António Lourinho – bateria
Gravação – Gil Duarte, no Estúdio I Som, Alcains
Mistura e masterização – Jorge Barata

Pico, Açores

Canções dos Açores

Letras

A Bela Aurora chorava

[ Bela Aurora ]

A Bela Aurora chorava;
Ela no pranto dizia:
Já não tenho o meu amor,
Minha doce companhia.

A Bela Aurora na serra
Não sei como não tem medo:
Faz a cama, dorme só
Debaixo do arvoredo.

Aurora, meu bem, Aurora,
Aurora detrás dos montes:
Uma hora te não veja
Meus olhos são duas fontes.

Aurora, querida Aurora,
Aurora no seu jonjal:
Minh’alma morre p’la tua
E a tua não sei por qual.

Letra e música: Tradicional (Ilha de São Miguel, Açores)
Recolha/transcrição: Lígia Maria da Câmara Almeida Matos (in “Insulana”, Vol. XI, 1.° trimestre de 1955)
Intérprete: Grupo de Cantares Belaurora (in CD “Da Maior e da Mais Alta”, Açor/Emiliano Toste, 2010)

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A história que eu vou contar

[ Naufrágio ]

A história que eu vou contar
Ouvi-a na minha aldeia,
Onde à noite a voz do mar
Murmura canções na areia.

História de pescadores
Do Cais Negro à Pontinha,
Onde há grandes senhores
Que bocejam à noitinha.

Foi o barco do Zé Tordo:
Partiu à noite p’ró mar
E na madrugada ao porto
O seu barco sem chegar.

Encheu-se a praia de gritos
Da gente da minha aldeia
Ao ver o corpo do Zé
Trazido na maré-cheia.

Ouvem-se vozes: «Coitado!
Cinco filhos e mulher
Sem uma côdea de pão,
Sem um abrigo sequer!»

E no enterro, à viúva,
Levando ao Zé muitas flores,
Prometem-lhe a sua ajuda
O povo e os grandes senhores.

Mas dois anos já são passados,
Na praia da minha aldeia
Vêem-se cinco crianças
Brincando nuas na areia.

E da moral desta história
Tirem vossas conclusões:
Uma família não vive
Só de boas intenções.

E da moral desta história
Tirem vossas conclusões:
Uma família não vive
Só de boas intenções.

Letra: Cristóvão de Aguiar
Música: Tradicional (Charamba) (Ilha Terceira, Açores)
Intérprete: Afonso Dias* com Teresa Silva
Primeira versão de Afonso Dias, com Teresa Silva (in CD “Andanças & Cantorias”, Bons Ofícios – Associação Cultural, 2016)
Versão original: Duarte & Ciríaco (in EP “Nós: Canções Populares”, Sonoplay, 1969)

Ai o pastor lá na serra

A Lira

Ai quem me dera partir

[ Tema para Margarida ]

Ai quem me dera partir
Na canoa da esperança
E ir ancorar noutras praias
Noutros varadouros
Ai quem me dera voltar
A gozar dos tesouros
Da felicidade que eu tinha
Quando era criança

Ai quem me dera ser garça
E voar no Canal
Só entre o Pico e o Faial
Me quedar dividida
Ai quem me dera mão firme
No leme da vida
Ai este amor que me mirra
Me mata e faz mal

Ai quem me dera de novo
As certezas e os medos
Ai quem me dera ter credos
E não ser indiferente
Ai o amor passa ao largo
Da vida da gente…
Ai já o tempo se escoa
Como areia entre os dedos…

Ai quem me dera ser garça
E voar no Canal
Só entre o Pico e o Faial
Me quedar dividida
Ai quem me dera mão firme
No leme da vida
Ai este amor que me mirra
Me mata e faz mal

Ai quem me dera partir
Na canoa da esperança
E ir ancorar noutras praias
Noutros varadouros
Ai quem me dera voltar
A gozar dos tesouros
Da felicidade que eu tinha
Quando era criança

Ai quem me dera ser garça
E voar no Canal
Só entre o Pico e o Faial
Me quedar dividida
Ai quem me dera mão firme
No leme da vida
Ai este amor que me mirra
Me mata e faz mal

Letra e música: Aníbal Raposo (para a série ficcional “Mau Tempo no Canal”, RTP-Açores, 1992)
Intérprete: Vânia Dilac
Versão original: Piedade Rego Costa (in CD “7 Anos de Música”, 2.ª edição, DisRego, 1992)
Outras versões: Aníbal Raposo (in CD “A Palavra e o Canto”, Açor/Emiliano Toste, 2005)

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Atirei, não matei caça

[ Tirana ]

Atirei, não matei caça,
Lá foi meu tiro perdido.
Meu tiro perdido…
Meu tiro perdido…
A minha pólvora queimada,
O meu chumbo derretido.
Atira, Tirana!
Ai sempre a tirar,
Mata-me aquela pombinha
Que anda no calhau do mar!
A linda Tirana
Ai já se enterrou…
A Tirana já se enterrou,
Já morreu, já se enterrou.
Ai já se enterrou…
Ai já se enterrou…
Já lá vai pelo mar fora
Quem a Tirana matou.

A Tirana está no chão,
Debaixo dum laranjal.
Ai dum laranjal…
Ai dum laranjal…
Está tirando pintainhos
Para a gente do Faial.
Ó linda Tirana,
Ai da tirania!
Já me está querendo bem
Quem tanto mal me queria.
Eu ia p’lo mar,
Ai pelo mar fora…
Eu ia pelo mar fora,
Nas ondas do mar parei.
Ai do mar parei…
Ai do mar parei…
Ai ouvi cantar a Tirana
Lá no palácio do rei.

Letra e música: Tradicional (Ilha do Pico, Açores)
Recolha/transcrição: João Homem Machado (in “O Folclore da Ilha do Pico”, Núcleo Cultural da Horta, 1991)
Intérprete: Grupo de Cantares Belaurora (in CD “Da Maior e da Mais Alta”, Açor/Emiliano Toste, 2010)

Devagar, devagarinho

[ Pezinho ]

Devagar, devagarinho,
Ficas sendo o meu amor.
Ai, põe aqui, ai põe aqui o teu pezinho,
Meu lindo bem!
Ai, põe aqui se o queres pôr!
Ai, põe aqui, ai põe aqui o teu pezinho,
Meu lindo bem!
Ai, põe aqui se o queres pôr!
E ao tirar, e ao tirar o teu pezinho,
Meu lindo bem,
Ai, ficas sendo o meu amor.
E ao tirar, e ao tirar o teu pezinho,
Devagar, devagarinho,
Ficas sendo o meu amor.

Devagar, devagarinho,
Cada um fica com o seu.
Ai, põe aqui, ai, põe aqui o teu pezinho,
Meu lindo bem!
Ai, põe aqui ao pé do meu!
Ai, põe aqui, ai, põe aqui o teu pezinho,
Meu lindo bem!
Ai, põe aqui ao pé do meu!
E ao tirar e ao tirar o teu pezinho,
Meu lindo bem,
Cada um fica com o seu.
E ao tirar e ao tirar o teu pezinho,
Devagar, devagarinho,
Cada um fica com o seu.

Devagar, devagarinho,
À moda de São Miguel!
Ai, põe aqui, ai põe aqui o teu pezinho,
Meu lindo bem,
Meu benzinho Manuel!
Ai, põe aqui, ai põe aqui o teu pezinho,
Meu lindo bem,
Meu benzinho Manuel!
Ai, põe aqui, ai põe aqui o teu pezinho,
Meu lindo bem,
À moda de São Miguel!
Ai, põe aqui, ai, põe aqui o teu pezinho,
Devagar, devagarinho,
À moda de São Miguel!

Devagar, devagarinho,
À moda de São Miguel!

Devagar, devagarinho,
À moda de São Miguel!

Letra e música: Tradicional (Ilha do Pico, Açores)
Recolha/transcrição: João Homem Machado (anos 30 do século XX, in “O Folclore da Ilha do Pico”, Núcleo Cultural da Horta, 1991)
Intérprete: Grupo de Cantares Belaurora (in CD “Da Maior e da Mais Alta”, Açor/Emiliano Toste, 2010)

E de manhã na nossa casa

[ Alvorada ]

E de manhã na nossa casa
É todos os dias uma aldeia,
E de manhã na nossa casa…
E de manhã na nossa casa
É todos os dias uma aldeia
E não pegam a trabalhar,
E não pegam a trabalhar
E sem ter a barriga cheia,
E sem ter a barriga cheia.

E quando tirar o pão do forno
E ao cobrir bem com o tendal,
E quando tirar o pão do forno…
E quando tirar o pão do forno
E ao cobrir bem com o tendal
E não vá alguma cozinheira,
E não vá alguma cozinheira
Levar algum debaixo do avental,
Levar algum debaixo do avental.

E esta casa está tão cheia,
E cheia de canto a canto,
Esta casa está tão cheia…
E esta casa esta tão cheia,
E cheia de canto a canto;
Usavam de nela assistir,
E usavam de nela assistir
E Divino Espírito Santo,
E Divino Espírito Santo.

Letra e música: Tradicional (Ilha de Santa Maria, Açores)
Informantes: Maria Virgínia de Andrade, Filomena de Andrade Cabral e Virgínia de Andrade Cabral (canto), acompanhadas ao tambor e címbalos
Recolha: Artur Santos (campanha de 1958) (in 12EP “O Folclore Musical nas Ilhas dos Açores: Antologia Sonora da Ilha de Santa Maria”, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1963; 2CD “O Folclore Musical nas Ilhas dos Açores: Antologia Sonora da Ilha de Santa Maria”: CD 1, faixa 3, Açor/Emiliano Toste, 2002)
Intérprete: Helena Oliveira (in CD “EssênciasAcores”, Helena Oliveira/HM Música, 2010)
Primeira versão [?]: Cramol – “Alvorada de Santa Maria” (in CD “Cramol”, BMG Ariola, 1996)

Nota: «A linha melódica das folias de Santa Maria é caracterizada por valores rítmicos aparentemente pouco definíveis. Esta particularidade leva-nos a afirmar que se trata de um canto remoto trazido pelos povoadores destas ilhas, que o receberam dos seus antepassados, oriundos do Próximo Oriente (Arábia, Iraque, Síria), em resultado da fixação na Península Ibérica dos Povos que a invadiram no século VIII.

Teófilo Braga, a este propósito, refere que as folias provêm do “lingui-lingui” árabe, a Lenga-Lenga ou canto narrativo mais recitado do que cantado. Ao cantador, no seu improviso, lindas rimas lhe saíam a enaltecer o Divino Espírito Santo, a elogiar o mordomo, a agradecer aos criadores ou a salientar as mãos habilidosas das cozinheiras.» (Helena Oliveira)

É esta a vez primeira

[ Charamba ]

É esta a vez primeira
A vez primeira
Que neste auditório canto
Em nome de Deus começo
De Deus começo
Padre, Filho, Esp’rito Santo

A saudade é um luto
Ai, é um luto
É um luto, é uma afeição
É um cortinado roxo
Ai, é um luto
Que me corta o coração

Eu cá sei, tu lá sabes
E tu lá sabes
O que não sabes eu sei
Eu já vi andar a morte
Andar a morte
Às costas de um peixe-rei

Letra e música: Popular (Açores)
Intérprete: Margarida Pinto (in CD “Adriano, Aqui e Agora – O Tributo”, Movieplay, 2007)
Versão original: Adriano Correia de Oliveira (in “Cantigas Portuguesas”, Orfeu, 1980; “Obra Completa”, Movieplay, 1994)

É esta a vez primeira

[ Charamba ]

É esta a vez primeira,
A vez primeira
Que neste auditório canto;
Em nome de Deus começo,
De Deus começo,
Padre, Filho, Esp’rito Santo.

A ausência tem uma filha,
Ai tem uma filha
Que se chama saudade;
Eu sustento mãe e filha,
Ai mãe e filha
Bem contra a minha vontade.

Letra e música: Tradicional (Ilha Terceira, Açores)
Intérprete: Afonso Dias
Primeira versão: Adriano Correia de Oliveira (in EP “Lira”, Orfeu, 1968)
Outra versão de Adriano Correia de Oliveira (in LP “Cantigas Portuguesas”, Orfeu, 1980; “Obra Completa”: CD “Cantigas Portuguesas”, Movieplay, 1994, 2007)

Em má hora

[ Saudade ]

Em má hora, em má hora, anjo querido,
Me pediste uma flor…
Das que eu tenho, das que eu tenho aqui são quatro,
Aqui são quatro… nem uma fala de amor.

A primeira, a primeira é uma saudade
Que me deram quando amei;
Custa caro, custa caro, é um tesoiro,
É um tesoiro que com lágrimas comprei.

A segunda, a segunda é um martírio
Cujo espinho atravessou
Coração, coração que a regava,
Que a regava… de pranto ela murchou.

A terceira, a terceira é um cravo,
É um goivo, não to dou!
Fui colhê-lo, fui colhê-lo ao cemitério,
Ao cemitério… entre campas vegetou.

A quarta, a quarta é uma rosa,
É uma rosa, mas olha:
Se eu morrer, se eu morrer e tu souberes,
E tu souberes… na minha campa a desfolha!

Letra e música: Tradicional (Vila Nova do Corvo, Ilha do Corvo)
Informante: Ti Pedro Cepo
Recolha: Manuel Rocha (in CD “Povo Que Canta: Recolhas Etnográficas num Portugal Desconhecido (2000/2003)”, EMI-VC, 2003)
Intérprete: Helena Oliveira (in CD “EssênciasAcores”, Helena Oliveira/HM Música, 2010)
Primeira versão [?]: Belaurora / voz solo de Carla Medeiros (in CD “Lágrimas de Saudade”, Açor/Emiliano Toste, 1999; 2CD “Quinze Anos de Cantigas”: CD 2, faixa 20, Açor/Emiliano Toste, 2000)
Versão instrumental em viola da terra: Rafael Carvalho (in 2CD “9 ilhas, 2 Corações”: CD 1, faixa 17, Rafael Carvalho, 2018)

É manhã, não é manhã

[ Chamarrita Zaragateira (moda de baile) ]

É manhã, não é manhã,
Já as chocalheiras começam
A falar da vida alheia
Que é o rosário que rezam.

Chamarrita, rita, rita,
Eu venho contradizer
Qu’eu hei-te dar um jeitinho
Que a outro não hás-de querer!

Quando eu comecei a amar
Foi numa segunda-feira;
Fui amando e fui gostando,
Levei a semana inteira.

Esta é que é a chamarrita:
São garrafas, não são bilhas
E aqui está como se canta
A chamarrita das ilhas!

É manhã, não é manhã,
Já as chocalheiras começam
A falar da vida alheia
Que é o rosário que rezam.

Esta é que é a chamarrita:
São garrafas, não são bilhas
E aqui está como se canta
A chamarrita das ilhas!

Nota: «A “Chamarrita Zaragateira”, recolhida na ilha de Santa Maria por Artur Santos, parece, pela própria denominação ou interpretação do texto de cariz espirituoso, ser uma moda que chama o povo para a dança e para a diversão. O arranjo sugere-nos imagens das coscuvilheiras da aldeia, “é manhã, não é manhã, / já as ‘chocalheiras’ começam” a gastar o seu tempo “a falar da vida alheia”…» (Helena Oliveira)

Letra e música: Tradicional (Ilha de Santa Maria, Açores)
Informantes: Manuel Coelho de Rezendes (canto), José de Andrade Chaves e António Augusto Cabral (violas de arame)
Recolha: Artur Santos (campanha de 1958) (in 12EP “O Folclore Musical nas Ilhas dos Açores: Antologia Sonora da Ilha de Santa Maria”, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1963; 2CD “O Folclore Musical nas Ilhas dos Açores: Antologia Sonora da Ilha de Santa Maria”: CD 1, faixa 2, Açor/Emiliano Toste, 2002)
Intérprete: Helena Oliveira (in CD “EssênciasAcores”, Helena Oliveira/HM Música, 2010)
Primeira versão [?]: Emiliano Toste (in CD “Andanças do Mar”, Açor/Emiliano Toste, 2002)

Esta chamarrita nova

[ Chamarrita Nova ]

Esta chamarrita nova,
Esta nova chamarrita…
Esta chamarrita nova,
Esta nova chamarrita
Bem cantada, bem bailhada,
Bem cantada, bem bailhada,
Bem cantada, bem bailhada, rapaz,
Não há moda mais bonita!

Quem uma mãe não adora
Vive já na sepultura.
Quem uma mãe não adora
Vive já na sepultura.
O bom filho sempre chora,
Sem amor não há ventura.
O bom filho sempre chora,
Não há amor sem ventura.

Esta chamarrita nova,
Esta nova chamarrita…
Esta chamarrita nova,
Esta nova chamarrita
Bem cantada, bem bailhada,
Bem cantada, bem bailhada,
Bem cantada, bem bailhada, rapaz,
Não há moda mais bonita!

Quem uma mãe não adora
Vive já na sepultura.
Quem uma mãe não adora
Vive já na sepultura.
O bom filho sempre chora,
Sem amor não há ventura.
O bom filho sempre chora,
Não há amor sem ventura.

Letra e música: Tradicional (Ilha do Pico, Açores)
Intérprete: Helena Oliveira (in CD “EssênciasAcores”, Helena Oliveira/HM Música, 2010)

Esta é a primeira vez, a primeira

[ Charamba ]

Esta é a vez primeira, a vez primeira
Que neste auditório canto;
Em nome de Deus começo, de Deus começo:
Padre, Filho, Esp’rito Santo.

A ausência tem uma filha, tem uma filha
Que se chama saudade;
Eu sustento mãe e filha, ai mãe e filha,
Bem contra a minha vontade.

Boa-noite, meus senhores,
Minhas senhoras, lindas flores
Que aqui estais neste salão!
Que aqui estais neste salão!
Eu p’ra todos vou cantar
E a todos quero saudar
Do fundo do coração,
Do fundo do coração.

Eu vesti um vestido novo, um vestido novo
Para vir aqui cantar;
A Charamba está no baile, ai está no baile,
E o meu bem é o meu par.

Boa-noite, meus senhores,
Minhas senhoras, lindas flores
Que aqui estais neste salão!
Que aqui estais neste salão!
Eu p’ra todos vou cantar
E a todos quero saudar
Do fundo do coração,
Do fundo do coração.

Letra e música: Tradicional (Ilha Terceira, Açores)
Intérprete: Real Companhia (in CD “Orgulhosamente Nós!”, Lusogram, 2000)
Primeira versão [?]: Adriano Correia de Oliveira (in EP “Lira”, Orfeu, 1964)
Outra versão de Adriano Correia de Oliveira (in LP “Cantigas Portuguesas”, Orfeu, 1980; 7CD “Obra Completa”: CD “Cantigas Portuguesas”, Movieplay, 1994, Movieplay/Público, 2007)
Versão instrumental em viola da terra: Rafael Carvalho (in 2CD “9 ilhas, 2 Corações”: CD 1, Rafael Carvalho, 2018)

Esta moda é bem ligeira

[ Balho da Povoação ]

Esta moda é bem ligeira:
Quem a havia de inventar?
Foi a filha da padeira
Na cozinha a peneirar.

Não há no mundo dois mundos,
Nem no céu há dois senhores:
Também não pode existir
Num coração dois amores.

Meu amor, se vires cair
Folhas verdes na varanda,
Olha que são saudades
Que o meu coração te manda.

Nas ondas do teu cabelo
Vou deitar-me a afogar!
Eu quero que o mundo saiba
Que há ondas sem ser no mar.

Quando Deus criou a rosa
E fez a luz do luar,
Entre as coisas mais formosas
Fez a luz do teu olhar.

Letra e música: Tradicional (Ilha de São Miguel, Açores)
Recolha/transcrição: Francisco José Dias (in “Cantigas do Povo dos Açores”, Angra do Heroísmo: Instituto Açoriano de Cultura, 1981)
Intérprete: Grupo de Cantares Belaurora (in CD “Da Maior e da Mais Alta”, Açor/Emiliano Toste, 2010)

Esta noite ninguém dança

[ Manda Voltar (Chamarrita) ]

Esta noite ninguém dança,
Cantador não quer cantar;
Esta noite ninguém dança,
Pôs-se o homem a cismar:

«Já não cabe tanta ausência
Nesta terra frente ao mar;
Já não cabe tanta ausência,
Dura a vida, manda voltar!»

A filha do cantador
Foi p’ra longe trabalhar;
Não sei que vida deixou,
Que vida há-de ganhar.

«Deu-me um beijo, foi-se embora,
Era hora de ficar…
Deu-me um beijo, foi-se embora,
(Era hora) manda voltar!»

Foram novos, foram tantos,
Que viola há-de tocar?
Esta noite ninguém dança,
A Rita não quer chamar.

Vai-te embora, mandador!
Chama Rita ao seu lugar!
Água fora, vai-te embora!
Chama, chama, manda voltar!

P’ra que serve um mandador
Que não tem em quem mandar?
Esta noite ninguém dança,
Cantador não quer cantar.

Vai-te embora, ó mandador!
Muda a sorte, manda virar!
Água fora, vai-te embora!
Vira a vida, manda voltar!

Água fora, vai-te embora!
Chama, chama, manda voltar!
Água fora, pede, chora!
Puxa, implora, manda voltar!

Letra: Catarina Gouveia
Música: Tradicional (Açores)
Recolha: Artur Santos
Intérprete: Macadame
Versão original: Macadame (in Livro/CD “Firmamento”, Macadame, 2016)

Eu fui, eu fui à terra do bravo

[ O Bravo ]

Eu fui, eu fui à terra do bravo,
Eu fui, eu fui à terra do bravo,
(Bravo, meu bem)
Para ver se embravecia:
Cada vez, cada vez fiquei mais manso,
Cada vez, cada vez fiquei mais manso,
(Bravo, meu bem)
Para a tua companhia.

Eu fui, eu fui à terra do bravo,
Eu fui, eu fui à terra do bravo,
(Bravo, meu bem)
Quem é moiro não tem fé:
Nunca vi, nunca vi gente mais brava,
Nunca vi, nunca vi gente mais brava,
(Bravo, meu bem)
Que o gentio da Guiné.

Eu fui, eu fui à terra do bravo,
Eu fui, eu fui à terra do bravo,
(Bravo, meu bem)
À ilha de São Tomé:
Quando vi, quando vi a estrela-d’alva,
Quando vi, quando vi a estrela-d’alva,
(Bravo, meu bem)
Aproveitei a maré.

Eu fui, eu fui ao mar às laranjas,
Eu fui, eu fui ao mar às laranjas,
(Bravo, meu bem)
É coisa que o mar não tem:
Como pode, como pode vir enxuto,
Como pode, como pode vir enxuto,
(Bravo, meu bem)
Quem das ondas do mar vem?

Letra e música: Tradicional (Ilha do Pico, Açores)
Recolha/transcrição: João Homem Machado (anos 30 do século XX, in “O Folclore da Ilha do Pico”, Núcleo Cultural da Horta, 1991)
Intérprete: Grupo de Cantares Belaurora* (in CD “Da Maior e da Mais Alta”, Açor/Emiliano Toste, 2010)

Eu já morri uma vez

[ Chamarrita (Moda de baile) ]

Eu já morri uma vez,
Ai o morrer achei tão doce:
Inda tornava a morrer
Ai se por tua causa fosse.

Vira e volta a Chamarrita
Ai p’ra o lado deste meu peito;
Se vens buscar saudades
Mete a mão, tira-as com jeito!

Saudades me tem posto
Da grossura duma linha:
Já vejo que não arribo
Nem a caldos de galinha.

Vira e volta a Chamarrita
Ai p’ra o lado deste meu peito;
Se vens buscar saudades
Mete a mão, tira-as com jeito!

Letra e música: Popular (Ilha de Santa Maria, Açores)
Intérpretes: Ronda dos Quatro Caminhos com a Orquestra Regional Lira Açoriana & o Coro da Matriz de Santa Cruz da Graciosa (in CD “Sopas do Espírito Santo”, Ocarina, 2017)

Eu nasci à sexta-feira

[ Pezinho da Vila ]

Eu nasci à sexta-feira
Com barbas e cabeleira
Mais parecera um anti-Cristo
Que até o senhor padre cura
Que é um homem de sabedura
Nunca tal houvera visto

Eu fui a Vila Franca
Escanchado numa tranca
À morte de uma galinha
O que ela tinha no papo
Sete cães e um macaco
E um soldado da marinha

Ponha aqui o seu pezinho
Devagar devagarinho
Se vai à Ribeira Grande
Eu tenho uma carta escrita
Para ti, cara bonita
Não tenho por quem lh’a mande

Eu fui à Praia da Rocha
Sapato meia galocha
Ver se o mar estava manso
Encontrei lá uma garoupa
Toda embrulhada em roupa
A dormir no seu descanso

Eu fui de Lisboa a Sintra
A casa da tia Jacinta
P’ra me fazer uns calções
Mas a pobre criatura
Esqueceu-se da abertura
Para as minhas precisões

Ponha aqui o seu pezinho
Devagar devagarinho
Se vai à Ribeira Grande
Eu tenho uma carta escrita
Para ti, cara bonita
Não tenho por quem lh’a mande

Toda a moça que é bonita
Se ela chora, se ela grita
Nunca houvera de nascer
É como a maçã madura
Na quinta do padre cura
Todos lha querem comer

Eu fui casar às Capelas
Por ser fraco das canelas
Com uma mulher sem nariz
E esta gente das Fajãs
Já me deram os parabéns
Pelo casamento que eu fiz

Ponha aqui o seu pezinho
Devagar devagarinho
Se vai à Ribeira Grande
Eu tenho uma carta escrita
Para ti, cara bonita
Não tenho por quem lh’a mande

Letra e música: Popular (Açores)
Intérprete: Brigada Victor Jara (in “Eito Fora”, Mundo Novo/Editorial Caminho, 1977; reed. Farol, 1995)

Eu sou marinheiro

[ Irró (Erró) ]

Eu sou marinheiro, eu sou
Contramestre de um vapor:
Embarquei numa galera
P’rás terras do meu amor.

Bate, padeirinha!
Bate, padeirão!
Quem quiser peixinho
Vai ao barracão,
Peixinho comprado
Numa banda só,
Folhinha rosada
Num dia de irró!

Eu sou marinheiro, eu sou
Contramestre de um vapor:
Embarquei numa galera
P’rás terras do meu amor.

S. Pedro e S. Paulo
Sejais minha guia,
Na terra, no mar
Minha companhia!
S. Pedro amado,
Livrai-me, sou réu,
Bolinete doirado
Caído do céu!

Eu sou marinheiro, eu sou
Contramestre de um vapor:
Embarquei numa galera
P’rás terras do meu amor.

Mastrinho sem vela
Mas com bujarrona,
Chapluca com Deus
Cheira a manjerona;
Em noite de calma
Brilha a lua cheia,
Canta sobre as águas
A linda sereia!

Eu sou marinheiro, eu sou
Contramestre de um vapor:
Embarquei numa galera
P’rás terras do meu amor.

Letra e música: Popular (Ilha de S. Miguel, Açores)
Arranjo e orquestração: Pedro Fragoso
Intérpretes: Ronda dos Quatro Caminhos com a Orquestra Regional Lira Açoriana & “Coro da Ressaca do Maia Folk” (in CD “Sopas do Espírito Santo”, Ocarina, 2017)

Meu delicado pezinho

Meu delicado pezinho
Quando toca no caminho
Logo toca o meu também
Depois vamos conversando
Nossos pezinhos tocando
Mais felizes que ninguém

Este pé que é o teu
Deve estar ao pé do meu
Namorando a vida inteira
O meu pé não se acomoda
Quer ir com o teu à roda
De toda a ilha Terceira

Nossos pezinhos rodando
Passo a passo caminhando
Só ouvindo a tua voz
E então um pouco a medo
Me disseste um segredo
Que ficou só entre nós

Letra e música: Popular (Açores)
Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos (in “Fados Velhos”, Contradança, 1987; reed. Movieplay, 1998)

Minha avó quando nasceu

[ Balho da Povoação ]

Minha avó quando nasceu
Eu já tinha três semanas;
Já vinha da Povoação
C’um saquinho de castanhas.

Ontem à noite eu fui ao balho
Mai-la minha rapariga;
Eu dei-lhe um beijo na testa
E um beliscão na barriga.

Minha mãe quando nasceu
Eu já estava em São Vicente;
Minha mãe está teimosa,
Que nasceu à minha frente.

Oh, que linda rosa é esta
Tenho eu ao pé de mim!
P’lo cheirinho que ela deita
Parece que veio do jardim.

Nesta terra não é uso
Ir pedir a filha ao pai:
Vai-se p’la escada acima,
«Senhor sogro, já cá vai!»

O balho da Povoação
Quem havia de inventar?
Foi a filha da padeira
Toda a noite a peneirar.

Letra e música: Popular (ilha de São Miguel, Açores)
Arranjo: António Prata
Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos
Primeira versão da Ronda dos Quatro Caminhos (in LP “Fados Velhos”, Contradança, 1986, reed. Movieplay, 1998)
Segunda versão da Ronda dos Quatro Caminhos – “Fado da Povoação” (in 2CD “Alçude”: CD 2, Ovação, 2001)

Não planteis a saudade

[ Saudade ]

Não planteis a saudade,
Que a saudade é má flor!
Que uma viva saudade,
Que uma viva saudade,
Que uma viva…
Que uma viva saudade
Me matou o meu amor.

Ó tirana saudade,
Onde tu foste nascer?!
No peito do meu amor
No peito do meu amor
No peito…
No peito do meu amor
Que mo deixaste a sofrer.

Saudade, terna saudade,
Emblema do meu viver,
Companheira da minh’alma,
Companheira da minh’alma,
Companheira…
Companheira da minh’alma,
Só morres quando eu morrer.

Letra e música: Tradicional (Ilha do Pico, Açores)
Intérprete: Musica Nostra* (in CD “Cantos da Terra”, Açor/Emiliano Toste, 2009)

No berço que a ilha encerra

[ Chamateia ]

No berço que a ilha encerra
Bebo as rimas deste canto
No mar alto desta terra
Nada a razão do meu pranto

Mas no terreiro da vida
O jantar serve de ceia
E mesmo a dor já sentida
Dá lugar à Sapateia

Oh meu bem,
oh Chamarrita
Meu alento vai e vem
Vou embarcar nesta dança
Sapateia, oh meu bem

Se a Sapateia não der
Pra acalmar minha alma inquieta
Estou pró que der e vier
Nas voltas da Chamarrita

Chamarrita, Sapateia
Eu quero é contradizer
O aperto desta bruma
Que às vezes me quer vencer

Oh meu bem,
oh Chamarrita
Meu alento vai e vem
Vou embarcar nesta dança

António Zambujo, Outro Sentido

António Zambujo, Outro Sentido

Letra: António Melo Cruz (inspirado nas tradicionais “Chamarrita” e “Sapateia”)
Música: Luís Alberto Bettencourt
Intérprete: António Zambujo (in CD “Outro Sentido”, Ocarina, 2007)

No berço que a ilha encerra

[ Chamateia ]

No berço que a ilha encerra
Bebo as rimas deste canto;
No mar alto desta terra
Nada a razão do meu pranto.

Mas no terreiro da vida
O jantar serve de ceia,
E mesmo a dor mais sentida
Dá lugar à chamateia.

Oh meu bem!
Oh chamarrita!
Meu alento vai e vem,
Vou embarcar nesta dança,
Sapateia, oh meu bem!

Se a sapateia não der
P’ra acalmar minh’alma inquieta,
Estou p’ró que der e vier
Nas voltas da chamarrita.

Chamarrita, sapateia!
Eu quero é contradizer
O aperto desta bruma
Que às vezes me quer vencer.

Oh meu bem!
Oh chamarrita!
Meu alento vai e vem,
Vou embarcar nesta dança,
Sapateia, oh meu bem!

Letra: António Melo Sousa
Música: Luís Alberto Bettencourt
Arranjo: Carlos Guerreiro
Intérprete: Gaiteiros de Lisboa
Versão discográfica dos Gaiteiros de Lisboa, com Filipa Pais e João Afonso (in CD “Bestiário”, Uguru, 2019)
Versão original: José Ferreira, Carlos Medeiros e Luísa Alves (in LP “Balada do Atlântico”, DisRego, 1987; 2LP “O Barco e o Sonho | Balada do Atlântico | Xailes Negros”: LP 1, Philips/Polygram, 1989; CD “7 Anos de Música”, 2.ª edição, DisRego, 1992)

Gaiteiros de Lisboa, Bestiário
Gaiteiros de Lisboa, Bestiário

No berço que a ilha encerra

[ Chamateia ]

No fundo do mar ondoso

[ Pezinho, Ai, Ai, Meu Amor ]

No fundo do mar ondoso, (ai, ai, meu amor)
Na concha mais delicada,
Foi gravar a natureza (ai, ai, meu amor)
O nome da minha amada.

Teu nome escrevi na areia (ai, ai, meu amor)
Que banha o vizinho mar;
Eu vi as ondas, pulando, (ai, ai, meu amor)
Teu nome virem beijar.

A maré que vem de longe (ai, ai, meu amor)
Bate na pedra, embranquece;
Este nosso bem-querer (ai, ai, meu amor)

Só no olhar se conhece.

Abre-te, mar, faz carreiro (ai, ai, meu amor)
Que eu não venho fazer guerra!
Venho ver se os peixes amam (ai, ai, meu amor)
Como a gente cá na terra.

Letra e música: Tradicional (Ilha de São Miguel, Açores)
Recolha/transcrição: Manuel Tavares Canário (1.ª quadra, in “Balhos Micaelenses”, 1901) e Armando Côrtes-Rodrigues (2.ª e 3.ª quadras, in “Cancioneiro Geral dos Açores”, Angra do Heroi´smo: Direcc¸a~o Regional dos Assuntos Culturais, 1982)
Intérprete: Grupo de Cantares Belaurora (in CD “Da Maior e da Mais Alta”, Açor/Emiliano Toste, 2010)

Ó água do mar

[ Mar Salgado ]

Ó água do mar, salgada,
Porque não adocicais?
Correm fontes e ribeiras…
Salgada cada vez mais.

Não há vida mais tirana
Do que a do homem do mar:
Nas ondas a morte à vista,
Em casa a fome a matar.

O mar tem ondas medonhas
Que levantam o furacão;
Eu tenho medo sem fim
Do mar do meu coração.

Ó água do mar, salgada,
Porque não adocicais?
Correm fontes e ribeiras…
Salgada cada vez mais.

O mar tem ondas medonhas
Que levantam o furacão;
Eu tenho medo sem fim
Do mar do meu coração.

Letra: Tradicional (Açores)
Música: Macadame
Intérprete: Macadame* (in Livro/CD “Firmamento”, Macadame, 2016)

O fado batuque

[ Fado Batuque ]

O fado batuque foi correr a ilha
P’ra arranjar dinheiro p’ra casar a filha.

Ó senhora Ana, ó senhora Aninha,
Acautele o galo das minhas galinhas!

O fado batuque já era velhinho,
Mas inda emborcava um pote de vinho.

O fado batuque tanto batucou,
Mesmo a batucar a vida acabou.

Letra e música: Tradicional (Ilha de São Miguel, Açores)
Intérprete: Grupo de Cantares Belaurora (in CD “Da Maior e da Mais Alta”, Açor/Emiliano Toste, 2010)

Ó meu bem, se tu te fores

[ Meu Bem ]

Primeira versão [?]: Tonicha, arr. Jorge Palma (in LP “Cantigas Populares”, Orfeu, 1976)
Ó meu bem, se tu te fores
Como dizem que te vais,
Deixa-me o teu nome escrito
Numa pedrinha do cais!

Meu amor, na tua ausência
Nunca deixes de escrever
Duas linhas ao teu bem,
Que por ti fica a sofrer!

Ó meu bem, quando te foste,
Sete lenços alaguei
Mai-la manga da camisa…
E dizem que não chorei!

Meu amor, na tua ausência
Nunca deixes de escrever
Duas linhas ao teu bem,
Que por ti fica a sofrer!

Ó meu bem, se tu te fores
Como dizem que te vais,
Deixa-me o teu nome escrito
Numa pedrinha do cais!

Meu amor, na tua ausência
Nunca deixes de escrever
Duas linhas ao teu bem,
Que por ti fica a sofrer!

Letra e música: Tradicional (Ilha Terceira, Açores)
Intérprete: Helena Oliveira* com José Medeiros (in CD “EssênciasAcores”, Helena Oliveira/HM Música, 2010)

Nota: «Quem analisar a canção “Meu Bem” à luz da sensibilidade, por certo que vai encontrar-lhe um dos mais belos motivos dos cantares açorianos. As notas deslizam, cantam as emoções que o amor vai gerando num suave e doce clamor: “Ó meu bem, se tu te fores / como dizem que te vais, / deixa-me o teu nome escrito / numa pedra do cais!”.

Oh água do mar

[ Mar Salgado ]

Oh água do mar, salgada,
Porque não adocicais?
Correm fontes e ribeiras…
Salgada cada vez mais.

Não há vida mais tirana
Do que a do homem do mar:
Nas ondas a morte à vista,
Em casa a fome a matar.

O mar tem ondas medonhas
Que levantam o furacão;
Eu tenho medo sem fim
Do mar do meu coração.

Oh água do mar, salgada,
Porque não adocicais?
Correm fontes e ribeiras…
Salgada cada vez mais.

Não há vida mais tirana
Do que a do homem do mar:
Nas ondas a morte à vista,
Em casa a fome a matar.

O mar tem ondas medonhas
Que levantam o furacão;
Eu tenho medo sem fim
Do mar do meu coração.

Letra: Tradicional (Açores)
Música: Macadame
Intérprete: Macadame
Versão original: Macadame (in Livro/CD “Firmamento”, Macadame, 2016)

Ó mãe, acende uma candeia

[ Balada da Candeia ]

Ó mãe, acende uma candeia
Que tenho medo desta noite tão escura
Ó mãe, acende uma candeia
Que tenho medo do assombro da lonjura
Nuvem negra na manhã
Se chover, há-de escampar
Traz um búzio, minha irmã
Quero ouvir a voz do mar
Faça chuva, faça sol
Nesta longa travessia
Hás-de ser o meu farol
Hás-de ser a minha guia

Ó mãe, acende uma candeia
Que tenho medo desta noite tão escura
Ó mãe, acende uma candeia
Que tenho medo do assombro da lonjura
Triste sorte a do soldado
Lutas, guerras, perdições
Triste sonho amputado
Onde morrem as canções
Rio de tantos venenos
De zagaias e punhais
Selva de tantos enganos
Aziagos, tão fatais

Ó mãe, acende uma candeia
Que tenho medo desta noite tão escura
Ó mãe, acende uma candeia
Que tenho medo do assombro da lonjura

Letra e música: José Medeiros (Ao João Lóio, à Regina Castro e ao Fernando Rangel)
Arranjo: José Medeiros, com a colaboração de todos os músicos
Intérprete: José Medeiros (in Livro/2CD “Fados, Fantasmas e Folias”: CD 2, Algarpalcos, 2010)

Ó meu bem se tu te fores

[ Canção Longe ]

Ó meu bem se tu te fores
Como dizem que te vais
Deixa-me o teu nome escrito
Numa pedrinha do cais

Quando o meu mano se foi
Sete lenços alaguei
Mai-la manga da camisa
E dizem que não chorei

Meu amor vem sobre as ondas
Meu amor vem sobre o mar
Ai quem me dera morrer
Nas águas do teu olhar

Letra: Popular (Açores)
Música: José Afonso
Intérprete: José Afonso (in “Baladas e Canções”, de José Afonso, Ofir, 1967; reed. EMI-VC, 1997)

O meu nome é Ismael

[ Moby Dick (A Canção de Ismael) ]

O meu nome é Ismael
Já me vou fazer ao mar
Vou às sete partidas do mundo
Tempo de zarpar
Nesta barca baleeira
Levo a lança e o arpão
Das Américas aos mares do sul
Minha assombração
Das canções de marinhagem

Sei de lendas e rumores,
Quem será o trancador de Moby Dick?
As canções de marinhagem
Rasgando o mar dos Açores,
Quem será o matador de Moby Dick?
Já se avista um cachalote
Rema, rema, remador
Meu desencontrado coração
Parece um tambor
Na esteira, no meu bote
Meu alento, meu afã
Rema, rema, vamos arpoar
O Leviatã

Ó serpente fugidia
Dos abismos do mar,
Já escuto este clamor:
É Moby Dick!
Assombrada profecia
Vens do fundo do mar
Reconheço com temor que é Moby Dick!
Ó Ahab, ó velho lobo
Comandante desta nau
Coração de ferro, olhar de fogo
E perna de pau
Já conheço a tua lei
Ó sombrio caçador
Só a morte da baleia branca
Mata a tua dor
Ó sombrio capitão
Teu intento é fatal
Hás-de ser o trancador de Moby Dick
Ó sombrio capitão
Teu sangrento ritual
Vais morrer no teu rancor por Moby Dick

Letra e música: José Medeiros
Arranjo: Paulo Borges
Intérprete: José Medeiros (in Livro/2CD “Fados, Fantasmas e Folias”: CD 1, Algarpalcos, 2010)

Ó sapateia, teia, teia

[ (Sapateia, Teia, Teia) ]

Ó sapateia, teia, teia que me prende
Neste novelo de tantas inquietações
Amarga e doce minha lira que se acende
Nesta viola que há-de ter dois corações

Pedras tão negras tatuadas pelo vento
Pedras queimadas pelo rocio do mar
São sentinelas da saudade, do lamento
De estar tão longe, meu amor, do teu olhar

Vai, minha galera
Navegar o mar imenso
Nas marés que o tempo amanheceu
Nesta longa espera
Sei que ainda te pertenço
Pois sei que a nossa lira não morreu

Ó sapateia, teia, teia que me prende
Neste novelo de tantas inquietações
Amarga e doce minha lira que se acende
Nesta viola que há-de ter dois corações

Pedras tão negras tatuadas pelo vento
Pedras queimadas pelo rocio do mar
São sentinelas da saudade, do lamento
De estar tão longe, meu amor, do teu olhar

Vai, minha galera
Navegar o mar imenso
Nas marés que o tempo amanheceu
Nesta longa espera
Sei que ainda te pertenço
Pois sei que a nossa lira não morreu

Letra e música: José Medeiros (Ao Hermenegildo Galante)
Arranjo: Paulo Borges e José Medeiros
Intérprete: José Medeiros (in Livro/2CD “Fados, Fantasmas e Folias”: CD 1, Algarpalcos, 2010)

Oh rema, rema oh, companheiro!

[ Baleeiros de New Bedford ]

Oh rema, rema oh, companheiro!
Vem celebrar a luz da manhã!
Do meu amor fiquei prisioneiro,
O seu olhar será meu talismã.

Sei que vou zarpar.
Adeus, adeus, ó minha amada!
Vou vencer marés e assombração.
Sei que vou zarpar.
Hei-de remar de madrugada
Ao compasso do teu coração.
Vou vencer marés e assombração.

Hei-de subir às gáveas do vento,
Serpentear as danças do mar.
O meu arpão será o meu sustento,
Minha galera será o meu solar.

Sei que vou zarpar.
Adeus, adeus, ó minha amada!
Vou vencer marés e assombração.
Sei que vou zarpar.
Hei-de remar de madrugada
Ao compasso do teu coração.
Vou vencer marés e assombração.

Letra e música: José Medeiros
Arranjo: Carlos Guerreiro
Intérprete: Gaiteiros de Lisboa
Versão original: Gaiteiros de Lisboa com José Medeiros (in CD “Bestiário”, Uguru, 2019)

Nota: «Tema criado para série televisiva “O Livreiro de Santiago” (RTP-Açores, 2014), de José Medeiros.» (Carlos Guerreiro)

Os teus olhos negros

[ Olhos Pretos (ou Olhos Negros) ]

Os teus olhos negros, negros,
São gentios, são gentios da Guiné:
Ai, da Guiné por serem negros,
Da Guiné por serem negros,
Gentios por não ter fé.

Os meus olhos, de chorar,
Ai, de chorar,
Fizeram covas no chão.
Choram por ti, choram por ti
Choram por ti.
E os teus por quem chorarão?

Choram por ti, choram por ti
Choram por ti.
E os teus por quem chorarão?

Letra e música: Tradicional (Ilha Terceira, Açores)
Intérprete: Musica Nostra* (in CD “Cantos da Terra”, Açor/Emiliano Toste, 2009)

Os teus olhos são brilhantes

[ Olhos Negros ]

Os teus olhos são brilhantes,
semelhantes aos luzeiros que o céu tem;
os olhos negros eu preferi e nunca vi,
de outros mais lindos, ninguém.

Os teus olhos negros, negros…

Os teus olhos negros, negros,
são gentios, são gentios da Guiné;
ai da Guiné por serem negros,
da Guiné por serem negros,
gentios por não terem fé.

Letra e música: Tradicional (Ilha Terceira, Açores)
Intérprete: Afonso Dias* com Teresa Silva (in CD “Andanças & Cantorias”, Bons Ofícios – Associação Cultural, 2016)

Quando o Menino nasceu

[ Canto de peditório ]

Quando o Menino nasceu
(Ai) P’ra salvar a toda a gente,
Uma estrela apareceu
(Ai) Aos três Reis do Oriente.

Quando a estrela avistaram,
(Ai) Compreenderam-na bem:
Sem demora caminharam
(Ai) Atrás dela p’ra Belém.

Quando o Menino nasceu
P’ra salvar a toda a gente…

O Menino foi dormir;
(Ai) Ninguém o vem acordar
Pois só os anjos do Céu
(Ai) O podem vir visitar.

Sete estrelas nos guiam
(Ai) Todas a par com a Lua:
Nossa Senhora no meio,
(Ai) Mais formosa que nenhua. [
Quando o Menino nasceu…

Letra e música: Popular (Lomba do Pomar – Povoação, Ilha de S. Miguel, Açores)
Intérpretes: Ronda dos Quatro Caminhos com a Orquestra Regional Lira Açoriana & o Coro Pactis (in CD “Sopas do Espírito Santo”, Ocarina, 2017)
Primeira versão da Ronda dos Quatro Caminhos (in LP “Ronda dos Quatro Caminhos”, Rádio Triunfo, 1984, reed. Movieplay, 1997)

Quero-te bem

Quero-te bem, quero-te bem porque quero,
Quero-te bem porque és o meu amor;
Quero-te bem, quero-te bem porque quero,
Queira ou não queira a razão.

Quero-te bem sobre o bem
Com todo o meu bem-querer;
Quero-te bem dentro da alma
Sem te dar a entender.

Quero-te bem, quero-te bem sobre o bem,
Sobre o bem, sobre o bem a bem-querer;
Quero-te bem, quero-te bem, já te disse,
Hei-de amar-te até morrer!

Quero-te bem sobre o bem
Com todo o meu bem-querer;
Quero-te bem dentro da alma
Sem te dar a entender.

Quero-te bem sobre o bem
Com todo o meu bem-querer;
Quero-te bem dentro da alma
Sem te dar a entender.

Quero-te bem, quero-te bem porque quero,
Quero-te bem porque és o meu amor;
Quero-te bem, quero-te bem porque quero,
Queira ou não queira a razão.

Quero-te bem sobre o bem
Com todo o meu bem-querer;
Quero-te bem dentro da alma
Sem te dar a entender.

Quero-te tanto, quero-te tanto, meu bem!
Dizer-te o quanto, dizer-te o quanto eu não sei;
Quero-te ter, quero-te ter sobre o peito
Onde bate o coração!

Quero-te bem sobre o bem,
Sobre bem a bem-querer;
Quero-te bem, já te disse,
Hei-de amar-te até morrer!

Quero-te bem sobre o bem,
Sobre bem a bem-querer;
Quero-te bem, já te disse,
Hei-de amar-te até morrer!

Macadame, Firmamento

Macadame, Firmamento

Letra: Tradicional (Açores)
Música: Macadame
Intérprete: Macadame
Versão original: Macadame (in Livro/CD “Firmamento”, Macadame, 2016)

Rema para lá

[ O Rema ]

Rema para lá, lanchinha,
Lanchinha de quatro remos!
Que amanhã é dia santo,
Temos tempo, falaremos.

Rema, que rema!
Vamos ao mar às tainhas!
No mar se apanham:
Ou gradas ou miudinhas.

Rema para lá, lanchinha!
Rema bem, ó remador!
Que nessa lanchinha vai
Para longe o meu amor.

Rema, que rema!
Vamos ao mar às bicudas!
No mar se apanham
Miudinhas e graúdas.

Quando eu era lancha nova,
Ia muita vez ao mar;
Agora que já sou velha
‘Stou posta de quilha ao ar.

Rema, que rema!
Vamos ao mar às cavalas!
No mar se apanham,
Vamos ao mar apanhá-las!

Já fui mestre, mandei barco,
Marinheiro de abalada;
Agora que já sou velho
Só ganho meia soldada.

Rema, que rema!
Vamos ao mar à sardinha!
No mar se apanha
Muito grada e miudinha.

Letra e música: Tradicional (Ilha do Pico, Açores)
Recolha/transcrição: João Homem Machado (anos 30 do século XX, in “O Folclore da Ilha do Pico”, Núcleo Cultural da Horta, 1991)
Intérprete: Grupo de Cantares Belaurora* (in CD “Da Maior e da Mais Alta”, Açor/Emiliano Toste, 2010)

Roda, roda, rotativa

Roda, roda, rotativa
Roda, roda, rotativa
Teu cantar é um lamento
Meu coração à deriva
Meu coração à deriva
Como um peixe catavento
Roda, roda, rotativa
Roda, roda, rotativa
Teu cantar é sempre igual
Repetida narrativa
Repetida narrativa
Rotineiro ritual
Vai, António Malaquias
Vai, António Malaquias
Já é tempo de zarpar
De rasgar as levadias
De rasgar as levadias
E os segredos que há no mar

Vai, António Malaquias
Vai, António Malaquias
Já é tempo de zarpar
De rasgar as levadias
De rasgar as levadias
E os segredos que há no mar

A rotativa do tempo
A imprimir sonhos e quimeras
Neste tão cinzento quotidiano
Enquanto as luzes da cidade
Vão coreografando a sua dança de sombras
Dança de sombras, rasgos de luz…
Vai, António Malaquias!
Recusa a tua solidão
Que há um batel à tua espera!
Olha! Olha o sorriso da lua nas criptomérias
Enfeitando a noite de miragens e de segredos!
Vai, António Malaquias! Vai!

Letra e música: José Medeiros
Arranjo: José Medeiros, com a colaboração de todos os músicos
Intérprete: José Medeiros (in Livro/2CD “Fados, Fantasmas e Folias”: CD 2, Algarpalcos, 2010)

José Medeiros

José Medeiros

Rola, rola, São Gonçalo

[ São Gonçalo ]

Rola, rola, São Gonçalo,
Santo de Jesus querido!
Já fostes santificado
Antes que fosseis nascido.

São Gonçalo me chamou
De cima do seu balcão:
Ai, que fosse jantar com ele
Uma perna de leitão.

Rola, rola, São Gonçalo!
Rola por aí abaixo!
Que eu perdi um bem que tinha
E ando a ver se o acho.

São Gonçalo me chamou
Da janela da cozinha:
Ai, que fosse jantar com ele
Uma canja de galinha.

Rola, rola, São Gonçalo,
Santo de Jesus querido!
Já fostes santificado
Antes que fosseis nascido.

São Gonçalo de Amarante
É santo casamenteiro,
Ai, mas só quer casar as velhas
E às novas diz que é solteiro.

Letra e música: Tradicional (Ilha do Pico, Açores)
Recolha/transcrição: João Homem Machado (anos 30 do século XX, in “O Folclore da Ilha do Pico”, Núcleo Cultural da Horta, 1991)
Intérprete: Grupo de Cantares Belaurora* (in CD “Da Maior e da Mais Alta”, Açor/Emiliano Toste, 2010)

Sapatos p’rá sapateia

[ Sapateia ]

Sapatos p’rá sapateia,
P’ra bem sapatear!
Que quem melhor sapateia
É quem melhor sabe amar.

O meu amor é um anjo
Que a Deus do Céu agradeço:
Já mo quiseram comprar,
Ai, anjos do Céu não têm preço.

Grupo de Cantares Belaurora, da maior e da mais alta

Grupo de Cantares Belaurora, da maior e da mais alta

Letra e música: Tradicional (Ilha de São Miguel, Açores)
Recolha/transcrição: ? (acervo do Museu Carlos Machado, Ponta Delgada)
Intérprete: Grupo de Cantares Belaurora (in CD “Da Maior e da Mais Alta”, Açor/Emiliano Toste, 2010)

S. Gonçalo dos milagres

[ S. Gonçalo Viageiro ]

S. Gonçalo dos milagres
Que mal te fizemos nós,
Que ainda estamos solteiros
Podendo já ser avós?!

Prometi a S. Gonçalo
Que lhe dava uma tijela…
Mas não tenho senão uma,
Se lha dou fico sem ela.

S. Gonçalo me chamou
Pela porta da cozinha
Para ir jantar com ele
Uma perna de galinha.

Já está velho S. Gonçalo,
De velho caiu-lhe os dentes;
Deus dê saúde às moças
Que lhe deram papas quentes!

Ronda dos Quatro Caminhos com a Orquestra Regional Lira Açoriana, Sopas do Espírito Santo

Ronda dos Quatro Caminhos com a Orquestra Regional Lira Açoriana, Sopas do Espírito Santo

Letra e música: Popular (Açores)
Arranjo: António Prata e Carlos Barata
Orquestração: Vasco Pearce de Azevedo
Intérpretes: Ronda dos Quatro Caminhos com a Orquestra Regional Lira Açoriana & o Grupo Coral da Horta (in CD “Sopas do Espírito Santo”, Ocarina, 2017)
Primeira versão da Ronda dos Quatro Caminhos (in CD “Recantos”, Polygram, 1996; CD “A Arte e a Música”, Universal. 2004)

Sol baixinho

[ Moda de baile ]

Sol baixinho, sol baixinho,
Sol baixinho também queima;
Eu hei-de amar, sol baixinho,
Só p’ra seguir uma teima.

Cravo branco, não me prendas,
Que eu não tenho quem me solte!
Não sejas tu, cravo branco,
Causante da minha morte!

O meu pai é tocador,
Minha mãe é cantadeira:
Eu sou filho deles ambos,
Canto da mesma maneira.

Eu gosto muito de estar
Onde estão as raparigas:
Uma canta, outra baila
E a outra ouve as cantigas.

Letra e música: Popular (ilha de Santa Maria, Açores)
Recolha: Artur Santos (campanha de 1958) (in CD “O Folclore Musical nas Ilhas dos Açores: Antologia Sonora da Ilha de Santa Maria”, Açor/Emiliano Toste, 2002) [canta Virgínia de Andrade Cabral, acompanhada por violas de arame tocadas por António Augusto Cabral e João Soares
Arranjo: António Prata
Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos (in 2CD “Alçude”: CD 1, Ovação, 2001)
Primeira versão da Ronda dos Quatro Caminhos (in CD “Recantos”, Polygram, 1996)
Outra versão da Ronda dos Quatro Caminhos com Orquestra Sinfonietta de Lisboa (in DVD/CD “Ao Vivo no Centro Cultural de Belém”, Ocarina, 2005)

Tira, Tirana

[ Tirana ]

Tira, Tirana! Tira, Tirana!
Tirana, tira, Tirana,
Tirana do sentimento!
Abre, Tirana, abre os teus braços!
Tirana, abre os teus braços!
Quero entrar para dentro.

Ía Tirana, eu ía p’lo mar,
Eu ía pelo mar fora;
A meio do mar parei:
Ouvi, Tirana, cantar a Tirana,
Ouvi cantar a Tirana
Lá no palácio do rei.

Tira, Tirana! Tira Tirana!
Tirana, tira, Tirana!
Tirana, torna a tirar!
Vem ver, Tirana, o meu padecer!
Ver ver o meu padecer!
Vem ver o meu acabar!

Atira, Tirana! Atira, Tirana!
Tirana, atira, Tirana!
Tirana vem ver, vem ver!
Vem ver, Tirana! Vem ver, Tirana!
E verás como se morre
Se se acaba por morrer.

Letra e música: Tradicional (Ilha de São Jorge, Açores)
Intérprete: Musica Nostra* (in CD “Cantos da Terra”, Açor/Emiliano Toste, 2009)

Tuque, batuque

[ Batuque (Moda de baile) ]

Tuque, batuque,
Batuque, meu bem!
Quem me dera ter
O que o batuque tem…

Tuque, batuque,
Torna a batucar!
Meninas bonitas
Vão p’ra o seu lugar.

Tuque, batuque,
Por trás do frontal…
Perdi uma agulha,
Achei um dedal.

Tuque, batuque,
De noite ao serão…
Ouvem-se violas,
Que lindas que são!

Tuque, batuque,
De noite ao serão…
Ouvem-se violas,
Que lindas que são!

Tuque, batuque,
Torna a batucar!
Meninas bonitas
Vão p’ra o seu lugar.

Letra e música: Popular (Ilha de Santa Maria, Açores)
Intérpretes: Ronda dos Quatro Caminhos com a Orquestra Regional Lira Açoriana & o Coro da Associação José Damião de Almeida (in CD “Sopas do Espírito Santo”, Ocarina, 2017)
Primeira versão da Ronda dos Quatro Caminhos (in LP “Cantigas do Sete-Estrelo”, Rádio Triunfo, 1985, reed. Movieplay, 1997)
Outra versão da Ronda dos Quatro Caminhos (in CD “Uma Noite de Música Tradicional”, Polygram, 1993; CD “A Arte e a Música”, Universal. 2004)

Vai de roda

[ Canção dançada ou ‘moda’ de baile ]

Vai de roda, vai de roda!
Vai de roda com primori!
Daqui desta região,
De quem há-de ser meu amori.

Hei-de cantar e bailar
Enquanto vida tiveri;
E depois, quando eu morrer,
Que cante e baile quem quiseri.

Os olhos do meu amor
São grãos de trigo na eira,
Semeados ao domingo
E nados à segunda-feira.

Vai de roda, vai de roda!
Vai de roda com primori!
Daqui desta região,
De quem há-de ser meu amori.

Hei-de cantar e bailar
Enquanto vida tiveri;
E depois, quando eu morrer,
Que cante e baile quem quiseri.

Os olhos do meu amor
São grãos de trigo na eira,
Semeados ao domingo
E nados à segunda-feira.

Letra e música: Tradicional (ilha de S. Miguel, Açores)
Recolha: Artur Santos (campanha de 1960) (in 4CD “O Folclore Musical nas ilhas dos Açores: Antologia Sonora da Ilha de S. Miguel”: CD 2, Açor/Emiliano Toste, 2001)
Intérprete: Macadame
Primeira versão de Macadame (in Livro/CD “Firmamento”, Macadame, 2016)

Viola, minha viola

Viola, minha viola
Tu comes comigo à mesa;
Tu és a minha alegria,
Quando eu tenho tristeza.

Viola, minha viola,
Viola que eu tanto adoro:
Porque ris quando rio?
Porque choras quando choro?

Os dois corações abertos
Da viola, tão riquinhos,
Um é meu, o outro é teu,
Como os dela bem juntinhos.

Letra: cancioneiro dos Açores

Viva o vinho rescendente

[ Ai Vinho do Pico ]

Viva o vinho rescendente
Que cresceu ao pé do mar
E se esvai tão de repente
Porque tem bom paladar!

Atlantis à flor da água
Tem Arinto lá no monte;
Vou beber a minha mágoa
No Czar da tua fonte.

O vinho acende o desejo,
Basalto, aquela emoção…
O Merlot sabe ao beijo
Deste amor, pura afeição.

Dono da casa, amiguinho,
Tu não me dês uma nega:
Vamos lá provar o vinho
Que há na tua linda adega!

Letra: Victor Rui Dores
Música: Popular (Chamarrita do Pico, Açores)
Arranjo: Luís Bettencourt
Intérprete: Carlos Alberto Moniz
Versão original: Carlos Alberto Moniz (in Livro/2CD “O Vinho dos Poetas”: CD 2, Carlos Alberto Moniz/Ovação, 2014)