Repositório de teses, dissertações e artigos científicos nos campos da música e da dança

Criança com cavaquinho em Oncologia

A musicoterapia na assistência domiciliar aos cuidadores da criança em cuidados paliativos oncológicos, por Lara Teixeira Karst (Brasil)[excerto]

Qualquer tarefa terapêutica deve concentrar-se na restauração de esperança, sentimentos de perda, isolamento e abandono, compreensão do sofrimento, perdão aos outros, buscando sentido para a vida no processo de morrer.

Lara Teixeira Karst

MUSICOTERAPIA EM CUIDADOS PALIATIVOS

Na área de cuidados paliativos, os primeiros registros da atuação do musicoterapeuta datam do ano de 1977, no Royal Victoria Hospital, Canadá, com um projeto piloto que objetivou conhecer o potencial da musicoterapia no atendimento a pacientes terminais e suas famílias.

Uma revisão sistemática sobre terapias oferecidas em hospices nos Estados Unidos, a partir de uma seleção randomizada de 300 instituições, identificou que o musicoterapeuta trabalha com pessoas portadoras de diferentes doenças como câncer, HIV/AIDS, demências e doenças neurodegenerativas. O musicoterapeuta que atua nos cuidados paliativos pode trabalhar com composição junto ao paciente e ao cuidador. Pode, igualmente, utilizar-se da improvisação musical, da imaginação guiada por música, canto, instrumentos musicais e de técnicas de relaxamento com música.

Os objetivos são traçados para atender necessidades: a) sociais, solidão, isolamento; b) demandas emocionais como depressão, tristeza, frustração, raiva, medo; c) cognitiva como a desorientação, na dimensão física como a dor e a falta de ar e nos aspectos espirituais como a necessidade de rituais baseados em espiritualidade.

David Aldridge afirma que a musicoterapia possibilita o movimento simultâneo de poder escutar e cantar. O uso dos sons auxilia o paciente e seus familiares a explorarem sentimentos e emoções que não seriam acessados pela conversa. Para o autor, cada situação cria uma demanda musical específica. Por exemplo: alguns movimentos do paciente poderão levar ao encontro de uma música popular que faça dançar, ou movimentos de músicas sacras que reflitam a dimensão espiritual. O musicoterapeuta pode cantar na cabeceira da cama ou até mesmo gravar e disponibilizar cds contendo músicas e canções escolhidas pelo paciente e sua família.

No contexto dos cuidados paliativos, a música ajuda a transcender o momento de sofrimento, possibilita a abertura para uma nova consciência a partir dos movimentos de cantar e tocar o que cada ser humano é. Dando sequência a esses estudos, tem-se que o musicoterapeuta atua como um profissional que intermedia a canção significativa para cada paciente, interage com ele ajudando-o a perceber-se em um momento para além da enfermidade do corpo. Assim, a musicoterapia oferece uma experiência de tempo qualitativamente rica, sendo uma intervenção valiosa: “mesmo em meio ao sofrimento é possível criar algo que é belo” (Aldridge, 1995).

Aldridge distingue que, no processo musicoterapêutico em cuidados paliativos, o musicoterapeuta conduz suas intervenções de acordo com as demandas surgidas, na direção de aliviar o sofrimento, reafirmar a esperança, estimular a consciência da vida em face da morte.

Qualquer tarefa terapêutica deve concentrar-se na restauração de esperança, sentimentos de perda, isolamento e abandono, compreensão do sofrimento, perdão aos outros, buscando sentido para a vida no processo de morrer. A musicoterapia pode ser uma poderosa ferramenta neste processo de mudanças. Embora as qualidades inerentes do processo criativo não poderem ser facilmente descritas em escalas de avaliação, podemos ouvi-las e senti-las quando elas são expressas. A Musicoterapia parece abrir uma possibilidade única para lidar com a doença ou para encontrar um nível de lidar com a morte de perto (Aldridge).

Nessa direção, Elisabeth Petersen (2012) assinala que o musicoterapeuta, por meio de uma escuta sensível, percebe o que as pessoas sonorizam como expressam suas dores, expectativas, sentimentos, medos, esperança, fé. Uma canção surgida em um atendimento musicoterapêutico pode trazer significados que traduzem sentimentos, expectativas. A morte é um acontecimento profundamente intenso. Em se tratando da morte de uma criança, a experiência torna-se especialmente mais delicada. O musicoterapeuta que trabalha nos cuidados paliativos deve estar em sensível sintonia com o tempo interno do paciente para que suas intervenções sejam coerentes com o que faz sentido para cada pessoa.

Faz-se necessário também respeitar as preferências musicais, aceitar as expressões sem julgamentos estéticos, permitir a autonomia e livre expressão. A musicoterapia possibilita uma relação criativa, mediante uma situação em que há um corpo falhando e que, muitas vezes, leva a um isolamento social. Desse modo, o musicoterapeuta deve estar presente para explorar e trabalhar as músicas escolhidas ou preferidas pelos sujeitos, sejam elas tocadas, cantadas, gravadas ou improvisadas. Assim agindo, poderá favorecer a construção de uma intimidade em que os mais profundos sentimentos possam ser divididos com o outro. Nesse cenário de cuidados paliativos, Petersen ressalta que

As funções atribuídas às músicas improvisadas ou recriadas por pacientes e cuidadores, com suas respectivas mensagens, focalizam: declarações de amor, pedidos de perdão, reconciliação, garantias de não abandono, saudades; revisão das realizações ao longo da vida, aproximação de paciente e familiares/entes queridos; o despedir- se, preparar-se para a partida; viver o luto antecipatório.

Entre as terapias expressivas, a musicoterapia atua como ferramenta de enfrentamento, auxilia paciente e cuidadores a lidarem com as limitações crescentes advindas da progressão dos sintomas, com a impossibilidade de cura e com a proximidade da morte.

Lara Teixeira Karst, A musicoterapia na assistência domiciliar aos cuidadores da criança em cuidados paliativos oncológicos. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Goiás 2015.

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Alexander Technique

Bruno Gomes Sousa, Prática Musical e Saúde, dissertação de mestrado, Universidade de Aveiro 2014 (excerto)

A performance musical, além de exigir uma determinada concentração, está dependente da descontração muscular e da postura corporal do músico.

Bruno Gomes Sousa

A performance musical, além de exigir uma determinada concentração, está dependente da descontração muscular e da postura corporal do músico. No entanto, durante a execução, o instrumentista necessita de um esforço mental e físico maior ou menor, resultando de vários fatores: o tipo de instrumento, a duração da execução, a dificuldade técnico-musical da peça executada, resistência muscular de cada instrumentista.

Frequentemente os alunos de música exigem do seu corpo um esforço físico maior do que aquele a que estão habituados normalmente. Alguns instrumentistas profissionais apresentam também este desequilíbrio entre esforço necessário e esforço realizado. Estes esforços notam-se principalmente na execução de obras virtuosas com um nível de dificuldade muito elevado e no período de mudança e de adaptação a um novo instrumento. No caso particular dos violetistas, esta dificuldade é muito evidente quando mudam para uma viola maior do que aquela a que estão habituados.

Para alguns músicos, a expressão artística, isto é, o movimento físico expressivo musical durante a performance, não é prejudicial, pois não requer fisicamente um grande esforço. O uso de movimentos durante a performance musical afeta a intenção de expressividade do instrumentista, o próprio som do seu instrumento e, além disso, ajuda a que a sua tensão produzida seja libertada enquanto que para muitos instrumentistas, as limitações físicas podem ser dolorosas, debilitantes e em alguns casos, severamente incapacitantes. O uso de movimentos expressivos durante a execução musical afeta positivamente a sonoridade do instrumento. Aliás, no caso da aprendizagem da viola d’arco e violino, estes movimentos podem originar uma melhor coordenação ente as mãos, fazendo com que o instrumento, ou partes dele, se torne um prolongamento do corpo, por exemplo, o arco do violino.

Estas tensões e esforços exagerados podem originar lesões que podem ser prevenidas através de técnicas de prevenção. São os casos do método Feldenkrais, da Alexander Technique (AT) e do Ioga que proporcionam a realização de exercícios para o instrumentista perceber e sentir o seu movimento, para aprofundar a compreensão, maximizar a função e, ao mesmo tempo, melhorar o conforto e o equilíbrio. Existem conservatórios e escolas superiores de música que facultam aos alunos, nas suas próprias instalações, aulas destes métodos de prevenção de lesões. É o caso da Royal Academy of Music, em Londres, que, no Reino Unido é um dos conservatórios de música que faculta sessões individuais de AT aos alunos durante um ano.

Além de prevenir lesões, também ajuda os músicos a libertar tensões desnecessárias, melhorando a performance musical. A técnica Alexander é usada por músicos conceituados, sendo casos famosos os de Yehudi Menuhin, Paul McCartney, Sting, Sir Colin Davis, entre outros.

“Early in my professional career the celebrated conductor Sir Adrian Boult, who had himself had Alexander lessons, sent me for lessons in the Technique. ‘My boy,’ he said, ‘you’ll end up crippled if you go on like that.’ I have been a pupil of the Technique now for over forty years, the benefits to me have been immeasurable, and I would recommend all students to take advantage of the programme of lessons available at the Royal Academy of Music.” (Sir Colin Davis)

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Órgãos de Torres Vedras

Adaptado de Ana Cargaleiro de Freitas, Voz das Misericórdias, maio de 2018, acesso e adaptação a 28 de agosto de 2018.

Após a recuperação, o órgão de tubos da Igreja da Misericórdia de Torres Vedras ganhou nova vida através de concertos e ateliês.

Ana Cargaleiro de Freitas

Érica Zlotea chega todos os sábados à Igreja da Misericórdia de Torres Vedras com o caderno de pautas debaixo do braço. De olhos muito vivos, a jovem aprendiz aguarda o início da aula de órgão de tubos, no âmbito de um ateliê criado em parceria com a Escola de Música Luís António Maldonado Rodrigues. Desde que restaurou o instrumento histórico, em 2008, a Misericórdia de Torres Vedras contribuiu para a formação de mais de 80 crianças e adultos da comunidade.

O órgão construído pelo galego Bento Fontanes (1745-1793) renasceu pelas mãos de Dinarte Machado. Um investimento, no valor de cerca de 110 000€, que na opinião do provedor Vasco Fernandes era inevitável. “Era uma pena termos uma peça belíssima, segundo as opiniões de muitos técnicos, e não lhe darmos qualquer uso. Convidámos depois o professor Daniel Oliveira – atual organista titular– para iniciar as aulas de órgão porque estes instrumentos se estragam se estiverem parados”.

Daniel Oliveira assumiu a missão de valorizar e divulgar o instrumento, através do ensino e dinamização de um ciclo anual de órgão. “Quero torná-lo mais acessível às crianças, com reportório adequado à idade, pegando em temas populares, e torná-lo mais próximo do ouvinte”.

O coro alto da igreja é o espaço onde quase tudo acontece. Uma “sala de aula muito especial” que Érica e Diogo, os alunos que acompanhamos neste dia, conhecem de olhos fechados. “Com as duas mãos?”, pergunta a primeira pupila no inicio da lição. “Começamos pela direita e cantamos ao mesmo tempo”, pede Daniel Oliveira. Empoleirada no banco de madeira, Érica segue a partitura com a responsabilidade de um adulto. No próximo ano vai integrar o curso vocacional ministrado pela Escola de Música Luís António Maldonado Rodrigues, o “conservatório da cidade”. Em pequena, escrevia cartas ao pai natal a pedir um piano. Hoje tem um órgão de quase 300 anos como instrumento musical. Não é igual ao piano, mas cumpre as expetativas da jovem entusiasta. “Tem um som mais agradável, mais grave e forte”.

O próximo aluno não se deixa intimidar pela antiguidade e dimensão do órgão de tubos. Toca desde os 5 anos, no âmbito das aulas de iniciação musical da creche da Misericórdia, e beneficia da disciplina incutida nas lições. “Noto que o Diogo sai daqui mais concentrado e aprende a lidar com o stress. O professor incentiva-os independentemente de falharem”, comenta a mãe, Filipa Carvalho.

Os rituais são cumpridos semanalmente pela criança de 9 anos no início de cada lição. Ajeitar a cadeira, corrigir a postura e fazer exercícios de aquecimento com os pulsos. “Tens de confiar”, diz a Diogo Zambujo. “Ainda estás preso à partitura, não é preciso pensar”.

Mesmo que o objetivo não seja seguir a via profissional, Daniel Oliveira aposta na iniciação ao órgão desde muito cedo, valorizando a criatividade e disciplina potenciadas com o ensino da música. “É uma coisa que os marca para a vida. Não é apenas uma ocupação de tempos livres”.

Este esforço reflete-se na postura e envolvimento das famílias, seja através do interesse no desenvolvimento da criança, seja pelo aumento da procura junto da comunidade. “É um instrumento invulgar, daí a nossa curiosidade. É uma oportunidade única e uma forma de valorizar um património muito valioso da cidade”, considera a mãe do jovem aluno.

O músico e investigador Daniel Oliveira constata que “este é um instrumento cada vez mais acarinhado pelos torrienses” e isso vê-se nos dias de concerto, transmitidos em direto pela autarquia. No último trimestre de cada ano, os bancos da igreja enchem-se de locais e visitantes desejosos de escutar o órgão, nas suas múltiplas vertentes (acompanhado de canto ou pequena orquestra), e mesmo à distância é possível apreciar o “exotismo e brilho típico do instrumento histórico”.

Daniel Oliveira salienta a vocação pedagógica do evento – recitais comentados e atividade lúdica destinada a crianças e jovens -, que é já uma “marca e oferta cultural da cidade” e assinala em 2018 a sua terceira edição.

Quem não conhece esta peça única na cidade, com “personalidade própria” e um registo versátil – “dois timbres no mesmo teclado” – e está curioso para ouvir a sonoridade característica da segunda metade do século XVII/primeira metade do século XVIII terá de aguardar pelo mês de outubro ou acompanhar uma das cerimónias solenes realizadas na Igreja da Misericórdia, ao som do órgão Bento Fontanes (1773).

Daniel Oliveira é professor na Musicentro Escola de Música – Salesianos de Lisboa, Escola de Música Luís António Maldonado Rodrigues e organista na igreja matriz de Oeiras.

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No concelho de Santa Maria da Feira há órgãos de tubos nas igrejas de Mosteirô, Santa Maria da Feira, Nogueira da Regedoura e Santa Maria de Lamas.

Em setembro de 2018, as Artes estiveram em Itinerância pelo Concelho com a primeira edição do Ciclo de Órgão de Tubos, que percorreu as Igrejas de Mosteirô, Santa Maria da Feira, Nogueira da Regedoura e Santa Maria de Lamas.

O Ciclo de Órgão de Tubos de Santa Maria da Feira pretende resgatar e valorizar parte da memória musical do concelho. Quatro concertos pontuaram os quatro domingos do mês de setembro e permitiram usufruir da diversidade e dos órgãos de tubos que compõem o património religioso concelhio.

No comando desta celebração, apresentando um reportório de excelência, esteve o organista feirense Rui Soares, a organista espanhola Esther Ciudad e o organista italiano Matteo Imbruno.

Além do património material, o programa permitiu ainda uma valorização do património imaterial, explorando, numa criteriosa escolha, alguma das obras dos mais importantes compositores nacionais e estrangeiros. Os concertos foram antecipados por um breve momento de enquadramento histórico e técnico de cada órgão, seduzindo o público para a diversidade deste património, assim como das suas possibilidades.

Órgão Eisenbarth

Órgão instalado no coro alto da Igreja de Mosteirô e inaugurado a 24 de maio de 2014, foi concebido pela firma de engenharia Eisenbarth que se destinava à capela de um hospital da cidade de Passau, na Alemanha (1966).

Órgão Walcker

Instrumento concebido para a Evangelische Kirchengemeinde de Berlim no ano de 1962, inaugurado na Igreja de Nogueira da Regedoura a 14 de março de 2010.

Órgão Walcker

Instrumento da igreja Matriz de Santa Maria da Feira foi construído pela firma C. F. Walcker, em 1896, na Alemanha e catalogado com o op. 748.

Órgão Cavaillé-Coll

Órgão da Igreja de Santa Maria de Lamas, proveniente da Oficina de Cavaillé-Coll de Paris, um dos organeiros mais famosos na Europa do século XIX.

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