José de Freitas, de nome completo José Cirilo de Freitas Silva, nasceu na Madeira e foi padre da Congregação da Missão (Padres Vicentinos). Já depois de padre, estudou nos conservatórios do Porto e de Lisboa, onde concluiu o Curso Superior de Canto com excelente classificação. Em 1978 tornou-se artista residente do Teatro Nacional de São Carlos onde se estreou com Schaunard em La Bohème. Foi intérprete de importantes papéis de barítono e de baixo-barítono em Portugal e no estrangeiro. Foi também diretor de coros e compositor de cânticos litúrgicos.
ENTREVISTA
Qual foi o primeiro momento em que se lembra de ter tido consciência de que a música era importante para si?
O primeiro momento?! Preferiria falar de uma pequena série de momentos… Concretizando: No meu 5º ano do seminário (hoje 9º ano), cerca dos 16 anos, quando a chamada “mudança de voz” era já algo acentuada, o meu ilustre professor de música, Padre António Ferreira Telles, poucos dias após ter-me convidado para tocar harmónio em algumas cerimónias litúrgicas (ele era o harmonista oficial, obviamente) e pedir-me para, alternadamente com outro colega, iniciar os cânticos na liturgia (o equivalente a solista), veio falar comigo na véspera da festa do Padroeiro do seminário (S. José), e disse-me: “Confio muito em ti para “segurares” a 4ª voz na missa solene de amanhã.” Ora aí tem um “puzzle” com bastante significado na minha “consciência musical” de jovem seminarista…
Quais os professores que mais o influenciaram no tempo de seminário?
Vou referir-me apenas a professores de música, obviamente. Desde os primeiros anos, tive uma veneração especial por um ilustre mestre, muito “sui generis”, mas muito competente e sabedor: o Padre António Ferreira Telles, a que atrás aludi. Era excelente harmonista, compositor, ótimo harmonizador. O Pe. Fernando da Cunha Carvalho, felizmente ainda entre nós, também teve influência na minha orientação musical, e não só. Mas vou salientar, sem querer ser injusto para os atrás citados e porventura outros, o Pe. João Dias de Azevedo, que muito me ajudou sobretudo no harmónio e no órgão, no Seminário de Mafra, onde fiz o meu noviciado (1954-1956). Nesse período, cheguei a tocar órgão em algumas celebrações dominicais e festas na Basílica de Mafra… E, para completar os anos do seminário, não poderei omitir o Pe. Fernando Pinto dos Reis (1929-2010).
Depois de ir para o seminário e de ser padre, quando é que se apercebeu de que cantar era o mais importante na sua vida profissional?
Como disse, cedo me iniciei e fui crescendo na função de solista. Continuei-a ao longo de todo o curso, alternando-a com o múnus de harmonista. Terminado o curso, fui incumbido da disciplina de Música (além de outras), no seminário menor. O concílio do Vaticano II acabava de privilegiar o vernáculo na liturgia. Iniciei a renovação de todo o repertório vigente. Eu próprio dei largas a uma velha paixão e iniciei a composição de cânticos em português, incluindo o “ordinário” e o “próprio” da missa para determinadas solenidades, além de outros cânticos circunstanciais. Aconselhado por não poucos, matriculei-me no Conservatório do Porto. Canto? Composição? Duas paixões. Muito incitado e encorajado pela professora D. Isabel Mallaguerra, decidi-me mais seriamente pelo canto, sem descurar a composição musical.
Após o curso geral de canto no Conservatório do Porto, vim a concluir o Curso Superior no Conservatório Nacional com a professora D. Helena Pina Manique. Com o programa do exame do curso superior concluído com alta classificação, fui convidado para vários recitais em Lisboa e não só. Iniciei logo de seguida o curso de ópera com o professor Álvaro Benamor e D. Helena Pina Manique. Fui admitido no Coro Gulbenkian, onde estive durante alguns meses até seguir para Paris com uma bolsa de estudos.
O diretor do Teatro Nacional de São Carlos, Eng. João Paes, que já me ouvira no Conservatório, convidou-me para, temporariamente, interromper o estágio em Paris e vir a Lisboa preparar o desempenho de um importante papel numa ópera portuguesa. Bem sucedido, pediu-me para, após o estágio parisiense, seguir para Florença, afim de preparar, com o famoso Gino Bechi, o importantíssimo papel de primeiro barítono (Lord Enrico d’Ashthon) da ópera Lucia di Lamermoor, de Donizetti. Cantei esse papel em novembro de 1977, no Teatro Rivoli (Porto)…
Toda esta “bola de neve” a partir da conclusão do curso superior de canto em 1974, todo o incrível desencadear de situações até finais de 1977, todo o ano de 1977 sobretudo, tudo isso responde à sua pergunta… Parafraseando, em contraste, um fadista, diria: “Ser cantor não foi meu sonho, mas cantar foi o meu fado…”
Dos anos em que estudou Música e Canto, que professores tiveram uma influência mais decisiva?
Nos conservatórios do Porto e de Lisboa, tive a felicidade de ser orientado respetivamente pelas professoras D. Isabel Mallaguerra e D. Helena Pina Manique, e ainda, por algum tempo, pela D. Arminda Correia, sem esquecer o Prof. Álvaro Benamor (cena).
Em Paris, como olvidar o trabalho com a famoso baixo Huc-Santana e o não menos célebre barítono Gabriel Bacquier? Em Itália, e aqui em Portugal, Gino Bechi foi simplesmente precioso no trabalho vocal e cénico. Este famoso barítono, que também me honrava com a sua amizade, cantou nos anos 40, em todos os grandes palcos do mundo. A sua famosa “entrega” aos espetáculos e nos espetáculos, quer cenicamente mas sobretudo vocalmente, levou-o a tal desgaste que teve de terminar a sua carreira por volta dos 40 anos, precisamente com a idade com que eu comecei…
Foi difícil deixar de ser padre e optar pela carreira musical?
Quando, em finais dos anos 60, me matriculei no Conservatório do Porto, confesso que o meu sonho era dar uma componente artística à minha missão de padre.
Começaram a surgir, porém, situações que não deixaram de me ir perturbando. Alguma confusão começou a instalar-se nos meus horizontes… Estávamos em pleno pós-74… Sobretudo a partir de 1977, comecei a sentir-me ultrapassado pelos acontecimentos. Tinham de ser tomadas decisões… Não podia viver na ambiguidade!… Houve muitas dúvidas, muitas incertezas… O meu Padre Provincial de então propôs-me fazer as duas coisas: padre e cantor… Tudo se desenrolava vertiginosamente… Eram convites para concertos, para óperas, etc.
Cheguei mesmo a atuar durante não pouco tempo, estando ainda no exercício do ministério… Fui chegando à conclusão de que as duas funções não faziam grande sentido… Em finais de 1978, acabei por tomar a decisão: pedi para Roma a dispensa do exercício das ordens. Não tive resposta fácil. Demorou mais de dois anos. Pelo meio, um apelo a que repensasse…
Qual foi o papel da Igreja na sua vida musical?
Primeiramente, como é obvio, penso em todo o curso do seminário. Para além de todos os aspetos da formação, a música da Igreja, o canto gregoriano, ocupou uma grande parte desse período, quer na teoria, quer na prática. O nosso Cantuale, um livro específico da Congregação da Missão com os mais belos cânticos gregorianos e muitos outros, a uma ou mais vozes, dominou grande parte desses anos, as nossas vozes e as nossas almas.
No seminário Maior, durante o curso de filosofia e teologia, para além das mais belas obras de polifonia sacra, cantávamos, todos os domingos e festas, o “comum” e o “próprio” em gregoriano, de acordo com o emblemático Liber Usualis, a mais completa obra do canto da Igreja. Tudo isto, naturalmente acompanhada da parte teórica, marca indelevelmente a minha personalidade e a minha formação musical. E não esqueço que quase sempre, alternadamente, fui organista e solista…
Após a ordenação, seguiram-se anos dominados pelo Concílio do Vaticano II, com uma série extraordinária de documentos sobre a música e a liturgia em vernáculo,com o aparecimento de excelentes compositores. E foram sempre surgindo, com os diversos papas, importantes documentos sobre a música litúrgica. Não posso esquecer os “famosos” cursos gregorianos de Fátima que frequentei.
Durante os anos 1977-1995, em que a vida artística teve o seu lado prioritário, nunca deixei de estar atento aos documentos da Igreja sobre música sacra e à obra de excelentes compositores que temos.
A partir de 1997, já no pós – S. Carlos, a pedido do meu grande amigo Conégo José Serrasina que acabava de ficar à frente da Paróquia dos Anjos, em Lisboa– a minha paróquia -, comecei a orientar o coro paroquial, tomando a peito a renovação dos cânticos e a dinamização litúrgica. Baseava-me sempre nos textos de cada celebração. Após 5 anos de intenso e profícuo trabalho, abracei outro projeto – na Capela do Palácio da Bemposta (Academia Militar), onde colaborei durante 13 anos (2003 – 2016). Durante este período, compus dezenas de cânticos que vieram a ser publicados pela Academia Militar, em 2012, num volume com o título Deus é Amor. Porque o “contexto” de então era “específico”, o referido volume irá “sofrer” brevemente substancial alteração.
Qual foi a maior deceção na sua vida?
Se me permite, não apresentaria uma mas duas deceções, e ambas no âmbito do mundo lírico. A primeira, logo de início. Tinha feito 40 anos. Eram diferentes, agora, o sonho e o ideal. Imaginava que perante mim, ia surgir um meio pleno de elevação, um ambiente superior, de arte, de cultura, etc. Cedo, porém, fui verificando e concluindo que as cores que sonhara belas, não, não o eram assim tanto… A realidade era bastante mais prosaica… Bem!… Respirei fundo, bem fundo, passe a expressão… E, vamos a isso!… Mas vamos mesmo! O desafio que ora iniciava era para ganhar, era mesmo para vencer!… E foi! Não tive o caminho atapetado de rosas, longe disso, muito longe! Foram necessárias uma fibra excecionalmente forte como considero ter, uma fé inabalável em Deus como efetivamente tenho, e também, obviamente, uma grande confiança nos talentos que Deus me deu, aliados à formação que tive (não poderei esquecê-lo!) E…aí vou eu!… E nem tudo foram espinhos, digamos em abono da verdade. Tive um público que me admirava e apoiava bastante, excelentes e excecionais críticas, outras nem tanto… E, entre um pessoal que rodava as três centenas (coro, orquestra, cantores, técnicos, etc), tive não poucos amigos e admiradores! Não esqueço que, logo no começo, nos primeiros ensaios, vi lágrimas nos olhos de algum do pessoal, ao verem a minha entrada enérgica, decidida, confiante, e pensando no “mundo” donde acabava de chegar… aos 40 anos!…
A segunda deceção foi no fim. Em finais de 92, a SEC, tendo à frente o Dr. Pedro Santana Lopes, achou por bem dissolver a Companhia Portuguesa de Ópera (cantores, orquestra, etc). Éramos 14 os cantores principais. Mesmo tendo em conta que eu continuava a cantar no país e não só, esta foi sem dúvida uma grande deceção. Aos 55 anos, encontrava-me no ponto mais alto da carreira, a nível vocal e cénico, na minha opinião e na de quantos me conheciam e ouviam! Esperava estar “em grande” mais uma boa dezena de anos… Lembrei-me então das palavras de Gino Bechi, quando, certo dia, nos anos 80, após fazer as célebres e espetaculares demonstrações, vocais e cénicas, durante um ensaio, e quando já contava perto dos 80 anos, teve este desabafo: “Agora é que eu sei cantar!”
Pois é!… Parafraseando o meu mestre, diria: “Agora… é que eu sabia cantar!…”
Qual foi o momento mais alto da carreira como cantor lírico?
Desempenhei os mais diversos papéis de 1º barítono, de baixo-barítono, papéis característicos, enfim, foram cerca de 50… Nunca tive um fracasso nos meus desempenhos. Pelo contrário! Escolher o momento mais alto?!… É difícil!… Estou a lembrar-me de não poucos… Do “Le Grand-Prêtre de Dagom” da ópera Samson et Dalila, de Saint-Saëns, em 1983. Quis preparar o papel em Lyon com o meu ex-professor de Paris, o grande barítono Gabriel Bacquier. Estou a recordar-me do “Dulcamara” da ópera L’Elisir d’Amore, de Donizetti, em 1984 e 1985… Do “Rocco”, da ópera Fidelio de Beethoven… Enfim, não vou alongar-me na citação de outras boas e belas hipóteses…
Mas vou escolher como momento mais alto uma ópera fora do estilo clássico: a ópera Kiú, do compositor espanhol Luís de Pablo, levada à cena em 1987 no Teatro Nacional de São Carlos. O meu papel de Babinshy, o pivô da ópera, na sua grande espetacularidade e dificuldade vocal e cénica, foi na verdade um momento muito alto na minha carreira! Não foi por acaso que o próprio compositor Luís de Pablo e o maestro Jesús Ramón Encimar me convidaram, 5 anos depois (dezembro de 1992 – janeiro de 1993), para interpretar em Madrid o mesmo papel!…
Quais foram os cantores líricos mundiais que mais o inspiraram?
Estavam na moda, nos anos 60, cantores líricos que deveras nos entusiasmavam. Lembro-me, por exemplo, de Mário Lanza, de Luís Mariano, de Alfredo Krauss que vim a conhecer em São Carlos, e com o qual contracenei, inicialmente, num ou noutro pequeno papel. E vários outros, quase todos tenores. O meu tipo de voz é de barítono ou de baixo-barítono. Mas foi sobretudo a partir do Curso Superior de Canto que comecei a interessar-me por vozes líricas, o que é absolutamente natural. Dado o meu tipo de voz, cerca de cinco ou seis cantores internacionais dominavam particularmente os meus gostos. Comecemos pelos alemães Dietrich Fischer-Dieskau e Hermann Prey, barítonos. O primeiro, absolutamente excecional em lied, tendo cantado praticamente tudo o que havia nesse domínio. Muitos o consideraram o maior músico do século XX. Foi inclusivamente maestro de música sacra. Ouvi-o ao vivo em Paris. Hermann Prey era superior como ator. As suas interpretações em óperas de Mozart, Rossini, Donizetti ficaram memoráveis. Outros dois barítonos ou baixo-barítonos, Fernando Corena e Rolando Panerai, eram também grandes cantores e atores, mais característicos que os anteriores. Outro barítono que, vocalmente (não cenicamente) me enchia as medidas, era Piero Cappuccilli. Era um barítono a que eu chamaria heróico-dramático, com uma incrível potência de voz. Jamais esquecerei o seu desempenho em Simon Boccanegra de Verdi, no São Carlos…
Poderia obviamente alongar-me, no que às vozes masculinas diz respeito. Mas também não posso deixar de me referir a vozes femininas que, além de nós deixarem siderados, tanto nos ensinaram! Antes de mais, Maria Callas!… Depois, uma Victoria de los Angeles que cheguei a ouvir na Gulbenkian. Fiorenza Cossotto, Mirella Freni, Christa Ludwig… Monserrat Caballé que ouvi em Paris dirigida por Leonard Bernstein… Uma Joan Sutherland, La Stupenda, a tal que cantou a Traviata no Coliseu na famosa noite de 24 para 25 de abril de 1974, com o já citado Alfredo Kraus… E eu estava lá!…
Quais os músicos portugueses mais influentes na sua carreira?
Por músicos, entendo compositores, professores, pianistas, ensaiadores, “pontos”, cantores, e, porque não, críticos… Antes de mais, as minhas duas professoras nos conservatórios do Porto e de Lisboa, respetivamente: Isabel Malaguerra e Helena Pina Manique. A professora D. Arminda Correia fez de forma extraordinária a breve transição entre uma e outra. Álvaro Benamor, na classe de ópera. A pianista Maria Helena Matos que me acompanhou com enorme competência desde o Conservatório Nacional, incluindo o exame final, e praticamente em todos os recitais que fui dando ao longo da carreira. O maestro Armando Vidal, músico de gema, com o qual preparei, como a generalidade dos artistas, quase todos os papéis que tinha a desempenhar nas dezenas de óperas em que fui interveniente. Entre os maestros – “pontos” – , não esquecerei o maestro Pasquali que tão competentemente orientou, durante os primeiros tempos, as nossas intervenções em palco, e o maestro Ascenso de Siqueira, grande e bom amigo e incrível ser humano… Tive a felicidade de trabalhar com encenadores como António Manuel Couto Viana, que me honrava com a sua amizade, Carlos Avillez (em várias óperas), Luís Miguel Cintra, João Lourenço…
Cantores? Álvaro Malta, Hugo Casaes, Elizette Bayan, Armando Guerreiro, e outros… Lembro-me ainda de preciosas “dicas” que me deu Álvaro Malta…
Compositores? Antes de mais, o Prof. Cândido Lima. Conheci-o em Paris. Conversávamos muito. Não esqueço o dia em que ele me apresentou ao seu amigo Iannis Xenakis… Fomos juntos a vários concertos. Preparei, com ele ao piano, algumas obras suas para canto. Foi meu pianista num concurso de canto em que fui premiado… Tudo isto em Paris, em 1977.
Com o grande compositor Fernando Lopes-Graça, tive a honra de preparar um importante papel de solista na sua obra As Sete Predicações d’Os Lusíadas, em vista à estreia mundial da mesma no VI Festival da Costa do Estoril (1980). Joly Braga Santos honrava-me com a sua amizade e admiração. Com ele ensaiei o papel de solista na sua Cantata Das Sombras, sobre texto de Teixeira de Pascoaes, para primeira audição mundial no Teatro de S. Luís, a 27 de julho de 1985, com o Coro Gulbenkian, e enquadrada no XI Festival de Música da Costa do Estoril. De Joly Braga Santos nunca poderei esquecer as suas palavras, em pleno palco, no fim da última récita da sua Trilogia das Barcas, em maio de 1988: “Estou a compor uma ópera, para a Expo de Sevilha (daí a 4 anos), baseada numa obra de Frederico Garcia Llorca, Bodas de Sangue e tenho um muito bom papel para si”. Entretanto, o maestro falecia 2 meses depois, a 18 de julho de 1988, o que constituíu uma grande perda para o País, para a cultura portuguesa.
Quanto a críticos, devo dizer que, entre outros, Francine Benoit, João de Freitas Branco, José Blanc de Portugal muito me encorajaram e elogiaram!
E hoje, o que acha da evolução da ópera em Portugal?
Francamente, tenho dificuldade em responder. Há cerca de vinte e cinco anos, após a extinção da Companhia Portuguesa de Ópera e de ter dado como terminada a minha carreira lírica, abracei outro projeto e alheei-me bastante desse tema. Sei que, sobretudo por razões orçamentais, a programação se ressente, e muito. Tudo parece ser diferente. Repito: não tenho dados que me permitam fazer qualquer juízo de valor…
O que pensa do papel da música na Igreja?
Desde o Seminário Maior, fui lendo atentamente, e mais que uma vez, os documentos papais que surgiram desde o princípio do século XX:
o Motu próprio de São Pio X (1903) sobre a Restauração da Música Sacra;
a Constituição Apostólica Divini Cultus (1928) no pontificado de Pio XI, sobre a liturgia e a música sacra; a Encíclica Musicae Sacrae Disciplina (1953), do Papa Pio XII, sobre a Música Sacra, vocal e instrumental.
Logo após o Concílio do Vaticano II, surge a Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium (1963), a realçar que “a acção litúrgica reveste maior nobreza quando é celebrada com canto, com a presença dos ministros sagrados e a participação ativa do povo”. E quando fala de canto, obviamente que se refere ao canto sagrado intimamente unido com o texto. E se o canto gregoriano ocupa sempre um lugar privilegiado em igualdade de circunstâncias, não são excluídos os outros géneros de música sacra mormente a Polifonia, desde que em harmonia com o espírito da ação litúrgica, e de acordo com os diversos tempos litúrgicos, com as diversas celebrações e os vários momentos da celebração. Compositores, organistas, mestres de coro, cantores, músicos (instrumentistas) devem formar um todo para o esplendor do canto.
Alguns anos após o Concílio, a famosa Instrução Musicam Sacram (1967), da Sagrada Congregação dos Ritos, é a síntese, diria perfeita, do que à Música Sacra diz respeito, desde o canto na celebração da missa, passando pela preparação de melodias para os textos em vernáculo, depois a música para instrumental, o Canto no Ofício, etc etc.
O assunto levar-nos-ia ainda a três ou quatro intervenções de São João Paulo II, a uma célebre conferência do Cardeal Ratzinger (mais tarde Papa Bento XVI) em 1985, a uma Nota Pastoral dos nossos bispos por ocasião do Ano Europeu da Música (em novembro de 1985).
E o nosso Papa Francisco, por mais de uma vez, tem insistido que a Música Sacra e Canto Litúrgico devem estar plenamente inculturados nas linguagens artísticas atuais.
Quais os compositores que mais ouve e, desses, que obras prefere?
J.S. Bach é incontornável. Oiço com frequência, por exemplo, a Cantata do Café, cuja ária Hat man nicht mit seinen kindern fez parte do programa do meu exame do Curso Superior de Canto de Concerto, e foi uma das provas de acesso ao Coro Gulbenkian, em novembro de 1974; a Missa em Si m, cujas árias de baixo cantei; e a Paixão Segundo S. João, em que interpretei o papel de Jesus, no Porto, em abril de 1977, quando ainda estagiava em Paris… Haëndel (O Messias, e Música Aquática); Beethoven (Sinfonias 3, 6 e 9) e a ópera Fidelio, cujo papel de Rocco desempenhei em junho de 1986; Mozart (o Requiem que, enquanto membro do Coro Gulbenkian, cantei no Coliseu em 1975, com gravação para a Erato; a Sinfonia nº 40, etc etc); Haydn (A criação, a Missa de Santa Cecília e a Sinfonia Concertante); Bizet (Carmen); Bramhs (Um Requiem Alemão);Rossini (Stabat Mater); Tchaickowsky (Romeu e Julieta e Francesa da Rimini; Dvorak (Sinfonia nº 9, O Novo mundo); Ravel (Bolero); Rodrigo (Concerto de Aranjuez); Strauss (valsas); Elgar (Concerto para violoncelo).
E muito, muito mais, obviamente.
O que o levou a colecionar livros e discos?
Certamente, e de uma forma geral, o meu gosto pela música, a ligação à Igreja, o meu profissionalismo, a cultura. É claro que tudo se desenrola de acordo com as diversas etapas da vida:
a minha função de professor de Música (além de outras disciplinas) no seminário menor, após a minha formação, e o começo dos meus estudos no Conservatório;
a minha transição para a vida pastoral, durante 3 anos;
a minha ida para Lisboa para concluir o curso Superior, do Conservatório, e a minha curta passagem pela Fundação Gulbenkian;
o meu estágio de dois anos em Paris, concluído com 2 meses em Itália;
o começo e a continuação da minha carreira lírica no Teatro Nacional de São Carlos;
os 3 anos pós-São Carlos em que continuei a minha carreira;
o abraçar de novo projeto: “trabalhar” um coro inserido numa missão pastoral na Paróquia dos Anjos (Lisboa), a minha Paróquia, a partir de 1997 e, posteriormente, de 2003 a 2016, na capela do Palácio da Bemposta (Academia Militar);
e porque não dizê-lo, as minhas viagens de automóvel, algumas longas, nos anos 70 e daí para cá, para já não falar da minha própria casa…
Como vê, são muitas as etapas e as circunstâncias em que procurei estar sempre em dia e dentro das exigências das mesmas. Livros, discos, cassetes, CDs, DVDs eram verdadeiros instrumentos de trabalho, de cultura, de ocupação, de prazer…
Julgo ter sintetizado as razões da minha importante biblioteca e discoteca, das quais progressivamente e criteriosamente, me vou voluntariamente desfazendo.
Antes da sua formação académica no conservatório, que lugar tinha a música erudita no seu papel de formador no seminário?
Além de renovar completamente o repertório de cânticos religiosos que vinha de há longos anos (o que supunha rodear-me de bom material), comecei a interessar-me por vozes maravilhosas que os discos faziam chegar até nós (Mario Lanza, Luis Mariano, Alfredo Krauss etc, e por orquestras excecionais que nos traziam as mais belas melodias clássicas, canções famosas, música de filmes históricos…
Tive sempre a preocupação de partilhar com os meus jovens alunos algum desse maravilhoso mundo musical… Era importante para a educação da sua sensibilidade, dos seus gostos, da sua cultura.
Lembro-me, e muitos ex-alunos (quer do seminário, quer do ensino público) se recordarão de ter dado a ouvir, entre outras obras, uma pequena peça do compositor russo Alexander Borodine. Tratava-se de Nas estepes da Ásia Central. Era a caravana que surgia ao longe, a marcha dos camelos, a intensidade instrumental que “subia” a anunciar a chegada da caravana, a permanência no terreno, o retomar da marcha, os sons que se iam extinguido… até a caravana se perder de vista!… Era tudo tão belo, tão claro! Apaixonante!… O interesse era enorme. Os alunos começavam a compreender que a música tem um sentido, um conteúdo, uma intenção, uma finalidade, uma expressão!
O mesmo sucedeu com outras obras, como o Hino da Alegria, da IX Sinfonia de Beethoven! Etc etc.
Mas adverti-os sempre para que nada disto desviasse a atenção do essencial da sua formação!…
A minha velha casa, por mais que eu sofra e ande, é sempre um golpe de asa varrendo um Campo Grande.
Aqui no meu País, por mais que a minha ausência doa, é que eu sei que a raiz de mim está em Lisboa.
A minha velha casa resiste no meu corpo e arde como brasa dum corpo nunca morto.
A minha velha casa é o regresso à procura das origens da ternura, onde o meu ser perdura.
Amiga amante, amor distante. Lisboa é perto, e não bastante. Amor calado, amor avante, que faz do tempo apenas um instante. Amor dorido, amor magoado e que me dói no fado. Amor magoado, amor sentido, mas jamais cansado. Amor vivido, meu amor amado.
Um braço é a tristeza, o outro é a saudade, e as minhas mãos abertas são chão da liberdade.
A casa a que eu pertenço, viagem para a minha infância, é o espaço em que eu venço e o tempo da distância.
E volto à velha casa, porque a esperança resiste a tudo quanto arrasa um homem que for triste.
Lisboa não se cala, e quando fala é minha chama, meu Castelo e minha Alfama, minha Pátria, minha cama.
Amiga amante, amor distante. Lisboa é perto, e não bastante. Amor calado, amor avante, que faz do tempo apenas um instante. Amor dorido, amor magoado e que me dói no fado. Amor magoado, amor sentido, mas jamais cansado. Amor vivido, meu amor amado.
Ai! Lisboa, como eu quero! É por ti que eu desespero!
Letra: José Carlos Ary dos Santos Música: António Victorino d’Almeida Intérprete: Camané (in CD “Novo Homem na Cidade”, Universal, 2004) Versão original: Carlos do Carmo (in “Um Homem na Cidade”, Trova, 1977; reed. UPAV, 1991; Philips/Polygram, 1995)
Meloteca, recursos musicais criativos para crianças, professores e educadores
Ainda Lisboa
[ Marcha da Madragoa 1980 ]
Ainda Lisboa Sonha e dorme a sono solto E o luar passeia envolto No seu manto de mil estrelas, A Madragoa Já toda ela se agita, Airosa fresca e bonita, Num bailado de chinelas.
Ainda o galo Não cantou o seu bom dia, Já o meu bairro à porfia Trabalha de que maneira; É um regalo Ver cortejos de varinas Descendo a Rua das Trinas A caminho da Ribeira.
Madragoa, Chinela no pé, Jeito de maré P’ra cá e p’ra lá; Madragoa, Canastra à cabeça, Ligeira na pressa Que a vida lhe dá.
Madragoa, Festiva gaivota Que grita na lota, Que canta e apregoa; Madragoa, Salgada e ladina, Vistosa varina, Cartaz de Lisboa.
A Madragoa Que canta desde menina Cantigas que o mar lhe ensina, Com o mar dança também; Doa a quem doa, É dos bairros a rainha E a coisa mais alfacinha De quantas Lisboa tem.
E se abençoa A fé dos seus monumentos, Pois igrejas e conventos Dão-lhe fé e caridade; À Madragoa Não falta desde criança Toda a virtude da Esperança, Que é a Esperança da cidade.
Madragoa, Chinela no pé, Jeito de maré P’ra cá e p’ra lá; Madragoa, Canastra à cabeça, Ligeira na pressa Que a vida lhe dá.
Madragoa, Festiva gaivota Que grita na lota, Que canta e apregoa; Madragoa, Salgada e ladina, Vistosa varina, Cartaz de Lisboa.
Madragoa, Festiva gaivota Que grita na lota, Que canta e apregoa; Madragoa, Salgada e ladina, Vistosa varina, Cartaz de Lisboa.
Letra: Jorge Rosa Música: José Fontes Rocha Intérprete: Joana Amendoeira (in CD “Amor Mais Perfeito: Tributo a José Fontes Rocha”, CNM, 2012) Versão original: Maria da Fé (in single “Marcha da Madragoa 1980 / Acerta Comigo”, Valentim de Carvalho/EMI, 1980; CD “Até Que a Voz me Doa” (compilação), col. Caravela, EMI-VC, 1991; CD “O Melhor de Maria da Fé”, Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2008; CD “Maria da Fé: Essencial”, Edições Valentim de Carvalho/CNM, 2014)
fadista Joana Amendoeira
Ando
[ Santa Apolónia ]
Ando de vez em quando Procurando o que há para achar Se acho, não me acho capaz para me encontrar E parto, de vontade em vontade, com vontade de andar Que a cidade onde vivo Me faz vontade… voltar. E ando Vagueando Chateado, um pouco zangado Ando à toa, … apanho o comboio, vou daqui para Lisboa.
Ando Vagueando Chateado, um pouco zangado Ando à toa, … apanho o comboio, vou daqui para Lisboa.
Ando Vagueando Chateado, um pouco zangado Ando à toa, … apanho o comboio, vou daqui para Lisboa.
Ando Vagueando Chateado, um pouco zangado Ando à toa, … apanho o comboio, vou daqui para Lisboa.
Vadiando Chateado, um pouco zangado Ando à toa, … apanho o comboio, vou daqui para Lisboa.
Letra e música: Jorge Rivotti Intérprete: Jorge Rivotti Versão original: Jorge Rivotti (in CD “Lisboa a Sete”, Alain Vachier Music Editions, 2016)
Reciclanda
O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.
Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração), realiza oficinas de música durante o ano letivo e dinamiza atividades em colónias de férias. Municípios, Escolas, Agrupamentos, Colégios, Festivais, Bibliotecas, CERCI, Centros de Formação, Misericórdias, Centros de Relação Comunitária, podem contratar serviços Reciclanda.
Contacte-nos:
António José Ferreira 962 942 759
Azulejos da cidade
[ Fado dos Azulejos ]
Azulejos da cidade, numa parede ou num banco, são ladrilhas da saudade vestida de azul e branco.
Bocados da minha vida, todos vidrados de mágoa, azulejos, despedida dos meus olhos rasos de água.
À flor dum azulejo, uma menina; do outro, um cão que ladra e um pastor. Ai! Moldura pequenina, que és a banda desenhada nas paredes do amor.
Azulejos desbotados por quanto viram chorar. Azulejos tão cansados por quantos viram passar.
Podem dizer-vos que não, podem querer-vos maltratar: de dentro do coração ninguém vos pode arrancar.
À flor dum azulejo, um passarinho, um cravo e um cavalo de brincar; um coração com um espinho, uma flor de azevinho e uma cor azul luar.
À flor do azulejo, a cor do Tejo e um barco antigo, ainda por largar. Distância que já não vejo, e enche Lisboa de infância, e enche Lisboa de mar.
Distância que já não vejo, e enche Lisboa de infância, e enche Lisboa de mar.
Letra: José Carlos Ary dos Santos Música: Martinho d’Assunção Intérprete: Carlos do Carmo (in “Um Homem na Cidade”, Trova, 1977; reed. UPAV, 1991; Philips/Polygram, 1995)
Caminho ao Largo
[ Ao Largo ]
Caminho ao Largo, no bolso a moeda, do troco do gelado na esquina. Saboreio-te na gente que vem e que passa… de outros lados De sorrisos sem rotina… Pego na moeda, devolvida no troco, não dá p’ra viajar-te, é pouco. Levo-te mesmo assim de moeda no bolso, p’la nuvem que nos diz. Mostrem de Vós a Paris! Mostrem de Vós a Paris! Sabes? Sabes? Gostava de levar-te a Paris, mas… agora não posso mostrar-te mais… que o Largo Martim Moniz!
Sabes? Sabes? Gostava de levar-te a Paris, mas… agora não posso mostrar-te mais… que o Largo Martim Moniz!
Volto à moeda, devolvida no troco, não dá p’ra viajar-te, é pouco. Levo-te mesmo assim de moeda no bolso, p’la nuvem que nos diz: Mostrem de Vós a Paris! Mostrem de Vós a Paris! Sabes? Sabes? Gostava de levar-te a Paris, mas… agora não posso mostrar-te mais… que o Largo Martim Moniz!
Sabes? Sabes? Gostava de levar-te a Paris, mas… agora não posso mostrar-te mais… que o Largo Martim Moniz!
Sabes? Sabes? Gostava de levar-te a Paris, mas… agora não posso mostrar-te mais… que o Largo Martim Moniz!
Letra e música: Jorge Rivotti Intérprete: Jorge Rivotti Versão original: Jorge Rivotti (in CD “Lisboa a Sete”, Alain Vachier Music Editions, 2016)
Cansados vão os corpos
[ Lisboa que amanhece ]
Intérprete: Carlos do Carmo
Como a água da nascente
[ Transparente ]
Como a água da nascente Minha mão é transparente Aos olhos da minha avó.
Entre a terra e o divino Minha avó negra sabia Essas coisas do destino.
Desagua o mar que vejo Nos rios desse desejo De quem nasceu para cantar.
Um Zambeze feito Tejo De tão cantado qu’invejo Lisboa, por lá morar.
Vejo um cabelo entrançado E o canto morno do fado Num xaile de caracóis.
Como num conto de fadas Os batuques são guitarras E os coqueiros, girassóis.
Minha avó negra sabia Ler as coisas do destino Na palma de cada olhar.
Queira a vida ou que não queira Disse Deus à feiticeira Que nasci para cantar.
Letra: Paulo Abreu Lima Música: Rui Veloso Intérprete: Mariza (in CD “Transparente”, EMI-VC, 2005)
Cortesã das minhas noites
[ É Lisboa a namorar ]
Intérprete: Cuca Roseta
Da janela do meu quarto
Da janela do meu quarto vejo a luz no quarto dela Quando a lua vem brincar nos telhados da viela Vejo o sol de madrugada a beijar sete colinas Quando se espraia no cais para espreitar as varinas
Da janela do meu quarto vejo o mundo Tenho um mundo de poesia para ver Vejo Alfama que labuta com ardor A sorrir e a cantar Vejo o Tejo a espreguiçar-se lá no fundo Vejo a ronda, ela passa a correr Vejo a Sé onde à tardinha com fervor Ela vai sempre rezar
Vejo pares de namorados, almas cheias de ilusões Toda a magia de um fado e a alegria dos pregões E à noitinha quando as sombras vestem de luto a viela Da janela do meu quarto vejo a luz no quarto dela
Da janela do meu quarto vejo o mundo Tenho um mundo de poesia para ver Vejo Alfama que labuta com ardor A sorrir e a cantar Vejo o Tejo a espreguiçar-se lá no fundo Vejo a ronda, ela passa a correr Vejo a Sé onde à tardinha com fervor Ela vai sempre rezar
Vejo o Tejo a espreguiçar-se lá no fundo Vejo a ronda, ela passa a correr Vejo a Sé onde à tardinha com fervor Ela vai sempre rezar
Letra: António Vilar da Costa Música: Nóbrega e Sousa Intérprete: Tristão da Silva (1958) (in CD “O Melhor de Tristão da Silva”, EMI-VC, 1991)
De decote no bolso
De decote no bolso Fiz-me de vestido na mão Perdi-me até na ilusão Deste vestido-canção Mas quero entrar na marcha à frente Que seja de chita vestida Quero assim vestir-me contente Até que reste esta vida E o vestido de chita Me excita na avenida A vontade de te abraçar de te levar Da Liberdade ao mar!
De decote no bolso Fiz-me de vestido na mão Perdi-me até na ilusão Deste vestido-canção Mas quero entrar na marcha à frente Que seja de chita vestida Quero assim vestir-me contente Até que reste esta vida E o vestido de chita Me excita na avenida A vontade de te abraçar de te levar Da Liberdade ao mar!
E o vestido de chita Me excita na avenida A vontade de te abraçar de te levar Da Liberdade ao mar!
E o vestido de chita Me excita na avenida A vontade de te abraçar de te levar Da Liberdade ao mar!
E o vestido de chita Me excita na avenida A vontade de te abraçar de te levar Da Liberdade ao mar!
Letra e música: Jorge Rivotti Intérprete: Jorge Rivotti Versão original: Jorge Rivotti (in CD “Lisboa a Sete”, Alain Vachier Music Editions, 2016)
De manhãzinha, voltou a Rosa
[ Nova Rosa da Mouraria ]
De manhãzinha, voltou a Rosa sem dizer nada; Vinha sozinha e mais formosa, bem apressada; Parou na Rua do Capelão, onde esperava O tal rapaz que há muitos anos a namorava.
Ai quem diria Que um dia a Rosa da Mouraria Voltava àquela casa, No Largo da Severa.
Ai quem diria Que a Rosa da Mouraria Tinha a vida bem guardada P’ra voltar a ser quem era.
Viu sardinheiras e margaridas numa janela, Namoradeiras entristecidas à espera dela; Agora a casa tem o encanto que tinha outrora, Até a Rosa já prometeu não ir embora.
Ai quem diria Que um dia a Rosa da Mouraria Voltava àquela casa, No Largo da Severa.
Ai quem diria Que a Rosa da Mouraria Tinha a vida bem guardada P’ra voltar a ser quem era.
Ai quem diria Que um dia a Rosa da Mouraria Voltava àquela casa, No Largo da Severa.
Ai quem diria Que a Rosa da Mouraria Tinha a vida bem guardada P’ra voltar a ser quem era.
Ai quem diria Que a Rosa da Mouraria Tinha a vida bem guardada P’ra voltar a ser quem era.
Letra e música: Marco Oliveira Intérprete: Tânia Oleiro Versão original: Tânia Oleiro (in CD “Terços de Fado”, Museu do Fado Discos, 2016)
És um moinho de vento
[ Lisboa ]
És um moinho de vento com sete colinas p’ra ver o Tejo e as andorinhas. És Lisboa sem tempo.
Tens uma História que encanta, e essa cor tão branca que dá luz ao fado e sobra em todo o lado. O Tejo iluminado.
Lisboa és minha! Lisboa do mundo, como vela erguida num sonho profundo, és cidade branca e trazes luz ao mundo.
Lisboa és minha! Lisboa do mundo…
Lisboa és minha! Lisboa do mundo… Lisboa és minha! Lisboa do mundo… Lisboa…
Letra: José Barros Música: Mimmo Epifani Intérpretes: José Barros & Mimmo Epifani* Versão original: José Barros & Mimmo Epifani (in CD “Mar da Lua”, José Barros/Tradisom, 2015)
Esse romance amoroso
[ O Casamento da Rita ]
Esse romance amoroso Do mercado da Ribeira Teve um final milagroso; E, afinal, de que maneira!
Um romance igual a tantos, Esse da Rita e do Chico: Lá na Igreja de Santos Foi-se os encantos do namorico.
Muito juntinhos sob o altar, Entre os padrinhos foram casar; Após a boda, a Rita e o Chico Foram na roda do bailarico.
Desde a sagrada união A mãe dela já nem ralha, Nem sequer faz discussão Por dá cá aquela palha.
Com sua graça expedita Disse ao Chico pescador: «Se não me dás outra Rita, Vai haver fita seja onde for.»
E hoje uma Rita mais pequenina Toda se agita linda e traquina: Lembra a sardinha viva a saltar, Outro romance para contar.
Muito juntinhos sob o altar, Entre os padrinhos foram casar; Após a boda, a Rita e o Chico Foram na roda do bailarico.
E hoje uma Rita mais pequenina Toda se agita linda e traquina: Lembra a sardinha viva a saltar, Outro romance para contar.
Letra e música: Júlio Vieitas Intérprete: Tânia Oleiro* Primeira versão discográfica de Tânia Oleiro (in CD “Terços de Fado”, Museu do Fado Discos, 2016) Versão original: Fernanda Maria (in EP “Isto É Fado” A Voz do Dono/VC, 1960; CD “O Melhor de Fernanda Maria”, EMI-VC, 1994; CD “O Melhor de Fernanda Maria”, Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2009; CD “Fernanda Maria: Essencial”, Edições Valentim de Carvalho, 2014)
Eu canto para ti
[ Canção com Lágrimas ]
Eu canto para ti um mês de giestas um mês de morte e crescimento ó meu amigo como um cristal partindo-se plangente no fundo da memória perturbada.
Eu canto para ti um mês onde começa a mágoa e um coração poisado sobre a tua ausência eu canto um mês com lágrimas e sol o grave mês em que os mortos amados batem à porta do poema.
Porque tu me disseste: quem me dera em Lisboa quem me dera em Maio. Depois morreste Com Lisboa tão longe ó meu irmão tão breve Que nunca mais acenderás no meu o teu cigarro.
Eu canto para ti Lisboa à tua espera teu nome escrito com ternura sobre as águas e o teu retrato em cada rua onde não passas trazendo no sorriso a flor do mês de Maio.
Porque tu me disseste: quem me dera em Maio porque te vi morrer eu canto para ti Lisboa e o sol. Lisboa com lágrimas Lisboa à tua espera ó meu irmão tão breve.
Eu canto para ti Lisboa à tua espera…
Poema: Manuel Alegre (adaptado de “Canção com Lágrimas e Sol”, in Praça da Canção , 1965) Música e voz: Adriano Correia de Oliveira (in “Cantaremos”, Orfeu, 1970, reed. Movieplay, 1999; “Obra Completa”, Movieplay, 1994; CD “Vinte Anos de Canções”, Movieplay, 2001)
É varina, usa chinela
[ Maria Lisboa ]
É varina, usa chinela, tem movimentos de gata; Na canastra, a caravela, no coração, a fragata. Na canastra, a caravela, no coração, a fragata.
Em vez de corvos, no xaile gaivotas vêm pousar. Quando o vento a leva ao baile, baila no baile com o mar. Quando o vento a leva ao baile, baila no baile com o mar.
É de conchas o vestido, tem algas na cabeleira; E nas veias o latido do motor duma traineira. E nas veias o latido do motor duma traineira.
Vende sonho e maresia, tempestades apregoa. Seu nome próprio: Maria; seu apelido: Lisboa. Seu nome próprio: Maria; seu apelido: Lisboa.
Letra: David Mourão-Ferreira Música: Alain Oulman Intérprete: Amália Rodrigues (in “Amália Rodrigues (Busto)”, Valentim de Carvalho, 1962, reed. EMI-VC, 1989; in “Com Que Voz”, Valentim de Carvalho, 1970, reed. EMI-VC, 1987; CD “O Melhor de Amália – Estranha Forma de Vida”, EMI-VC, 1985, reed. 1995) Outra versão: Mariza (in CD “Fado em Mim”, World Connection B.V., 2001; CD/DVD “Concerto em Lisboa”, Capitol, 2006)
Esta noite há uma festa
[ Curral da Mouraria ]
Esta noite há uma festa No curral da Mouraria Esta noite há uma festa Vai durar até ser dia
Vem daí, vamos cantar Vamos todos celebrar Que ainda não foi desta Vem daí, vamos brindar Toda a noite sem parar Vamos dançar até cair
A dança, segredo Do sexto sentido Que a dança do medo Foi tempo perdido
Esta noite canto o fado No curral da Mouraria Entre o Beco do Malvado E o Pátio da Alegria
Vamos todos festejar A vontade de sonhar Já que pouco mais nos resta Quantas mágoas por cantar Quantas penas por chorar Por isso dança até cair
A dança, segredo Do sexto sentido Que a dança do medo Foi tempo perdido
Esta noite há uma festa No curral da Mouraria
Vamos todos festejar A vontade de sonhar Já que pouco mais nos resta Quantas mágoas por cantar Quantas penas por chorar Por isso dança até cair
A dança, segredo Do sexto sentido Que a dança do medo Foi tempo perdido
Esta noite há uma festa Há-de ser até ser dia
Letra: J.J. Galvão (José João Oliveira Galvão) Música: Rui Filipe Reis Intérprete: Rosa Negra (in CD “Fado Mutante”, iPlay, 2011)
Foi na Travessa da Palha
Foi na Travessa da Palha Que o meu amante, um canalha, Fez sangrar meu coração: Trazendo ao lado outra amante Vinha a gingar petulante Em ar de provocação. Trazendo ao lado outra amante Vinha a gingar petulante Em ar de provocação.
Na taberna de friagem Entre muita fadistagem Enfrentei-os sem rancor, Porque a mulher que trazia Com certeza não valia Nem sombra do meu amor. Porque a mulher que trazia Com certeza não valia Nem sombra do meu amor.
A ver quem tinha mais brio Cantámos ao desafio Eu e essa outra qualquer. Deixei-a perder de vista Mostrando ser mais fadista Provando ser mais mulher. Deixei-a perder de vista Mostrando ser mais fadista Provando ser mais mulher.
Foi uma cena vivida De muitas da minha vida Que se não esquecem depois, Só sei que de madrugada Após a cena acabada Voltámos para casa os dois. Só sei que de madrugada Após a cena acabada Voltámos para casa os dois.
Letra: Gabriel de Oliveira Música: Frederico de Brito Intérprete: Lila Downs (in CD “Fados”, EMI, 2007) Versão original: Lucília do Carmo (1958) (in CD “Lucília do Carmo: Biografias do Fado”, EMI-VC, 1998)
Fugiu a Baixa
Fugiu a Baixa, de brinco de pérola ao Chiado Passou de passeio, de risco de alfaiate ao Combro Subiu de navio ao Poço dos Negros pontos, Dos sinais, no seu olhar.
Degrau em degrau, Do bairro da Bica ao café ao alto À proa… num alto, no salto ao Bairro Alto. À proa… num alto, afundaste… do “Titanic” … de Lisboa que há em ti.
Letra e música: Jorge Rivotti Intérprete: Jorge Rivotti Versão original: Jorge Rivotti (in CD “Lisboa a Sete”, Alain Vachier Music Editions, 2016)
Jorge Rivotti
Julguei que Lisboa era
[ Ao Semáforo um Navio ]
Julguei que Lisboa era Cidade de ter os barcos no rio. Mas… juro! Ao semáforo estava um navio Juro!… Sim. Quase que até batia em mim Vais mas é pensar que eu estou maluco Olha que eu não estou a brincar O gajo do táxi ia batendo Tu não estás a ver-te acreditar
Vi um Navio Amarelo Ali mesmo ao Cais Sodré. Bem por baixo Tinha umas rodas Mais parecidas com… botas sem pés.
Julguei que Lisboa era Cidade de ter os barcos no rio. Mas… juro! Ao semáforo estava um navio Juro!… Sim. Quase que até batia em mim
Vi um Navio Amarelo Ali mesmo ao Cais Sodré. Bem por baixo Tinha umas rodas Mais parecidas com… botas sem pés.
Vi um Navio Amarelo Ali mesmo ao Cais Sodré. Bem por baixo Tinha umas rodas Mais parecidas com… botas sem pés.
Letra e música: Jorge Rivotti Intérprete: Jorge Rivotti Versão original: Jorge Rivotti (in CD “Lisboa a Sete”, Alain Vachier Music Editions, 2016)
Lisboa, gaiata
Lisboa, gaiata, de chinela no pé, Lisboa, travessa, que linda que ela é!
Lisboa, bailarina, que bailas a cantar, sereia pequenina que nos guarda pelo mar.
1. Lisboa, vem p’ra rua que o Santo António é teu. São Pedro deu-te a lua e o mundo escureceu Comprei-te um manjerico e trago-te um balão. Em casa é que eu não fico ó meu rico São João.
2. Lisboa faz surgir, ai, que milagre aquele!, cantigas a florir num cravo de papel. Nos arcos enfeitados poisaram as estrelas e há anjos debruçados nos telhados das vielas.
Intérprete: Amália Rodrigues
Lisboa, Lisboa
Lisboa, Lisboa Tu és a passagem por mim Lisboa, Lisboa O teu nome ainda nem vi Lisboa, Lisboa Tu és a passagem por mim Lisboa, Lisboa Só me basta que seja assim
Letra e música: Jorge Rivotti Intérprete: Jorge Rivotti Versão original: Jorge Rivotti (in CD “Lisboa a Sete”, Alain Vachier Music Editions, 2016)
Jorge Rivotti
Lisboa, querida mãezinha
[ Recado a Lisboa ]
Lisboa, querida mãezinha Com o teu xaile traçado Recebe esta carta minha Que te leva o meu recado
Que Deus te ajude, Lisboa A cumprir esta mensagem Dum português que está longe E que anda sempre em viagem
Vai dizer adeus à Graça Que é tão bela, que é tão boa Vai por mim beijar a Estrela E abraçar a Madragoa E mesmo que esteja frio E os barcos fiquem no rio Parados sem navegar Passa por mim no Rossio E leva-lhe o meu olhar
Se for noite de S. João Lá pelas ruas de Alfama Acende o meu coração No fogo da tua chama
Depois, depois leva-o pela cidade Num vaso de manjerico Para ele matar saudade Desta saudade em que fico
Vai dizer adeus à Graça Que é tão bela, que é tão boa Vai por mim beijar a Estrela E abraçar a Madragoa E mesmo que esteja frio E os barcos fiquem no rio Parados sem navegar Passa por mim no Rossio E leva-lhe o meu olhar
Letra: João Villaret Música: Armando da Câmara Rodrigues Intérprete: João Villaret (in “Ontem e Hoje”, Ovação, 1989; CD “João Villaret: O Melhor dos Melhores”, vol. 9, Movieplay, 1994)
Mais um domingo em Lisboa
[ Rosas ]
Mais um domingo em Lisboa E já não tens para onde ir; A solidão não perdoa Quem não consegue dormir.
Ninguém te fala na rua, Ninguém conhece o teu nome; De que te serve a procura Se esta mesma te consome?
Secaram as rosas… Secaram as rosas… Matámos… Matámos as rosas…
«Os dias trazem fantasmas Dos dias todos iguais; Quem anda sempre em viagem Não quer ter coisas a mais.
Empenhei-me tanto, empenhei-me tanto, empenhei-me tanto… Que às vezes inventei que me esquecias. Cantei tanto Que às vezes me pareceu que retribuías.
Mas não aplaudiste??? Eu vi que aplaudiste.
Viste em mim o doce escorpião, O solitário príncipe da melancolia: Belo demais para viver, Frágil demais para morrer.
Se tudo o resto falhar, Podes sempre dizer que te menti; Só espero que estejas bem E se assim for, que assim seja.»
Estás cada vez mais sozinho, «Porventura deprimido; Mesmo quem escolhe o caminho Às vezes anda perdido.»
Secaram as rosas… Secaram as rosas… Matámos as rosas… Morreram as rosas…
Secaram as rosas… Matámos as rosas… Morreram as rosas…
«Mas não aplaudiste???… Eu vi que aplaudiste…»
Secaram as rosas… Matámos as rosas, amor… Vou sentir a tua falta… Vou sentir a tua falta.
Letra: Duarte (Janeiro de 2011) Música: Carlos Manuel Proença e Duarte Intérprete: Duarte com Albano Jerónimo (in CD “Sem Dor Nem Piedade”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2015)
Meio-dia, maré cheia
Lisboa Abençoa
Letra: Joana Alegre Música: Joana Alegre/Maria Ana Bobone Intérprete: Maria Ana Bobone
Menina, em teu peito sinto o Tejo
[ Menina dos Olhos d’Água ]
Menina, em teu peito sinto o Tejo E vontades marinheiras de aproar; Menina, em teus lábios sinto fontes De água doce que corre sem parar.
Menina, em teus olhos vejo espelhos E em teus cabelos nuvens de encantar; E em teu corpo inteiro sinto o feno Rijo e tenro que nem sei explicar.
Se houver alguém que não goste, Não gaste – deixe ficar… Que eu só por mim quero-te tanto, Que não vai haver menina p’ra sobrar!
Aprendi nos “Esteiros” com Soeiro E aprendi na “Fanga” com Redol; Tenho no rio grande um mundo inteiro E sinto o mundo inteiro no teu colo.
Aprendi a amar a madrugada Que desponta em mim quando sorris; És um rio cheio de água levada E dás rumo à fragata que escolhi.
Se houver alguém que não goste, Não gaste – deixe ficar… Que eu só por mim quero-te tanto, Que não vai haver menina p’ra sobrar!
Se houver alguém que não goste, Não gaste – deixe ficar… Que eu só por mim quero-te tanto, Que não vai haver menina p’ra sobrar!
Letra e música: Pedro Barroso Intérprete: Pedro Barroso Versão original: Pedro Barroso (in LP “Cantos da Borda d’Água”, Orfeu/Rádio Triunfo, 1984, reed. Movieplay, 2004; 2CD “Antologia 1982-1990”: CD 2, Movieplay, 2005) Outras versões: Pedro Barroso (in CD “Cantos d’Oxalá”, CD Top, 1996)
Meninos de Momprolé
Meninos de Momprolé Vindos de longe, São Tomé Meninos de Momprolé Meninos de Momprolé De Cabo Verde ou Guiné Meninos de Momprolé
Brincando na beira da estrada Subindo uma rocha, descendo a ramada Correndo p’ra quem lhes abraça P’ra quem lhes dá vida, um mundo de esperança
Cresceram em Lisboa crioula B. Leza, Jamaica, Santos, Cais do Sodré Tito e a Casa da Morna A melhor cachupa, semba, funaná
Meninos de Momprolé Vindos de longe, São Tomé Meninos de Momprolé Meninos de Momprolé De Cabo Verde ou Guiné Meninos de Momprolé
Contando estórias em rimas Ritmos, outras terras, sons Afro-América Mornas, coladeiras, kinzombas Ao fado o destino, saudade de Cesária
Cresceram em Lisboa crioula B. Leza, Jamaica, Santos, Cais do Sodré Tito e a Casa da Morna A melhor cachupa, semba, funaná
Meninos de Momprolé Vindos de longe, São Tomé Meninos de Momprolé Meninos de Momprolé De Cabo Verde ou Guiné Meninos de Momprolé
Lisboa, és a mais crioula… Lisboa… Lisboa, és a mais crioula… Lisboa…
Letra e música: José Francisco Vieira Intérprete: Marenostrum (in CD “Rua do Peixe Frito”, Marenostrum/Alain Vachier Music Editions, 2019)
Nota: Rocha de Momprolé é uma localidade do concelho de Loulé, junto à estrada (EN 270) que liga a sede do concelho a Boliqueime.
Mim ter ouvido o fada na Severa
[ Marinheiro Americano ]
Mim ter ouvido o fada na Severa Cantada por Alfredo Marceneiro, Mim não perceber nada do que era E só ter apanhado bebedeira. Alfredo ter cantado o bacalhau E tudo ter na boca posto um rolha Mas mim fazer barulha no cançau E levar um camone, aqui no olha,
Ó fada, yes all-right! Lady Maria Alice Ter cantado quatro fadas chatice… Ó fada, yes all-right! Mister Cascais Manuel! No guitarra, Armandinho, very well! Mim gostar muito de ouvir guitarradas E ouvir cantigas a desgraciadas… Ó fada, yes all-right! Mister Alberto Costa No corrido, choradinho, mim gosta.
Lady Leonor Fialho ter cantado Um cantiga no fado corridinho, Toda a gente a chorar ficar magoado Mas mim beber cerveja e beber vinho. Mim chamar o criado por ter sede E logo um fadista a dar chapada Por não ter visto escrito na parede: Silence, que se vai cantar o fada.
Ó fada, yes all-right! Lady Maria Alice Ter cantado quatro fadas chatice… Ó fada, yes all-right! Mister Cascais Manuel! No guitarra, Armandinho, very well! Mim gostar muito de ouvir guitarradas E ouvir cantigas a desgraciadas… Ó fada, yes all-right! Mister Alberto Costa No corrido, choradinho, mim gosta.
Letra: Amadeu do Vale Música: Alfredo Duarte “Marceneiro” Intérprete: Hermínia Silva (1966) (in CD “O Melhor de Hermínia Silva”, EMI-VC, 1990)
Mora num beco de Alfama
[ Madrugada de Alfama ]
Mora num beco de Alfama e chamam-lhe a Madrugada, e chamam-lhe a Madrugada; mas ela, de tão estouvada, não sabe como se chama nem sabe como se chama.
Mora numa água-furtada que é a mais alta de Alfama a que o sol primeiro inflama quando acorda a Madrugada, quando acorda a Madrugada. Mora numa água-furtada que é a mais alta de Alfama.
Nem mesmo na Madragoa ninguém compete com ela, ninguém compete com ela; que do alto da janela tão cedo beija Lisboa, tão cedo beija Lisboa.
E a sua colcha amarela faz inveja à Madragoa: Madragoa não perdoa que madruguem mais do que ela, que madruguem mais do que ela. E a sua colcha amarela faz inveja à Madragoa.
Mora num beco de Alfama e chamam-lhe a Madrugada, e chamam-lhe a Madrugada; são mastros de luz doirada os ferros da sua cama, os ferros da sua cama.
E a sua colcha amarela a brilhar sobre Lisboa, é como estatua de proa que anuncia a caravela, que anuncia a caravela; a sua colcha amarela a brilhar sobre Lisboa.
E a sua colcha amarela a brilhar sobre Lisboa.
Letra: David Mourão-Ferreira Música: Alain Oulman Intérprete: Amália Rodrigues (in “Com Que Voz”, 1970, reed. EMI-VC, 1988; CD “O Melhor de Amália – Estranha Forma de Vida”, EMI-VC, 1985, reed. 1995)
Nasce o vento da manhã
[ Contigo por Lisboa ]
Nasce o vento da manhã, Fim da tarde calmaria; Nascem lábios de romã Com ardor de meio-dia.
Fico tão dentro de mim Se por ti em mim não estou; Quem me dera ser assim Se não fosse assim que sou! Fico tão dentro de mim Se por ti em mim não estou.
Madrugada pela proa, Pelo mastro livre a vela; As colinas de Lisboa São do vento caravela.
Se não fosse ser assim Como ser como quem sou? Ficas tão dentro de mim Que por ti eu sou quem sou! Se não fosse ser assim Como ser como quem sou?
Nasce o vento da manhã, Fim da tarde calmaria; Nascem lábios de romã Com ardor de meio-dia.
Se não fosse ser assim Como ser como quem sou?
Letra: João Gigante-Ferreira Música: André Teixeira Intérprete: Helena Sarmento Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)
Não queiram mal a quem canta
[ Fado Lisboeta ]
Não queiram mal a quem canta Quando uma garganta Em ais se desgarra E a mágoa já não é tanta Se a confessar à guitarra Quem canta sempre se ausenta Da hora cinzenta Da sua amargura Não sente a cruz tão pesada Na longa estrada Da desventura
Eu só entendo o fado Plangente, amargurado À noite a soluçar baixinho Que chega ao coração Num tom magoado Tão frio como as neves do caminho Que chora uma saudade Ou canta a ansiedade De quem tem por amor chorado Dirão que isto é fatal É natural Mas é lisboeta Isto é que é o fado
Oiço guitarras vibrando E vozes cantando Na rua sombria As luzes vão-se apagando A anunciar que é já dia Fecho em silêncio a janela Já se ouvem na viela Rumores de ternura Surge a manhã fresca e calma Só em minha alma É noite escura
Eu só entendo o fado Plangente, amargurado À noite a soluçar baixinho Que chega ao coração Num tom magoado Tão frio como as neves do caminho Que chora uma saudade Ou canta a ansiedade De quem tem por amor chorado Dirão que isto é fatal É natural Mas é lisboeta Isto é que é o fado
Letra: Amadeu do Vale Música: Carlos Dias Intérprete: Amália Rodrigues (1957) (in CD “Fado Amália”, Movieplay, 1998) Outras versões: Maria Ana Bobone (in CD “Meu Nome é Nome de Mar”, Farol, 2006); Raquel Tavares (in CD “Raquel Tavares”, Movieplay, 2006)
Nas ruas de Lisboa
[ Fado Insulano ]
Nas ruas de Lisboa Meu fado insulano Ondas do mar soberano Num compasso de lonjura Meu canto ainda ecoa No cais das descobertas Destas rotas tão incertas Só meu fado ainda perdura Ó saudade, sentimento, solidão O meu fado vagabundo Prisioneiro de um desejo Ó saudade, sentimento, solidão Ondas do mar tão profundo Que querem beijar o Tejo Sonhei que uma ganhoa Cruzava o Bairro Alto Deste inquieto sobressalto Se fez a minha viagem D’Alfama à Madragoa Percorro a tua esteira Vem canoa baleeira Arpoar uma miragem Ó saudade, sentimento, solidão O meu fado vagabundo Prisioneiro de um desejo Ó saudade, sentimento, solidão Ondas do mar tão profundo Que querem beijar o Tejo
Nas vozes de veludo Que a noite insinua Vem rasgar doce falua Meu amargo cancioneiro Lisboa e Tejo e tudo Quimera, desengano Este meu canto profano Há-de ser teu prisioneiro Ó saudade, sentimento, solidão O meu fado vagabundo Prisioneiro de um desejo Ó saudade, sentimento, solidão Ondas do mar tão profundo Que querem beijar o Tejo Ó saudade, sentimento, solidão O meu fado vagabundo Prisioneiro de um desejo Ó saudade, sentimento, solidão Ondas do mar tão profundo Que querem beijar o Tejo
Letra e música: José Medeiros (Ao Gil e à Teresa) Arranjo: José Medeiros, com a colaboração de todos os músicos Intérprete: José Medeiros com Rui Veloso (in Livro/2CD “Fados, Fantasmas e Folias”: CD 1, Algarpalcos, 2010)
Nasce o dia na cidade
[ Fado da Saudade ]
Nasce o dia na cidade Que me encanta Na minha velha Lisboa De outra vida E com o nó de saudade Na garganta Escuto um fado Que se entoa à despedida
Foi nas tabernas de Alfama Em hora triste Que nasceu esta canção O seu lamento Na memória dos que vão
Letra: Fernando Pinto do Amaral Música: Fado Menor Intérprete: Carlos do Carmo (in CDs “Fados”, EMI, 2007; “À Noite”, TugaLand/Universal, 2007)
No castelo, ponho um cotovelo
[ Lisboa menina e moça ]
No castelo, ponho um cotovelo, em Alfama, descanso o olhar e assim desfaz-se o novelo de azul e mar. À Ribeira encosto a cabeça, a almofada, na cama do Tejo com lençóis bordados à pressa na cambraia de um beijo.
Lisboa menina e moça, menina na luz que meus olhos vêem tão pura. Teus seios são as colinas, varina, pregão que me traz à porta, ternura. Cidade a ponto luz bordada, toalha à beira mar estendida, Lisboa menina e moça, amada, c idade mulher da minha vida.
No Terreiro, eu passo por ti, mas da Graça eu vejo-te nua. Quando um pombo te olha, sorri, És mulher da rua e no Bairro mais Alto do sonho ponho o fado que soube inventar, aguardente de vida e medronho que me faz cantar.
Lisboa menina e moça, menina na luz que meus olhos vêem tão pura. Teus seios são as colinas, varina, pregão que me traz à porta ternura. Cidade a ponto luz bordada, toalha à beira mar estendida, Lisboa menina e moça, amada, cidade mulher da minha vida.
Letra: Ary dos Santos Música: Paulo de Carvalho Intérprete: Carlos do Carmo (in “Uma Canção Para a Europa”, 1976)
https://www.youtube.com/watch?v=cKVrc3htTPE
No centro da Avenida
[ Teresa Torga ]
No centro da Avenida, No cruzamento da rua, Às quatro em ponto, perdida Dançava uma mulher nua.
A gente que via a cena Correu para junto dela No intuito de vesti-la, Mas surge António Capela
Que aproveitando a barbuda Só pensa em fotografá-la. Mulher na democracia Não é biombo de sala.
Dizem que se chama Teresa, Seu nome é Teresa Torga; Muda o ‘pick-up’ em Benfica E atura a malta da borga.
Aluga quartos de casa Mas já foi primeira estrela; Agora é modelo à força, Que o diga António Capela.
T’resa Torga, T’resa Torga Vencida numa fornalha! Não há bandeira sem luta, Não há luta sem batalha!
T’resa Torga, T’resa Torga Vencida numa fornalha! Não há bandeira sem luta, Não há luta sem batalha!
Letra e música: José Afonso Arranjo: Paulo Loureiro e José Salgueiro Intérprete: Ana Laíns (in CD “Portucalis”, Ana Laíns/Seven Muses, 2017) Versão original: José Afonso (in LP “Com as Minhas Tamanquinhas”, Orfeu, 1976, reed. Movieplay, 1987, 1996, Art’Orfeu Media, 2012)
José Afonso, Com as minhas tamanquinhas
No Chiado à tardinha
[ Leitaria Garrett ]
No Chiado à tardinha, às vezes, Sorridentes vão de mão na mão, Bons rapazes, são bons portugueses Ai madame a sua indigestão
Ideal das empregaditas A finória vai um figurino Tão carcaça, veste muitas chitas Diz olé! Pró Montefiorino
Leitaria Garrett dá cá o pé Ai tira a mão, João, Da coxa doce, Já está, antes não fosse… O Saricoté, foi parar à Marques Lá prás Belas-Artes…
Assim mesmo á que é! (Diz o progresso) Chá com torradas, João, P’ra onde é que eu vou, Já fui, mas já não sou Linda mocidade, foi-se o Sol embora, Fica-me a Saudade…
Letra e música: Vitorino Intérprete: Vitorino (in “Leitaria Garrett”, EMI-VC, 1984, reed. 1993)
Noutro tempo a fidalguia
[ Embuçado ]
Noutro tempo a fidalguia Que deu brado nas toiradas Andava p’la Mouraria Onde muito falar se ouvia Dos cantos e guitarradas
A história que eu vou contar Contou-me certa velhinha Certa vez que eu fui cantar Ao salão de um titular Lá para o paço da rainha
E nesses salão doirado De ambiente nobre e sério Para ouvir cantar o Fado Ia sempre um Embuçado Personagem de mistério.
Mas certa noite houve alguém Que lhe disse, erguendo a fala: – Embuçado, nota bem: Que hoje não fique ninguém Embuçado nesta sala!
Perante a admiração geral Descobriu-se o Embuçado Era El-Rei de Portugal Houve beija-mão real E depois cantou-se o Fado.
Letra e música: João Ferreira Rosa Intérprete: João Ferreira Rosa (in CD “Biografia do Fado”, EMI-VC, 1994)
O Amarelo da Carris
O Amarelo da Carris vai de Alfama à Mouraria, quem diria! Vai da Baixa ao Bairro Alto, trepa à Graça em sobressalto, sem saber geografia.
O Amarelo da Carris já teve um avô outrora, que era o “chora”. Teve um pai americano, foi inglês por muito ano, só é português agora!
Entram magalas, costureiras; descem senhoras petulantes, entre a verdade, os beliscos e as peneiras, fica tudo como dantes.
Quero um de quinze p’rá Pampulha, já é mais caro este transporte; e qualquer dia mudo a agulha porque a vida está pela hora da morte!
O Amarelo da Carris tem misérias à socapa que ele tapa. Tinha bancos de palhinha, hoje tem cabelos brancos, e os bancos são de napa.
No amarelo da Carris já não há “pode seguir” para se ouvir. Hoje o pó que o faz andar é o pó do lava-lar com que ele se foi cobrir.
Quando um rapaz empurra um velho, ou se machuca uma criança, então a gente vê ao espelho o atropelo e a ganância que nos cansa.
E quando a malta fica à espera, é que percebe como é: passa à pendura o pendura que não paga e não quer andar a pé.
O Amarelo da Carris já teve um avô outrora, que era o “chora”. Teve um pai americano, foi inglês por muito ano, só é português agora!
Quando um rapaz empurra um velho, ou se machuca uma criança, então a gente vê ao espelho o atropelo e a ganância que nos cansa.
Entram magalas, costureiras; descem senhoras petulantes, entre a verdade, os beliscos e as peneiras, fica tudo como dantes.
Letra: José Carlos Ary dos Santos Música: José Luís Tinoco Intérprete: Mariza (in CD “Novo Homem na Cidade”, Universal, 2004) Versão original: Carlos do Carmo (in “Um Homem na Cidade”, Trova, 1977; reed. UPAV, 1991; Philips/Polygram, 1995)
O dia já se fez notar
[ Um Dia de Lisboa ]
O dia já se fez notar O rio acena com neblina Um eléctrico a passar Dá bom-dia em cada esquina Gostei de te ouvir falar Vens de longe, moras cá Tanta rua a palmilhar E os segredos que p’ra aí há
Il y a de l’amour Il y a du glamour Il y a de la joie pour tous les jour Il n’y a que toi Il n’y a que nous Le monde s’est donné Rendez-vous
Lisboa está fantástica, romântica, exótica Lisboa está fantástica, e é tão bom aqui estar Lisboa está fantástica, romântica, exótica Lisboa está fantástica, e é tão bom aqui estar
‘Rasta’, fado e ceviche, A partida adiada O Castelo, a sanduíche Mouraria já esgotada Hostel, saudade e ‘low-cost’ Olha a Bica a fervilhar A Ribeira põe um ‘post’: “Quem quer vir p’ra cá morar?”
Et les amis, et la folie On est bienvenu ici Il fait si beau, Il fait si chaud Quelqu’un ma donné un cadeau
Lisboa está fantástica, romântica, exótica Lisboa está fantástica, e é tão bom aqui estar Lisboa está fantástica, romântica, exótica Lisboa está fantástica, e é tão bom aqui estar
O dia a começar A marca do teu beijo Reflecte na parede Forrada a azulejo Não sei de onde vens Nem vou perguntar Vá lá, faz-me sorrir! Diz-me que vais cá ficar!
Il fait si beau, Il fait si chaud Quelqu’un ma donné un cadeau Et les amis, et la folie On est bienvenu ici
Lisboa está fantástica, romântica, exótica Lisboa está fantástica, e é tão bom aqui estar Lisboa está fantástica, romântica, exótica Lisboa está fantástica, e é tão bom aqui estar
Letra e música: Sebastião Antunes Intérprete: Sebastião Antunes & Quadrilha* (ao vivo no Estúdio 3 da Rádio e Televisão de Portugal, Lisboa) Versão original: Sebastião Antunes & Quadrilha com Viviane (in CD “Perguntei ao Tempo”, Sebastião Antunes/Alain Vachier Music Editions, 2019)
O que tem esta Lisboa?
[ A Sina em Portugal ]
O que tem esta Lisboa? Que beco me enlaça a alma? Os trinados da guitarra ou o frio da noite calma?
Sempre que regresso a casa, não há outra como ela; deixo lá a minha asa pendurada na janela.
A canção de Lisboa: é fado. Amar em português: é fado. A sina em Portugal: é fado, mas cantar sem emoção não é.
Já tentei perceber que chamamento nos cala; O que mais hei-de eu fazer senão arrumar a mala!
Por baixo dum céu azul o que o Tejo dá não tira: sete colinas ao Sul só para dançar um vira.
A canção de Lisboa: é fado. Amar em português: é fado. A sina em Portugal: é fado, mas cantar sem emoção não é.
No bairro já se dorme, com o silêncio da noite; De repente o fado acorda e corta como uma foice.
Sai guitarra e sai viola, “sai da cama, ó manganão!”, vai cantar a Deolinda. Vai mais um fadinho ou não?
A canção de Lisboa: é fado. Amar em português: é fado. A sina em Portugal: é fado, mas cantar sem emoção não é.
A canção de Lisboa: é fado. Amar em português: é fado. A sina em Portugal: é fado, mas cantar sem emoção não é.
A canção de Lisboa: é fado. Amar em português: é fado. A sina em Portugal: é fado, mas cantar sem emoção não é.
Pois é!
Letra e música: José Barros Intérpretes: José Barros & Mimmo Epifani* Versão original: José Barros & Mimmo Epifani (in CD “Mar da Lua”, José Barros/Tradisom, 2015)
Ó rua do Capelão
[ Novo Fado da Severa (Rua do Capelão) ]
Ó rua do Capelão Juncada de rosmaninho Se o meu amor vier cedinho Eu beijo as pedras do chão Que ele pisar no caminho.
Há um degrau no meu leito, Que é feito pra ti somente Amor, mas sobe com jeito Se o meu coração te sente Fica-me aos saltos no peito.
Tenho o destino marcado Desde a hora em que te vi Ó meu cigano adorado Viver abraçada ao fado Morrer abraçada a ti.
Letra: Júlio Dantas Música: Frederico de Freitas Intérprete: Dina Teresa (in filme “A Severa”, de José Leitão de Barros, 1931) Outra versão: Amália Rodrigues (in CD “Abbey Road 1952”, EMI-VC, 1992)
Parava no café
[ Os loucos de Lisboa ]
Parava no café quando eu lá estava Na voz tinha o talento dos pedintes Entre um cigarro e outro lá cravava A bica, ao melhor dos seus ouvintes
As mãos e o olhar da mesma cor Cinzenta como a roupa que trazia Num gesto que podia ser de amor Sorria, e ao partir agradecia
São os loucos de Lisboa Que nos fazem duvidar A Terra gira ao contrário E os rios nascem no mar
Um dia numa sala do quarteto Passou um filme lá do hospital Onde o esquecido filmado no gueto Entrava como artista principal
Comprámos a entrada p’ra sessão Pra ver tal personagem no écran O rosto maltratado era a razão Não aparecer pela manhã
São os loucos de Lisboa Que nos fazem duvidar A Terra gira ao contrário E os rios nascem no mar
Mudámos muita vez de calendário Como o café mudou de freguesia Deixámos de tributo a quem lá pára Um louco a fazer-lhe companhia
E sempre a mesma posse o mesmo olhar De quem não mede os dias que vagueiam Sentado lá continua a cravar Beijinhos às meninas que passeiam.
São os loucos de Lisboa Que nos fazem duvidar A Terra gira ao contrário E os rios nascem no mar
Letra: João Monde Música: João Gil Intérprete: Ala dos Namorados
Quando eu era rapazote
[ Fado do Cacilheiro ]
Quando eu era rapazote, Levei comigo no bote Uma varina atrevida. Manobrei, e gostei dela, E lá me atraquei a ela P’ró resto da minha vida.
Às vezes, numa pessoa, A idade não perdoa, Faz bater o coração! Mas tenho grande vaidade Em viver a mocidade Dentro desta geração!…
Sou marinheiro Deste velho cacilheiro, Dedicado companheiro, Pequeno berço do povo. E navegando… A idade vai chegando… Ai… o cabelo branqueando… Mas o Tejo é sempre novo.
Todos moram numa rua A que chamam sempre sua, Mas eu cá não os invejo: O meu bairro é sobre as águas Que cantam as suas mágoas, E a minha rua é o Tejo.
Certa noite de luar, Vinha eu a navegar E de pé, junto da proa, Eu vi, ou então sonhei, Que os braços do Cristo-Rei Estavam a abraçar Lisboa.
Sou marinheiro Deste velho cacilheiro, Dedicado companheiro, Pequeno berço do povo. E navegando… A idade vai chegando… Ai… o cabelo branqueando… Mas o Tejo é sempre novo.
Letra: Paulo da Fonseca Música: Carlos Dias Intérprete: Zé Francisco & Orquestra Azul* (in CD “Caminho de Mar e Luz”, José Francisco Vieira/Alain Vachier Music Editions, 2013) Versão original (“Zé Cacilheiro”): José Viana (revista “Zero, Zero, Zero – Ordem para Matar”, 1966, Teatro Variedades) (in single “Zé Cacilheiro”, A Voz do Dono/EMI, 1966; 2CD “Parque Mayer”: CD 1, EMI-VC, 2003; CD “Para uma História do Fado: Os Fados do Teatro e do Cinema”, col. O Fado do Público, vol. 12, EMI-VC / Corda Seca / Público, 2004; CD “O Melhor de José Viana”, Edições Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2009)
Quis que esta morna quebrasse
[ A Morna de “Nha” Lisboa ]
Quis que esta morna quebrasse Toda a distância do mar Misturando um fado antigo E um tom crioulo a cantar; E a ouro e prata vos digo Que soube bem misturar.
Senti do Castelo o teu Sal, Em Alfama gingaram crioulas; São Vicente em arraial Dançava pela Madragoa. São Vicente em arraial Dançava pela Madragoa.
Quis que esta morna acordasse O meu Cacau da Ribeira E a Varina apregoasse Ao ritmo duma coladeira, E o Tejo ao fundo bailasse Ao teu jeito, “bo manera”.
Chorai, ó guitarras, chorai! Que Alfama da velha Lisboa Sem vergonha, junta vai Com a morna nascida em Lisboa. Sem vergonha, junta vai Com a morna nascida em Lisboa.
Quis que esta morna passasse Aquelas noites das boas E no Bairro Alto cantasse O Tejo e suas canoas; E em voz crioula bordasse O fado de “nha” Lisboa.
Tocai, ó guitarras, tocai! Que o fado crioulo ecoa E as gargantas cantam ai… «Sôdade de “nha” Lisboa». E as gargantas cantam ai… «Sôdade de “nha” Lisboa».
Tocai, ó guitarras, tocai! Que o fado crioulo ecoa E as gargantas cantam ai… «Sôdade de “nha” Lisboa». E as gargantas cantam ai… «Sôdade de “nha” Lisboa».
Tocai, ó guitarras, tocai! Que o fado crioulo ecoa E as gargantas cantam ai… «Sôdade de “nha” Lisboa». E as gargantas cantam ai… «Sôdade de “nha” Lisboa».
Letra: Rogério Oliveira Música: Fernando Pereira Intérprete: Real Companhia Primeira versão de Real Companhia, com Rui Veloso (in CD “Serranias”, Tê, 2013; CD “20 Anos Já Cá Cantam” (compilação), Tê, 2016) Versão original: Lenita Gentil (in CD “Momentos”, Ovação, 2012)
Se uma gaivota viesse
[ Gaivota ]
Se uma gaivota viesse Trazer-me o céu de Lisboa No desenho que fizesse, Nesse céu onde o olhar É uma asa que não voa, Esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração No meu peito bateria, Meu amor, na tua mão, Nessa mão onde cabia Perfeito o meu coração.
Se um português marinheiro, Dos sete mares andarilho, Fosse, quem sabe, o primeiro A contar-me o que inventasse, Se um olhar de novo brilho No meu olhar se enlaçasse.
Que perfeito coração No meu peito bateria, Meu amor, na tua mão, Nessa mão onde cabia Perfeito o meu coração.
Se ao dizer adeus à vida As aves todas do céu, Me dessem na despedida O teu olhar derradeiro, Esse olhar que era só teu, Amor, que foste o primeiro.
Que perfeito coração Morreria no meu peito, Meu amor, na tua mão, Nessa mão onde perfeito Bateu o meu coração.
Meu amor, na tua mão, Nessa mão onde perfeito Bateu o meu coração.
Letra: Alexandre O’Neill Música: Alain Oulman Intérprete: Paulo de Carvalho (in “Gostar de Ti”, CBS, 1990; “Fados Meus”, BMG Ariola, 1996) Versão original: Amália Rodrigues (in “Fado Português”, Columbia/VC, 1965, reed. EMI-VC, 1992; “O Melhor de Amália – Estranha Forma de Vida”, EMI-VC, 1985, reed. 1995) Outra versão: Carlos do Carmo (in “A Arte e a Música de Carlos do Carmo”, Polygram, 1982)
Sei de um rio
Sei de um rio… Sei de um rio Em que as únicas estrelas, Nele sempre debruçadas, São as luzes da cidade.
Sei de um rio… Sei de um rio Rio onde a própria mentira Tem o sabor da verdade. Sei de um rio…
Meu amor, dá-me os teus lábios! Dá-me os lábios desse rio Que nasceu na minha sede! Mas o sonho continua…
E a minha boca (até quando?) Ao separar-se da tua Vai repetindo e lembrando: “— Sei de um rio… Sei de um rio…”
Meu amor, dá-me os teus lábios! Dá-me os lábios desse rio Que nasceu na minha sede! Mas o sonho continua…
E a minha boca (até quando?) Ao separar-se da tua Vai repetindo e lembrando: “— Sei de um rio… Sei de um rio…”
Sei de um rio… Ai! Até quando?
Letra: Pedro Homem de Mello Música: Alain Oulman Intérprete: Camané Versão original: Camané (in CD “Sempre de Mim”, EMI, 2008; 2CD “Camané: O Melhor 1995-2013 (Edição Especial)”: CD 1, EMI, 2013) Outra versão: Camané (in CD/DVD “Ao Vivo no Coliseu: Sempre de Mim”, EMI, 2009)
Sete colinas
[ Senhora do Tejo ]
Sete colinas, Sete versos de Lisboa, Sete poemas de rimas Nos olhos de uma pessoa.
És a cidade Mais linda que tem o mar; És a Rua da Saudade Que trago no meu olhar.
Tens Madragoa e Alfama E um Castelo de saudade, Que dorme na tua cama Desde a tua mocidade.
Lisboa da Mouraria, Do Bairro Alto velhinho; E é no Jardim da Alegria A Praça do nosso hino.
E ficas tão engraçada Com a Graça lá no alto, Que veste a saia engomada P’ra vir à Baixa num salto.
E a Rua Augusta Emoldurando um navio, Que atravessa a Santa Justa Para vir beijar o Rossio.
É no Terreiro Onde eu passo e me revejo, Neste amor que eu te tenho Senhora, mulher do Tejo.
Tens Madragoa e Alfama E um Castelo de saudade, Que dorme na tua cama Desde a tua mocidade.
Lisboa da Mouraria, Do Bairro Alto velhinho; E é no Jardim da Alegria A Praça do nosso hino.
E ficas tão engraçada Com a Graça lá no alto, Que veste a saia engomada P’ra vir à Baixa num salto.
E ficas tão engraçada Com a Graça lá no alto, Que veste a saia engomada P’ra vir à Baixa num salto.
Letra: José Luís Gordo (inicialmente creditado como Luís Alcaria) Música: José Fontes Rocha Intérprete: Joana Amendoeira (in CD “Amor Mais Perfeito: Tributo a José Fontes Rocha”, CNM, 2012) Versão original: Maria da Fé (in LP “Fados”, Riso & Ritmo, 1978; LP “Meu País, Meu Fado”, Movieplay, 1985, reed. Movieplay, 1991, 2005; CD “Maria da Fé”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 33, Movieplay, 1994; 2CD “Maria da Fé: Nome de Fado: Antologia”: CD 1, Movieplay, 2005) Outra versão de Maria da Fé (in CD/DVD “Maria da Fé: 50 Anos de Carreira: ao Vivo no Coliseu de Lisboa”, Ovação, 2009) Outra versão: OqueStrada (in CD “Tasca Beat: o Sonho Português” (2.ª edição), Sony Music, 2010)
Sonhei contigo Lisboa
[ Minha Lisboa Cidade ]
Intérprete: Teresa Tapadas
Sou o Bairro Alto
[ Marcha do Bairro Alto – 1995 ]
Sou o Bairro Alto E olho sempre de alto P’rás tristezas que Lisboa tem; Sou o Bairro Alto Pronto a dar o salto Para um tempo novo que aí vem; Todo o bom filho sai Conforme os pais que tem: O Fado é meu pai, Lisboa minha mãe, E eles cantando Vão-me preparando Para um tempo novo que aí vem.
Nem quando foi dos terramotos do Marquês, Nem com as maldades que o Fado sempre lhe fez… Do Bairro Alto, cá no alto, eu vi Lisboa a chorar; Deu sempre a volta, pôs-me à solta e ensinou-me a cantar.
O tempo corre, mas a vida continua; Lisboa morre por sair comigo à rua: Fez uma marcha ao meu jeito, Vestiu-me a preceito E cá vou eu a desfilar.
Sou o Bairro Alto E olho sempre de alto P’rás tristezas que Lisboa tem; Porque ela cantando Me foi preparando Para um tempo novo que aí vem; O Fado é meu pai, Lisboa minha mãe, E um bom filho sai Conforme os pais que tem.
Sou o Bairro Alto Pronto a dar o salto Para um tempo novo que aí vem; Nem quando foi seu coração incendiado Ou quando viu o Parque Mayer apagado… Do Bairro Alto, cá no alto, eu vi Lisboa a chorar; Do que era pranto fez um canto e ensinou-me a cantar.
O tempo corre, é a marcha desta vida; Lisboa morre por ver a sua Avenida Cheia de gente tão diferente A ver-me tão contente Por ela abaixo a desfilar.
Sou o Bairro Alto E olho sempre de alto P’rás tristezas que Lisboa tem, Porque ela cantando Me foi preparando Para um tempo novo que aí vem; O Fado é meu pai Lisboa minha mãe, E um bom filho sai Conforme os pais que tem; Sou o Bairro Alto Pronto a dar o salto Para um tempo novo que aí vem.
O tempo corre, mas a vida continua; Lisboa morre por sair comigo à rua: Fez uma marcha ao meu jeito Vestiu-me a preceito E cá vou eu a desfilar.
Sou o Bairro Alto E olho sempre de alto P’rás tristezas que Lisboa tem; Sou o Bairro Alto Pronto a dar o salto Para um tempo novo que aí vem.
Letra e música: José Mário Branco Intérprete: Camané Versão original: Camané (in CD “Pelo Dia Dentro”, EMI-VC, 2001; 2CD “Camané: O Melhor 1995-2013 (Edição Especial)”: CD 1, EMI, 2013) Outra versão: Camané (in DVD “Ao Vivo no S. Luiz”, EMI, 2006)
Tal qual esta Lisboa
[ Lisboa Oxalá ]
Tal qual esta Lisboa, roupa posta à janela, Tal qual esta Lisboa, roxa jacarandá, Sei de uma outra Lisboa, de avental e chinela, Ai Lisboa fadista de Alfama e oxalá.
Lisboa lisboeta da noite mais escura De ruas feitas sombra, de noites e vielas, Pisa o chão, pisa a pedra, pisa a vida que é dura, Lisboa tão sozinha, de becos e ruelas.
Mas o rosto que espreita por detrás da cortina É o rosto de outrora feito amor, feito agora. Riso de maré viva numa boca ladina Riso de maré cheia num beijo que demora.
E neste fado o deixo esquecido aqui ficar Lisboa sem destino que o fado fez cantar, Cidade marinheira sem ter de navegar Caravela da noite que um dia vai chegar.
Letra: Nuno Júdice Música: Joaquim Campos (Fado Alexandrino) Intérprete: Carlos do Carmo (in CD “À Noite”, Universal/Tugaland, 2007)
Tens a mania de usar
[ Gaiata dos Beijos Doces ]
Tens a mania de usar Rosas presas no cabelo; Já tentei não te ligar Mas acabo por fazê-lo.
As rosas ficam-te bem, Não tenho dúvida alguma; Posso garantir, porém, Que não te dou mais nenhuma.
Que não te dou mais nenhuma; Posso garantir, porém, Que não te dou mais nenhuma, Não tenho dúvida alguma.
Atropelamento e fuga Sem quaisquer danos visíveis: Gaiata dos beijos doces E das noites impossíveis.
Tens a mania de andar Num baloiço emocional: Tu pedes para empurrar E dizes que empurro mal.
És confusão instalada, Nevoeiro no caminho: Eu chego de madrugada E durmo sempre sozinho.
E durmo sempre sozinho; Eu chego de madrugada E durmo sempre sozinho, E durmo sempre sozinho.
Atropelamento e fuga Sem quaisquer danos visíveis: Gaiata dos beijos doces E das noites impossíveis.
Atropelamento e fuga Sem quaisquer danos visíveis: Gaiata dos beijos doces E das noites impossíveis.
Letra: Duarte (Fevereiro de 2011) Música: Tozé Brito Intérprete: Duarte (in CD “Sem Dor Nem Piedade”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2015)
Toda a saudade é fingida
[ Covers ]
Toda a saudade é fingida: A tristeza disfarçada; Parecem já não ter vida, De fado não têm nada.
Já não são fados, são ‘covers’: Imitações desalmadas, Reproduções do destino Tantas vezes tão cantadas.
Esses que tentam viver Aquilo que outros viveram Acabam por se perder No tanto que não fizeram.
Vampiragem pós-moderna Da Lisboa dos turistas: Falam da velha taberna Mas querem ser futuristas.
Letra: Duarte Música: João do Carmo Noronha (Fado Pechincha) Intérprete: Duarte (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)
Trago um fado no meu canto
[ Meu Fado Meu ]
Trago um fado no meu canto Canto a noite até ser dia Do meu povo trago o pranto Do meu canto a Mouraria
Tenho saudades de mim Do meu amor mais amado Eu canto um país sem fim O mar, terra, meu fado Meu fado, meu fado, meu fado
De mim só me falto eu Senhora da minha vida Do sonho digo que é meu E dou por mim já nascida
Trago um fado no meu canto Na minha alma bem guardado Bem por dentro do meu espanto À procura do meu fado Meu fado, meu fado, meu fado
Letra e música: Paulo de Carvalho Intérprete: Mariza & Miguel Poveda* (in CD “Fados”, EMI, 2007) Versão original: Mariza (in CD “Transparente”, EMI, 2005)
https://www.Meloteca.com/wp-content/uploads/2020/03/joana-amendoeira.jpg400400António Ferreirahttps://www.Meloteca.com/wp-content/uploads/2018/03/Logomarca-Meloteca-300x86.jpgAntónio Ferreira2020-05-07 00:08:122025-06-09 17:59:03Canções sobre Lisboa
Colmeias, Laços de aço forjado, Um suor doce-salgado Do rio que abraça o mar…
Na tempestade e na bonança, Onde navega a esperança, Rouco, o vento esforça a voz: Ânsias de chegar… de chegar à foz.
Inocentes moinhos de maré. Complacentes as casas alinhadas, Escuras, esfumadas; Prostradas à chaminé, Sentinela de obreiras exploradas… Noite e dia.
Outro tempo o dos Camarros, Que eram senhores do rio. E o pescado bem regado Com Bastardinho do Lavradio.
O vento arrasta o manto sufocante, Avista-se Seixal e Almada. Sente-se o cheiro da madrugada E o sabor da brisa siflante, Que acaricia a vela de um varino.
Lá em cima é a mina, Diz a douta menina. O Cristo é Rei e o burgo cresce. Vai de Cacilhas a burricada, Passa em Almada, cidade bela; Na Piedade espero por ela.
Que torrente de sentidos! Respiro na maré cheia. Nos meus sonhos proibidos, Na Caparica pesco a sereia.
Letra e música: Álvaro M. B. Amaro Intérprete: Dialecto Versão original: Dialecto (in CD “Aromas”, Dialecto/Cloudnoise, 2011)
Cristo Rei
De varino ou de falua
[ Beira-Tejo ]
De varino ou de falua, Vou da Moita a Alcochete Abraçar teus braços de água, Ver as Festas do Barrete.
Rio fadado, quantos laços Um cordão umbilical! Teus beijos aprisionados Em marinhas de sal.
Quantas canastras passaram Pelos braços extenuados, Na faina dos salineiros Que na Festa são forcados?!
Moita, Montijo, Alcochete, A faena é querida: O sangue pulsa nas veias, Vermelho na investida.
Tanta terra, tanto mar! Tanta história p’ra contar!
Estórias, estórias De Festa rija, De campos loiros, carícias, Moças, papoilas, conquistas.
Tanta terra e tanto mar! Tanta terra e tanto mar! Tanta terra e tanto mar! Tanta terra e tanto mar! Tanta terra!…
Letra e música: Álvaro M. B. Amaro Intérprete: Dialecto* Versão original: Dialecto (in CD “Aromas”, Dialecto/Cloudnoise, 2011)
Reciclanda
O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.
Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos.
Contacte-nos:
António José Ferreira 962 942 759
Desembarquei numa Angra de saudade
[ Terceira Meu Fado ]
Intérprete: Fadoalado
Indo eu caminho abaixo
[ Amphiguris ]
Indo eu caminho abaixo, Por um caminho que não vi, Encontrei a minha cabra, Cabra que não era minha. Vi pereiras com maçãs, Subi, colhi avelãs, Veio o dono das romãs: Que lhe importam estas uvas Qu’estão em faval alheio?
N’esta idade qu’inda tenho, Ninguém viu mais do que eu, Vi até entre uma hora, A cidade de Viseu. Vi a torre de Almeirim, Lutar com uma formiga, Qual de baixo, qual de riba, Fez-lhe sangue na barriga;
Acolheu-se a uma toca De lá veio uma minhoca. Sete porcos vi na eira, Debulhar um calcadoiro, Tudo isto eu vi jogar, E mai-lo jogo do toiro. Também vinha na companha Uma loba a pedir p’ra presos, Com sete sacas de novelos, Nas ancas de um carrapato, Também no caminho vi, Um pisco a vender tabaco.
Letra: Popular (Algarve) Música: Amélia Muge Intérprete: Amélia Muge (in CD “Taco a Taco”, Polygram, 1998)
Já que aqui estou
[ Viva Quem Canta ]
Já que aqui estou Vou-lhes agora contar De mil pessoas feitos vida Desta vida atribulada Desta vida de cantar
Se sobrar peito Depois de mil melodias Depois de tantas palavras Tantas terras tantas estradas Tantas noites tantos dias
Viva quem canta Que quem canta é quem diz Quem diz o que vai no peito No peito vai-me um país
No Algarve mandei baile Toquei adufes na Beira Em Trás-os-Montes aprendi A bombar como um Zé Pereira
Mundo fora dei abraços Nos Açores e na Madeira Deixei amigos do peito E em casa cantei na eira
Viva quem canta Que quem canta é quem diz Quem diz o que vai no peito No peito vai-me um país
Trago nos dedos malhões Toquei rondas de caminho No Douro aprendi janeiras Dancei as chulas no Minho
No Alentejo fica o peito Da planície de cantar No fado colhi o jeito De um país por inventar
Viva quem canta Que quem canta é quem diz Quem diz o que vai no peito No peito vai-me um país
Cantei no alto de um monte Num tractor ou num celeiro Para vinte ou vinte mil E das palavras fiz viveiro
Para quem canta por cantar Pouco mais se pediria Mas quem canta para sentir Para explicar-se e para ser Pensem só quanto haveria Ainda por dizer
Letra e música: Pedro Barroso Intérprete: Pedro Barroso (in “Do Lado de Cá de Mim”, Rádio Triunfo, 1983; reed. Movieplay, 2003; CD “Cantos d’Oxalá”, CD Top, 1996)
Minha terra não tem rios
[ Quadras dum Dia Sozinho ]
Minha terra não tem rios, Minha terra não tem mar; Mas todos os meus vazios Vão à minha terra dar.
Meu amor nunca lá foi, Meu amor nunca me quis; Eu vivo do que não foi Com tudo o mais que não fiz.
Indiferença no sentir, À-vontade no calar… Acredito que há-de vir No dia em que não vou estar.
Minha terra não tem rios, Minha terra não tem mar; Vão-se embora os meus vazios Quando o meu amor chegar.
«Minha terra não tem rios, Minha terra não tem mar; Mas todos os meus vazios Vão à minha terra dar.
Meu amor nunca lá foi, Meu amor nunca me quis; Eu vivo do que não foi Com tudo o mais que não fiz.
Indiferença no sentir, À-vontade no calar… Acredito que há-de vir No dia em que não vou estar.
Minha terra não tem rios, Minha terra não tem mar; Vão-se embora os meus vazios Quando o meu amor chegar.»
Meu amor nunca lá foi, Meu amor nunca me quis; Eu vivo do que não foi Com tudo o mais que não fiz.
Letra: Duarte (Março de 2011) Música: Carlos Manuel Proença e Duarte Intérprete: Duarte* com Albano Jerónimo (in CD “Sem Dor Nem Piedade”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2015)
No sonho se mede o encanto
[ Todavia Eu Sou Pastor ]
No sonho se mede o encanto que me dá esta alegria a saudade só me chama quando a noite se faz dia
As estrelas já eu sei que são luzes pequeninas como os ciganos que cantam dia e noite as suas sinas
Tenho o nome de uma pedra sou cascalho e vivo só passei toda a mocidade em casa de minha avó
Tinha fruta no quintal duas videiras verdosas um eucalipto crescido ao pé dum vaso de rosas
Bebi água em muitas fontes e vi estrelas lá no céu todavia eu sou pastor dum gado que não é meu
Sonhei guitarras e guizos ouvi poetas nas vendas cantando a vida dos pobres com os seus vícios e lendas
Comi uvas, bebi vinho vi lagartos e lebrões andei com velhos malteses assassinos e ladrões
Dormi a sesta nos montes levei porcos ao Barreiro andei nas feiras guardando o meu gado o ano inteiro
Lá nas moitas aprendi a ser aquilo que sou um camponês que não pensa nas coisas que já pensou
Da macela faço o chá e da esteva faço a cama a hortelã tira o sarro aos frutos verdes sem rama
Agarro a névoa aqui perto nas margens duma ribeira é na saudade que sinto que mato a minha canseira
Montei cavalos de Alter vi galgos de Montemor saltei valados e rios e compus versos de amor
É na lonjura que eu gozo o vento que vem do céu todavia eu sou pastor dum gado que não é meu
Poema: Antunes da Silva Música: Paco Bandeira Intérprete: Paco Bandeira (in LP “Todavia Eu Sou Pastor”, Decca/Valentim de Carvalho, 1975; CD “O Melhor de Paco Bandeira”, EMI-VC, 1989; CD “O Melhor de Paco Bandeira”, Valentim de Carvalho/Iplay, 2008) [? YouTube] Outra versão de Paco Bandeira (in CD “Uma Vida de Canções”, Farol Música, 2006)
Ó Coimbra do Mondego
[ Saudades de Coimbra ]
Letra: António de Sousa Música: Mário Faria Fonseca Intérprete: Edmundo de Bettencourt (in CD “Fados e baladas de Coimbra: Para Uma História do Fado”, EMI-VC/Corda Seca/Público, 2004) Outra versão: José Afonso (in “Fados de Coimbra e Outras Canções”, Orfeu, 1981, reed. Movieplay, 1987)
Ó Coimbra do Mondego E dos amores que eu lá tive Quem te não viu anda cego Quem te não ama não vive
Do Choupal até à Lapa Foi Coimbra os meus amores A sombra da minha capa Deu no chão, abriu em flor
Roendo uma laranja na falésia
[ Porto Covo ]
Letra: Carlos Tê Música: Rui Veloso Intérprete: Rui Veloso (in “Rui Veloso”, EMI-VC, 1986)
Roendo uma laranja na falésia Olhando o mundo azul à minha frente, Ouvindo um rouxinol nas redondezas, No calmo improviso do poente
Em baixo fogos trémulos nas tendas Ao largo as águas brilham como prata E a brisa vai contando velhas lendas De portos e baías de piratas
Havia um pessegueiro na ilha Plantado por um vizir de Odemira Que dizem que por amor se matou novo Aqui, no lugar de Porto Covo
A lua já desceu sobre esta paz E reina sobre todo este luzeiro À volta toda a vida se compraz Enquanto um sargo assa no brazeiro
Ao longe a cidadela de um navio Acende-se no mar como um desejo Por trás de mim o bafo do destino Devolve-me à lembrança do Alentejo
Havia um pessegueiro na ilha Plantado por um vizir de Odemira Que dizem que por amor se matou novo Aqui, no lugar de Porto Covo
Roendo uma laranja na falésia Olhando à minha frente o azul escuro Podia ser um peixe na maré Nadando sem passado nem futuro
Havia um pessegueiro na ilha Plantado por um vizir de Odemira Que dizem que por amor se matou novo Aqui, no lugar de Porto Covo
https://www.Meloteca.com/wp-content/uploads/2018/09/sobreiro-foto-guizel-j_portugal.jpg400400António Ferreirahttps://www.Meloteca.com/wp-content/uploads/2018/03/Logomarca-Meloteca-300x86.jpgAntónio Ferreira2020-05-07 00:04:252024-11-13 04:05:22Canções sobre Terras de Portugal
Ainda trago um gosto a trigo atrás de mim Que se me agarrou à alma ao nascer Sou como um carreiro longe de ter fim Como quem ceifou searas sem saber
Sou lá de onde ninguém fala das marés De onde o horizonte queima o olhar Por paixão ainda trago a arder nos pés O calor de uma seara por cortar
Já cantei desde a nascente até à hora do sol-pôr Já naveguei nas ribeiras ao luar Ai Alentejo quem te amou não te esqueceu E ainda se ouvem os teus ecos nas cantilenas do sol
O sol deu-me histórias velhas p’ra contar Que eu guardei de manhãzinha ao pé dum rio Em Janeiro roubei mantas ao luar E a um pastor roubei um tarro e um assobio
Já corri atrás dos corvos Já me escondi nos trigais Ouvi rolas nos sobreiros a arrulhar Ai Alentejo quem te amou não te esqueceu E ainda se ouvem os teus ecos cada vez que a lua cai
Letra e música: Sebastião Antunes Intérprete: Sebastião Antunes Versão discográfica anterior: Sebastião Antunes com Pedro Mestre (in CD “Singular”, Sebastião Antunes & Quadrilha/Alain Vachier Music Editions, 2017)
As pedras contam segredos
[ Mértola ]
As pedras contam segredos do rio e guardam lembranças do mar O sul traz a alma e a cor do Estio que a calma demora a espalhar A terra descobre tesouros que o vento nos vai contando devagar Mértola ai que tens tanto p’ra contar
Irmã das areias que o tempo guardou na terra onde dorme o calor Destino de moura que o sol coroou e dizem que foi por amor Se o Pulo do Lobo te leva pró sul desertos de cobre a ferver Mértola ai que tens tanto p’ra dizer
Pelo canto da tarde nas tardes do canto o encanto do sol a abalar Um deus ainda espreita p’la curva do rio que eu bem sei Mértola ai, Mértola ai
A noite é uma história das arcas do tempo e nem dá p’lo mundo a rodar O pio da coruja descansa no vento Invernos por adivinhar A vida tem gosto de mel e medronho caiada de paz e vagar Mértola ai que tens tanto p’ra contar
Segredos do mundo guardados no trigo, eterna vontade a florir Museu de mistérios, terreiro de abrigo, vontade de nunca partir Serás alma gémea das terras do sul, o sul diz que sim a sorrir Mértola ai que tens tanto p’ra sentir
Pelo canto da tarde nas tardes do canto o encanto do sol a abalar Um deus ainda espreita p’la curva do rio que eu bem sei Mértola ai, Mértola ai
Letra e música: Sebastião Antunes Intérprete: Quadrilha com a participação de Janita Salomé (in CD “A Cor da Vontade”, Vachier & Associados, 2003)
Reciclanda
O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.
Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração), realiza oficinas de música durante o ano letivo e dinamiza atividades em colónias de férias. Municípios, Escolas, Agrupamentos, Colégios, Festivais, Bibliotecas, CERCI, Centros de Formação, Misericórdias, Centros de Relação Comunitária, podem contratar serviços Reciclanda.
Contacte-nos:
António José Ferreira 962 942 759
Às vezes me ponho eu
[ A Vila de Castro Verde ]
Cantiga primeira:
Às vezes me ponho eu Na minha vida a pensar: Quem eu era, quem eu sou, Ao que eu havia chegar!
Moda:
A vila de Castro Verde És uma estrela brilhante: Como ela outra não há, És a mesma que eras dantes.
Letra e música: Popular (Alentejo) Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in CD “Modas”, Robi Droli, 1994; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD 1, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006) Outras versões: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in LP “Castro Verde É Nossa Terra”, Valentim de Carvalho, 1975); Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in CD “É Tão Grande o Alentejo”, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 1997)
Castro Verde, Casa da Dona Maria
Caminhos do Alentejo
Caminhos do Alentejo. Terra bravia de fomes com piteiras aceradas como pontas de navalhas em esperas de encruzilhadas! Caminhos do Alentejo. Desde valados e sebes, searas, vilas, aldeias e chuvas e descampados — caminhos do Alentejo desde menino vos piso!
Caminhos do Alentejo. Desde valados e sebes, searas, vilas, aldeias e chuvas e descampados — caminhos do Alentejo desde menino vos piso!
Caminhos do Alentejo Poema: Manuel da Fonseca (excerto inicial da parte I de “Para um poema a Florbela”) Música: Paulo Ribeiro Intérprete: Paulo Ribeiro com Vitorino (in CD “O Céu Como Tecto e o Vento Como Lençóis”, Açor/Emiliano Toste, 2017)
Castelo de Beja
Para um poema a Florbela
Manuel da Fonseca, in “Planície”, Coimbra: Novo cancioneiro, 1941; “Poemas Completos”, Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1958; “Poemas Completos”, pref. Mário Dionísio, 2.ª edição, Lisboa: Portugália Editora, 1963 – p. 119-133; “Poemas Completos”, pref. Mário Dionísio, 5.ª edição, Lisboa: Forja, 1975 – p. 129-140
I
Caminhos do Alentejo. Terra bravia de fomes com piteiras aceradas como pontas de navalhas em esperas de encruzilhadas! Caminhos do Alentejo. Desde valados e sebes, searas, vilas, aldeias e chuvas e descampados (sem manta de me abrigar, ai, sem Maria Campaniça!…) — caminhos do Alentejo, desde menino vos piso!
Charneca de vida a vida tolhida de solidão; névoa da água dos olhos… Rude coração pesado do coro de ganhões perdidos na sombra que cai do céu. Ladrões a comerem estradas entre cavalos da guarda para a cadeia das vilas. Bebedeira de malteses desgraçados e terríveis gritando facas de mola! Caminhos do Alentejo, desde menino vos piso no meu caminho pra Beja!
Que Beja tem um Castelo, mirante do Alentejo: — quando a gente olha de longe vê Florbela na torre alta, esguia como quem era! Que da torre alta de Beja os olhos de Florbela, tão rasgados de lonjuras, vagueiam nos horizontes — como dois verdes faróis dos passos do meu caminho! Que a noite não é a noite tombando na planície: — é da torre alta de Beja os cabelos de Florbela destrançados sobre o mundo! Que a manhã não é manhã iluminando a charneca: — é da torre alta de Beja os olhos de Florbela abrindo-se, devagar!…
Ó navalhas de malteses, coro de ganhões perdidos, emboscadas de ladrões, ó urzes, cardos, esteveiras, terra bravia de fomes, caminhos do Alentejo — deixai-me passar em frente! Que na torre alta de Beja Florbela grita o meu nome Sorrindo para os meus olhos!… Sorrindo para os meus olhos com os seios tão redondos como duas rosas cheias!
II
Florbela não foi à monda nem às searas ceifar.
Nasceu senhora da vila: — nunca as suas mãos esguias colheram as azeitonas nos galhos das oliveiras.
Mas ela sabia tudo que há no coração da gente: — ouviu a gente cantar.
Desde menina cresceu ouvindo a gente cantar em ranchos, pelos montados, quando a noite vai subindo!…
III
Florbela às vezes descia às casas ricas da vila. Falava de tal maneira que ninguém a entendia nas casas ricas da vila.
Senhora na sua terra, sua terra abandonou…: — porque lá ninguém a queria…
Senhora numa cidade. Florbela as vezes descia às casas dos lavradores. Falava (como tu cantas ó Maria Campaniça!…) falava… — quem a entendia nas casas dos lavradores?!… Senhora numa cidade, a cidade abandonou…: — porque lá ninguém a queria…
IV
… Jogou-se às estradas da vida, caminhos do Alentejo, esbanjando braçados cheios da grande vida que tinha!
E os campaniços leais que bem a compreendiam! Raparigas de olhos pretos o modo como a olhavam! Maiores de largo gado ínvios atalhos desciam até às estradas reais. Moinhos presos nos cerros, velas pelo céu giravam; nos longes do descampado ardem queimadas vermelhas!…
E Florbela, de negro, esguia como quem era, seus longos braços abria esbanjando braçados cheios da grande vida que tinha!
V
Quando o vento leva o Sol, apaga a Lua e as estrelas e grita pelos pinhais; junto a brasas esquecidas — das esperas de ladrões pelas noites desgraçadas, carreiro da negra sina as mortes que te contava!… E o porcariço, menino solitário no montado, estremecendo em teu peito que apaixonado terror toda a noite o acordava!… Pobre cavador de enxada na dura terra sem fim… da fome da sua casa que lágrimas te chorava!… Maltês de correr o mundo, tão rasgado e tão senhor, da sua vida de sol linda manhã te ofertava!… E as camponesas, em coro pelas searas e olivais, um hino feito de mágoas em tua glória cantavam!…
VI
… Té que um dia, cansada de tanta vida dar, Florbela adormeceu antes da noite vir.
Ora foi que passava a nossa boa mãe Senhora Dona Morte. E vendo aquela moça caída a meio da estrada, com ternura a ergueu.
— Que alta e formosa Florbela era!
Ceifeiros que a viram passar junto à seara, a seara deixaram! Cavadores, nos cerros prà terra dobrados, os bustos ergueram descendo as encostas. Malteses sem rumo na estrada pararam. E as moças dos montes, que em casa lidavam, abriram postigos, de olhos deslumbrados!…
VII
… Ceifeiros sentiram que estavam bebendo água fria da fonte;
cavadores pensaram que tinham herdado a grande courela;
malteses juraram haver descoberto uma Estrada Nova!;
e as moças dos montes tremeram de espanto como se na noite um homem viesse tocar-lhes nos peitos!…
E Florbela passando parecia levada na vela da saia!…
VIII
… A cidade onde viveu seus olhos não a olharam: porque lá inda a não querem… Porque lá ninguém a quis, os seus olhos se voltaram da vila onde nasceu…
Senhora — como quem era!, alto Castelo de Beja para morada escolheu.
IX
Veio a noite e a manhã, veio um dia e outro dia: a Lua cresceu, minguou. E agora, na lua nova das negras noites sem fim, Florbela não aparece a ensinar o Caminho!… Florbela não aparece a levar-nos à Courela onde há a fonte e a moça, que são nossas!…, onde há a água e o pão e o amor que prometeu!…
X
Longínquos ecos que ouvi quando acordei noite fora, não eram vozes do vento falando pelas searas:
— eram os rumores dos gestos de Florbela despertando.
Sombra que surpreendi quando meus olhos voltei, não era sombra da árvore fugidia pelo chão:
— era Florbela errando inquieta ao meio do montado.
O calor que vem da terra ondulando como asas de subtilíssima chama, não é do lume do Sol:
— é cio que treme, solto dos alvos seios de Florbela.
A calma que cai do céu quando a noite principia e eu tombo de cansado faminto de a procurar, não é frescura da noite:
— é a mão de Florbela tocando na minha fronte.
Eis a página em branco
[ Utopia ]
Eis a página em branco do país azul Alentejo é a última utopia todas as aves partem para o sul todas as aves: como a poesia.
Poema: Manuel Alegre Música: Janita Salomé Intérprete: Janita Salomé (in CD “Raiano”, Farol, 1994)
Fui hoje ao Alentejo
Fui hoje ao Alentejo e vi paisagens De fome, de secura e desalento Nenhuma alma dali sonha as viagens Que ao brilho de um sol doiro faz o vento De fome, de secura e desalento
Meu Deus que gente é esta, que degredo Vive este povo ao Sul que nada clama Há rugas de azinheiras nos seus dedos Mas não há nossas senhoras sobre a rama Deste meu povo ao Sul que nada clama
Olhem que céu azul Com nuvens de poejo Que veio morar aqui no Alentejo Enxada a querer tirar do coração A terra onde me sofro e me revejo Malteses meus irmãos Baixem-me o Sol de Agosto Venham cantar-me modas ao Sol-Posto A este povo honesto é que eu pertenço A este mar de orgulho de amor imenso
Fui hoje ao Alentejo e vim chorando Eu que sou feita em pedra da mais dura Meu povo, minha esperança em fogo brando Quando é que fazes tua a tua altura Quando é que fazes tua a tua altura
Fui hoje ao Alentejo e percebi Porque é que de Além-Tejo és só o nome Porque é que há tantos deuses por aí Enquanto tanta gente aqui tem fome Porque é que de Além-Tejo és só o nome
Letra: Eduardo Olímpio Música: Paco Bandeira Intérprete: Margarida Bessa (in CD “Entre Cantos”) Versão original: Luísa Basto (in CD “Alentejo”, C. M. Serpa, 199?)
Em minarete
[ Rondel do Alentejo ]
Em minarete mate bate leve verde neve minuete de luar.
Meia-noite do Segredo no penedo duma noite de luar.
Olhos caros de Morgada enfeitada com preparos de luar.
Em minarete mate bate leve verde neve minuete de luar.
Rompem fogo pandeiretas morenitas, bailam tetas e bonitas, bailam chitas e jaquetas, são as fitas desafogo de luar.
Voa o xaile andorinha pelo baile, e a vida doentinha e a ermida ao luar.
Laçarote escarlate de cocote alegria de Maria la-ri-rate em folia de luar.
Em minarete mate bate leve verde neve minuete de luar.
Giram pés giram passos girassóis e os bonés, e os braços destes dois giram laços ao luar.
O colete desta Virgem endoidece como o S do foguete em vertigem de luar.
Em minarete mate bate leve verde neve minuete de luar.
Rompem fogo pandeiretas morenitas, bailam tetas e bonitas, bailam chitas e jaquetas, são as fitas desafogo de luar.
Voa o xaile andorinha pelo baile, e a vida doentinha e a ermida ao luar.
Laçarote escarlate de cocote alegria de Maria la-ri-rate em folia de luar.
Em minarete mate bate leve verde neve minuete de luar.
Giram pés giram passos girassóis e os bonés, e os braços destes dois giram laços ao luar.
O colete desta Virgem endoidece como o S do foguete em vertigem de luar.
Em minarete mate bate leve verde neve minuete de luar.
Poema: Almada Negreiros (adaptado) Música: Afonso Dias Intérprete: Vá-de-Viró com Afonso Dias (in CD “Por Aí…”, Música XXI – Associação Cultural, 2013) Versão original: Afonso Dias (in CD “Olhar de Pássaro”, Concertante, 2000)
Eu ia não sei p’ra onde
[ Pelo Toque da Viola ]
Eu ia não sei p’ra onde, Encontrei não sei quem era: Encontrei o mês de Abril Procurando a Primavera.
[ Moda: ]
Pelo toque da viola Já sei as horas que são: Inda não é meia-noite, Já passei um bom serão.
Já passei um bom serão, Vai dormir, vai descansar! Vai dormir, vai descansar, Amor da minh’afeição!
[ Cantiga segunda: ]
É alegre, sonhadora A canção alentejana: Cantada ao romper de aurora Nas margens do Guadiana.
[ Moda: ]
Pelo toque da viola Já sei as horas que são: Inda não é meia-noite, Já passei um bom serão.
Já passei um bom serão, Vai dormir, vai descansar! Vai dormir, vai descansar, Amor da minh’afeição!
Letra e música: Popular (Alentejo) Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde”* (in CD “Modas”, Robi Droli, 1994; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD 1, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006)
Há lobos sem ser na serra
Cantiga primeira:
Por eu ser alentejano, Alguém me chamou ladrão; Foi o que eu nunca chamei A quem me roubava o pão.
Moda:
Há lobos sem ser na serra, Eu ainda não sabia… Debaixo do arvoredo Trabalham com valentia.
Trabalham com valentia Cada um na sua arte; Eu ainda não sabia: Há lobos em toda parte.
Cantiga segunda:
Maldita sociedade, Estás tão mal organizada: Quem não trabalha tem tudo, Quem trabalha não tem nada!
Moda:
Há lobos sem ser na serra, Eu ainda não sabia… Debaixo do arvoredo Trabalham com valentia.
Trabalham com valentia Cada um na sua arte; Eu ainda não sabia: Há lobos em toda parte.
Há Lobos sem Ser na Serra Letra e música: Popular (Alentejo) Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde”* (in CD “O Círculo Que Leva a Lua”, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2003; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD 2, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006)
Quando eu oiço os cascavéis
[ Meu Alentejo Querido ]
[ Cantiga primeira: ]
Quando eu oiço os cascavéis Lembra-me a minha parelha, Quando eu era ganhão (Meu lindo Alentejo) Lavrando terra vermelha.
[ Moda: ]
Meu Alentejo querido, Cheio de sol e calor: És meu torrão preferido! (Meu lindo Alentejo) És p’ra mim encantador!
És p’ra mim encantador Embora vivas esquecido; Cheio de sol e calor, (Meu lindo Alentejo) Meu Alentejo querido!
[ Cantiga segunda: ]
Quando me ponho a pensar Fico de alma amargurada: Fico triste quando vejo (Meu lindo Alentejo) Tanta terra abandonada.
[ Moda: ]
Meu Alentejo querido, Cheio de sol e calor: És meu torrão preferido! (Meu lindo Alentejo) És p’ra mim encantador!
És p’ra mim encantador Embora vivas esquecido; Cheio de sol e calor, (Meu lindo Alentejo) Meu Alentejo querido!
Letra e música: Popular (Alentejo) Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in CD “O Círculo Que Leva a Lua”, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2003; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD 2, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006)
Roendo uma laranja na falésia
[ Porto Covo ]
Roendo uma laranja na falésia Olhando o mundo azul à minha frente, Ouvindo um rouxinol nas redondezas, No calmo improviso do poente
Em baixo fogos trémulos nas tendas Ao largo as águas brilham como prata E a brisa vai contando velhas lendas De portos e baías de piratas
Havia um pessegueiro na ilha Plantado por um vizir de Odemira Que dizem que por amor se matou novo Aqui, no lugar de Porto Covo
A lua já desceu sobre esta paz E reina sobre todo este luzeiro À volta toda a vida se compraz Enquanto um sargo assa no brazeiro
Ao longe a cidadela de um navio Acende-se no mar como um desejo Por trás de mim o bafo do destino Devolve-me à lembrança do Alentejo
Havia um pessegueiro na ilha Plantado por um vizir de Odemira Que dizem que por amor se matou novo Aqui, no lugar de Porto Covo
Roendo uma laranja na falésia Olhando à minha frente o azul escuro Podia ser um peixe na maré Nadando sem passado nem futuro
Havia um pessegueiro na ilha Plantado por um vizir de Odemira Que dizem que por amor se matou novo Aqui, no lugar de Porto Covo
Letra: Carlos Tê Música: Rui Veloso Intérprete: Rui Veloso
Verão
Verão, A brasa dourada e celeste Esvaiu do Sol agreste Doirando mais as espigas; Ceifeiros, corpos curvados Cortando e atando em molhos A bênção loira da vida.
Meu Alentejo, Enquanto isto se processa, O sol ferino e sem pressa Queima mais a tez bronzeada; O suor rasga as camisas, Um homem queimado mais fica, E a vida é feita de brasa.
O calor caustica os corpos, Os ceifeiros vão ceifando Sem parar no seu labor; O seu cantar é dolente, É certo que é boa gente, É verdade e tem mais sol.
Meu Alentejo, Enquanto isto se processa, O sol ferino e sem pressa Queima mais a tez bronzeada; O suor rasga as camisas, Um homem queimado mais fica, E a vida é feita de brasa.
O calor caustica os corpos, Os ceifeiros vão ceifando Sem parar no seu labor; O seu cantar é dolente, É certo que é boa gente, É verdade e tem mais sol.
Meu Alentejo, Enquanto isto se processa, O sol ferino e sem pressa Queima mais a tez bronzeada; O suor rasga as camisas, Um homem queimado mais fica, E a vida é feita de brasa.
Letra e música: Manuel Conde Fialho Intérprete: Grupo Banza / voz solo de António Jacob (in CD “A Açorda Alentejana”, Grupo Banza, 2004; CD “25 Anos”, Grupo Banza, 2006)
https://www.Meloteca.com/wp-content/uploads/2018/11/alentejo-turismo-do-alentejo.jpg400400António Ferreirahttps://www.Meloteca.com/wp-content/uploads/2018/03/Logomarca-Meloteca-300x86.jpgAntónio Ferreira2020-05-07 00:00:352024-11-02 05:59:51Canções sobre o Alentejo