barítono José de Freitas

JOSÉ DE FREITAS

José de Freitas, de nome completo José Cirilo de Freitas Silva, nasceu na Madeira e foi padre da Congregação da Missão (Padres Vicentinos). Já depois de padre, estudou nos conservatórios do Porto e de Lisboa, onde concluiu o Curso Superior de Canto com excelente classificação. Em 1978 tornou-se artista residente do Teatro Nacional de São Carlos onde se estreou com Schaunard em La Bohème. Foi intérprete de importantes papéis de barítono e de baixo-barítono em Portugal e no estrangeiro. Foi também diretor de coros e compositor de cânticos litúrgicos.

ENTREVISTA

Qual foi o primeiro momento em que se lembra de ter tido consciência de que a música era importante para si?

O primeiro momento?! Preferiria falar de uma pequena série de momentos… Concretizando: No meu 5º ano do seminário (hoje 9º ano), cerca dos 16 anos, quando a chamada “mudança de voz” era já algo acentuada, o meu ilustre professor de música, Padre António Ferreira Telles, poucos dias após ter-me convidado para tocar harmónio em algumas cerimónias litúrgicas (ele era o harmonista oficial, obviamente) e pedir-me para, alternadamente com outro colega, iniciar os cânticos na liturgia (o equivalente a solista), veio falar comigo na véspera da festa do Padroeiro do seminário (S. José), e disse-me: “Confio muito em ti para “segurares” a 4ª voz na missa solene de amanhã.” Ora aí tem um “puzzle” com bastante significado na minha “consciência musical” de jovem seminarista…

Quais os professores que mais o influenciaram no tempo de seminário?

Vou referir-me apenas a professores de música, obviamente. Desde os primeiros anos, tive uma veneração especial por um ilustre mestre, muito “sui generis”, mas muito competente e sabedor: o Padre António Ferreira Telles, a que atrás aludi. Era excelente harmonista, compositor, ótimo harmonizador. O Pe. Fernando da Cunha Carvalho, felizmente ainda entre nós, também teve influência na minha orientação musical, e não só. Mas vou salientar, sem querer ser injusto para os atrás citados e porventura outros, o Pe. João Dias de Azevedo, que muito me ajudou sobretudo no harmónio e no órgão, no Seminário de Mafra, onde fiz o meu noviciado (1954-1956). Nesse período, cheguei a tocar órgão em algumas celebrações dominicais e festas na Basílica de Mafra… E, para completar os anos do seminário, não poderei omitir o Pe. Fernando Pinto dos Reis (1929-2010).

Depois de ir para o seminário e de ser padre, quando é que se apercebeu de que cantar era o mais importante na sua vida profissional?

Como disse, cedo me iniciei e fui crescendo na função de solista. Continuei-a ao longo de todo o curso, alternando-a com o múnus de harmonista. Terminado o curso, fui incumbido da disciplina de Música (além de outras), no seminário menor. O concílio do Vaticano II acabava de privilegiar o vernáculo na liturgia. Iniciei a renovação de todo o repertório vigente. Eu próprio dei largas a uma velha paixão e iniciei a composição de cânticos em português, incluindo o “ordinário” e o “próprio” da missa para determinadas solenidades, além de outros cânticos circunstanciais. Aconselhado por não poucos, matriculei-me no Conservatório do Porto. Canto? Composição? Duas paixões. Muito incitado e encorajado pela professora D. Isabel Mallaguerra, decidi-me mais seriamente pelo canto, sem descurar a composição musical.

Após o curso geral de canto no Conservatório do Porto, vim a concluir o Curso Superior no Conservatório Nacional com a professora D. Helena Pina Manique. Com o programa do exame do curso superior concluído com alta classificação, fui convidado para vários recitais em Lisboa e não só. Iniciei logo de seguida o curso de ópera com o professor Álvaro Benamor e D. Helena Pina Manique. Fui admitido no Coro Gulbenkian, onde estive durante alguns meses até seguir para Paris com uma bolsa de estudos.

O diretor do Teatro Nacional de São Carlos, Eng. João Paes, que já me ouvira no Conservatório, convidou-me para, temporariamente, interromper o estágio em Paris e vir a Lisboa preparar o desempenho de um importante papel numa ópera portuguesa. Bem sucedido, pediu-me para, após o estágio parisiense, seguir para Florença, afim de preparar, com o famoso Gino Bechi, o importantíssimo papel de primeiro barítono (Lord Enrico d’Ashthon) da ópera Lucia di Lamermoor, de Donizetti. Cantei esse papel em novembro de 1977, no Teatro Rivoli (Porto)…

Toda esta “bola de neve” a partir da conclusão do curso superior de canto em 1974, todo o incrível desencadear de situações até finais de 1977, todo o ano de 1977 sobretudo, tudo isso responde à sua pergunta… Parafraseando, em contraste, um fadista, diria: “Ser cantor não foi meu sonho, mas cantar foi o meu fado…”

Dos anos em que estudou Música e Canto, que professores tiveram uma influência mais decisiva?

Nos conservatórios do Porto e de Lisboa, tive a felicidade de ser orientado respetivamente pelas professoras D. Isabel Mallaguerra e D. Helena Pina Manique, e ainda, por algum tempo, pela D. Arminda Correia, sem esquecer o Prof. Álvaro Benamor (cena).

Em Paris, como olvidar o trabalho com a famoso baixo Huc-Santana e o não menos célebre barítono Gabriel Bacquier? Em Itália, e aqui em Portugal, Gino Bechi foi simplesmente precioso no trabalho vocal e cénico. Este famoso barítono, que também me honrava com a sua amizade, cantou nos anos 40, em todos os grandes palcos do mundo. A sua famosa “entrega” aos espetáculos e nos espetáculos, quer cenicamente mas sobretudo vocalmente, levou-o a tal desgaste que teve de terminar a sua carreira por volta dos 40 anos, precisamente com a idade com que eu comecei…

Foi difícil deixar de ser padre e optar pela carreira musical?

Quando, em finais dos anos 60, me matriculei no Conservatório do Porto, confesso que o meu sonho era dar uma componente artística à minha missão de padre.

Começaram a surgir, porém, situações que não deixaram de me ir perturbando. Alguma confusão começou a instalar-se nos meus horizontes… Estávamos em pleno pós-74… Sobretudo a partir de 1977, comecei a sentir-me ultrapassado pelos acontecimentos. Tinham de ser tomadas decisões… Não podia viver na ambiguidade!… Houve muitas dúvidas, muitas incertezas… O meu Padre Provincial de então propôs-me fazer as duas coisas: padre e cantor… Tudo se desenrolava vertiginosamente… Eram convites para concertos, para óperas, etc.
Cheguei mesmo a atuar durante não pouco tempo, estando ainda no exercício do ministério… Fui chegando à conclusão de que as duas funções não faziam grande sentido… Em finais de 1978, acabei por tomar a decisão: pedi para Roma a dispensa do exercício das ordens. Não tive resposta fácil. Demorou mais de dois anos. Pelo meio, um apelo a que repensasse…

Qual foi o papel da Igreja na sua vida musical?

Primeiramente, como é obvio, penso em todo o curso do seminário. Para além de todos os aspetos da formação, a música da Igreja, o canto gregoriano, ocupou uma grande parte desse período, quer na teoria, quer na prática. O nosso Cantuale, um livro específico da Congregação da Missão com os mais belos cânticos gregorianos e muitos outros, a uma ou mais vozes, dominou grande parte desses anos, as nossas vozes e as nossas almas.

No seminário Maior, durante o curso de filosofia e teologia, para além das mais belas obras de polifonia sacra, cantávamos, todos os domingos e festas, o “comum” e o “próprio” em gregoriano, de acordo com o emblemático Liber Usualis, a mais completa obra do canto da Igreja. Tudo isto, naturalmente acompanhada da parte teórica, marca indelevelmente a minha personalidade e a minha formação musical. E não esqueço que quase sempre, alternadamente, fui organista e solista…

Após a ordenação, seguiram-se anos dominados pelo Concílio do Vaticano II, com uma série extraordinária de documentos sobre a música e a liturgia em vernáculo,com o aparecimento de excelentes compositores. E foram sempre surgindo, com os diversos papas, importantes documentos sobre a música litúrgica. Não posso esquecer os “famosos” cursos gregorianos de Fátima que frequentei.

Durante os anos 1977-1995, em que a vida artística teve o seu lado prioritário, nunca deixei de estar atento aos documentos da Igreja sobre música sacra e à obra de excelentes compositores que temos.

A partir de 1997, já no pós – S. Carlos, a pedido do meu grande amigo Conégo José Serrasina que acabava de ficar à frente da Paróquia dos Anjos, em Lisboa– a minha paróquia -, comecei a orientar o coro paroquial, tomando a peito a renovação dos cânticos e a dinamização litúrgica. Baseava-me sempre nos textos de cada celebração. Após 5 anos de intenso e profícuo trabalho, abracei outro projeto – na Capela do Palácio da Bemposta (Academia Militar), onde colaborei durante 13 anos (2003 – 2016). Durante este período, compus dezenas de cânticos que vieram a ser publicados pela Academia Militar, em 2012, num volume com o título Deus é Amor. Porque o “contexto” de então era “específico”, o referido volume irá “sofrer” brevemente substancial alteração.

Qual foi a maior deceção na sua vida?

Se me permite, não apresentaria uma mas duas deceções, e ambas no âmbito do mundo lírico. A primeira, logo de início. Tinha feito 40 anos. Eram diferentes, agora, o sonho e o ideal. Imaginava que perante mim, ia surgir um meio pleno de elevação, um ambiente superior, de arte, de cultura, etc. Cedo, porém, fui verificando e concluindo que as cores que sonhara belas, não, não o eram assim tanto… A realidade era bastante mais prosaica… Bem!… Respirei fundo, bem fundo, passe a expressão… E, vamos a isso!… Mas vamos mesmo! O desafio que ora iniciava era para ganhar, era mesmo para vencer!… E foi! Não tive o caminho atapetado de rosas, longe disso, muito longe! Foram necessárias uma fibra excecionalmente forte como considero ter, uma fé inabalável em Deus como efetivamente tenho, e também, obviamente, uma grande confiança nos talentos que Deus me deu, aliados à formação que tive (não poderei esquecê-lo!) E…aí vou eu!… E nem tudo foram espinhos, digamos em abono da verdade. Tive um público que me admirava e apoiava bastante, excelentes e excecionais críticas, outras nem tanto… E, entre um pessoal que rodava as três centenas (coro, orquestra, cantores, técnicos, etc), tive não poucos amigos e admiradores! Não esqueço que, logo no começo, nos primeiros ensaios, vi lágrimas nos olhos de algum do pessoal, ao verem a minha entrada enérgica, decidida, confiante, e pensando no “mundo” donde acabava de chegar… aos 40 anos!…

A segunda deceção foi no fim. Em finais de 92, a SEC, tendo à frente o Dr. Pedro Santana Lopes, achou por bem dissolver a Companhia Portuguesa de Ópera (cantores, orquestra, etc). Éramos 14 os cantores principais. Mesmo tendo em conta que eu continuava a cantar no país e não só, esta foi sem dúvida uma grande deceção. Aos 55 anos, encontrava-me no ponto mais alto da carreira, a nível vocal e cénico, na minha opinião e na de quantos me conheciam e ouviam! Esperava estar “em grande” mais uma boa dezena de anos… Lembrei-me então das palavras de Gino Bechi, quando, certo dia, nos anos 80, após fazer as célebres e espetaculares demonstrações, vocais e cénicas, durante um ensaio, e quando já contava perto dos 80 anos, teve este desabafo: “Agora é que eu sei cantar!”

Pois é!… Parafraseando o meu mestre, diria: “Agora… é que eu sabia cantar!…”

Qual foi o momento mais alto da carreira como cantor lírico?

Desempenhei os mais diversos papéis de 1º barítono, de baixo-barítono, papéis característicos, enfim, foram cerca de 50… Nunca tive um fracasso nos meus desempenhos. Pelo contrário! Escolher o momento mais alto?!… É difícil!… Estou a lembrar-me de não poucos… Do “Le Grand-Prêtre de Dagom” da ópera Samson et Dalila, de Saint-Saëns, em 1983. Quis preparar o papel em Lyon com o meu ex-professor de Paris, o grande barítono Gabriel Bacquier. Estou a recordar-me do “Dulcamara” da ópera L’Elisir d’Amore, de Donizetti, em 1984 e 1985… Do “Rocco”, da ópera Fidelio de Beethoven… Enfim, não vou alongar-me na citação de outras boas e belas hipóteses…

Mas vou escolher como momento mais alto uma ópera fora do estilo clássico: a ópera Kiú, do compositor espanhol Luís de Pablo, levada à cena em 1987 no Teatro Nacional de São Carlos. O meu papel de Babinshy, o pivô da ópera, na sua grande espetacularidade e dificuldade vocal e cénica, foi na verdade um momento muito alto na minha carreira! Não foi por acaso que o próprio compositor Luís de Pablo e o maestro Jesús Ramón Encimar me convidaram, 5 anos depois (dezembro de 1992 – janeiro de 1993), para interpretar em Madrid o mesmo papel!…

Quais foram os cantores líricos mundiais que mais o inspiraram?

Estavam na moda, nos anos 60, cantores líricos que deveras nos entusiasmavam. Lembro-me, por exemplo, de Mário Lanza, de Luís Mariano, de Alfredo Krauss que vim a conhecer em São Carlos, e com o qual contracenei, inicialmente, num ou noutro pequeno papel. E vários outros, quase todos tenores. O meu tipo de voz é de barítono ou de baixo-barítono. Mas foi sobretudo a partir do Curso Superior de Canto que comecei a interessar-me por vozes líricas, o que é absolutamente natural. Dado o meu tipo de voz, cerca de cinco ou seis cantores internacionais dominavam particularmente os meus gostos. Comecemos pelos alemães Dietrich Fischer-Dieskau e Hermann Prey, barítonos. O primeiro, absolutamente excecional em lied, tendo cantado praticamente tudo o que havia nesse domínio. Muitos o consideraram o maior músico do século XX. Foi inclusivamente maestro de música sacra. Ouvi-o ao vivo em Paris. Hermann Prey era superior como ator. As suas interpretações em óperas de Mozart, Rossini, Donizetti ficaram memoráveis. Outros dois barítonos ou baixo-barítonos, Fernando Corena e Rolando Panerai, eram também grandes cantores e atores, mais característicos que os anteriores. Outro barítono que, vocalmente (não cenicamente) me enchia as medidas, era Piero Cappuccilli. Era um barítono a que eu chamaria heróico-dramático, com uma incrível potência de voz. Jamais esquecerei o seu desempenho em Simon Boccanegra de Verdi, no São Carlos…

Poderia obviamente alongar-me, no que às vozes masculinas diz respeito. Mas também não posso deixar de me referir a vozes femininas que, além de nós deixarem siderados, tanto nos ensinaram! Antes de mais, Maria Callas!… Depois, uma Victoria de los Angeles que cheguei a ouvir na Gulbenkian. Fiorenza Cossotto, Mirella Freni, Christa LudwigMonserrat Caballé que ouvi em Paris dirigida por Leonard Bernstein… Uma Joan Sutherland, La Stupenda, a tal que cantou a Traviata no Coliseu na famosa noite de 24 para 25 de abril de 1974, com o já citado Alfredo Kraus… E eu estava lá!…

Quais os músicos portugueses mais influentes na sua carreira?

Por músicos, entendo compositores, professores, pianistas, ensaiadores, “pontos”, cantores, e, porque não, críticos… Antes de mais, as minhas duas professoras nos conservatórios do Porto e de Lisboa, respetivamente: Isabel Malaguerra e Helena Pina Manique. A professora D. Arminda Correia fez de forma extraordinária a breve transição entre uma e outra. Álvaro Benamor, na classe de ópera. A pianista Maria Helena Matos que me acompanhou com enorme competência desde o Conservatório Nacional, incluindo o exame final, e praticamente em todos os recitais que fui dando ao longo da carreira. O maestro Armando Vidal, músico de gema, com o qual preparei, como a generalidade dos artistas, quase todos os papéis que tinha a desempenhar nas dezenas de óperas em que fui interveniente. Entre os maestros – “pontos” – , não esquecerei o maestro Pasquali que tão competentemente orientou, durante os primeiros tempos, as nossas intervenções em palco, e o maestro Ascenso de Siqueira, grande e bom amigo e incrível ser humano… Tive a felicidade de trabalhar com encenadores como António Manuel Couto Viana, que me honrava com a sua amizade, Carlos Avillez (em várias óperas), Luís Miguel Cintra, João Lourenço

Cantores? Álvaro Malta, Hugo Casaes, Elizette Bayan, Armando Guerreiro, e outros… Lembro-me ainda de preciosas “dicas” que me deu Álvaro Malta

Compositores? Antes de mais, o Prof. Cândido Lima. Conheci-o em Paris. Conversávamos muito. Não esqueço o dia em que ele me apresentou ao seu amigo Iannis Xenakis… Fomos juntos a vários concertos. Preparei, com ele ao piano, algumas obras suas para canto. Foi meu pianista num concurso de canto em que fui premiado… Tudo isto em Paris, em 1977.

Com o grande compositor Fernando Lopes-Graça, tive a honra de preparar um importante papel de solista na sua obra As Sete Predicações d’Os Lusíadas, em vista à estreia mundial da mesma no VI Festival da Costa do Estoril (1980).
Joly Braga Santos honrava-me com a sua amizade e admiração. Com ele ensaiei o papel de solista na sua Cantata Das Sombras, sobre texto de Teixeira de Pascoaes, para primeira audição mundial no Teatro de S. Luís, a 27 de julho de 1985, com o Coro Gulbenkian, e enquadrada no XI Festival de Música da Costa do Estoril. De Joly Braga Santos nunca poderei esquecer as suas palavras, em pleno palco, no fim da última récita da sua Trilogia das Barcas, em maio de 1988: “Estou a compor uma ópera, para a Expo de Sevilha (daí a 4 anos), baseada numa obra de Frederico Garcia Llorca, Bodas de Sangue e tenho um muito bom papel para si”. Entretanto, o maestro falecia 2 meses depois, a 18 de julho de 1988, o que constituíu uma grande perda para o País, para a cultura portuguesa.

Quanto a críticos, devo dizer que, entre outros, Francine Benoit, João de Freitas Branco, José Blanc de Portugal muito me encorajaram e elogiaram!

E hoje, o que acha da evolução da ópera em Portugal?

Francamente, tenho dificuldade em responder. Há cerca de vinte e cinco anos, após a extinção da Companhia Portuguesa de Ópera e de ter dado como terminada a minha carreira lírica, abracei outro projeto e alheei-me bastante desse tema. Sei que, sobretudo por razões orçamentais, a programação se ressente, e muito. Tudo parece ser diferente. Repito: não tenho dados que me permitam fazer qualquer juízo de valor…

O que pensa do papel da música na Igreja?

Desde o Seminário Maior, fui lendo atentamente, e mais que uma vez, os documentos papais que surgiram desde o princípio do século XX:
o Motu próprio de São Pio X (1903) sobre a Restauração da Música Sacra;
a Constituição Apostólica Divini Cultus (1928) no pontificado de Pio XI, sobre a liturgia e a música sacra; a Encíclica Musicae Sacrae Disciplina (1953), do Papa Pio XII, sobre a Música Sacra, vocal e instrumental.

Logo após o Concílio do Vaticano II, surge a Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium (1963), a realçar que “a acção litúrgica reveste maior nobreza quando é celebrada com canto, com a presença dos ministros sagrados e a participação ativa do povo”. E quando fala de canto, obviamente que se refere ao canto sagrado intimamente unido com o texto. E se o canto gregoriano ocupa sempre um lugar privilegiado em igualdade de circunstâncias, não são excluídos os outros géneros de música sacra mormente a Polifonia, desde que em harmonia com o espírito da ação litúrgica, e de acordo com os diversos tempos litúrgicos, com as diversas celebrações e os vários momentos da celebração. Compositores, organistas, mestres de coro, cantores, músicos (instrumentistas) devem formar um todo para o esplendor do canto.

Alguns anos após o Concílio, a famosa Instrução Musicam Sacram (1967), da Sagrada Congregação dos Ritos, é a síntese, diria perfeita, do que à Música Sacra diz respeito, desde o canto na celebração da missa, passando pela preparação de melodias para os textos em vernáculo, depois a música para instrumental, o Canto no Ofício, etc etc.

O assunto levar-nos-ia ainda a três ou quatro intervenções de São João Paulo II, a uma célebre conferência do Cardeal Ratzinger (mais tarde Papa Bento XVI) em 1985, a uma Nota Pastoral dos nossos bispos por ocasião do Ano Europeu da Música (em novembro de 1985).

E o nosso Papa Francisco, por mais de uma vez, tem insistido que a Música Sacra e Canto Litúrgico devem estar plenamente inculturados nas linguagens artísticas atuais.

Quais os compositores que mais ouve e, desses, que obras prefere?

J.S. Bach é incontornável. Oiço com frequência, por exemplo, a Cantata do Café, cuja ária Hat man nicht mit seinen kindern fez parte do programa do meu exame do Curso Superior de Canto de Concerto, e foi uma das provas de acesso ao Coro Gulbenkian, em novembro de 1974; a Missa em Si m, cujas árias de baixo cantei; e a Paixão Segundo S. João, em que interpretei o papel de Jesus, no Porto, em abril de 1977, quando ainda estagiava em Paris…
Haëndel (O Messias, e Música Aquática); Beethoven (Sinfonias 3, 6 e 9) e a ópera Fidelio, cujo papel de Rocco desempenhei em junho de 1986; Mozart (o Requiem que, enquanto membro do Coro Gulbenkian, cantei no Coliseu em 1975, com gravação para a Erato; a Sinfonia nº 40, etc etc); Haydn (A criação, a Missa de Santa Cecília e a Sinfonia Concertante); Bizet (Carmen); Bramhs (Um Requiem Alemão);Rossini (Stabat Mater); Tchaickowsky (Romeu e Julieta e Francesa da Rimini; Dvorak (Sinfonia nº 9, O Novo mundo); Ravel (Bolero); Rodrigo (Concerto de Aranjuez); Strauss (valsas); Elgar (Concerto para violoncelo).

E muito, muito mais, obviamente.

O que o levou a colecionar livros e discos?

Certamente, e de uma forma geral, o meu gosto pela música, a ligação à Igreja, o meu profissionalismo, a cultura. É claro que tudo se desenrola de acordo com as diversas etapas da vida:

a minha função de professor de Música (além de outras disciplinas) no seminário menor, após a minha formação, e o começo dos meus estudos no Conservatório;

a minha transição para a vida pastoral, durante 3 anos;

a minha ida para Lisboa para concluir o curso Superior, do Conservatório, e a minha curta passagem pela Fundação Gulbenkian;

o meu estágio de dois anos em Paris, concluído com 2 meses em Itália;

o começo e a continuação da minha carreira lírica no Teatro Nacional de São Carlos;

os 3 anos pós-São Carlos em que continuei a minha carreira;

o abraçar de novo projeto: “trabalhar” um coro inserido numa missão pastoral na Paróquia dos Anjos (Lisboa), a minha Paróquia, a partir de 1997 e, posteriormente, de 2003 a 2016, na capela do Palácio da Bemposta (Academia Militar);

e porque não dizê-lo, as minhas viagens de automóvel, algumas longas, nos anos 70 e daí para cá, para já não falar da minha própria casa…

Como vê, são muitas as etapas e as circunstâncias em que procurei estar sempre em dia e dentro das exigências das mesmas. Livros, discos, cassetes, CDs, DVDs eram verdadeiros instrumentos de trabalho, de cultura, de ocupação, de prazer…

Julgo ter sintetizado as razões da minha importante biblioteca e discoteca, das quais progressivamente e criteriosamente, me vou voluntariamente desfazendo.

Antes da sua formação académica no conservatório, que lugar tinha a música erudita no seu papel de formador no seminário?

Além de renovar completamente o repertório de cânticos religiosos que vinha de há longos anos (o que supunha rodear-me de bom material), comecei a interessar-me por vozes maravilhosas que os discos faziam chegar até nós (Mario Lanza, Luis Mariano, Alfredo Krauss etc, e por orquestras excecionais que nos traziam as mais belas melodias clássicas, canções famosas, música de filmes históricos…

Tive sempre a preocupação de partilhar com os meus jovens alunos algum desse maravilhoso mundo musical… Era importante para a educação da sua sensibilidade, dos seus gostos, da sua cultura.

Lembro-me, e muitos ex-alunos (quer do seminário, quer do ensino público) se recordarão de ter dado a ouvir, entre outras obras, uma pequena peça do compositor russo Alexander Borodine. Tratava-se de Nas estepes da Ásia Central. Era a caravana que surgia ao longe, a marcha dos camelos, a intensidade instrumental que “subia” a anunciar a chegada da caravana, a permanência no terreno, o retomar da marcha, os sons que se iam extinguido… até a caravana se perder de vista!… Era tudo tão belo, tão claro! Apaixonante!… O interesse era enorme. Os alunos começavam a compreender que a música tem um sentido, um conteúdo, uma intenção, uma finalidade, uma expressão!
O mesmo sucedeu com outras obras, como o Hino da Alegria, da IX Sinfonia de Beethoven! Etc etc.

Mas adverti-os sempre para que nada disto desviasse a atenção do essencial da sua formação!…

Em três palavras como se caracteriza a si mesmo?

Persistente! Perfecionista! Brioso!

Lisboa, 19 de março de 2018

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JOSÉ DE FREITAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL

Um barítono que é crítico de si próprio

Correio da Manhã, 28 de abril de 1986

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De padre a cantor principal de ópera no Teatro São Carlos

Diário de Notícias do Funchal, 11 de maio de 1986

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José de Freitas: de padre a cantor

Correio da Manhã, 02 de agosto de 1987

Mulher

Canções à mulher

Letras

Ando na rua da noite

[ Mulher-Mágoa ]

Ando na rua da noite,
Bebo vinho de saudade;
Cada esquina é um açoite
Fustigando a claridade.

Vou de noite pela noite,
De uma vida sem idade:
Não há corpo onde me acoite,
Não há casas na cidade.

Vou de noite pelo ventre
De ruas mal-assombradas,
Levo uma alma doente
Nas minhas mãos desfasadas.

Vou de noite pela noite,
De uma vida sem idade:
Não há corpo onde me acoite,
Não há casas na cidade.

No rio vejo um navio
Rumando rumo à infância…
Tenho frio, tenho frio,
Morro do mal da distância.

Corro as ruas da cidade
Sempre à procura de mim,
Mas ela não tem piedade
E nunca mais chego ao fim.

Ando na rua da vida,
Bebo sumo de tristeza;
Deitando contas à vida
Somo apenas a pobreza.

Ando na rua da vida,
Bebo sumo de tristeza;
Quem andar assim perdida
Não se encontra, com certeza.

Na cama só vejo lama,
Na rua só piso água;
Quem me fala? Quem me chama
O nome de Mulher-Mágoa?

Corro as ruas da cidade
Sempre à procura de mim,
Mas ela não tem piedade
E nunca mais chego ao fim.

Letra: José Carlos Ary dos Santos
Música: Nuno Nazareth Fernandes
Intérprete: Elisa Lisboa (in EP “Mulher-Mágoa”, Columbia/EMI, 1969, reed. digital Edições Valentim de Carvalho, 2021)
Elisa Lisboa – voz
Arranjo e direcção de orquestra – Jorge Machado

Elisa Lisboa, EP Mulher-Mágoa, Columbia/EMI, 1969

Elisa Lisboa, EP Mulher-Mágoa, Columbia/EMI, 1969

As canseiras desta vida

[ Canseiras ]

As canseiras desta vida
Tanta mãe envelhecida
A escovar
A escovar
A jaqueta carcomida
Fica um farrapo a brilhar

Cozinheira que se esmera
Faz a sopa de miséria
A contar
A contar
Os tostões da minha féria
E a panela a protestar

Dás as voltas ao suor
Fim do mês é dia 30
E a sexta é depois da quinta
Sempre de mal a pior

E cada um se lamenta
Que isto assim não pode ser
Que esta vida não se aguenta
– o que é que se há-de fazer?

Corta a carne, corta o peixe
Não há pão que o preço deixe
A poupar
A poupar
A notinha que se queixa
Tão difícil de ganhar

Anda a mãe do passarinho
A acartar o pão pró ninho
A cansar
A cansar
Com a lama do caminho
Só se sabe lamentar

É mentira, é verdade
Vai o tempo, vem a idade
A esticar
A esticar
A ilusão de liberdade
Pra morrer sem acordar

É na morte ou é na vida
Que está a chave escondida
Do portão
Do portão
Deste beco sem saída
-qual será a solução?

Autor: Bertolt Brecht/José Mário Branco
Intérprete: José Mário Branco

Reciclanda

Reciclanda

O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração), realiza oficinas de música durante o ano letivo e dinamiza atividades em colónias de férias. Municípios, Escolas, Agrupamentos, Colégios, Festivais, Bibliotecas, CERCI, Centros de Formação, Misericórdias, Centros de Relação Comunitária, podem contratar serviços Reciclanda.

Contacte-nos:

António José Ferreira
962 942 759

Já estou louca de estar só

[ Fala da Mulher Sozinha ]

Já estou louca de estar só,
Acompanhada de nada;
Já estou cheia de ser rua
Tão corrida, tão pisada;
Já estou prenhe de amizades,
Tão barriga de saudades…

Ai eu ainda um dia irei rasgar a solidão
E nela entrelaçar o olhar duma canção:
Chegar ao cume, ao cimo, ao alto,
Mais longe e mais além,
Mas a saber que sou alguém!

Na cidade sou loucura,
Sou begónia, sou ciúme…
E eu que sonhava ser lume,
Caminho, atalho e lonjura,
Não tenho assento na festa,
Sou a migalha que resta…

Ai eu ainda um dia irei rasgar a solidão
E nela entrelaçar o olhar duma canção:
Chegar ao cume, ao cimo, ao alto,
Mais longe e mais além,
Mas a saber que sou alguém!

Chegar ao cume, ao cimo, ao alto,
Mais longe e mais além,
Mas a saber que sou alguém!

Letra: Eduardo Olímpio
Música: Paco Bandeira
Intérprete: Margarida Bessa (in CD “Fado”, Movieplay, 1995)

Lá vem a Marianita

[ História da Marianita ]

Lá vem a Marianita, foi posta com as malas à porta
O amo mandou-a embora mas ela não chora, cá pouco se importa
Andava fisgado nela, foi ter-lhe ao quarto à tardinha
“Mariana, por mais que tu faças, tu de hoje não passas, és minha!”
“Não me dás cabo da vida que essa não ta dou por nada!
Mil vezes me dei perdida, mas outras mil eu dei-me achada.”

Desdenha, vem prenha
Pragueja, deseja e ralha mas quando trabalha não estranha

Que tens tu, ó Mariana, que não sossegas um dia?
Não foi proveito nem fama: já chora já mama, cá tudo se cria
Vai por serras e veredas a ver onde é que há jornada
Que importa que o povo diga se a vida castiga por tudo e por nada
O amo quere-a de volta mas ela não verga a haste
Hei-de criá-lo sozinha, a cria é só minha, tu tarde piaste

Desdenha, vem prenha
Pragueja, deseja e ralha mas quando trabalha não estranha

Desdenha, vem prenha
Pragueja, deseja e ralha mas quando trabalha não estranha

A noite é que guarda a Lia
O poente é que a embala
P’ra a vida não ser bravia
Tem de a gente amansá-la
A mão que nos guarda a vida
É a mão que nos dá a manha
Só leva a vida vencida
Quem aprova e não estranha

Letra e música: Sebastião Antunes
Intérprete: Sebastião Antunes & Quadrilha (in CD “Perguntei ao Tempo”, Sebastião Antunes/Alain Vachier Music Editions, 2019)
Versão original: Quadrilha com Segue-me à Capela (in CD “A Cor da Vontade”, Vachier & Associados, 2003)

Sebastião Antunes & Quadrilha
Sebastião Antunes & Quadrilha
Luísa sobe

[ Calçada de Carriche ]

Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda Luísa…

Poema: António Gedeão (excerto)
Música: José Niza
Arranjo: José Calvário
Intérprete: Carlos Mendes (in LP “Fala do Homem Nascido”, Orfeu, 1972, reed. Movieplay, 1998)

CALÇADA DE CARRICHE

António Gedeão, in “Teatro do Mundo”, Coimbra: Edição do autor, 1958; “Poesias Completas”, Portugália Editora, 1964, 5.ª edição, 1975 – p. 115-120; “Poemas Escolhidos: Antologia Organizada pelo Autor”, Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1997 – p. 34-37).

Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

António Gedeão/Rómulo de Carvalho
António Gedeão/Rómulo de Carvalho
Maria Joana, do que és tu feita?

[ Mulher Feiticeira ]

Maria Joana, do que és tu feita?
És entre os poetas mulher perfeita
São quantos os homens contigo enrolada
Na mente, no peito, na cama deitada?

São quantas as cores entre os teus amores que ficam mais vivas?
São quantos alentos que mudas ao centro por dentro da vida
Como uma miragem, contigo em viagem, teus apaixonados
Que ficam para sempre contigo na mente e em parte alterados?

O que tu tens, o que tu tens, Maria?
O que tu tens e do que é feito o teu ser?
O que tu tens, porque tens tu magia?
O que tu tens, o que tu tens que eu quero ter?

Maria Joana, descomplicada
Fragrância em delírio bem perfumada
Faz seus prisioneiros relaxando a vida
Dá o seu corpo inteiro com peso e medida

Acende-se a chama, ficas inspirado levando o teu ser
À serotonina que sobe tão fina subindo o prazer
De corpo suado, mostrando outro lado num lado qualquer
Fez sua magia, fez feitiçaria, Maria mulher

O que tu tens, o que tu tens, Maria?
O que tu tens e do que é feito o teu ser?
O que tu tens, porque tens tu magia?
O que tu tens, o que tu tens que eu quero ter?

No ser delicada, na vida focada e tão original
Que já não vê fronteiras, contorna barreiras, faz o desigual
Assume na vida nova perspectiva e sabe o que não quer
Faz feitiçaria com sua magia, Maria mulher

O que tu tens, o que tu tens, Maria?
O que tu tens e do que é feito o teu ser?
O que tu tens, porque tens tu magia?
O que tu tens, o que tu tens que eu quero ter?

Letra e música: Luís Pucarinho
Intérprete: Luís Pucarinho (in CD “SaiArodada”, Luís Pucarinho/Alain Vachier Music Editions, 2018)

Menina de olhar sereno

[ Menina do Alto da Serra ]

Menina de olhar sereno
raiando pela manhã
de seio duro e pequeno
num coletinho de lã.

Menina cheirando a feno
casado com hortelã.

Menina que no caminho
vais pisando formosura
levas nos olhos um ninho
todo em penas de ternura.
Menina de andar de linho
com um ribeiro à cintura.

Menina de andar de linho
com um ribeiro à cintura.

Menina da saia aos folhos
quem te vê fica lavado
água da sede dos olhos
pão que não foi amassado.

Menina de riso aos molhos
minha seiva de pinheiro
menina da saia aos folhos
alfazema sem canteiro.

Menina de corpo inteiro
com tranças de madrugada
que se levanta primeiro
do que a terra alvoraçada.

Menina de corpo inteiro
com tranças de madrugada
que se levanta primeiro
do que a terra alvoraçada.

Menina da saia aos folhos
quem te vê fica lavado
água da sede dos olhos
pão que não foi amassado.

Menina de fato novo
Ave-Maria da terra
rosa brava rosa povo
brisa do alto da serra.

Rosa brava rosa povo
brisa do alto da serra.

Letra: José Carlos Ary dos Santos
Música: Nuno Nazareth Fernandes
Intérprete: Kátia Guerreiro e Ney Matogrosso (in CD “Tudo ou Nada”, Som Livre, 2005)
Versão original: Tonicha – “Menina” (1971)

Minha mulher

[ Minha Metade ]

Minha mulher
Singelo encanto
Minha alma-irmã
És meu farol
Raio de sol
Luz da manhã

Minha empatia
Sabedoria
Sem ter idade
Minha poesia
Minha alegria
Minha metade

Meu lindo bem-querer
Rosa do meu jardim
Não canso de dizer
O que és p’ra mim:

Minha água clara
Pedra tão rara
Meu talismã
Rima e compasso
Meu terno amasso
Minha maçã

Minha pepita
Coisa bonita
Cheirosa flor
Minha certeza
Minha riqueza
Meu doce amor

Meu lindo bem-querer
Rosa do meu jardim
Não canso de dizer
O que és p’ra mim:

Minha água clara
Pedra tão rara
Meu talismã
Rima e compasso
Meu terno amasso
Minha maçã

Minha pepita
Coisa bonita
Cheirosa flor
Minha certeza
Minha riqueza
Meu doce amor

Letra e música: Aníbal Raposo (2011-01-31)
Intérprete: Aníbal Raposo (in CD “Rocha da Relva”, Aníbal Raposo/Global Point Music, 2013)

Mulher chegada ao sonho adolescente

[ Mulher-Amor ]

Mulher chegada ao sonho adolescente
botão de esperança num sorriso alegre
mulher inteira, coração contente
que guarda com ternura
a última boneca
para quem o amor é a coisa mais pura

Mulher capaz de ter nas mãos serenas
toda a força do amor que habita em si
e sabe pôr nas coisas mais pequenas
um gesto de ternura
mulher igual a mim
mulher que és mãe és a mulher mais pura

Mulher que chega à esquina da idade
carregada dos seus anos doirados
cada ruga lhe traz uma saudade
e afaga com ternura
seus cabelos grisalhos
bebendo o amor da sua fonte pura

cada ruga lhe traz uma saudade
e afaga com ternura
seus cabelos grisalhos
bebendo o amor da sua fonte pura

Letra: Manuel Lima Brummon
Música: António Chainho
Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Portugal Triste”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1980; CD “Tereza Tarouca”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 32, Movieplay, 1994; CD “Teresa Tarouca”, col. Clássicos da Renascença, vol. 15, Movieplay, 2000; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006)

António Chaínho
António Chaínho
Olha, não chores, maninha

[ Cicatriz de Ser Mulher ]

Olha, não chores, maninha,
que eu não sei se vai passar…
essa tristeza tão funda
não sei se passa a chorar!

Olha, que pena, maninha,
essa flor de malmequer,
essa tristeza tão funda,
cicatriz de ser mulher!

Lembras? Que lindo o teu homem
e que meigo o seu olhar
e como ardia o teu corpo
ao seu mais leve tocar?

Foi de repente, maninha,
como tudo se mudou:
o amante foi senhor,
o senhor tudo esmagou!

Sei que é tão frágil a flor
que brotou do coração
e dói ver um corpo bandido
desfolhá-la pelo chão!

Olha, que os homens, maninha,
andam tontos pelo mundo:
pisam com fúria tamanha
o seu berço mais profundo!

E já não falo da guerra
com soldados frente a frente:
deixam a saia sangrando,
deixam pegadas no ventre!

Dizem “quem cala consente!”,
mas custa tanto falar:
o medo dentro da gente
ficou mudo de gritar!

Olha, não chores, maninha,
que eu apago, se puder,
essa tristeza tão funda,
cicatriz de ser mulher!

Letra e música: João Lóio
Intérprete: João Lóio (in CD “Canções de Amor e Guerra”, João Lóio, 2002)

Meus amigos, sou de vidro

[ Sou de Vidro ]

Meus amigos, sou de vidro,
Sou de vidro escurecido,
Encubro a luz que me habita;
Não por ser feia ou bonita,
Mas por ter assim nascido,
Sou de vidro escurecido;
Mas por ter assim nascido,
Não me atinjam, não me toquem!
Meus amigos, sou de vidro.

Sou de vidro escurecido,
Tenho um fumo por vestido
E um cinto de escuridão,
Mas trago a transparência
Envolvida no que digo;
Meus amigos, sou de vidro.
Por isso não me maltratem,
Não me quebrem, não me partam!
Sou de vidro escurecido.

Tenho um fumo por vestido,
Mas por ter assim nascido,
Não por ser feia ou bonita;
Envolvida no que digo,
Encubro a luz que me habita;
Meus amigos, sou de vidro.
Não por ser feia ou bonita,
Mas por ter assim nascido,
Tenho um fumo por vestido.

Não me quebrem, não me partam!
Não me atinjam, não me toquem!
Meus amigos, sou de vidro.

Poema: Lídia Jorge
Música: Armando Machado (Fado Santa Luzia)
Intérprete: Mísia (in CD “Garras dos Sentidos”, Erato, 1998; 2CD “Mísia”: CD 2, WEA/Warner Music Spain, 2005)

Veio de longe

Maria Lua (Mulher)

Veio de longe
para encontrar
outra lua, outro lugar
Veio sozinha
Maria Lua
acende o mar

Sem pressa…
Sem medo…
nem nada…

Veio de longe
veio a cantar
outra terra, outro ar
Veio sozinha
Maria Lua
cor de luar

Maria Lua
lua do mar…

Ela sabe quem é
cheira a café
Ela sabe o que quer
é mulher

Maria Lua
nunca se há-de casar
Ela é amante do mar

Veio de longe
para encontrar
outra lua, outro lugar
Veio de longe
Maria Lua
acende o mar

Maria Lua
lua do mar…

Ela sabe quem é
cheira a café
Ela sabe o que quer
é mulher

Maria Lua
nunca se há-de casar
Ela é amante do mar

Maria Lua
nunca se há-de casar
Ela é amante do mar

Maria Lua
lua do mar…

Ela é amante do mar
Maria Lua
lua do mar…

Letra: Eugénia Ávila Ramos
Música: Tiago Oliveira
Intérprete: Rua da Lua (ao vivo no Teatro da Luz, Lisboa)
Versão original: Rua da Lua (in CD “Rua da Lua”, Rua da Lua, 2016)

Velha da terra morena

Mulher da Erva

Velha da terra morena
Pensa que é já lua cheia;
Vela que a onda condena
Feita em pedaços na areia.

Saia rota subindo a estrada,
Inda a noite rompendo vem,
A mulher pega na braçada
De erva fresca, supremo bem.

Canta a rola numa ramada,
Pela estrada vai a mulher:
“Meu senhor, nesta caminhada
Nem m’alembra do amanhecer!”

Há quem viva sem dar por nada,
Há quem morra sem tal saber…
Velha ardida, velha queimada,
Vende a fruta se queres comer.

À noitinha, a mulher alcança
Quem lhe compra do seu manjar,
Para dar à cabrinha mansa,
Erva fresca da cor do mar.

Na calçada uma mancha negra
Cobriu tudo e ali ficou:
Anda, velha da saia preta,
Flor que ao vento no chão tombou!

No Inverno terás fartura
Da erva fora supremo bem…
Canta, rola, tua amargura!
Manhã moça nunca mais vem…

Letra e música: José Afonso
Intérprete: Teresa Silva Carvalho / introdução por Vitorino (in LP “Ó Rama, Ó Que Linda Rama”, Orfeu, 1977, reed. Movieplay, 1994)

Créditos gerais do disco:
Teresa Silva Carvalho – voz
Júlio Pereira – violas acústica e clássica, bandolim e percussões
Pedro Caldeira Cabral – guitarra portuguesa e rabeca
Catarina Latino – flauta barroca e cornamusa
Zé Luiz Iglésias – viola clássica
Pintinhas – percussões
Hélder Reis – acordeão
Vitorino – voz masculina
Grupo Coral de cantadores do Redondo
Produção e direcção musical – Vitorino
Gravado nos Estúdios Arnaldo Trindade, Lisboa
Técnicos de som – Manuel Cunha e Moreno Pinto
URL: https://www.museudofado.pt/fado/personalidade/teresa-silva-carvalho

Capa do LP “Ó Rama, Ó Que Linda Rama” (Orfeu, 1977)
Desenho e execução – Jean Laffront

Elfiede Engelmayer dá a explicação deste texto: trata-se de uma velha mulher do Alentejo que ganhava a vida com a venda de erva.

José Afonso conheceu-a quando ela já tinha mais de setenta anos. Todos os dias, andava pelas ruas e estradas com uma cesta de erva cuja venda era o seu sustento e com que se alimentava o gado. Esta “profissão” desapareceu com a modernização da agricultura. A canção relata o encontro entre o cantor e a mulher.

Na segunda estrofe, ele vê-a a subir a estrada, vindo na sua direcção. Na terceira, eles trocam algumas palavras e depois ela prossegue o seu caminho sem ouvir o comentário do cantor. Na primeira estrofe, a “vela condenada pela onda” simboliza que ela não tem, e nunca teve, futuro.

Oona Soenario (in “A canção de intervenção Portuguesa: Contribuição para um estudo e tradução de textos”, Universidade de Antuérpia, 1994-1995)

Saudades

Canções de saudade

Letras

A saudade do teu cheiro

[ Ai o Meu Primeiro Amor ]

A saudade do teu cheiro
E o sorrir do teu olhar
Faz o meu corpo inteiro
Ganhar asas e voar

Num voo derradeiro
Sobrevoo o alto-mar
E nem o denso nevoeiro
Faz este fogo cessar

Ai o meu primeiro amor
Feito de um tímido beijo
É de todos o maior
É de todos o primeiro

Ai o meu primeiro Amor…

É um amor estrangeiro
Que vive em liberdade
Meu coração prisioneiro
Fica preso à saudade

Ai o meu primeiro amor
Feito de um tímido beijo
É de todos o maior
É de todos o primeiro

Ai o meu primeiro amor
Feito de um tímido beijo
É de todos o maior
É de todos o primeiro

Ai o meu primeiro Amor…
Ai o meu primeiro Amor…

Letra e música: Samuel Lopes
Intérprete: Citânia
Versão original: Citânia (in Livro/CD “Segredos do Mar”, Seven Muses, 2011)

Reciclanda

Reciclanda

O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e a qualidade de vida dos idosos. 

Contacte-nos:

António José Ferreira
962 942 759

A saudade enlouqueceu

[ A saudade Não existe ]

A saudade enlouqueceu
no dia em que tu partiste;
não sei o que é que me deu
se afirmei como um ateu
que a saudade não existe.

Então, o Fado fez pouco
da minha infelicidade
e nunca mais me deu troco.
Não sabe quem anda louco:
se sou eu ou a saudade

Coitado de quem a esquece,
nunca mais volta a ter paz.
Quando a saudade enlouquece,
a loucura é uma prece
com o Fado por detrás.
Coitado de quem a esquece,
nunca mais volta a ter paz.

A saudade ficou rouca
de tanto te ter chamado,
e anda de boca-em-boca;
comentam que ela está louca,
mas quem está louco é o Fado!

A Saudade Não Existe (A Saudade Enlouqueceu)
Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Joaquim Campos (Fado Amora)
Intérprete: Cristina Nóbrega
Versão original: Cristina Nóbrega (in CD “Um Fado para Fred Astaire”, Watch & Listen, 2014)
Outra versão de Cristina Nóbrega (grav. no Largo do Teatro Nacional de São Carlos, Lisboa, 29 Ago. 2014, in CD “Ao vivo no Chiado”, Watch & Listen, 2015)

Cristina Nóbrega, Ao Vivo no Chiado
Cristina Nóbrega, Ao Vivo no Chiado

A saudade, meu amor

[ Saudade, Silêncio e Sombra ]

A saudade, meu amor,
É o martírio maior
Da minha vida em pedaços,
Desde a tarde desse dia
Em que ao longe se perdia
P’ra sempre o som dos teus passos.

Saudades fazem lembrar
Silêncios do teu olhar,
Segredos da tua voz
E essa antiga melodia
Que o vento na ramaria
Murmurava só p’ra nós.

Lembras-te daquela vez
Quando eu cantava a teus pés
Trovas que não tinham fim,
Quando o luar prateava
E quando a noite orvalhava
As rosas desse jardim?

Jardim distante e deserto,
Sinto tão longe e tão perto
O passado que te ensombra…
Devaneio e realidade,
Silêncio, sombras, saudade,
Saudades, silêncio e sombr

Letra: D. Nuno Lorena
Música: Pedro Rodrigues (Fado Primavera)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Saudade, Silêncio e Sombra”, RCA Victor, 1964; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978; 2LP “Álbum de Recordações”: LP 1, Polydor/PolyGram, 1985; CD “Temas de Ouro da Música Portuguesa”, Polydor/PolyGram, 1992; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006; CD “Tereza Tarouca”, col. Fado Alma Lusitana III, vol. 3, Levoir / Correio da Manhã, 2014)

Era uma vez um comboio

[ ‘Inda me Alembra a Azeitona ]

Era uma vez um comboio
Em que me fui a montar:
Abalei nele p’rá cidade,
Nunca mais quis eu voltar.

Nunca mais quis eu voltar,
Ilusão da vida minha;
‘Inda me alembra a azeitona
Quando o medo guarda a vinha.

‘Inda me alembra a azeitona,
‘Inda me alembra o lagar:
Vinha a seguir à castanha
E depois de vindimar.

Vinha a seguir à castanha,
À castanha redondinha;
‘Inda me alembra a azeitona
E de rabiscar a vinha.

Uma vez cá na cidade
Quis comer migas de pão;
Tinha tudo p’ra as fazer,
Faltava-me o coração.

Faltava-me o coração
Que eu deixei à tua beira;
‘Inda me alembra a azeitona,
Ai, queira eu ou não queira.

‘Inda me alembra a azeitona,
‘Inda me alembra o lagar:
Vinha a seguir à castanha
E depois de vindimar.

Vinha a seguir à castanha,
À castanha redondinha;
‘Inda me alembra a azeitona
E de rabiscar a vinha.

Agora quero eu voltar
E já não tenho ninguém;
O coração que eu deixei
Deixou-me a mim também.

Deixou-me a mim a cismar
De alecrim e manjerona;
Não sei qual deles cheirar
Se ‘inda me alembra a azeitona.

‘Inda me alembra a azeitona,
‘Inda me alembra o lagar:
Vinha a seguir à castanha
E depois de vindimar.

Vinha a seguir à castanha,
À castanha redondinha;
‘Inda me alembra a azeitona
E de rabiscar a vinha.

Letra: Vítor Reia
Música: Jorge Semião
Intérprete: Vá-de-Viró (in CD “Por Aí…”, Música XXI – Associação Cultural, 2013)

Se me Levam Águas

MOTE ALHEIO

Se me levam águas,
nos olhos as levo.

VOLTAS

Se de saudade
morrerei ou não,
meus olhos dirão
de mim a verdade.
Por eles me atrevo
a lançar as águas
que mostrem as mágoas
que nesta alma levo.

As águas que em vão
me fazem chorar,
se elas são do mar
estas de amor são.
Por elas relevo
todas minhas mágoas;
que, se força de águas
me leva, eu as levo.

Todas me entristecem,
todas são salgadas;
porém as choradas
doces me parecem.
Correi, doces águas,
que, se em vós me enlevo,
não doem as mágoas
que no peito levo.

Poema (vilancete em redondilha menor): Luís de Camões (in “Rimas”, org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; “Obras de Luís de Camões”, Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 772-773)
Música: Luís Cília
Intérprete: Luís Cília (in LP “La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours – 1”, Moshé-Naïm, 1967; CD “La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours”, Moshé-Naïm/EMEN, 1996)

Em sonho lá vou

[ Longe Daqui ]

Em sonho lá vou de fugida,
Tão longe daqui, tão longe.
É triste viver tendo a vida
Tão longe daqui, tão longe.

Mais triste será quem não sofre
Do amor, a prisão sem grades.
No meu coração há um cofre
Com jóias que são saudades.

Tenho o meu amor para além do rio,
E eu cá deste lado cheiinha de frio.
Tenho o meu amor para além do mar,
E tantos abraços e beijos p’ra dar.

Oh bem que me dás mil cuidados,
Tão longe daqui, tão longe,
A Lua me leva recados,
Tão longe daqui, tão longe.

Quem me dera ir céu adiante,
Correndo veloz no vento:
Ter asas, chegar num instante
Onde está meu pensamento.

Tenho o meu amor para além do rio,
E eu cá deste lado cheiinha de frio.
Tenho o meu amor para além do mar,
E tantos abraços e beijos p’ra dar.

Tenho o meu amor para além do rio,
E eu cá deste lado cheiinha de frio.
Tenho o meu amor para além do mar,
E tantos abraços e beijos p’ra dar.

Nota: Na gravação original (amaliana), o primeiro verso da quarta estrofe tem a seguinte forma: “Ao bem que me dá mil cuidados”.

Letra: Hernâni Correia
Música: Arlindo de Carvalho
Intérprete: Cristina Nóbrega
Versão original: Amália Rodrigues (grav. 1970, in CD “Segredo”, EMI-VC, 1997; 3CD “É ou Não É?: os 45 rpm 1968-1975”: CD 1, Edições Valentim de Carvalho, 2018)

Amália Rodrigues em 1969
Amália Rodrigues em 1969

Eu tenho um xaile encarnado

[ Xaile Encarnado ]

Eu tenho um xaile encarnado
É uma lembrança tua
Tem um segredo bordado
Que às vezes eu trago à rua

Tem as marcas de uma vida
Que a vida marca no rosto
Mas ganha uma nova vida
Nas noites que o trago posto

Já foi lençol e bandeira
Vela de barco também
Tem marcas da vida inteira
Mas dizem que me cai bem

Se pensas que me perdi
Nalgum destino traçado
Para veres que não esqueci
Eu ponho o xaile encarnado

Letra: João Monge
Música: Armandinho (Fado da Adiça)
Intérprete: Aldina Duarte (in CD “Crua”, EMI, 2006)

Eu peguei em saudades tuas

[ Saudade solta ]

Eu peguei em saudades tuas
Fui plantá-las no meu jardim
Porque sei que assim continuas
Aqui bem juntinho a mim
E cantando a saudade eu sei
Algo aqui há-de nascer
Se tristeza eu semeei
Alegria hei-de colher
Alegria hei-de colher

Pedrinhas que houver eu hei-de tirar
E todas as ervas daninhas à volta
E o que vier virá lembrar
O que a vida prende a saudade solta
E sombras que houver eu hei-de afastar
E todas as ervas daninhas à volta
E o que vier virá lembrar
O que a vida prende a saudade solta

Novos dias vão chegar
Outras memórias felizes
E o vento que nos vergar
Não nos vai quebrar raízes
E cantando eu sei que fica
A saudade bem aqui
E a esperança que nos dá vida
Em mim não terá o fim
Sei que vais esperar por mim

Pedrinhas que houver eu hei-de tirar
E todas as ervas daninhas à volta
E o que vier virá lembrar
O que a vida prende a saudade solta
E sombras que houver eu hei-de afastar
E todas as ervas daninhas à volta
E o que vier virá lembrar
O que a vida prende a saudade solta

Pedrinhas que houver eu hei-de tirar
E todas as ervas daninhas à volta
E o que vier virá lembrar
O que a vida prende a saudade solta
E sombras que houver eu hei-de afastar
E todas as ervas daninhas à volta
E o que vier virá lembrar
O que a vida prende a saudade solta

Intérprete: Mariza

Eu preciso de te ver

Eu preciso de te ver,
Ausente d’amor sem razão,
Para te mostrar as sombras
Do quarto da solidão.
Eu preciso de te ver,
Ausente d’amor sem razão.

Eu preciso de te ver
Para matar este frio,
Que voa dentro de mim
Como as gaivotas no rio.
Eu preciso de te ver
Para matar este frio.

Eu preciso de te ver
Para matar esta saudade,
Que já começa a vestir
O tempo da minha idade.
Eu preciso de te ver
Para matar esta saudade.

Como ganhei a coragem
D’areia a beber a espuma,
Eu preciso de te ver
Mais uma vez, só mais uma.

Letra: Vasco de Lima Couto
Música: José Fontes Rocha (Fado Isabel)
Intérprete: Joana Amendoeira* (in CD “Amor Mais Perfeito: Tributo a José Fontes Rocha”, CNM, 2012)
Primeira versão (com a melodia do Fado Isabel): Beatriz da Conceição (in EP “Pomba Branca, Pomba Branca”, Banda/Movieplay, 1974; CD “Beatriz da Conceição”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 75, Movieplay, 1997; CD “Beatriz da Conceição”, col. Clássicos da Renascença, vol. 21, Movieplay, 2000)
Outra versão de Beatriz da Conceição (in CD “Tears of Lisbon”, Sony Classical, 1996)
Versão original (com a melodia do Fado Menor do Porto): Lucília do Carmo (in LP “Recordações”, Decca/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2008; CD “Lucília do Carmo” (compilação), col. Caravela, EMI-VC, 1997)

Beatriz da Conceição

fadista Beatriz da Conceição

Fecho os olhos já cansados

[ Solidão e Xisto ]

Fecho os olhos já cansados.
Relembro os tempos passados,
as finas flores de cerejeira,
os cereais secos na eira.
No percurso da memória,
vem à luz a mesma história
da minha aldeia adormecida
Vem à luz a mesma história.
Minha terra, minha alma
que antes era canto e vida!

Fecho os olhos navegantes.
Relembro tempos distantes
das terras fecundadas,
dias de sol e sementes lançadas.
Eram campos de alegria.
Hoje são pó e nostalgia
nesta aldeia adormecida.
Hoje pó e nostalgia.
Minha terra, minha alma
que antes era canto e vida!

Fecho os olhos de mansinho,
sigo agora outro caminho.
Desta terra me despeço
no embalo das vozes antigas.
Num lamento adormeço
ao rumor de velhas cantigas.
Espalho-me em sementes de alma
na terra de todos os campos.
Dela brotarão flores em cantos:
Que ainda sou, ainda existo
nesta aldeia de solidão e xisto.

Letra: Joana Lopes
Música: António Pedro
Intérprete: Musicalbi
Versão original: Musicalbi (in CD “Solidão e Xisto”, Musicalbi, 2019)

Há uma saudade guardada

[ A nossa voz ]

Letra: Mariza
Música: Fred, Vicente Palma, André Dias
Intérprete: Mariza

Na noite

[ Mais do Que Saudade ]

Na noite, lá longe um cão a ladrar
E o som que, se solta, levita no ar
Como que uma dança, vai alguém a correr;
Há carros e motas abanando o escuro,
Lembro o teu sorriso tão lindo, inseguro…
Não te sei chamar, o que hei-de fazer?

Onde estás, meu amor? Onde pairas?
Será que pensas em mim?
Também, como eu, estás assim?
Na verdade, isto é mais do que saudade,
É mais do que saudade.

Porquê este aperto a lembrar, tal e qual,
Que o longe da vista é como um Carnaval:
Olhar e sorrir, não mostrar que estou triste?
Prefiro deixar o coração de lado,
Ir à beira-rio, andar um bocado…
Será que paraste? Será que me ouviste?

Onde estás, meu amor? Onde pairas?
Será que pensas em mim?
Também, como eu, estás assim?
Na verdade, isto é mais do que saudade,
É mais do que saudade.

A saudade tem destas coisas estranhas,
Tem trejeitos, amua, tem também suas manhas:
Não quer admitir, diz que não, bate o pé;
Na verdade, sem ela em qualquer circunstância
Sentiria por ti esta falta, esta ânsia…
Muito mais que saudade, nem eu sei o que é.

Onde estás, meu amor? Onde pairas?
Será que pensas em mim?
Também, como eu, estás assim?
Na verdade, isto é mais do que saudade,
É mais do que saudade.

Na verdade, isto é mais do que saudade,
É mais do que saudade.

Letra e música: Amélia Muge
Arranjo: Amélia Muge e Quiné Teles
Intérprete: Ela Vaz (in CD “Eu”, Micaela Vaz, 2017)

No alto daquela fraga

[ Aroma da Saudade ]

No alto daquela fraga,
Vi teus olhos cintilar.
A distância traz a mágoa
De não te poder beijar.

Que saudades do teu cheiro,
Dos teus lábios de romã,
Dos recatos do celeiro,
Faces rubor de maçã!

Trigueira do Alentejo
Tens o mel do meu desejo,
No teu beijo
Um aroma da saudade.

Teus cabelos cor de trigo,
Teu perfume de alecrim.
Ao ribeiro vou contigo;
Não te apartes mais de mim!

Na eira corre o suão
E um aroma de poejo.
Coentros, migas de pão
Alimentam o desejo.

Trigueira do Alentejo
Tens o mel do meu desejo,
No teu beijo
Um aroma da saudade.

Trigueira do Alentejo
Tens o mel do meu desejo,
No teu beijo
Um aroma da saudade.
Trigueira do Alentejo…

Letra e música: Álvaro M. B. Amaro
Intérprete: Dialecto*
Versão original: Dialecto (in CD “Aromas”, Dialecto/Cloudnoise, 2011)

O meu avô dançava

[ Baile em Segredo ]

O meu avô dançava
O que a avó trauteava
E, com movimento,
A valsa voava.

Foi no salão de dança,
Mesmo a meio do mar
Quando um navio avança,
Dança e balança o par;
Mesmo a meio do mundo,
Longe o pulsar do cais
Num silêncio profundo,
Toca uma nota mais.

Ai, guarda os teus sentidos
Ai, numa caixa aberta:
São os contos vividos
Que um quadro liberta!
Ai, guarda a tua vida
Ai, num frasco de sais:
No calor da avenida,
O sol de volta ao cais!

A dimensão que o mundo
Tem do silêncio ouvir
Vem dum saber profundo:
O saber de existir.

O meu avô dançava
O que a avó trauteava
E, com movimento,
A valsa voava.

Letra: João Afonso Lima
Música: João Afonso Lima e António Afonso
Arranjo: Quiné Teles
Intérprete: Ela Vaz, com Uxía (in CD “Eu”, Micaela Vaz, 2017)
Versão original: João Afonso com António Afonso (in CD “Outra Vida”, Vachier & Associados/Universal, 2006)

Olá! Como é que estás?

[ SMS ]

— Olá! Como é que estás? Como é que vais?
Os dias por aqui seguem iguais
E passam sem trazer mais novidades;
Há muito que não sei nada de ti,
Mas pelo coração já percebi
Que ainda guardo aqui muita saudade.

— Se tu quiseres podemos tomar
Um copo ou um café para falar,
Pôr a conversa em dia um destes dias:
Quero saber de ti e do que fazes,
Saber se por acaso ainda trazes
Contigo aquele brilho que trazias.

Podemos ver um filme no cinema.
— E dar os dois a mão naquela cena.
— Ficar assim até aos créditos finais.
— Podemos ir os dois beber um gin.
— Dizer que a vida vai assim-assim…
— Os dias por aqui seguem iguais.

— Podias pôr aquele teu vestido,
Aquele azul com o ombro descaído,
Estampado a padrões orientais;
Gostava de levar-te a jantar fora,
Por mim podemos ir a qualquer hora
Porque aqui os dias seguem sempre iguais.

— Desculpa se o telefone te acordou,
Escrevi-te porque o coração mandou,
Ele já não podia esperar mais;
Eu já ouvi dizer que o tempo cura
Mas sei que a tua falta ainda dura…
Os dias por aqui seguem iguais.

Não me leves a mal por te escrever
Nem sintas que é preciso responder,
É só uma mensagem, nada mais;
Só escrevo p’ra dizer que ainda te quero
E quando a lua vem ainda te espero…
As noites por aqui seguem iguais.

— As noites por aqui seguem iguais.
— As noites por aqui seguem iguais.
— Os dias por aqui seguem iguais.
— As noites por aqui seguem iguais.

Letra: José Fialho Gouveia
Música e arranjo: Rogério Charraz
Intérprete: Rogério Charraz com Katia Guerreiro (in CD “Não Tenhas Medo do Escuro”, Rogério Charraz/Compact Records, 2016)

Os olhos do meu amor

[ Dois Navios ]

Os olhos do meu amor são dois navios de guerra;
navegam pelo mar fundo, deitam faíscas à terra.
Ó pombinh’enrol’enrol’ai! ó meu pomb’enroladore;
já lá vem ‘àssobiare a caldeira do vapore.

A caldeira do vapor’ai! ó meu pomb’enrol’enrola.
Eu hei-d’ir par’à Espanha casar com ‘ma espanhola.
Casar com ‘ma espanhola, qu’elas são moças bonitas;
usam sai’à papo-seco, sapatos, meias e ligas.

Ó meu amor, eu fujo pelo mar’abaix’eu sou marujo.
Ó meu amor, eu fujo pelo mar’abaix’eu sou marujo.
Eu sou marujo mais ela.
Eu sou marujo mais ela.
Pelo mar’abaixo vai um barco à vela.
Pelo mar’abaixo vai um barco à vela.

Ó pescador da barquinha! Qu’ei lá! Volt’à trás que vais perdido!
Porquê? Essa mulher qu’aí levas!
Que tem? É casad’e tem marido!
Vá de banda, carabola, vá de banda, vá de banda, carol’olé!
Eu sei falar à ‘spanhola, cara linda, “mira usted”.
Vá de banda, carabola, vá de banda, vá de banda, carol’olé!
Eu sei falar à ‘spanhola, cara linda, “mira usted”.

Vá de banda, carabola, vá de banda, vá de banda, carol’olé!
Eu sei falar à ‘spanhola, cara linda, “mira usted”.
Vá de banda, carabola, vá de banda, vá de banda, carol’olé!
Eu sei falar à ‘spanhola, cara linda, “mira usted”.

Letra e música: Tradicional portuguesa
Arranjo: Paulo Cunha
Intérprete: Vá-de-Viró (in CD “Por Aí…”, Música XXI – Associação Cultural, 2013)

Quando o amor se cansar

[ O Que É Que Eu Digo à Saudade? ]

Quando o amor se cansar e tu partires,
Ficarmos no silêncio desta idade,
Sem um adeus sequer tu me dizeres,
Uma palavra, um gesto de amizade;
Sem um adeus sequer tu me dizeres,
Amor, que vou dizer nesta saudade?

O que é que eu digo à saudade
Sem teus olhos p’ra me olhar?
O que é que eu digo à saudade
Sem teus lábios p’ra beijar?
O que é que eu digo à saudade
Sem teu corpo para amar?
O que é que eu digo à saudade
Se não me vens abraçar?
O que é que eu digo à saudade
Sem teu cheiro respirar?
O que é que eu digo à saudade
Com tanto amor para dar?

E na cama sozinha em que te penso,
Em que me venço inteira, com verdade,
Sendo a ti, meu amor, a quem pertenço,
Porque não és de mim outra metade?
E se é pensando em ti que eu adormeço,
O que é que eu digo à noite e à saudade?

O que é que eu digo à saudade
Sem teus olhos p’ra me olhar?
O que é que eu digo à saudade
Sem teus lábios p’ra beijar?
O que é que eu digo à saudade
Sem teu corpo para amar?
O que é que eu digo à saudade
Se não me vens abraçar?
O que é que eu digo à saudade
Sem teu cheiro respirar?
O que é que eu digo à saudade
Com tanto amor para dar?

O que é que eu digo à saudade
Sem teu cheiro respirar?
O que é que eu digo à saudade
Com tanto amor para dar?

O que é que eu digo à saudade
Sem teu cheiro respirar?
O que é que eu digo à saudade
Com tanto amor para dar?
O que é que eu digo à saudade
Sem teu cheiro respirar?
O que é que eu digo à saudade
Com tanto amor para dar?

Letra: José Luís Gordo e Mário Rainho
Música: José Fontes Rocha
Intérprete: Joana Amendoeira (in CD “Amor Mais Perfeito: Tributo a José Fontes Rocha”, CNM, 2012)
Versão original: Maria da Fé (in LP “Amor na Minha Voz”, MBP, 1989, reed. CD “Estar Contigo”, Ovação, ?)
Outra versão de Maria da Fé (in CD “Canto Lusitano”, Ovação, 1993; CD “Maria da Fé”, col. Estrelas da Música Portuguesa, Ovação, 2015)

A Vida Que Há na Saudade

Quando o silêncio me diz
que a vida está por um triz,
e eu sei que fala verdade,
vou p’ra trás de uma guitarra
e a minha voz agarra
a vida que há na saudade.

Vem um fado e outro fado
e o coração, cansado,
diz que não quer sofrer tanto,
porque já sabe de cor
o que lhe faz o Menor
de cada vez que eu o canto.

Mas o guitarrista toca
uma guitarra que evoca
outra guitarra mais triste:
está guardada no meu peito
e toca um fado que é feito
da dor mais forte que existe.

Ao escutá-la no meu sangue,
o meu coração exangue
volta a bater com vontade:
e é nas cordas da viola
que a minha vida se enrola
na vida que há na saudade!

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Alfredo Duarte “Marceneiro” (Fado Cravo)
Intérprete: Cristina Nóbrega (ao vivo no Teatro da Luz, Lisboa)
Versão original: Cristina Nóbrega (in CD “Um Fado para Fred Astaire”, Watch & Listen, 2014)

Alfredo Marceneiro
Alfredo Marceneiro

Quando se tem pouca idade

[ A Vida Como Ela É ]

Quando se tem pouca idade
Só se percebe a saudade
Se espreitamos à janela;
E ao vermos a mãe partir
Só pensamos em fugir
P’ra baixo das saias dela.

Saudade é ter que ir p’rá cama
Após vestir o pijama
E sonhar com temporais;
Mas por ter medo do escuro
Ir num passinho inseguro
Dormir p’rá cama dos pais.

É estar com gripe ou anginas,
Encharcado em aspirinas
E saber que os companheiros
Lá foram jogar à bola
No campeonato da escola,
Mas não foram os primeiros.

É o brinquedo estragado,
É o sapato apertado
Que já não cabe no pé;
É tudo o que ao ir embora
Nos obriga a ver agora
A vida como ela é.

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Casimiro Ramos (Fado Três Bairros)
Intérprete: Joana Amendoeira* (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)

Saudosos estão os meus olhos

[ Saudade Atrás de Saudade ]

Saudosos estão os meus olhos
do fitar do teu olhar;
Saudosas estão minhas mãos
das tuas mãos afagar.

Saudoso está o meu corpo
do teu corpo me abraçar;
Saudosa está minha voz
de ouvir a tua falar.

Saudade atrás de saudade,
saudade só me ficou
do tempo em que a tua vida
p’la minha vida passou.

Saudade atrás de saudade,
saudade só me ficou
do tempo em que a tua vida
p’la minha vida passou.

Saudoso está meu penar
do tempo em que não penava;
Saudosa está minha boca
da tua quando a beijava.

Saudosa está minha alma
por tua alma não ter;
Saudoso está o meu riso
podia já não saber.

Saudade atrás de saudade,
saudade só me ficou
do tempo em que a tua vida
p’la minha vida passou.

Saudade atrás de saudade,
saudade só me ficou
do tempo em que a tua vida
p’la minha vida passou.

Saudade atrás de saudade,
saudade só me ficou
do tempo em que a tua vida
p’la minha vida passou.

Saudade atrás de saudade,
saudade só me ficou
do tempo em que a tua vida
p’la minha vida passou.

Letra: Dina Carapeto
Música: Jorge Semião
Intérprete: Vá-de-Viró (in CD “Por Aí…”, Música XXI – Associação Cultural, 2013)

Três Paus

Três paus
é só quanto custa um bilhete
para percorrer o velho tapete
daquele cinema
onde passa aquele filme que vimos mil vezes

Três paus
não pagaram o que fizeste
o beijo e a mão que então tu me deste
Foi na sala escura
que acendeste a luz da minha velha prece

Venham, venham ver o maior filme de sempre!
Hoje no Cinema Central
uma história de amor como não há igual.
Ela foge p’ra casar… Ele morre atropelado
O pai desembestado
rouba o neto à sua mãe… e mais não conto!
Só custa três paus!

Três paus
é já quanto custa um sorvete
mais caro que um copo de clarete
servido bem frio
numa tarde longa de um Verão quente

Três paus
eram de morango e folia
gargalhadas do mais doce que havia
soltavam no ar
coisas muito tolas que enchiam os dias

É frut’ó chocolate!
P’ró menino e p’rá menina!
Ó minha senhora, não vai um geladinho?
Refresca até o cabelo, o meu sorvete fresquinho.
Prove lá, avozinha!
Não me diga que não gosta desta categoria?!
Só custa três paus!

Três paus
marcam o sabor de uma vida
que nunca se acaba na despedida
nos anos felizes
da idade nova breve e distraída

Letra: Eugénia Ávila Ramos
Música: Carlos Lopes
Intérprete: Rua da Lua* (in CD “Rua da Lua”, Rua da Lua, 2016)

António Variações

Canções sobre a vida

Letras

A contas com o bem

[ Inquietação ]

A contas com o bem que tu me fazes
A contas com o mal por que passei
Com tantas guerras que travei
Já não sei fazer as pazes

São flores aos milhões entre ruínas
Meu peito feito campo de batalha
Cada alvorada que me ensinas
Oiro em pó que o vento espalha

Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei – ainda

Há sempre qualquer coisa que está p’ra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei – ainda

Ensinas-me fazer tantas perguntas
Na volta das respostas que eu trazia
Quantas promessas eu faria
Se as cumprisse todas juntas

Não me largues esta mão no torvelinho
Pois falta sempre pouco p’ra chegar
Eu não meti o barco ao mar
P’ra ficar pelo caminho

Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei – ainda

Há sempre qualquer coisa que está p’ra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei – ainda

Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Mas sei
É que não sei ainda

Há sempre qualquer coisa que está p’ra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Mas sei
É que não sei ainda

Há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer
Qualquer coisa que eu devia resolver
Porquê, não sei
Mas sei
Que essa coisa é que é linda!

Letra e música: José Mário Branco
Intérprete: José Mário Branco (in 2LP “Ser Solidário”: LP 2, Edisom, 1982, reed. EMI-VC, 1996, Parlophone/Warner Music Portugal, 2017, 2018)

Amigos cento e dez

[ Os Amigos ]

Amigos cento e dez, ou talvez mais,
Eu já contei. Vaidades que sentia!
Supus que sobre a Terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais.

Amigos cento e dez, tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia,
Que, já farto de os ver, me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.

Um dia adoeci profundamente.
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.

— Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego, não nos pode ver…
Que cento e nove impávidos marotos!

Um dia adoeci profundamente.
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.

— Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego, não nos pode ver…
Que cento e nove impávidos marotos!

Poema: Camilo Castelo Branco (ligeiramente adaptado)
Intérprete: Afonso Dias (in CD “Geometria do Sul”, Edere, 2002)

De tanta vida que prendo

[ Fado do Cansaço ]

Do Que um Homem É Capaz

Do que um homem é capaz,
As coisas que ele faz
P’ra chegar aonde quer:
É capaz de dar a vida
P’ra levar de vencida
Uma razão de viver.

A vida é como uma estrada
Que vai sendo traçada
Sem nunca arrepiar caminho;
E quem pensa estar parado
Vai no sentido errado
A caminhar sozinho.

Vejo gente cuja vida
Vai sendo consumida
Por miragens de poder.
Agarrados a alguns ossos
No meio dos destroços
Do que nunca vão fazer,

Vão poluindo o percurso
Co’ as sobras do discurso
Que lhes serviu pr’ abrir caminho;
À custa das nossas utopias
Usurpam regalias
P’ra consumir sozinhos.

Com políticas concretas
Impõem essas metas
Que nos entram casa dentro,
Como a Trilateral
Co’ a treta liberal
E as virtudes do centro.

No lugar da consciência
A lei da concorrência
Pisando tudo p’lo caminho;
P’ra castrar a juventude
Mascaram de virtude
O querer vencer sozinho.

Ficam cínicos, brutais
Descendo cada vez mais
P’ra subir cada vez menos:
Quanto mais o mal se expande
Mais acham que ser grande
É lixar os mais pequenos.

Quem escolhe ser assim,
Quando chegar ao fim,
Vai ver que errou o seu caminho:
Quando a vida é hipotecada
No fim não sobra nada
E acaba-se sozinho.

Mesmo sendo os poderosos
Tão fracos e gulosos
Que precisam do poder,
Mesmo havendo tanta gente
P’ra quem é indif’rente
Passar a vida a morrer,

Há princípios e valores,
Há sonhos e há amores
Que sempre irão abrir caminho;
E quem viver abraçado
À vida que há ao lado
Não vai morrer sozinho;
E quem morrer abraçado
À vida que há ao lado
Não vai viver sozinho.

Letra e música: José Mário Branco (para a peça “Gulliver”, adaptada por Hélder Costa do romance “As Viagens de Gulliver”, de Jonathan Swft, levada à cena pelo grupo de teatro “A Barraca” em 1997)
Intérprete: José Mário Branco (in CD “Resistir É Vencer”, José Mário Branco/EMI-VC, 2004, reed. Parlophone/Warner Music Portugal, 2017)

É ou não é

É ou não é
Que o trabalho dignifica
É assim que nos explica
O rifão que nunca falha?
É ou não é
Que disto, toda a verdade,
Que só por dignidade
No mundo, ninguém trabalha!

É ou não é
Que o povo nos diz que não,
Que o nariz não é feição
Seja grande ou delicado?
No meio da cara
Tem por força que se ver,
Mesmo a quem o não meter
Aonde não é chamado!

Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é!
Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é! Pois é!

É ou não é
Que um velho que à rua saia
Pensa, ao ver a minissaia:
Este mundo está perdido?!
Mas se voltasse
Agora a ser rapazote
Acharia que saiote
É muitíssimo comprido?

É ou não é
Bondosa a humanidade
Todos sabem que a bondade
É que faz ganhar o céu?
Mas a verdade,
Nua sem salamaleque,
Que tive de aprender
É que ai de mim se não for eu!

Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é!
Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é! Pois é!

Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é!
Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é! Pois é!

Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é!
Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é! Pois é!

Letra: Alberto Janes
Intérprete: Mariza

Estrada da vida

Estrada da vida,
Oh estrada do meu destino,
Onde, feito peregrino,
Meu coração se perdeu!
Estrada da vida,
Feita de dor e de esperança,
Quem a subiu não se cansa,
Que o diga quem a desceu.

Estrada da vida,
Longa estrada onde eu sigo,
Sem ter mesmo um braço amigo
Onde me possa apoiar;
Estrada da vida,
Onde os passos mal dados
Ficam p’ra sempre marcados
Como na pele a sangrar.

Volta depressa,
Ó minha esperança perdida!
Um rumo certo na vida
Quero por fim encontrar.

Volta depressa,
Ó minha esperança perdida!
Um rumo certo na vida
Quero por fim encontrar.

Volta depressa,
Ó minha esperança perdida!
Um rumo certo na vida
Quero por fim encontrar.

Letra e música: João Dias Nobre
Intérprete: Ricardo Ribeiro (in CD “Hoje É Assim, Amanhã Não Sei”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2016)
Versão original: Maria José da Guia (in EP “Barro Divino”, Estúdio/Mundusom, 1969?)

Reciclanda

Reciclanda

O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração), realiza oficinas de música durante o ano letivo e dinamiza atividades em colónias de férias. Municípios, Escolas, Agrupamentos, Colégios, Festivais, Bibliotecas, CERCI, Centros de Formação, Misericórdias, Centros de Relação Comunitária, podem contratar serviços Reciclanda.

Contacte-nos:

António José Ferreira
962 942 759

Eu nasci lá para os lados do rio

[ A Escola ]

Eu nasci lá para os lados do rio
passava os dias a jogar à bola
mas eu não era excepção
e antes que desse por isso
já estava na escola

O programa elementar
entre o Euclides e o Arquimedes
mas sempre que a informação
dá uma volta no espaço
eu quero sintonizar

A escola ainda não acabou
há sempre tanta matéria a estudar
que eu chego mesmo a ter medo
de em qualquer momento
já não ter lugar
já não ter lugar
para mais conhecimento

Já consigo filosofar
sei uma ou duas palavras em grego
enquanto o tempo deixar
e a escola não se afundar
vou alterando o meu ego

Vou deixando as moscas pairar
vou vendo se o Godot já chegou
e quando me dá na tola
dou um chuto na bola
só p’ra me aliviar

A escola ainda não acabou
há sempre tanta matéria a estudar
que eu chego mesmo a ter medo
de em qualquer momento
já não ter lugar
já não ter lugar
para mais conhecimento

A escola ainda não acabou
há sempre tanta matéria a estudar
que eu chego mesmo a ter medo
de em qualquer momento
já não ter lugar
já não ter lugar
para mais conhecimento
mais conhecimento

Letra e música: Jorge Palma
Intérprete: Jorge Palma (in LP “Bairro do Amor”, Philips/Polygram, 1989, reed. Philips/Polygram, 1998, Universal Music Portugal, 2014, 2015; CD “Dá-me Lume: O Melhor de Jorge Palma”, Mercury/Universal Music Portugal, 2000)

Eu sei

[ O tempo não para ]

Eu sei, que a vida tem pressa
que tudo aconteça,
sem que a gente peça,
Eu sei,
Eu sei, que o tempo não pára,
tempo é coisa rara
e a gente só repara,
quando ele já passou

Não sei, se andei depressa demais
Mas sei que algum sorriso eu perdi
Vou pedir ao tempo,
que me dê mais tempo
para olhar para ti
De agora em diante,
não serei distante
Eu vou estar aqui

Cantei,
cantei a Saudade da minha cidade
e até com vaidade, cantei
Andei, pelo Mundo fora
e não via a hora
de voltar para ti

Não sei, se andei depressa demais
Mas sei que algum sorriso eu perdi
Vou pedir ao tempo,
que me dê mais tempo
para olhar para ti
De agora em diante,
não serei distante
Eu vou estar aqui

Música: Miguel Gameiro
Intérprete: Mariza

Eu tenho o domingo

[ Dia em Dia ]

Eu tenho o domingo
p’ra fechar os olhos
crer na felicidade
crer na felicidade
por dentro de um sonho

Eu tenho a segunda
p’ra saber chegar
sem surpresa aos dias
sem surpresa aos dias
que me hão-de matar

Tenho a terça-feira
p’ra comer as horas
umas depois doutras
umas depois doutras
entre um sim e um não

E na quarta-feira
eu já estou além
olho para trás
olho para trás
entre hoje e ontem

E na quinta-feira
não há mais questões
há só que encontrar
há só que encontrar
boas conclusões

Sexta faço, invento
o fim de uma frase
que de toda a semana
que de toda a semana
justifica o meu tempo

Sábado já sei
não estou só com
meus vagares
pois há sempre dois
nas histórias lunares

Sábado já sei
não estou só com
meus vagares
pois há sempre dois
nas histórias lunares

Poema e música: Amélia Muge (ao Zeca Afonso)
Intérprete: Amélia Muge (in CD “Múgica”, UPAV, 1992)

Hoje, a semente

[ O Melhor de Mim ]

Letra: AC Firmino
Música: Tiago Machado
Intérprete: Mariza

Largar, partir

Largar, partir
Desta terra pardacenta
Desta gente sempre igual
Macambúzia, pachorrenta
Indiferente e desatenta
Deste imenso lamaçal
De chorincas
Eternos sorumbáticos
De sopinhas sem sal
Dengosos e apáticos
Seus choros melismáticos
Lamúrias em caudal
A verter, a verter
Pois chorar é beber!

Largar, partir
Rumo a terras misteriosas
Com segredos sem ter fim
Criaturas majestosas
Outras tantas tenebrosas
Como nunca vi assim
E tesouros
Druidas, feiticeiros
E pós de perlimpimpim
Princesas e arqueiros
Sereias, viageiros
Tudo novo para mim
A encher, a encher
Pois partir é crescer!

Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
A não ser p’ra voltar a partir

Largar, partir
Rumo a terras misteriosas
Com segredos sem ter fim
Criaturas majestosas
Outras tantas tenebrosas
Como nunca vi assim
E tesouros
Druidas, feiticeiros
E pós de perlimpimpim
Princesas e arqueiros
Sereias, viageiros
Tudo novo para mim
A encher, a encher
Pois partir é crescer!

Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
A não ser p’ra voltar a partir

Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
A não ser p’ra voltar a partir

Letra e música: Manuel Maio
Intérprete: A Presença das Formigas (in CD “Pé de Vento”, A Presença das Formigas/Careto/XMusic, 2014)

Gaivotas

Muda de vida

Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se a vida em ti a latejar

Ver-te sorrir eu nunca te vi
E a cantar, eu nunca te ouvi
Será te ti, ou pensas que tens… que ser assim?

Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se a vida em ti a latejar

Ver-te sorrir eu nunca te vi
E a cantar, eu nunca te ouvi
Será te ti, ou pensas que tens… que ser assim?

Olha que a vida não, não é nem deve ser
Como um castigo que tu terás que viver

Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se a vida em ti a latejar

Letra e música: António Variações
Intérprete: Manuela Azevedo / Humanos (in CD “Humanos”, EMI-VC, 2004)

Não consigo dominar

[ Estou Além ]

Não consigo dominar
Este estado de ansiedade
A pressa de chegar
P’ra não chegar tarde
Não sei de que é que eu fujo
Será desta solidão
Mas porque é que eu recuso
Quem quer dar-me a mão

Vou continuar a procurar
A quem eu me quero dar
Porque até aqui eu só

Quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi

Esta insatisfação
Não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder
Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
Vontade de partir
P’ra outro lugar

Vou continuar a procurar
O meu mundo, o meu lugar
Porque até aqui eu só

Estou bem
Aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou

Esta insatisfação
Não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder
Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
Vontade de partir
P’ra outro lugar

Vou continuar a procurar
A minha forma, o meu lugar
Porque até aqui eu só

Estou bem
Aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou

Letra e música: António Variações (António Joaquim Rodrigues Ribeiro)
Intérprete: António Variações (in single “Povo Que Lavas no Rio / Estou Além”, EMI-VC, 1982; “Anjo da Guarda”, EMI-VC, 1983, reed. 1998; CD “O Melhor de António Variações”, EMI-VC, 1997)

Rapaz do Bairro da Lata

Nasci no Vale Escuro
Brinquei entre latas
Pulei o alão
Andei à pedrada
Escorreguei do muro
Caí no jará
Ganhei ao pião.
A jogar à bola
Perdi a sacola
Mais o que trazia
A fugir ao guarda
Que nos perseguia.
Mas que bem sabia
Faltarmos à escola!

Já rapaz crescido
Sequer fui ouvido
Só meu pai o quis:
Entrei de aprendiz
Para uma oficina
Minha negra sina
Ofício gritado
Estalo safanão
Era um pau-mandado
Nas mãos do patrão.

Lembrança dos jogos
Que tanto gostava
Deu-me pra pensar
Que jogo era aquele
Que só um jogava?
E no outro dia
Logo que o patrão
Levantou da mão
Para a bofetada
Peguei num martelo
Entrei na jogada.

Mudei de oficina
Subi de aprendiz
Dobrei uma esquina
Minha vida fiz.
Na escola nocturna
Meti-me a estudar
Tenho namorada
Vamos namorar
Tenho amigos certos
Vamos trabalhar
Todos a lutar
Pelas coisas da vida
Que queremos viver!

Poema: Manuel da Fonseca (De “Poemas Inéditos”, in “Poemas Completos”, pref. Mário Dionísio, 5.ª edição, Lisboa: Forja, 1975 – p. 171-172)
Música: Paulo Ribeiro
Intérprete: Paulo Ribeiro com Tim (in CD “O Céu Como Tecto e o Vento Como Lençóis”, Açor/Emiliano Toste, 2017)

Manuel da Fonseca

Manuel da Fonseca

Não tenhas medo do escuro

Não tenhas medo do escuro
Mesmo que seja tão duro
Ter à frente a noite inteira;
Vou cantar para tu dormires
E até tu conseguires
Fico à tua cabeceira.

Para que fiques descansada
E não durmas assustada
Vou deixar a luz acesa;
Assim podes ter certeza
Que não há sombra malvada
Que te apanhe de surpresa.

Não fiques assim de cara triste!
O que dói nunca resiste até mais não
E nada cai mais fundo do que o chão.

Tristeza não é feitio
E o calor depois do frio
É tão certo como o Verão;
Por maior que seja a ferida
Tu vais ver que tem saída
Essa dor no coração.

Mesmo que tudo pareça
Não ter pés nem ter cabeça,
Mete fé no que eu te juro;
Eu vou estar aqui por perto
E não há nada mais certo
Que a manhã depois do escuro.

Não fiques assim de cara triste!
O que dói nunca resiste até mais não
E nada cai mais fundo do que o chão.

Não fiques assim de cara triste!
O que dói nunca resiste até mais não
E nada cai mais fundo do que o chão.

E nada cai mais fundo do que o chão.

Letra: José Fialho Gouveia
Música: Rogério Charraz
Arranjo: Rogério Charraz, Paulo Loureiro e Jaume Pradas
Intérprete: Rogério Charraz (in CD “Não Tenhas Medo do Escuro”, Rogério Charraz/Compact Records, 2016)

Largar, partir

Largar, partir
Desta terra pardacenta
Desta gente sempre igual
Macambúzia, pachorrenta
Indiferente e desatenta
Deste imenso lamaçal
De chorincas
Eternos sorumbáticos
De sopinhas sem sal
Dengosos e apáticos
Seus choros melismáticos
Lamúrias em caudal
A verter, a verter
Pois chorar é beber!

Largar, partir
Rumo a terras misteriosas
Com segredos sem ter fim
Criaturas majestosas
Outras tantas tenebrosas
Como nunca vi assim
E tesouros
Druidas, feiticeiros
E pós de perlimpimpim
Princesas e arqueiros
Sereias, viageiros
Tudo novo para mim
A encher, a encher
Pois partir é crescer!

Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
A não ser p’ra voltar a partir

Largar, partir
Rumo a terras misteriosas
Com segredos sem ter fim
Criaturas majestosas
Outras tantas tenebrosas
Como nunca vi assim
E tesouros
Druidas, feiticeiros
E pós de perlimpimpim
Princesas e arqueiros
Sereias, viageiros
Tudo novo para mim
A encher, a encher
Pois partir é crescer!

Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
A não ser p’ra voltar a partir

Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
Largar, partir, voar
Sem ter certo onde ir
Sem ter por que voltar
A não ser p’ra voltar a partir

Letra e música: Manuel Maio
Intérprete: A Presença das Formigas (in CD “Pé de Vento”, A Presença das Formigas/Careto/XMusic, 2014)

O dia não te correu bem

[ A Mesma Camisola ]

O dia não te correu bem e não gostas do que fazes
E agora só pedes um pouco de atenção
Diz tudo para fora, estou pronto para ouvir
Diz-me algo que não saiba e que te dê a razão
Vais ter de mim um ar de sério compreensivo
Num abraço convincente, como se fosse um irmão
Diz agora o que te vai na mente e no que puder ajudar
Tens aqui um amigo com quem… com quem podes contar
No fundo, na frente, na mesma camisola,
A frio, a quente com a cara para dar
No bom, no mau, no que importa realmente
Levo a tua bandeira, onde consiga chegar

O dia não te correu bem e não gostas do que fazes
Não é culpa de ninguém e podes sempre mudar
Procura no que sabes um caminho para andar
Trata a vida sempre bem, que ela bem te vai tratar
Põe amor no teu caminho e a verdade ao de cima
Nunca ficarás sozinho e podes ajudar também
Se alguém no teu presente possa a vir necessitar
Faz de ti um amigo com quem… com quem se possa contar
No fundo, na frente, na mesma camisola,
A frio, a quente com a cara para dar
No bom, no mau, no que importa realmente
Levo a tua bandeira, onde consiga chegar

No fundo, na frente, na mesma camisola,
A frio, a quente e com a cara para dar
No bom, no mau, no que importa realmente
Levo a tua bandeira, onde consiga chegar

No fundo, na frente, na mesma camisola,
A frio, a quente e com a cara para dar
No bom, no mau, no que importa realmente
Levo a tua bandeira…

Letra e música: Luís Pucarinho
Intérprete: Luís Pucarinho com Jorge Benvinda (in CD “Orgânica Mente Humana”, Caracol Secreto Associação/Alain Vachier Music Editions, 2015)

O que é a vida?

[ Fala do Índio ]

O que é a vida? É o brilho.
O que é a vida? É a noite.
É o sopro do bisonte
no inverno, no inverno.

É sombra que corre na erva
e se perde ao fim do dia.
As cinzas dos antepassados
são p’ra nós sagradas
e quando os bosques sussurram
não sentimos medo,
e quando os bosques sussurram
não sentimos medo.

O que é a vida? É o brilho.
O que é a vida? É a noite.
É o sopro do bisonte
no inverno, no inverno.

É sombra que corre na erva
e se perde ao fim do dia.
As cinzas dos antepassados
são p’ra nós sagradas
e quando os bosques sussurram
não sentimos medo,
e quando os bosques sussurram
não sentimos medo.

O que é a vida?

O que é a vida? É o brilho.
O que é a vida? É a noite.
É o sopro do bisonte
no inverno, no inverno.

O que é a vida?
O que é a vida?

O que é a vida?

Letra e música: João Afonso Lima
Intérprete: João Afonso (in CD “Missangas”, Mercury/Polygram, 1997, reed. Universal Music, 2017)

João Afonso, Missangas

João Afonso, Missanga

Que do céu tombassem violinos

[ Epitáfio ]

Que do céu tombassem violinos
Decidindo por nós, gente maior,
Na forma, no projecto e na ideia,
No fazer sempre mais, sempre melhor!

Que o povo alcançasse em sentimento
Sempre a classe mais alta do poema
E a vida fosse mais que este momento
Entre farrapos de nada e alfazema!

Que a vida fosse alma e fosse vinho,
Fosse vento nas searas ondulantes
E orgasmos de prazer e rosmaninho
E luxo e sonho e fúria a cada instante!

E oceanos de espuma nos levassem
Cavalgando o desespero de partir!
E tudo fosse simples e elevado
Como um prado orvalhado no sentir!

De tudo, tanto que eu acreditei
Tantos anos de espera convertida,
Sobra um sabor de que nada aconteceu
Pelas regras que devia haver na vida.

Por isso, um dia, parto, assim, sem despedida
Entre memórias e cantos partilhados.
E este excesso fabuloso sem ter fim
Vai comigo, fiquem, disso, descansados.

Sobrará de mim, talvez, fraca memória,
Esta luxúria da vida, alguns recados,
Este modo amordaçado de sorrir
E uma montanha de amores nunca alcançados.

Espantosamente, como é qu’inda deixo sonhos?
Mais que o dobro dos feitos consumados!
Só não deixo meias-tintas nem favores,
Nem regras, nem peias, nem pudores.

Deixo excessos, truculências e humores.
Mas virtudes?! Nem pensar! Tudo pecados!

Espantosamente, como é qu’inda deixo sonhos?
Mais que o dobro dos feitos consumados!
Só não deixo meias-tintas nem favores,
Nem regras, nem peias, nem pudores.

Deixo excessos, truculências e humores.
Mas virtudes?! Nem pensar! Tudo pecados!

Poema e música: Pedro Barroso
Intérprete: Pedro Barroso* (in CD “Palavras ao Vento”, Ovação, 2014)

Pedro Barroso
Pedro Barroso