barítono José de Freitas

JOSÉ DE FREITAS

José de Freitas, de nome completo José Cirilo de Freitas Silva, nasceu na Madeira e foi padre da Congregação da Missão (Padres Vicentinos). Já depois de padre, estudou nos conservatórios do Porto e de Lisboa, onde concluiu o Curso Superior de Canto com excelente classificação. Em 1978 tornou-se artista residente do Teatro Nacional de São Carlos onde se estreou com Schaunard em La Bohème. Foi intérprete de importantes papéis de barítono e de baixo-barítono em Portugal e no estrangeiro. Foi também diretor de coros e compositor de cânticos litúrgicos.

ENTREVISTA

Qual foi o primeiro momento em que se lembra de ter tido consciência de que a música era importante para si?

O primeiro momento?! Preferiria falar de uma pequena série de momentos… Concretizando: No meu 5º ano do seminário (hoje 9º ano), cerca dos 16 anos, quando a chamada “mudança de voz” era já algo acentuada, o meu ilustre professor de música, Padre António Ferreira Telles, poucos dias após ter-me convidado para tocar harmónio em algumas cerimónias litúrgicas (ele era o harmonista oficial, obviamente) e pedir-me para, alternadamente com outro colega, iniciar os cânticos na liturgia (o equivalente a solista), veio falar comigo na véspera da festa do Padroeiro do seminário (S. José), e disse-me: “Confio muito em ti para “segurares” a 4ª voz na missa solene de amanhã.” Ora aí tem um “puzzle” com bastante significado na minha “consciência musical” de jovem seminarista…

Quais os professores que mais o influenciaram no tempo de seminário?

Vou referir-me apenas a professores de música, obviamente. Desde os primeiros anos, tive uma veneração especial por um ilustre mestre, muito “sui generis”, mas muito competente e sabedor: o Padre António Ferreira Telles, a que atrás aludi. Era excelente harmonista, compositor, ótimo harmonizador. O Pe. Fernando da Cunha Carvalho, felizmente ainda entre nós, também teve influência na minha orientação musical, e não só. Mas vou salientar, sem querer ser injusto para os atrás citados e porventura outros, o Pe. João Dias de Azevedo, que muito me ajudou sobretudo no harmónio e no órgão, no Seminário de Mafra, onde fiz o meu noviciado (1954-1956). Nesse período, cheguei a tocar órgão em algumas celebrações dominicais e festas na Basílica de Mafra… E, para completar os anos do seminário, não poderei omitir o Pe. Fernando Pinto dos Reis (1929-2010).

Depois de ir para o seminário e de ser padre, quando é que se apercebeu de que cantar era o mais importante na sua vida profissional?

Como disse, cedo me iniciei e fui crescendo na função de solista. Continuei-a ao longo de todo o curso, alternando-a com o múnus de harmonista. Terminado o curso, fui incumbido da disciplina de Música (além de outras), no seminário menor. O concílio do Vaticano II acabava de privilegiar o vernáculo na liturgia. Iniciei a renovação de todo o repertório vigente. Eu próprio dei largas a uma velha paixão e iniciei a composição de cânticos em português, incluindo o “ordinário” e o “próprio” da missa para determinadas solenidades, além de outros cânticos circunstanciais. Aconselhado por não poucos, matriculei-me no Conservatório do Porto. Canto? Composição? Duas paixões. Muito incitado e encorajado pela professora D. Isabel Mallaguerra, decidi-me mais seriamente pelo canto, sem descurar a composição musical.

Após o curso geral de canto no Conservatório do Porto, vim a concluir o Curso Superior no Conservatório Nacional com a professora D. Helena Pina Manique. Com o programa do exame do curso superior concluído com alta classificação, fui convidado para vários recitais em Lisboa e não só. Iniciei logo de seguida o curso de ópera com o professor Álvaro Benamor e D. Helena Pina Manique. Fui admitido no Coro Gulbenkian, onde estive durante alguns meses até seguir para Paris com uma bolsa de estudos.

O diretor do Teatro Nacional de São Carlos, Eng. João Paes, que já me ouvira no Conservatório, convidou-me para, temporariamente, interromper o estágio em Paris e vir a Lisboa preparar o desempenho de um importante papel numa ópera portuguesa. Bem sucedido, pediu-me para, após o estágio parisiense, seguir para Florença, afim de preparar, com o famoso Gino Bechi, o importantíssimo papel de primeiro barítono (Lord Enrico d’Ashthon) da ópera Lucia di Lamermoor, de Donizetti. Cantei esse papel em novembro de 1977, no Teatro Rivoli (Porto)…

Toda esta “bola de neve” a partir da conclusão do curso superior de canto em 1974, todo o incrível desencadear de situações até finais de 1977, todo o ano de 1977 sobretudo, tudo isso responde à sua pergunta… Parafraseando, em contraste, um fadista, diria: “Ser cantor não foi meu sonho, mas cantar foi o meu fado…”

Dos anos em que estudou Música e Canto, que professores tiveram uma influência mais decisiva?

Nos conservatórios do Porto e de Lisboa, tive a felicidade de ser orientado respetivamente pelas professoras D. Isabel Mallaguerra e D. Helena Pina Manique, e ainda, por algum tempo, pela D. Arminda Correia, sem esquecer o Prof. Álvaro Benamor (cena).

Em Paris, como olvidar o trabalho com a famoso baixo Huc-Santana e o não menos célebre barítono Gabriel Bacquier? Em Itália, e aqui em Portugal, Gino Bechi foi simplesmente precioso no trabalho vocal e cénico. Este famoso barítono, que também me honrava com a sua amizade, cantou nos anos 40, em todos os grandes palcos do mundo. A sua famosa “entrega” aos espetáculos e nos espetáculos, quer cenicamente mas sobretudo vocalmente, levou-o a tal desgaste que teve de terminar a sua carreira por volta dos 40 anos, precisamente com a idade com que eu comecei…

Foi difícil deixar de ser padre e optar pela carreira musical?

Quando, em finais dos anos 60, me matriculei no Conservatório do Porto, confesso que o meu sonho era dar uma componente artística à minha missão de padre.

Começaram a surgir, porém, situações que não deixaram de me ir perturbando. Alguma confusão começou a instalar-se nos meus horizontes… Estávamos em pleno pós-74… Sobretudo a partir de 1977, comecei a sentir-me ultrapassado pelos acontecimentos. Tinham de ser tomadas decisões… Não podia viver na ambiguidade!… Houve muitas dúvidas, muitas incertezas… O meu Padre Provincial de então propôs-me fazer as duas coisas: padre e cantor… Tudo se desenrolava vertiginosamente… Eram convites para concertos, para óperas, etc.
Cheguei mesmo a atuar durante não pouco tempo, estando ainda no exercício do ministério… Fui chegando à conclusão de que as duas funções não faziam grande sentido… Em finais de 1978, acabei por tomar a decisão: pedi para Roma a dispensa do exercício das ordens. Não tive resposta fácil. Demorou mais de dois anos. Pelo meio, um apelo a que repensasse…

Qual foi o papel da Igreja na sua vida musical?

Primeiramente, como é obvio, penso em todo o curso do seminário. Para além de todos os aspetos da formação, a música da Igreja, o canto gregoriano, ocupou uma grande parte desse período, quer na teoria, quer na prática. O nosso Cantuale, um livro específico da Congregação da Missão com os mais belos cânticos gregorianos e muitos outros, a uma ou mais vozes, dominou grande parte desses anos, as nossas vozes e as nossas almas.

No seminário Maior, durante o curso de filosofia e teologia, para além das mais belas obras de polifonia sacra, cantávamos, todos os domingos e festas, o “comum” e o “próprio” em gregoriano, de acordo com o emblemático Liber Usualis, a mais completa obra do canto da Igreja. Tudo isto, naturalmente acompanhada da parte teórica, marca indelevelmente a minha personalidade e a minha formação musical. E não esqueço que quase sempre, alternadamente, fui organista e solista…

Após a ordenação, seguiram-se anos dominados pelo Concílio do Vaticano II, com uma série extraordinária de documentos sobre a música e a liturgia em vernáculo,com o aparecimento de excelentes compositores. E foram sempre surgindo, com os diversos papas, importantes documentos sobre a música litúrgica. Não posso esquecer os “famosos” cursos gregorianos de Fátima que frequentei.

Durante os anos 1977-1995, em que a vida artística teve o seu lado prioritário, nunca deixei de estar atento aos documentos da Igreja sobre música sacra e à obra de excelentes compositores que temos.

A partir de 1997, já no pós – S. Carlos, a pedido do meu grande amigo Conégo José Serrasina que acabava de ficar à frente da Paróquia dos Anjos, em Lisboa– a minha paróquia -, comecei a orientar o coro paroquial, tomando a peito a renovação dos cânticos e a dinamização litúrgica. Baseava-me sempre nos textos de cada celebração. Após 5 anos de intenso e profícuo trabalho, abracei outro projeto – na Capela do Palácio da Bemposta (Academia Militar), onde colaborei durante 13 anos (2003 – 2016). Durante este período, compus dezenas de cânticos que vieram a ser publicados pela Academia Militar, em 2012, num volume com o título Deus é Amor. Porque o “contexto” de então era “específico”, o referido volume irá “sofrer” brevemente substancial alteração.

Qual foi a maior deceção na sua vida?

Se me permite, não apresentaria uma mas duas deceções, e ambas no âmbito do mundo lírico. A primeira, logo de início. Tinha feito 40 anos. Eram diferentes, agora, o sonho e o ideal. Imaginava que perante mim, ia surgir um meio pleno de elevação, um ambiente superior, de arte, de cultura, etc. Cedo, porém, fui verificando e concluindo que as cores que sonhara belas, não, não o eram assim tanto… A realidade era bastante mais prosaica… Bem!… Respirei fundo, bem fundo, passe a expressão… E, vamos a isso!… Mas vamos mesmo! O desafio que ora iniciava era para ganhar, era mesmo para vencer!… E foi! Não tive o caminho atapetado de rosas, longe disso, muito longe! Foram necessárias uma fibra excecionalmente forte como considero ter, uma fé inabalável em Deus como efetivamente tenho, e também, obviamente, uma grande confiança nos talentos que Deus me deu, aliados à formação que tive (não poderei esquecê-lo!) E…aí vou eu!… E nem tudo foram espinhos, digamos em abono da verdade. Tive um público que me admirava e apoiava bastante, excelentes e excecionais críticas, outras nem tanto… E, entre um pessoal que rodava as três centenas (coro, orquestra, cantores, técnicos, etc), tive não poucos amigos e admiradores! Não esqueço que, logo no começo, nos primeiros ensaios, vi lágrimas nos olhos de algum do pessoal, ao verem a minha entrada enérgica, decidida, confiante, e pensando no “mundo” donde acabava de chegar… aos 40 anos!…

A segunda deceção foi no fim. Em finais de 92, a SEC, tendo à frente o Dr. Pedro Santana Lopes, achou por bem dissolver a Companhia Portuguesa de Ópera (cantores, orquestra, etc). Éramos 14 os cantores principais. Mesmo tendo em conta que eu continuava a cantar no país e não só, esta foi sem dúvida uma grande deceção. Aos 55 anos, encontrava-me no ponto mais alto da carreira, a nível vocal e cénico, na minha opinião e na de quantos me conheciam e ouviam! Esperava estar “em grande” mais uma boa dezena de anos… Lembrei-me então das palavras de Gino Bechi, quando, certo dia, nos anos 80, após fazer as célebres e espetaculares demonstrações, vocais e cénicas, durante um ensaio, e quando já contava perto dos 80 anos, teve este desabafo: “Agora é que eu sei cantar!”

Pois é!… Parafraseando o meu mestre, diria: “Agora… é que eu sabia cantar!…”

Qual foi o momento mais alto da carreira como cantor lírico?

Desempenhei os mais diversos papéis de 1º barítono, de baixo-barítono, papéis característicos, enfim, foram cerca de 50… Nunca tive um fracasso nos meus desempenhos. Pelo contrário! Escolher o momento mais alto?!… É difícil!… Estou a lembrar-me de não poucos… Do “Le Grand-Prêtre de Dagom” da ópera Samson et Dalila, de Saint-Saëns, em 1983. Quis preparar o papel em Lyon com o meu ex-professor de Paris, o grande barítono Gabriel Bacquier. Estou a recordar-me do “Dulcamara” da ópera L’Elisir d’Amore, de Donizetti, em 1984 e 1985… Do “Rocco”, da ópera Fidelio de Beethoven… Enfim, não vou alongar-me na citação de outras boas e belas hipóteses…

Mas vou escolher como momento mais alto uma ópera fora do estilo clássico: a ópera Kiú, do compositor espanhol Luís de Pablo, levada à cena em 1987 no Teatro Nacional de São Carlos. O meu papel de Babinshy, o pivô da ópera, na sua grande espetacularidade e dificuldade vocal e cénica, foi na verdade um momento muito alto na minha carreira! Não foi por acaso que o próprio compositor Luís de Pablo e o maestro Jesús Ramón Encimar me convidaram, 5 anos depois (dezembro de 1992 – janeiro de 1993), para interpretar em Madrid o mesmo papel!…

Quais foram os cantores líricos mundiais que mais o inspiraram?

Estavam na moda, nos anos 60, cantores líricos que deveras nos entusiasmavam. Lembro-me, por exemplo, de Mário Lanza, de Luís Mariano, de Alfredo Krauss que vim a conhecer em São Carlos, e com o qual contracenei, inicialmente, num ou noutro pequeno papel. E vários outros, quase todos tenores. O meu tipo de voz é de barítono ou de baixo-barítono. Mas foi sobretudo a partir do Curso Superior de Canto que comecei a interessar-me por vozes líricas, o que é absolutamente natural. Dado o meu tipo de voz, cerca de cinco ou seis cantores internacionais dominavam particularmente os meus gostos. Comecemos pelos alemães Dietrich Fischer-Dieskau e Hermann Prey, barítonos. O primeiro, absolutamente excecional em lied, tendo cantado praticamente tudo o que havia nesse domínio. Muitos o consideraram o maior músico do século XX. Foi inclusivamente maestro de música sacra. Ouvi-o ao vivo em Paris. Hermann Prey era superior como ator. As suas interpretações em óperas de Mozart, Rossini, Donizetti ficaram memoráveis. Outros dois barítonos ou baixo-barítonos, Fernando Corena e Rolando Panerai, eram também grandes cantores e atores, mais característicos que os anteriores. Outro barítono que, vocalmente (não cenicamente) me enchia as medidas, era Piero Cappuccilli. Era um barítono a que eu chamaria heróico-dramático, com uma incrível potência de voz. Jamais esquecerei o seu desempenho em Simon Boccanegra de Verdi, no São Carlos…

Poderia obviamente alongar-me, no que às vozes masculinas diz respeito. Mas também não posso deixar de me referir a vozes femininas que, além de nós deixarem siderados, tanto nos ensinaram! Antes de mais, Maria Callas!… Depois, uma Victoria de los Angeles que cheguei a ouvir na Gulbenkian. Fiorenza Cossotto, Mirella Freni, Christa LudwigMonserrat Caballé que ouvi em Paris dirigida por Leonard Bernstein… Uma Joan Sutherland, La Stupenda, a tal que cantou a Traviata no Coliseu na famosa noite de 24 para 25 de abril de 1974, com o já citado Alfredo Kraus… E eu estava lá!…

Quais os músicos portugueses mais influentes na sua carreira?

Por músicos, entendo compositores, professores, pianistas, ensaiadores, “pontos”, cantores, e, porque não, críticos… Antes de mais, as minhas duas professoras nos conservatórios do Porto e de Lisboa, respetivamente: Isabel Malaguerra e Helena Pina Manique. A professora D. Arminda Correia fez de forma extraordinária a breve transição entre uma e outra. Álvaro Benamor, na classe de ópera. A pianista Maria Helena Matos que me acompanhou com enorme competência desde o Conservatório Nacional, incluindo o exame final, e praticamente em todos os recitais que fui dando ao longo da carreira. O maestro Armando Vidal, músico de gema, com o qual preparei, como a generalidade dos artistas, quase todos os papéis que tinha a desempenhar nas dezenas de óperas em que fui interveniente. Entre os maestros – “pontos” – , não esquecerei o maestro Pasquali que tão competentemente orientou, durante os primeiros tempos, as nossas intervenções em palco, e o maestro Ascenso de Siqueira, grande e bom amigo e incrível ser humano… Tive a felicidade de trabalhar com encenadores como António Manuel Couto Viana, que me honrava com a sua amizade, Carlos Avillez (em várias óperas), Luís Miguel Cintra, João Lourenço

Cantores? Álvaro Malta, Hugo Casaes, Elizette Bayan, Armando Guerreiro, e outros… Lembro-me ainda de preciosas “dicas” que me deu Álvaro Malta

Compositores? Antes de mais, o Prof. Cândido Lima. Conheci-o em Paris. Conversávamos muito. Não esqueço o dia em que ele me apresentou ao seu amigo Iannis Xenakis… Fomos juntos a vários concertos. Preparei, com ele ao piano, algumas obras suas para canto. Foi meu pianista num concurso de canto em que fui premiado… Tudo isto em Paris, em 1977.

Com o grande compositor Fernando Lopes-Graça, tive a honra de preparar um importante papel de solista na sua obra As Sete Predicações d’Os Lusíadas, em vista à estreia mundial da mesma no VI Festival da Costa do Estoril (1980).
Joly Braga Santos honrava-me com a sua amizade e admiração. Com ele ensaiei o papel de solista na sua Cantata Das Sombras, sobre texto de Teixeira de Pascoaes, para primeira audição mundial no Teatro de S. Luís, a 27 de julho de 1985, com o Coro Gulbenkian, e enquadrada no XI Festival de Música da Costa do Estoril. De Joly Braga Santos nunca poderei esquecer as suas palavras, em pleno palco, no fim da última récita da sua Trilogia das Barcas, em maio de 1988: “Estou a compor uma ópera, para a Expo de Sevilha (daí a 4 anos), baseada numa obra de Frederico Garcia Llorca, Bodas de Sangue e tenho um muito bom papel para si”. Entretanto, o maestro falecia 2 meses depois, a 18 de julho de 1988, o que constituíu uma grande perda para o País, para a cultura portuguesa.

Quanto a críticos, devo dizer que, entre outros, Francine Benoit, João de Freitas Branco, José Blanc de Portugal muito me encorajaram e elogiaram!

E hoje, o que acha da evolução da ópera em Portugal?

Francamente, tenho dificuldade em responder. Há cerca de vinte e cinco anos, após a extinção da Companhia Portuguesa de Ópera e de ter dado como terminada a minha carreira lírica, abracei outro projeto e alheei-me bastante desse tema. Sei que, sobretudo por razões orçamentais, a programação se ressente, e muito. Tudo parece ser diferente. Repito: não tenho dados que me permitam fazer qualquer juízo de valor…

O que pensa do papel da música na Igreja?

Desde o Seminário Maior, fui lendo atentamente, e mais que uma vez, os documentos papais que surgiram desde o princípio do século XX:
o Motu próprio de São Pio X (1903) sobre a Restauração da Música Sacra;
a Constituição Apostólica Divini Cultus (1928) no pontificado de Pio XI, sobre a liturgia e a música sacra; a Encíclica Musicae Sacrae Disciplina (1953), do Papa Pio XII, sobre a Música Sacra, vocal e instrumental.

Logo após o Concílio do Vaticano II, surge a Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium (1963), a realçar que “a acção litúrgica reveste maior nobreza quando é celebrada com canto, com a presença dos ministros sagrados e a participação ativa do povo”. E quando fala de canto, obviamente que se refere ao canto sagrado intimamente unido com o texto. E se o canto gregoriano ocupa sempre um lugar privilegiado em igualdade de circunstâncias, não são excluídos os outros géneros de música sacra mormente a Polifonia, desde que em harmonia com o espírito da ação litúrgica, e de acordo com os diversos tempos litúrgicos, com as diversas celebrações e os vários momentos da celebração. Compositores, organistas, mestres de coro, cantores, músicos (instrumentistas) devem formar um todo para o esplendor do canto.

Alguns anos após o Concílio, a famosa Instrução Musicam Sacram (1967), da Sagrada Congregação dos Ritos, é a síntese, diria perfeita, do que à Música Sacra diz respeito, desde o canto na celebração da missa, passando pela preparação de melodias para os textos em vernáculo, depois a música para instrumental, o Canto no Ofício, etc etc.

O assunto levar-nos-ia ainda a três ou quatro intervenções de São João Paulo II, a uma célebre conferência do Cardeal Ratzinger (mais tarde Papa Bento XVI) em 1985, a uma Nota Pastoral dos nossos bispos por ocasião do Ano Europeu da Música (em novembro de 1985).

E o nosso Papa Francisco, por mais de uma vez, tem insistido que a Música Sacra e Canto Litúrgico devem estar plenamente inculturados nas linguagens artísticas atuais.

Quais os compositores que mais ouve e, desses, que obras prefere?

J.S. Bach é incontornável. Oiço com frequência, por exemplo, a Cantata do Café, cuja ária Hat man nicht mit seinen kindern fez parte do programa do meu exame do Curso Superior de Canto de Concerto, e foi uma das provas de acesso ao Coro Gulbenkian, em novembro de 1974; a Missa em Si m, cujas árias de baixo cantei; e a Paixão Segundo S. João, em que interpretei o papel de Jesus, no Porto, em abril de 1977, quando ainda estagiava em Paris…
Haëndel (O Messias, e Música Aquática); Beethoven (Sinfonias 3, 6 e 9) e a ópera Fidelio, cujo papel de Rocco desempenhei em junho de 1986; Mozart (o Requiem que, enquanto membro do Coro Gulbenkian, cantei no Coliseu em 1975, com gravação para a Erato; a Sinfonia nº 40, etc etc); Haydn (A criação, a Missa de Santa Cecília e a Sinfonia Concertante); Bizet (Carmen); Bramhs (Um Requiem Alemão);Rossini (Stabat Mater); Tchaickowsky (Romeu e Julieta e Francesa da Rimini; Dvorak (Sinfonia nº 9, O Novo mundo); Ravel (Bolero); Rodrigo (Concerto de Aranjuez); Strauss (valsas); Elgar (Concerto para violoncelo).

E muito, muito mais, obviamente.

O que o levou a colecionar livros e discos?

Certamente, e de uma forma geral, o meu gosto pela música, a ligação à Igreja, o meu profissionalismo, a cultura. É claro que tudo se desenrola de acordo com as diversas etapas da vida:

a minha função de professor de Música (além de outras disciplinas) no seminário menor, após a minha formação, e o começo dos meus estudos no Conservatório;

a minha transição para a vida pastoral, durante 3 anos;

a minha ida para Lisboa para concluir o curso Superior, do Conservatório, e a minha curta passagem pela Fundação Gulbenkian;

o meu estágio de dois anos em Paris, concluído com 2 meses em Itália;

o começo e a continuação da minha carreira lírica no Teatro Nacional de São Carlos;

os 3 anos pós-São Carlos em que continuei a minha carreira;

o abraçar de novo projeto: “trabalhar” um coro inserido numa missão pastoral na Paróquia dos Anjos (Lisboa), a minha Paróquia, a partir de 1997 e, posteriormente, de 2003 a 2016, na capela do Palácio da Bemposta (Academia Militar);

e porque não dizê-lo, as minhas viagens de automóvel, algumas longas, nos anos 70 e daí para cá, para já não falar da minha própria casa…

Como vê, são muitas as etapas e as circunstâncias em que procurei estar sempre em dia e dentro das exigências das mesmas. Livros, discos, cassetes, CDs, DVDs eram verdadeiros instrumentos de trabalho, de cultura, de ocupação, de prazer…

Julgo ter sintetizado as razões da minha importante biblioteca e discoteca, das quais progressivamente e criteriosamente, me vou voluntariamente desfazendo.

Antes da sua formação académica no conservatório, que lugar tinha a música erudita no seu papel de formador no seminário?

Além de renovar completamente o repertório de cânticos religiosos que vinha de há longos anos (o que supunha rodear-me de bom material), comecei a interessar-me por vozes maravilhosas que os discos faziam chegar até nós (Mario Lanza, Luis Mariano, Alfredo Krauss etc, e por orquestras excecionais que nos traziam as mais belas melodias clássicas, canções famosas, música de filmes históricos…

Tive sempre a preocupação de partilhar com os meus jovens alunos algum desse maravilhoso mundo musical… Era importante para a educação da sua sensibilidade, dos seus gostos, da sua cultura.

Lembro-me, e muitos ex-alunos (quer do seminário, quer do ensino público) se recordarão de ter dado a ouvir, entre outras obras, uma pequena peça do compositor russo Alexander Borodine. Tratava-se de Nas estepes da Ásia Central. Era a caravana que surgia ao longe, a marcha dos camelos, a intensidade instrumental que “subia” a anunciar a chegada da caravana, a permanência no terreno, o retomar da marcha, os sons que se iam extinguido… até a caravana se perder de vista!… Era tudo tão belo, tão claro! Apaixonante!… O interesse era enorme. Os alunos começavam a compreender que a música tem um sentido, um conteúdo, uma intenção, uma finalidade, uma expressão!
O mesmo sucedeu com outras obras, como o Hino da Alegria, da IX Sinfonia de Beethoven! Etc etc.

Mas adverti-os sempre para que nada disto desviasse a atenção do essencial da sua formação!…

Em três palavras como se caracteriza a si mesmo?

Persistente! Perfecionista! Brioso!

Lisboa, 19 de março de 2018

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JOSÉ DE FREITAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL

Um barítono que é crítico de si próprio

Correio da Manhã, 28 de abril de 1986

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De padre a cantor principal de ópera no Teatro São Carlos

Diário de Notícias do Funchal, 11 de maio de 1986

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José de Freitas: de padre a cantor

Correio da Manhã, 02 de agosto de 1987

Jardim do Paço Episcopal, Castelo Branco, Beira Baixa

Canções da (e sobre a) Beira Baixa

Letras

A lua nasceu

[ Canção de Embalar ]

A lua nasceu e cresceu no além,
A noite chegou também;
Meu bebé, vai dormir!
Vai dormir e sonhar!
Deixa a lua subir lá no ar.
Meu bebé, vai dormir!
Vai dormir e sonhar!
Deixa a lua subir lá no ar.

A rôca poisou e largou sem chorar,
Seus olhos vão já fechar;
Nada pode impedir
Que o bebé durma bem,
Nem papão há-de vir nem ninguém.

Tu verás, meu amor,
Como é bom sonhos ter:
Deus te dê os melhores que houver!
Amanhã contarás tudo o que se passar
E depois voltarás a sonhar.

A lua nasceu e cresceu no além,
A noite surgiu também;
Vai dormir, meu amor,
Porque eu velo por ti!
Só aos anjos a lua sorri.
Vai dormir, meu amor,
Porque eu velo por ti!
Só aos anjos a lua sorri.

Tu verás, meu amor,
Como é bom sonhos ter:
Deus te dê os melhores que houver!
Vai dormir, meu amor!
Vai dormir e sonhar!
Deixa a lua subir lá no ar.

Tu verás, meu amor,
Como é bom sonhos ter:
Deus te dê os melhores que houver!
Vai dormir, meu amor!
Vai dormir e sonhar!
Deixa a lua crescer lá no ar.

Amanhã contarás tudo o que se passar
E depois voltarás a sonhar.

Letra e música: Tradicional (Beira Baixa)
Intérprete: Musicalbi (in CD “Mastiço”, Musicalbi/I Som, 2007; CD “Lado Calmo”, Musicalbi, 2014)

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Cala-te, Menino, Cala!

Cala-te, menino, cala!
Cala-te, menino, cala!
Que a senhora logo vem!
Que a senhora logo vem!
Foi lavar os cueirinhos,
Foi lavar os cueirinhos,
Ao chafariz de Belém,
Ao chafariz de Belém.

Ó, ó, ó, ó, ó, menino, ó!

Cala-te, menino, cala!
Cala-te, menino, cala!
Cala-te e torna a calar!
Cala-te e torna a calar!
Eu tenho muito que fazer,
Eu tenho muito que fazer,
Não te posso embalar,
Não te posso embalar.

Cala-te, menino, cala!
Cala-te, menino, cala!
Cala-te e torna a calar!
Cala-te e torna a calar!
Eu tenho muito que fazer,
Eu tenho muito que fazer,
Não te posso embalar,
Não te posso embalar.

Ó, ó, ó, ó, ó, menino, ó!
Ó, ó, ó, ó, ó, menino, ó!

Letra e música: Tradicional (Paul, Covilhã, Beira Baixa)
Recolha: José Alberto Sardinha (“Embalo”, 1981, in “Recolhas Musicais da Tradição Oral Portuguesa: LP 1 – Beira Baixa e Minho”, Contralto – Música Popular, Lda., 1982; “Portugal – Raízes Musicais”: CD 4 – Beira Baixa e Beira Trasmontana, BMG/JN, 1997)
Intérprete: O Baú* (in CD “Achega-te”, O Baú, 2012)

O Baú

Cravo roxo à janela

Cravo roxo à janela
É sinal de casamento
Menina recolha o cravo, ó ai
Que o casar ainda tem tempo
Cravo roxo ama, ama
Ó jasmim adora, adora
Rosa branca brumelhinha, ó ai
Se tens pena chora, chora
Cravo roxo sentimento
Que eu bem sentida estou
Por amar quem me não ama, ó ai
Querer bem a quem me deixou
Tenho à minha janela
O que tu não tens à tua
Cravo roxo salpicado, ó ai
Que dá cheiro a toda a rua

Letra e música: Popular (Beira Baixa)
Arranjo: António Prata
Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos / Coro Polifónico Eborae Musica / Adufeiras de Monsanto / Coral Guadiana de Mértola (in CD “Sulitânia”, Ocarina, 2007)

Ronda dos Quatro Caminhos, Sulitânia

Era ainda pequenino

Era ainda pequenino
Acabado de nascer
Inda mal abria os olhos
Já era para te ver

Acabado de nascer
Quando eu já for velhinho
Acabado de morrer
Olha bem para os meus olhos

Sem vida são p’ra te ver
Acabados de morrer
Era ainda pequenino
Acabado de nascer

Inda mal abria os olhos
Já era para te ver
Acabado de nascer

Letra e música: Popular (Beira Baixa)
Intérprete: Adriano Correia de Oliveira (in “Cantigas Portuguesas”, Orfeu, 1980; “Obra Completa”, Movieplay, 1994, 2007)

Reciclanda

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O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

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Esta noite não é noite

[ Moda da Zamburra ]

Esta noite não é noite
não é noite de dormir
nem esta nem a que vem
nem a que está para vir
não é noite de dormir

Pelo mar abaixo
vai um pintassilgo
c’o arado às costas
semeando o trigo

Estas casas não são casas
Estas casas são casinhas
Tantos anos viva o mundo
Como elas têm de pedrinhas

Estas casas são casinhas
Pelo mar abaixo
vai uma cabaça
Se ela leva vinho
leva toda a graça
Pelo mar abaixo
vai um pintassilgo
c’o arado às costas
semeando o trigo

Ó Entrudo, ó Entrudo
ó Entrudo chocalheiro
tu não deixas assentar
as mocinhas ao solheiro
ó Entrudo chocalheiro

Pelo mar abaixo
vai um pintassilgo
c’o arado às costas
semeando o trigo

Pelo mar abaixo
vai uma cabaça
Se ela leva vinho
leva toda a graça

Letra e música: Popular (Concelho de Castelo Branco, Beira Baixa)
Arranjo: Aurélio Malva
Intérprete: Brigada Victor Jara (in CD “Danças e Folias”, Farol, 1995)

Brigada Victor Jara, Danças e Folias

Estava a velha no seu lugar

[ A Velha a Fiar (Lengalenga) ]

Estava a velha no seu lugar
Veio a mosca chatear
A mosca na velha, a velha a fiar
Estava a mosca no seu lugar
Veio a aranha chatear
A aranha na mosca, a mosca na velha, a velha a fiar
Estava a aranha no seu lugar
Veio o rato chatear
O rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha, a velha a fiar
Estava o rato no seu lugar
Veio o gato chatear
O gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha, a velha a fiar
Estava o gato no seu lugar
Veio o cão chatear
O cão no gato, o gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha, a velha a fiar
Estava o cão no seu lugar
Veio o homem chatear
O homem no cão, o cão no gato, o gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha, a velha a fiar
Estava o homem no seu lugar
Veio a morte chatear
A morte no homem, o homem no cão, o cão no gato, o gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha, a velha a fiar

Letra e música: Tradicional (Proença-a-Nova, Beira Baixa)
Recolha: José Alberto Sardinha (1989, in “Portugal – Raízes Musicais”: CD 4 – “Beira Baixa e Beira Trasmontana”, BMG/JN, 1997)
Arranjo: Velha Gaiteira
Intérprete: Velha Gaiteira (ao vivo no Teatro da Luz, Lisboa)
Versão discográfica de Velha Gaiteira, com Grupo de Percussão da Escola Cidade de Castelo Branco (vozes) (in CD “Velha Gaiteira”, Velha Gaiteira/Ferradura, 2010)

Eu venho de marcelada

[ Marcelada ]

Eu venho de marcelada.

Eu venho de marcelada,
Venho de colher marcela,
Lá dos campos do castelo,
Daquela mais amarela.
Venho de marcelada.

Eu venho de marcelada,
Venho de colher uma flor,
Lá dos campos do castelo,
Para dar ao meu amor.
Venho de marcelada.

Eu venho de marcelada,
Venho de colher um cravo,
Lá das bandas do castelo,
Para dar ao namorado.
Venho de marcelada.

Eu venho de marcelada,
Venho de colher marcela,
Lá dos campos do castelo,
Daquela mais amarela.
Venho de marcelada.

Eu venho de marcelada,
Venho de colher uma flor,
Lá dos campos do castelo,
Para dar ao meu amor.
Venho de marcelada.

Eu venho de marcelada,
Venho de colher um cravo,
Lá das bandas do castelo,
Para dar ao namorado.
Venho de marcelada.

Letra e música: Tradicional (Monsanto, Idanha-a-Nova, Beira Baixa)
Recolha: Hubert de Fraysseix
Intérprete: Musicalbi* (in CD “Adufando: Sinais da Beira Baixa”, Musicalbi, 2012)

Eu venho de aqui

[ Debaixo da Laranjeira ]

Eu venho de aqui, de aqui
Eu venho de aqui, de além
Debaixo da laranjeira, ó ai
Muita laranja apanhei
Muita laranja apanhei
Uma verde outra amarela
Debaixo da laranjeira, ó ai
Namorei uma donzela
Namorei uma donzela
Namorei o meu amor
Debaixo da laranjeira, ó ai
Nem chove nem faz calor
Nem chove nem faz calor
Ó que vento tão fresquinho
Debaixo da laranjeira, ó ai
Meu amor deu-me um beijinho
Meu amor deu-me um beijinho
E um abraço apertado
Debaixo da laranjeira, ó ai
Saímos de lá casados
Saímos de lá casados
De dia e a toda a hora
Debaixo da laranjeira, ó ai
Meu amor, vamos embora

Letra e música: Popular (Beira Baixa)
Arranjo: Pedro Pitta Groz
Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos / Adufeiras de Monsanto (in CD “Sulitânia”, Ocarina, 2007)

Florinda, vem à Janela!

— «Florinda, vem à janela
Que eu quero falar contigo!
Se tu não vens à janela
Dou um tiro no ouvido!

Dou um tiro no ouvido,
Dou um tiro no coração!»
— «Ó minha mãe, venha ver
O Mário morto no chão!»

— «Que fizeste tu, Florinda,
Para se o Mário matar?»
— «Eu pedi-lhe as minhas cartas
Para o namoro acabar.»

No dia do funeral
Tudo foi a acompanhar,
Só a mãe da Florindinha
Ficou em casa a chorar.

— «Tira o luto, ó Florinda,
Que o luto não te diz bem!
Se quisesses bem ao Mário
Matavas-te a ti também.»

Da janela do meu quarto
Vejo a pedra ensanguentada
Onde o Mário se matou
Por causa da namorada.

Da janela do meu quarto
Vejo as portas do cemitério
Onde o Mário está dormindo
O seu soninho eterno.

Letra e música: Tradicional (Zebreira, Idanha-a-Nova)
Informante: Maria Luísa Roseiro
Recolha: César Prata
Intérpretes: Ariel Ninas & César Prata (in CD “Cantos de Cego da Galiza e Portugal”, aCentral Folque, 2016)
Primeira versão: César Prata (in CD “Canções de Cordel”, Teatro Municipal da Guarda, 2010)

Fui um ano às vindimas

[ Vindimas ]

Fui um ano às vindimas,
Pagaram-me a trinta reis;
Dei um vintém ao barqueiro,
Ai, fui p’ra casa com dez reis.

Foram todos à vindima,
Foram todos vindimar;
As uvas foram p’ró cesto,
Do cesto para o lagar.

Não se me dá que vindimem
Vinhas que eu já vindimei;
Não se me dá que outros logrem
Amores que eu rejeitei.
Não se me dá que outros logrem
Amores que eu rejeitei.

Letra e música: Tradicional (Beira Baixa)
Intérprete: Velha Gaiteira

Hei-de cercar a Idanha

[ Moda das Sachas ]

Hei-de cercar a Idanha
Com muitas peças de fita;
À porta do meu amor
Hei-de pôr a mais bonita.

As armas do meu adufe
São de pau de laranjeira;
Quem houver de tocar nele
Há-de ter a mão ligeira.

Todos os males se curam
Com remédios da botica;
Só as saudades não saram:
Quem as tem com elas fica.

As armas do meu adufe
São de pau de laranjeira;
Quem houver de tocar nele
Há-de ter a mão ligeira.

O Sol quando se quer pôr
Anda de ramo em ramo:
Alegria de nós todos,
Tristeza do nosso amo.

As armas do meu adufe
São de pau de laranjeira;
Quem houver de tocar nele
Há-de ter a mão ligeira.

Letra e música: Tradicional (Idanha-a-Nova, Beira Baixa)
Arranjo: Musicalbi
Intérprete: Musicalbi (in CD “Adufando: Sinais da Beira Baixa”, Musicalbi, 2012)

Musicalbi
Musicalbi

Indo eu d’aqui tão longe

[ Canção de Romaria ]

Indo eu d’aqui tão longe,
Sem pôr os pés na calçada,
Venho dar os parabéns
À senhora esposada.

Venho dar os parabéns
À senhora esposada;
Indo eu d’aqui tão longe
Sem pôr os pés na calçada.

Lá em cima ao altar-mor
Aqui treme o coração,
Quando o senhor vigário diz:
“Ponha aqui a sua mão!”

Quando o senhor vigário diz:
“Ponha aqui a sua mão!”
Lá em cima ao altar-mor
Aqui treme o coração.

Já não tenho coração,
Já mo tiraram do peito;
No lugar do coração
Nasceu-me um amor-perfeito.

No lugar do coração
Nasceu-me um amor-perfeito;
Já não tenho coração,
Já mo tiraram do peito.

Letra e música: Popular (Beira Baixa)
Arranjo: António Prata
Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos (in 2CD “Alçude”: CD1, Ovação, 2001)
Primeira versão da Ronda dos Quatro Caminhos (in LP/CD “Romarias”, Ovação, 1991)

Já são horas da merenda

(canção de ceifa)

Já são horas da merenda;
Ai, vamo-nos a merendar
Gaspachinho com vinagre,
Ai, para o peito refrescar!

Já se vai o Sol a pôr
Ai, para trás do cabecinho;
Bem quisera o nosso amo
Ai, prendê-lo c’um baracinho.

Já são horas da merenda;
Ai, vamo-nos a merendar
Gaspachinho com vinagre,
Ai, para o peito refrescar!

Já se vai o Sol a pôr
Ai, para trás do cabecinho;
Bem quisera o nosso amo
Ai, prendê-lo c’um baracinho.

Letra e música: Tradicional (Malpica, Castelo Branco, Beira Baixa)
Recolha: José Diogo Correia (in “Cantares de Malpica”, Lisboa: Tip. Henrique Torres, 1938; “A Canção Popular Portuguesa”, de Fernando Lopes Graça, Lisboa: Publicações Europa-América, Colecção Saber, n.º 23, 1953 – p. 65, 3.ª edição, Colecção Saber, n.º 23, Mem Martins: Publicações Europa-América, s/d. – p. 63)
Intérprete: Macadame (in Livro/CD “Firmamento”, Macadame, 2016)

Lá virá Sábado d’Aleluia

[ Sábado d’Aleluia ]

Lá virá Sábado d’Aleluia,
Guitarras não faltarão:
Vêm do fundo da rua
A cantar ao S. João.

Rua abaixo, rua acima,
Toda a gente me quer bem;
Só a mãe do meu amor…
Não sei que raiva me tem.

Quem canta nem males espanta,
Quem ama não quer amar,
Quem sabe não quer saber,
Quem ama sabe encantar.

Lá virá Sábado d’Aleluia,
Guitarras não faltarão:
Vêm do fundo da rua
A cantar ao S. João.

Letra e música: Tradicional (Beira Baixa)
Adaptação: José Barros
Arranjo: José Manuel David e José Barros
Intérprete: Navegante (in CD “Meu Bem, Meu Mal”, Tradisom/Iplay, 2008)

Lava, lava, lavadeira

[ Bate Lavadeira ]

Lava, lava, lavadeira
Na Ribeira do Paul!
Põe a roupinha a brilhar
Como oiro sobre azul!

Na Ribeira do Paul,
Encanto das raparigas
Que desfiam, quando lavam,
Seu rosário de cantigas.

Letra e música: Tradicional (Paul, Covilhã, Beira Baixa)
Arranjo: Velha Gaiteira
Intérprete: Velha Gaiteira* com Ti Zita (in CD “Velha Gaiteira”, Velha Gaiteira/Ferradura, 2010)

Loureiro, verde loureiro

Loureiro, verde loureiro,
Loureiro, assim, assim;
Engaste uma donzela:
Casa com ela, ó Joaquim!

Loureiro, verde loureiro,
Loureiro, assim, assim; (bis)
Engaste uma donzela:
Casa com ela, ó Joaquim! (bis)

Casar com ela, não caso
Que ela de mim não faz conta! (bis)
Loureiro, verde loureiro,
Seco no meio, verde na ponta (bis)

Por mais que o loureiro cresça
Ao céu não há-de chegar; (bis)
Por mais amores que eu tenha
Ai, a ti não te hei-de deixar. (bis)

Letra e música: Tradicional (Beira Baixa)
Arranjo: Musicalbi
Intérprete: Musicalbi (in CD “Adufando: Sinais da Beira Baixa”, Musicalbi, 2012)

Milho Verde

Milho verde, milho verde,
Ai, milho verde, milho verde;
Ai, milho verde, maçaroca,
Ai, namorei uma… ai, uma cachopa.

Milho verde, milho verde,
Ai, milho verde, milho verde;
Ai, milho verde miudinho,
Ai, namorei um… ai, um rapazinho.

Milho verde, milho verde,
Ai, milho verde, milho verde;
Ai, milho verde, folha larga,
Ai, namorei uma… ai, uma casada.

Mondadeiras do meu milho,
Ai, mondadeiras do meu milho,
Ai, mondai o meu milho bem,
Ai, que a merenda… ela já lá vem.

Milho verde, milho verde,
Ai, milho verde, milho verde;
Ai, milho verde miudinho,
Ai, namorei um… ai, um rapazinho.

Mondadeiras do meu milho,
Ai, mondadeiras do meu milho,
Ai, mondai o meu milho bem,
Ai, que a merenda… ela já lá vem.

Letra e música: Tradicional (Fundão, Beira Baixa)
Intérprete: Musicalbi (in CD “Mastiço”, Musicalbi/I Som, 2007; CD “Lado Calmo”, Musicalbi, 2014)

Musicalbi, Lado Calmo

Minha roda ‘stá parada

[ O Diabo Tocador ]

Minha roda ‘stá parada
Por falta de tocador;
Anda a roda, anda a roda
Que eu já vou, ó meu amor
Minha roda ‘stá parada
Por falta de tocador;
Anda a roda, anda a roda
Que eu já vou, ó meu amor.
Esta água ‘stá parada:

Quem seria que a parou?
Foi a mãe do meu amor
Que esta noite aqui passou.
Ó mar largo, ó mar largo,
Ó mar largo sem ter fundo!
Mais vale andar no mar largo
Que andar nas bocas do mundo.

Letra: Popular
Música: Danças Ocultas (sobre o tema tradicional “Minha Roda ‘stá Parada”, Beira Baixa)
Intérprete: Danças Ocultas & Orquestra Filarmonia das Beiras, com Carminho (in CD “Amplitude”, Danças Ocultas/Uguru/Sony Music, 2016)
Versão original: Danças Ocultas – instrumental (in CD “Tarab”, Numérica, 2009)

Ó entrudo, ó entrudo

[ Moda do Entrudo (1.ª versão) ]

Ó entrudo, ó entrudo
Ó entrudo chocalheiro
Que não deixas assentar
as mocinhas ao solheiro

Eu quero ir para o monte
Eu quero ir para o monte
Que no monte é qu’eu estou bem
Que no monte é qu’eu estou bem
Eu quero ir para o monte
Eu quero ir para o monte
Onde não veja ninguém
Que no monte é qu’eu estou bem

Estas casas são caiadas
Estas casas são caiadas
Quem seria a caiadeira
Quem seria a caiadeira
Foi o noivo mais a noiva
Foi o noivo mais a noiva
Com um ramo de laranjeira
Quem seria a caiadeira

Letra e música: Popular (Malpica, Beira Baixa)
Intérprete: José Afonso (in “Traz Outro Amigo Também”, Orfeu, 1970; reed. Movieplay, 1987)
Outras versões: Teresa Silva Carvalho (in “Ó Rama, Ó Que Linda Rama”, Orfeu, 1977; reed. Movieplay, 1994); Roda Pé (in CD “Cor dos Ventos”, public-art, 2000); Erva de Cheiro (in CD “Que Viva o Zeca: Tributo”, Musicart, 2007)
Versão instrumental: Júlio Pereira (in “Cavaquinho”, Sassetti, 1981; reed. CNM, 1993)

José Afonso, Traz outro amigo também

Ó filho não vás à mina

– Ó filho não vás à mina
Que as minas estão a cair
– Quer elas caiam quer não
Eu às minas quero ir

Não canto por bem cantar
Nem por bem cantar o digo
Eu canto para espalhar
Paixões que trago comigo

– Ó filho não vás à mina
Que as minas estão a cair
– Quer elas caiam quer não
Eu às minas quero ir

Eu não quero nem brincando
Dizer adeus a ninguém
Quem parte leva saudades
Quem fica saudades tem

– Ó filho não vás à mina
Que as minas estão a cair
– Quer elas caiam quer não
Eu às minas quero ir

Letra e música: Popular (Beira Baixa)
Arranjo: Pedro Fragoso
Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos / Coro Polifónico Eborae Musica (in CD “Sulitânia”, Ocarina, 2007)

Ó entrudo, ó entrudo

[ Moda do Entrudo (2.ª versão) ]

Ó entrudo, ó entrudo
Ó entrudo chocalheiro
Ó entrudo chocalheiro
Que não deixas assentar
As mocinhas ao solheiro

Ó entrudo chocalheiro
Estas casas são caiadas
Quem seria a caiadeira
Quem seria a caiadeira
Foi o noivo mais a noiva
Com um ramo de laranjeira
Quem seria a caiadeira
Lá em baixo vai o entrudo
Em farrapos pelo chão
Em farrapos pelo chão
Que comeu um burro morto
Entre o Inverno e o Verão
Em farrapos pelo chão
O entrudo foi à vila
Já não quer de lá sair
Já não quer de lá sair
Caiu dentro de uma pipa
Dá-lhe a mão que quer subir
Já não quer de lá sair
Lá em baixo está o entrudo
De gordo não pode andar
De gordo não pode andar
Que comeu um burro morto
Entre o almoço e o jantar
De gordo não pode andar

Letra e música: Popular (Malpica, Beira Baixa)
Intérprete: Janita Salomé (in “Galinhas do Mato”, de José Afonso, Transmédia, 1985; reed. CNM, 1993)

Ó Linda

[ A canção Raiana Perdida ]

Ó meu amor

[ Tosquia ]

Ó meu amor, se te fores,
Leva-me, podendo ser,
Que eu quero ir acabar
Onde tu fores morrer!

Eu hei-de ir morrer cantando,
Já que chorando nasci,
Já que as glórias deste mundo
Se acabaram para mim.

Letra e música: Tradicional (Fundão, Beira Baixa)
Intérprete: Musicalbi* (in CD “Adufando: Sinais da Beira Baixa”, Musicalbi, 2012)

Ó minha farrapeirinha

[ Farrapeira ]

Ó minha farrapeirinha!
Ó minha troca-farrapos!
Ó meu bem!
Ó minha troca-farrapos!
Tenho uma camisa nova
Toda cheia de buracos.
Larilolela!
Toda cheia de buracos.
Ó minha farrapeirinha!
Ó minha troca-farrapos!

Larilolela, larilolela!
Larilolela, lariloló!

Encontrei a farrapeira
Lá no Alto da Portela.
Ó meu bem!
Lá no Alto da Portela.
A moda da farrapeira
É bonita e gosto dela.
Larilolela!
É bonita e gosto dela.
Encontrei a farrapeira
Lá no Alto da Portela.

Larilolela, larilolela!
Larilolela, lariloló!

Ó minha farrapeirinha!
Ó minha farrapeirela!
Ó meu bem!
Ó minha farrapeirela!
O meu pai é muito rico:
Tem macacos à janela.
Larilolela!
Tem macacos à janela.
Ó minha farrapeirinha!
Ó minha farrapeirela!

Larilolela, larilolela!
Larilolela, lariloló!
Lariloló!

Chamaste-me farrapeira,
Ó meu grande farrapão!
Ó meu bem!
Ó meu grande farrapão!
Farrapeira é você
Mais a sua geração!
Larilolela!
Mais a sua geração!
Chamaste-me farrapeira,
Ó meu grande farrapão!

Lariloló!

Larilolela, larilolela!
Larilolela, larilolela!
Larilolela, larilolela!
Larilolela, larilolela!
Larilolela, larilolela!
Larilolela, larilolela!
Larilolela, larilolela!
Larilolela, larilole…

Letra e música: Tradicional (Paul, Covilhã, Beira Baixa)
Arranjos: Hélio Ribeiro e Tiago Soares
Intérprete: Pé na Terra (in CD “13”, Tempestades e Macaréus, 2010)

Ó ó, São João do meio

[ Manhaninha de São João ]

Ó ó, São João do meio,
Ai hei-de morar noutra rua!
Ainda não tenho casa,
Ai menina, arrende-me a sua!

Manhaninha de São João,
Ao redor da alvorada,
Jesus Cristo se passeia
Ao redor da fonte clara.

Eu hei-de ir ao São João,
Ai hei-de lá ir, se lá for,
Ou a pé ou a cavalo
Ai ou nos braços do amor.

Jesus Cristo se passeia
De volta da fonte clara,
E a água fica benzida
E a fonte fica sagrada.

Eu hei-de ir ao São João,
Ai hei-de lá ir, se lá for,
Ou a pé ou a cavalo
Ai ou nos braços do amor.

Manhaninha de São João,
Manhaninha de São João.

Letra e música: Tradicional (Idanha-a-Nova, Beira Baixa / Moimenta da Raia, Vinhais, Trás-os-Montes)
Intérprete: Segue-me à Capela
Primeira versão de Segue-me à Capela (in Livro/CD “San’Joanices, Paganices e Outras Coisas de Mulher”, Segue-me à Capela/Fundação GDA/Tradisom, 2015)

O que lindos olhos tem

[ Cancioneiro Tradicional da Beira Baixa ]

Intérprete: Miguel Calhaz

Ó velha, ó boa velha

[ A Velha (cantiga de roda) ]

— Ó velha, ó boa velha,
Que foste fazer à feira?
— Meninas, minhas meninas,
Fui comprar uma cadeira,
Oh ai, olaré, comprar uma cadeira.

— Ó velha, ó boa velha,

Viste lá o meu amor?
— Lá o vi, minhas meninas,
Na Rua do Mercador,
Oh ai, olaré, na Rua do Mercador.

Letra e música: Tradicional (Penamacor, Beira Baixa)
Intérprete: Musicalbi* (in CD “Adufando: Sinais da Beira Baixa”, Musicalbi, 2012; CD “Lado Calmo”, Musicalbi, 2014)
Primeira versão de Musicalbi (in CD “Musicalbi”, Discotoni, 1998)

Oh, meu amor, se te fores

[ Tosquia

Oh, meu amor, se te fores
Leva-me, podendo ser:
Que eu quero ir acabar
Onde tu fores morrer.

Eu hei-de ir morrer cantando,
Já que chorando nasci,
Já que as glórias deste mundo
Se acabaram para mim.

Letra e música: Tradicional (Fundão, Beira Baixa)
Arranjo: Musicalbi
Intérprete: Musicalbi (in CD “Adufando: Sinais da Beira Baixa”, Musicalbi, 2012)

Beira Baixa

Onde as searas cruzam o granito
e a voz do longe é feita de suor.
A suave beleza solitária
das oliveiras raras numa encosta.
A estranha consolação das giestas,
tão floridas em campos desolados.
E a verde esperança filha da sem esperança.

A estranha consolação das giestas,
tão floridas em campos desolados.
E a verde esperança filha da sem esperança.

Onde as searas

[ Beira Baixa ]

(António Salvado, in “Interior à Luz”, 1982)

Onde as searas cruzam o granito
e a voz do longe é feita de suor.

A suave beleza solitária
das oliveiras raras numa encosta.

A estranha consolação das giestas
tão floridas em campos desolados.

E o verde esperança filho da sem esperança.

Poema: António Salvado (ligeiramente adaptado)
Música: António Pedro
Intérprete: Musicalbi
Versão original: Musicalbi (in CD “Solidão e Xisto”, Musicalbi, 2019)

Musicalbi em Castelo Branco
Musicalbi no Cine-Teatro Avenida, Castelo Branco, 12/01/2019, no lançamento do CD Solidão e Xisto.

Para que quero eu olhos

Para que quero eu olhos,
Senhora Santa Luzia,
Se eu não vejo o meu amor
Nem de noite nem de dia?

Oh és tão linda!
Tu és tão fermosa
Como a fresca rosa
Que eu no jardim vi!

Ai dá-me um beijo
P’ra matar desejos
Que eu sinto por ti!
Ai, que eu sinto por ti!

Ai dá-me um beijo
P’ra matar desejos
Que eu sinto por ti!

Letra e música: Tradicional (Beira Baixa)
Intérprete: Afonso Dias com Teresa Silva
Primeira versão de Afonso Dias, com Teresa Silva (in CD “Andanças & Cantorias”, Bons Ofícios – Associação Cultural, 2016)
Primeira versão: Adriano Correia de Oliveira (in EP “Para Que Quero Eu Olhos”, Orfeu, 1967; 2LP “Memória de Adriano”: LP 1, Orfeu, 1983, reed. Movieplay, 1992; CD “Adriano Correia de Oliveira”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 40, Movieplay, 1994; “Obra Completa”: CD “Cantigas Portuguesas”, Movieplay, 1994, 2007)

Quatro coisas quer o amo

Quatro coisas quer o amo,
ai quatro coisas quer o amo
do criado que o serve:
deitar tarde e erguer cedo,
ai deitar tarde e erguer cedo,
comer pouco e andar alegre.

Já lá abaixo vem a noite,
ai já lá abaixo vem a noite,
já lá vem nossa alegria;
tristeza p’ra o nosso amo,
ai tristeza p’ra o nosso amo
que se acabou o dia.

Já o Sol se vai embora,
ai já o Sol se vai embora
por detrás do cabecinho;
quem dera ao patrão atá-lo
ai quem dera ao patrão atá-lo,
na ponta de um nagalhinho.

Se ele pudesse e bem quisera,
ai se ele pudesse e bem quisera
fazer o dia maior,
dava um nó na fita verde,
ai dava um nó na fita verde,
fazia parar o Sol.

Quatro coisas quer o amo,
ai quatro coisas quer o amo
do criado que o serve…

Letra e música: Tradicional (Beira Baixa)
Intérprete: Afonso Dias* com Teresa Silva (in CD “Andanças & Cantorias”, Bons Ofícios – Associação Cultural, 2016)
Primeira versão: GAC – Grupo de Acção Cultural (in LP “…E Vira Bom”, Vozes na Luta, 1977, reed. Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2010)

Recordai, fiéis cristãos

[ Encomendação das Almas ]

Recordai, fiéis cristãos, de Jesus
No dia em que estava na cruz!
Aleluia! Aleluia!
Lembrai-vos de quem lá tendes:
Vossas mães e vossos pais!
Aleluia! Aleluia!
E ajudai-os a tirar:
Padre-nosso e uma ave-maria!
Aleluia! Aleluia!
Seja p’lo amor de Deus.

Letra e música: Tradicional (Penha Garcia, Idanha-a-Nova, Beira Baixa)
Intérprete: Segue-me à Capela
Primeira versão de Segue-me à Capela (in Livro/CD “San’Joanices, Paganices e Outras Coisas de Mulher”, Segue-me à Capela/Fundação GDA/Tradisom, 2015)

Minha Roda (cantiga de rega)

Roda, roda…
Minha roda ‘stá parada,
Minha roda, roda,
Minha roda, roda, ó…

Minha roda ‘stá parada
Por falta de tocador;
Anda roda, anda roda,
Qu’ eu cá vou com meu amor!

Esta água ‘stá parada:
Quem seria que a parou?
Foi a mãe do meu amor
Qu’ esta noite aqui passou.

Letra e música: Tradicional (Margens do rio Zêzere, provavelmente em Dornelas do Zêzere, Pampilhosa da Serra, Beira Baixa)
Recolha: António Avelino Joyce (“Minha Roda ‘stá Parada”, 1938, in revista “Ocidente”, IV, Lisboa, 1939; “cancioneiro Popular Português”, de Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça, 1981 – p. 145)
Arranjo: Toni Andrade
Intérprete: Segue-me à Capela (in Livro/CD “San’Joanices, Paganices e Outras Coisas de Mulher”, Segue-me à Capela/Fundação GDA/Tradisom, 2015)

Dornelas do Zêzere
Dornelas do Zêzere

Santa Barburinha bendita

[ Bendito e Louvado das Trovoadas ]

— «Santa Barburinha bendita,
Livrai-nos das trovoadas!
Lev’as p’ra bem longe!
Santa Barburinha bendita,
Com um ramo de água benta
Arramai esta tormenta.»
Santa Bárbara pequenina
Se vestiu e se calçou,
Bordão na mão tomou.
— «Onde vais, Santa Barburinha,
Que no céu estais escrita?»
— «Eu vou p’ra bem longe!
Vou correr esta trovoada
Onde não há pão e vinho,
Nem bafo de menino!
Só a serpente e as sete filhas
Bebem leite de maldição
E água de trovão.»

Letra e música: Tradicional (Penha Garcia, Idanha-a-Nova, Beira Baixa)
Recolha: Ernesto Veiga de Oliveira
Intérprete: Segue-me à Capela
Primeira versão de Segue-me à Capela (in Livro/CD “San’Joanices, Paganices e Outras Coisas de Mulher”, Segue-me à Capela/Fundação GDA/Tradisom, 2015)

Se fôreis ao São João

[ São João ]

Se fôreis ao São João
Se fôreis ao São João
Ai traguei-me um São Joãozinho
Ai traguei-me um São Joãozinho
Se não pudéreis com um grande
Se não pudéreis com um grande
Ai traguei-me um mais picanino
Ai traguei-me um mais picanino

São João, casai as moças
São João, casai as moças
Ai as que vos fazem fogueiras
Ai as que vos fazem fogueiras
E aquelas que não as fazem
E aquelas que não as fazem
Ai deixai-as ficar solteiras
Ai deixai-as ficar solteiras

Eu hei-de ir ao São João
Eu hei-de ir ao São João
Ai o meu marido não quer
Ai o meu marido não quer
Deixai-o vós abalar
Deixai-o vós abalar
Ai eu farei o que eu quiser
Ai eu farei o que eu quiser

Do São João ao São Pedro
Do São João ao São Pedro
Ai quatro dias, cinco são
Ai quatro dias, cinco são
Moças que andais à soldada
Moças que andais à soldada
Ai aligrai o coração
Ai aligrai o coração
Ai aligrai o coração
Ai aligrai o coração
Ai aligrai o coração

Letra e música: Tradicional (Beira Baixa)
Intérprete: Sebastião Antunes & Quadrilha
Versão original: Sebastião Antunes & Quadrilha (in CD “Proibido Adivinhar”, Sebastião Antunes/Alain Vachier Music Editions, 2015)

Senhora Maria

[ Moda dos Bombos ]

Senhora Maria, Senhora Maria,
O seu galo canta e o meu assobia!
Larilolela, e o meu assobia…
Larilolela, e o meu assobia…
Ó Ana vem ver, ó Ana vem ver
Os peixes no mar e o mar a arder!
Larilolela, e o mar a arder…
Larilolela, e o mar a arder…
Eu quero, eu quero, eu quero, eu quero
Eu quero, eu quero, eu quero, eu queria
Dormir contigo uma noite, ó Maria!…
Dormir contigo uma noite, ó Maria!…

Letra e música: Tradicional (Beira Baixa)
Intérprete: Velha Gaiteira
Versão discográfica de Velha Gaiteira (in CD “Velha Gaiteira”, Velha Gaiteira/Ferradura, 2010)

Velha Gaiteira

Senhora da Consolação

[ Virgem da Consolação – Senhora da Azenha ]

Senhora da Consolação,
Já vos varreu a capela
Ai, a gente de Salvaterra
Com raminhos de marcela.

Virgem da Consolação,
Vosso nome é Maria;
Ai, tendes um manto de seda
Com um raminho de alegria.

Ai, que tendes na vossa coroa?
Que tendes na vossa coroa?
Ai, uma pombinha de prata,
Tem asas e não avoa.

Ai, quem vos pudera levar,
Quem vos pudera eu levar
Para a minha companhia
Em braços, sem descansar!

Ai, quem vos pudera trazer,
Quem vos pudera eu trazer
Para a minha companhia
Em braços, sem ninguém ver!

Virgem da Consolação
Ficou à porta a chorar;
Ai não, Senhora, não chores
Que eu p’ró ano hei-de voltar!

Letra e música: Tradicional (Salvaterra do Extremo e Monsanto, Idanha-a-Nova, Beira Baixa)
Arranjo: Musicalbi
Intérprete: Musicalbi (in CD “Adufando: Sinais da Beira Baixa”, Musicalbi, 2012)

Senhora… Senhora do Almurtão

[ Senhora do Almurtão ]

Senhora…
Senhora do Almurtão, (bis)
Ó minha linda raiana,
Voltai costas…
Voltai costas a Castela, (bis)
Não queirais ser castelhana!

Senhora…
Senhora do Almurtão, (bis)
Quem vos varreu o terreiro?
Foram as…
Foram as moças de Idanha (bis)
Com raminhos de loureiro.

Senhora do Almurtão,
Bem me podeis perdoar!
Venho à vossa romaria
Só p’ra cantar e bailar.

Senhora do Almurtão,
Eu p’ró ano não prometo;
Que me morreu um amor,
Ando vestida de preto.

Letra e música: Tradicional (Idanha-a-Nova, Beira Baixa)
Arranjo: Musicalbi
Intérprete: Musicalbi (in CD “Adufando: Sinais da Beira Baixa”, Musicalbi, 2012)

Outra versão: Afonso Dias com Teresa Silva (in CD “Andanças & Cantorias”, Bons Ofícios – Associação Cultural, 2016)

Sou da Beira

Intérprete: Adufeiras do Rancho Folclórico de Monsanto

Tenho à minha janela

[ Cantiga Bailada ]

Tenho à minha janela — eras tão bonita e eu já te não quero —
O que tu não tens à tua, o que tu não tens à tua:
Um vaso de manjerico — eras tão bonita e eu já te não quero —
Que dá cheiro a toda a rua, que dá cheiro a toda a rua.

Ó ai ó larilolela! Ó ai ó lariloló!

Adeus, ó rua da ponte, — eras tão bonita e eu já te não quero —
Calçadinha mal sigura, calçadinha mal sigura!
E quando o meu amor passa — eras tão bonita e eu já te não quero —
Não há pedra que não bula, não há pedra que não bula.

Ó ai ó larilolela! Ó ai ó lariloló!

As pedras do meu balcão — eras tão bonita e eu já te não quero —
Estão todas a três a três, estão todas a três a três.
Os meus amores de algum dia — eras tão bonita e eu já te não quero —
Já os cá tenho outra vez, já os cá tenho outra vez.

Ó ai ó larilolela! Ó ai ó lariloló!
Ó ai ó larilolela! Ó ai ó lariloló!
Ó ai ó larilolela! Ó ai ó lariloló!

Letra e música: Tradicional (Beira Baixa)
Intérpretes: Ana Tomás & Ricardo Fonseca (in CD “Canções de Labor e Lazer”, Ana Tomás & Ricardo Fonseca, 2017)

Canções de Labor e Lazer

Venho da ribeira nova

[ Aventali ]

Venho da ribeira nova,
Debaixo do laranjali;
Já cá levo uma folhinha
Debaixo do aventali.

Debaixo do aventali,
Na barra do meu vestido.
Anda cá ó minha amada!
Deixa-me dormir contigo!

Deixa-me dormir contigo!
Uma noite não é nada,
Eu entro pelo escuro,
E saio de madrugada.

Nem entras pelo escuro
E nem sais de madrugada!
Eu sou rapariga nova,
Não quero andar difamada.

Venho da ribeira nova,
Debaixo do laranjali;
Já cá levo uma folhinha
Debaixo do aventali.

Debaixo do aventali,
Na barra do meu vestido.
Anda cá ó minha amada!
Deixa-me dormir contigo!

Deixa-me dormir contigo!
Uma noite não é nada,
Eu entro pelo escuro,
E saio de madrugada.

Nem entras pelo escuro
E nem sais de madrugada!
Eu sou rapariga nova,
Não quero andar difamada.

Letra e música: Tradicional (Vale de Senhora da Póvoa, Penamacor, Beira Baixa)
Intérprete: O Baú com Sebastião Antunes (in CD “Achega-te”, O Baú, 2012)

Venho de macelada

[ Macelada – São João ]

Venho de macelada,
Venho de colher macela,
Lá dos campos do castelo,
Daquela mais amarela!
Venho de macelada!
Olô ai larilolela,
Olô ai lariloló,
Venho de macelada!
Venho de macelada!
Venho de macelada,
Venho de colher o cravo,
Lá dos campos do castelo,
Para dar ao namorado!
Venho de macelada!
Olô ai larilolela,
Olô ai lariloló,
Venho de macelada!
Venho de macelada!
Venho de macelada,
Venho de colher uma flor,
Lá dos campos do castelo,
Para dar ao meu amor!
Venho de macelada!

Olô ai larilolela,
Olô ai lariloló,
Venho de macelada!
Venho de macelada!
Olô ai larilolela,
Olô ai lariloló,
Venho de macelada!
Venho de macelada!
Se fores ao São João

Ai trazei-me um São Joãozinho!
Se não puderes com um grande
Ai trazei-me um mais pequenino!

São João era bom homem
Ai se não fora tão velhaco;
Foram três moças à fonte
Ai foram três, vieram quatro.

Eu hei-de ir ao São João,
Ai o meu marido não quer;
Deixai-o vós abalar,
Ai eu farei o que eu quiser!

Letra e música: Tradicional (Beira Baixa)
Recolhas: Hubert de Fraysseix (“Macelada”) e GEFAC (“São João”)
Intérprete: Segue-me à Capela

Segue me a capela
Galo de Barcelos

Poemário da Canção Portuguesa

A Senhora está sentada

A Senhora está sentada
Não tem pés, pois muito andou
Já nem na memória há rastos
Do tempo que caminhou

A Senhora está sentada
Numa redoma de luz
E é uma nave perdida
Nenhuma rota a conduz

E a Senhora está sentada
Numa montanha de fel
Rios correm dos seus olhos
E dos seus lábios o mel

E a Senhora está sentada
Tem parado o respirar
Do seu peito saem chamas
Das que não sabem queimar

E a Senhora está sentada
Sobre as dores de cada um
Do seu ventre sai remédio
Que cura como nenhum

E a Senhora está sentada
Numa matéria sem nome
Transformada numa estátua
Que não tem sono nem fome

E a Senhora está sentada
Sobre as suas próprias mãos
E baloiça no vazio
No céu de todos os chãos

Letra e música: Amélia Muge
Intérprete: Amélia Muge (in CD “Todos os Dias”, Columbia/Sony, 1994)

A solidão

[ Nem Mal Que Sempre Dure, Nem Bem Que Nunca se Acabe ]

A solidão espalhada p’los penedos
Embrulha a alma em folhas de saudade
A noite acorda o sabor dos segredos
E traz nos dedos a cor da vontade

E só a voz da Lua é que me amansa
E me adormece ao canto da gaivota
No fim do mundo o tempo quebra a dança
E o vento lança aromas de outra rota

O sol acalma como um grão de areia
E dorme enquanto espera a madrugada
Em cada noite escura há uma candeia
Em cada ceia há uma fome adiada

Em cada grito há uma voz calada
Encruzilhada p’lo meio do caminho
Em cada sono há uma alma acordada
Desnorteada como um burburinho

Ouvi dizer o povo e o povo bem o sabe:
“Nem mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe.”

Mal amanhece o horizonte espreita
Enquanto espera pelo raiar do dia
Já se adivinha o calor que se ajeita
E o chão aceita o fim da noite fria

Rir da tristeza, chorar da alegria
Abrir caminhos como um peregrino
Deixar que a vida traga outro dia
Fazer folia a meias com o destino

Ouvi dizer o povo e o povo bem o sabe:
“Nem mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe.

Ouvi dizer o povo e o povo bem o sabe:
“Nem mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe.”

Letra e música: Sebastião Antunes
Intérprete: Sebastião Antunes & Quadrilha*
Versão discográfica anterior: Sebastião Antunes & Quadrilha com Carlos Moisés (in CD “Perguntei ao Tempo”, Sebastião Antunes/Alain Vachier Music Editions, 2019)
Versão original: Quadrilha (in CD “A Cor da Vontade”, Vachier & Associados, 2003)
Outra versão: Quadrilha (in CD “Deixa Que Aconteça: Ao Vivo”, Vachier & Associados/Ovação, 2006)

Reciclanda

Reciclanda

O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração), realiza oficinas de música durante o ano letivo e dinamiza atividades em colónias de férias. 

Contacte-nos:

António José Ferreira
962 942 759

A verdade vem ao de cima

A verdade vem ao de cima e mostra
O que em baixo tem, que ao de cima não se gosta
A verdade tem algo difícil de atingir
Quando em cima há quem, por baixo vem e te faça distrair

A verdade vem ao de cima e mostra
A verdade vê e ao de cima há-de vir
A verdade vem ao de cima e mostra
A verdade vê e ao de cima há-de vir

Quando de baixo vem, tão hibernado e escondido,
O desejo de ter e conhecer o proibido
Quando a vontade for escorregando a mentir
A verdade vê e ao de cima há-de vir

A verdade vem ao de cima e mostra
A verdade vê e ao de cima há-de vir
A verdade vem ao de cima e mostra
A verdade vê e ao de cima há-de vir

E por mais que tentes dar a volta
A verdade veio sempre e sempre há-de vir
Há-de vir n’outro presente às cambalhotas
Noutro presente há-de vir, noutro presente há-de vir

A verdade vem ao de cima e mostra
A verdade vê e ao de cima há-de vir
A verdade vem ao de cima e mostra
A verdade vê e ao de cima há-de vir
(bis)

Letra e música: Luís Pucarinho
Intérprete: Luís Pucarinho com Duarte (in CD “Orgânica Mente Humana”, Caracol Secreto Associação/Alain Vachier Music Editions, 2015)

Acorda meu sangue preso

[ Cantar para Um Pastor ]

Acorda meu sangue preso
Acorda meu sangue mudo
Se te amo, não te amo
E meu cantar não diz tudo

Meu olhar de madrugada
Pastor da noite comprida
Luz no peito vigiada
Liberdade consentida

Acorda meu sangue preso
Rasga o ventre do meu dia
Se te amo, não te amo
Meu pastor de alegria

Meu pastor de alegria
Meu olhar de madrugada
Se eu piso campos verdes
É sempre noite na estrada

Se te amo, não te amo
Meu olhar de madrugada
Trago uma pomba de espanto
Nesta garganta velada

Poema: Matilde Rosa Araújo
Música: Adriano Correia de Oliveira
Intérprete: Adriano Correia de Oliveira (in “Cantaremos”, Orfeu, 1970, reed. Movieplay, 1999; “Obra Completa”: CD “A Noite dos Poetas “, Movieplay, 1994)

Acredito em pouca coisa

Acredito em pouca coisa
que venha escrita em loiça,
dessa de pôr na parede.

Acredito mais no desempenho
da laranja que apanho,
que como e me mata a sede.

Acredito nas façanhas,
muito menos nas patranhas
de quem faz só porque sim.

Acredito nas crianças,
no meu ventre são esperanças
de um futuro sem fim.

Acredito na loucura
de quem pede mais ternura
e vira costas à guerra.

Acredito na fé dos outros
que às vezes abrem poços
só para encontrar mais terra.

Acredito no Caetano,
no Zambujo que é meu mano,
em todas as vozes calmas.

Acredito na poesia
e também na aletria,
em todos adoçantes de almas.

Acredito na minha mãe,
ela que sofreu bem
para que eu fosse como sou.

Crente nos frutos e flores,
nos mais impossíveis amores,
onde o Sol mais brilhar eu estou.

Letra: Celina da Piedade
Música: Alex Gaspar
Intérprete: Celina da Piedade
Versão original: Celina da Piedade (in CD “Sol”, Sons Vadios, 2016)

Agora e na Boa Hora

Agora e na boa hora
Saio de casa p’ra fora;
Quem mal me queira fazer
Deus as queira arrepender.

Tenha pernas e não ande!
Tenha braços e não mande!
Tenha boca e não fale!
Tenha olhos e não veja!

Agora e na boa hora
Saio de casa p’ra fora;
Quem mal me queira fazer
Deus as queira arrepender.

Tenha pernas e não ande!
Tenha braços e não mande!
Tenha boca e não fale!
Tenha olhos e não veja!

Agora e na boa hora
Saio de casa p’ra fora;
Quem mal me queira fazer
Deus as queira arrepender.

Tenha pernas e não ande!
Tenha braços e não mande!
Tenha boca e não fale!
Tenha olhos e não veja!

Agora e na boa hora
Saio de casa p’ra fora;
Quem mal me queira fazer
Deus as queira arrepender.

Tenha pernas e não ande!
Tenha braços e não mande!
Tenha boca e não fale!
Tenha olhos e não veja!

Agora e na boa hora
Saio de casa p’ra fora;
Quem mal me queira fazer
Deus as queira arrepender.

Letra: Oração tradicional
Música e arranjo: César Prata
Intérprete: César Prata e Vânia Couto
Versão original: César Prata e Vânia Couto (in CD “Rezas, Benzeduras e Outras Cantigas”, Sons Vadios, 2019)

Águas claras

[ Canção das Águas Claras ]

Águas claras, águas claras
Que dos rochedos caíam;
Morreram as águas claras
Onde os meus sonhos bebiam.

Era o sol, era a lua,
Era a flor que aparecia;
A solidão da rua
Também toda lá bebia.

Agora a mágoa me acena
Das minhas mãos agitadas.
Quem dera fossem penas
Os rochedos de águas claras!

Águas claras, águas claras
Que dos rochedos caíam;
Morreram as águas claras
Onde os meus sonhos bebiam.

Dessa paisagem não sei,
Nem a saudade precisa;
Coração, eu não parei,
Tira-me a hora indecisa!

Do tempo que era quimera,
Não quero que tenha fim…
Porque é que o tempo não espera,
Nem nunca esperou por mim?

Águas claras, águas claras
Que dos rochedos caíam;
Morreram as águas claras
Onde os meus sonhos bebiam.

Águas claras, águas claras
Que dos rochedos caíam;
Morreram as águas claras
Onde os meus sonhos bebiam.

Letra: Joaquim Pedro Gonçalves
Música: Ricardo Ribeiro
Intérprete: Ricardo Ribeiro
Versão original: Ricardo Ribeiro (in CD “Hoje É Assim, Amanhã Não Sei”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2016)

Ai amigos

[ A Lei dos Sentidos ]

Ai amigos…
Na ilusão ridícula de sermos imortais e querermos acertar
Se inventarmos fugas, ideias e diferenças vão chamar-nos loucos
Se fugirmos à norma e pensarmos longe – somos anormais
Se sonharmos mar, montanhas e vento – vamos ser tão poucos…

E afinal viver é este tempo breve dado para a memória
Uma novela curta que sempre ansiamos de grandes paixões
Mas cada um de nós vale muito pouco para as contas da História
Somos só formigas enchendo o planeta de tantos milhões

Pequenos demais, vagueando aí, sem esperança nem jeito
Buscando a nobreza de um outro sentir, feito de emoções
Buscando impossíveis de amor e beleza num tempo perfeito
Querendo a felicidade e o sucesso inteiro em vinte lições

Deixem-me sonhar que num tempo novo nascerão do caos
O homem completo, a gente bonita, a nação ternura
Sem raivas nem ódios, nem fés de rancores, nem dogmas estreitos
E que um mundo outro, mais belo e mais pleno, nos nasce e perdura

Um mundo onde os poetas não sejam estudados como anormais
E os homens justos e as gentes de estudo sejam distinguidos
E a sabedoria seja infinda e livre e nunca demais
E então se publique, por decreto urgente – a lei dos sentidos!

Letra e música: Pedro Barroso
Intérprete: Pedro Barroso
Versão original: Pedro Barroso (in CD “Artes do Futuro”, Ovação, 2017)

Ai levaram-me os temas

[ Caixinha de Mão ]

Ai levaram-me os temas,
Os meus longos poemas,
As canções de amor

Ai levaram-me os temas,
Os meus longos poemas,
As canções de amor

Foi o meu menino, chamado Paixão,
Que mos levou numa caixinha de mão
Para os guardar e depois cantar
Se o coração deixar

Foi o meu menino, chamado Paixão,
Que mos levou numa caixinha de mão
Para os guardar e depois cantar
Se o coração deixar

Ai, mas se ele voltasse
E ao meu lado se deitasse
Ao meu lado a brincar
Com a caixinha dos temas

Fazia-me os temas
Longas são as histórias de amor
Para as guardar e depois cantar
Se o coração deixar

Letra e música: Tiago Curado de Almeida
Intérprete: Pensão Flor
Versão original: Pensão Flor (in CD “O Caso da Pensão Flor”, Pensão Flor/Brandit Music, 2013)

Ali estavas tu

Ali estavas tu olhando à janela, quando voltei já quase dia
Da boémia, da boémia e do som.
E desceste até à porta, num sorriso maior e num abraço
Num abraço sentido

Colaram-se os corpos numa dança, varrendo tudo pelo chão
Um aceso rebolar sufocante e o suor em crescente pulsação
E a força, o sangue corre num único sentido
Algo em mim se vai e morre e me consome morto e vivo

Como quem sabe de cor, puseste-me um cigarro na boca
E com amor, um brilho nos olhos
Em corpo nu à luz de uma vela, perguntei-te baixinho
“Quando voltas? Quando voltas à janela?”

Colaram-se os corpos numa dança, varrendo tudo pelo chão
Um aceso rebolar sufocante e o suor em crescente pulsação
E a força, o sangue corre num único sentido
Algo em mim se vai e morre e me consome morto e vivo

Ali estavas tu olhando à janela, quando voltei já quase dia
Da boémia, da boémia e do som.
E desceste até à porta, num sorriso maior e num abraço
Num abraço sentido
Ficaste tu olhando à janela…

Letra e música: Luís Pucarinho
Intérprete: Luís Pucarinho (in CD “Orgânica Mente Humana”, Caracol Secreto Associação/Alain Vachier Music Editions, 2015)

Ao correr da queda de água

[ Fraga da Pena ]

Ao correr da queda de água
Fui lavar um sentimento:
Deixei acalmar a mágoa
Enquanto escutava o vento.

A saltar entre os penedos,
As águas vão ensinando
As lembranças e os segredos
Que a serra vai murmurando.

E as penas quem as apaga
Para a alma ficar serena?
Penas grandes como a fraga
São como a Fraga da Pena.

E as penas quem as apaga
Para a alma ficar serena?
Penas grandes como a fraga
São como a Fraga da Pena.

Enquanto a tarde se deita
Nas sombras da penedia,
A água aos poucos ajeita
O raiar do novo dia.

Trigueira de água nos dedos
Desce da serra apressada:
Vem a cantar pelos penedos
Para me saudar à chegada.

Enquanto a noite me afaga,
Enquanto a lua me acena,
Adormeço ao som da fraga:
Ao som da Fraga da Pena.

Enquanto a noite me afaga,
Enquanto a lua me acena,
Adormeço ao som da fraga:
Ao som da Fraga da Pena.

E as penas quem as apaga
Para a alma ficar serena?
Penas grandes como a fraga
São como a Fraga da Pena.

Enquanto a noite me afaga,
Enquanto a lua me acena,
Adormeço ao som da fraga:
Ao som da Fraga da Pena.

Letra: Sebastião Antunes
Música: Fernando Pereira
Intérprete: Real Companhia com Ana Laíns (in CD “Serranias”, Tê, 2013)

Ao som de uma caixa de música

[ Caixinha de Música ]

Ao som de uma caixa de música acordou João
Ao lado do berço um corpo caído, desilusão
A casa vazia e no ar um cheiro a solidão
Para lá da janela uma visão tão estranha
O que terá acontecido?

Como um pássaro que saiu do ninho e esvoaçou
João deu a medo alguns passos pelo quarto e sem querer
Debruçou o corpo sobre o chão morno e adormeceu
Talvez p’ra dormir o seu último sono
E o que fica a dizer de…?

João, mais uma vítima nuclear numa casa no meio da cidade
Onde só se contavam histórias de mal e de bem
João, mais uma vítima nuclear numa casa no meio da cidade
Onde só se contavam histórias de realidade

Uma brisa estranha chegou de repente, com sabor a fim
E uma noite fria caiu sobre os restos do auge do poder
Entre o tudo e o nada ficou uma sombra, uma recordação
Talvez algum dia alguém venha a perguntar:
“O que terá acontecido?”

Um manto de fumo cobriu a cidade, em forma de adeus
Talvez p’ra apagar a última imagem guardada da Terra
A tocar no meio do deserto plantado a caixinha ficou
Testemunha ingénua das glórias já findas
E das marcas da vida

João, mais uma vítima nuclear numa casa no meio da cidade
Onde só se contavam histórias de mal e de bem
João, mais uma vítima nuclear numa casa no meio da cidade
Onde só se contavam histórias de realidade

Letra e música: Sebastião Antunes
Intérprete: Sebastião Antunes & Quadrilha com João Pedro Pais (in CD “Perguntei ao Tempo”, Sebastião Antunes/Alain Vachier Music Editions, 2019)
Versão original: Peace Makers (in single “Caixinha de Música / Recordação de Hiroshima”,
Victória Records, 1988)
Outra versão: Quadrilha (in CD “Deixa Que Aconteça: Ao Vivo”, Vachier & Associados/Ovação, 2006)

Sebastião Antunes & Quadrilha, Perguntei ao Tempo
Sebastião Antunes & Quadrilha, Perguntei ao Tempo

Às vezes

Às vezes, dou por mim quase esquecido
Suspirando, meio-perdido
Sem ninguém p’ra conspirar

Por linhas tortas,
Troco as palavras e abro portas
Invento frases de lamento
Houvesse alguém p’ra duvidar…

Se eu fosse a ti vinha a correr
Não vês que em ti eu posso ser
A sede ardente de um desejo

Se eu fosse a ti vinha a voar
Os pés no ar a querer andar
Sentir o corpo a levitar
Na febre quente de mais um beijo

Às vezes, dou por mim quase rendido
No teu canto preferido
A sorte teima em não passar

Mas sou teimoso
E fico à espera no mesmo lugar
Onde passas sem parar
Houvesse alguém p’ra duvidar…

Se eu fosse a ti vinha a correr
Não vês que em ti eu posso ser
A sede ardente de um desejo

Se eu fosse a ti vinha a voar
Os pés no ar a querer andar
Sentir o corpo a levitar
Na febre quente de mais um beijo

Se eu fosse a ti vinha a correr
Não vês que em ti eu posso ser
A sede ardente de um desejo

Se eu fosse a ti vinha a voar
Os pés no ar a querer andar
Sentir o corpo a levitar
Na febre quente de mais um beijo

Na febre quente de mais um beijo

Letra e música: Jorge Roque
Intérprete: Jorge Roque
Versão original: Jorge Roque (in CD “Às Vezes”, Vidisco, 2013)

Baco quando nasceu

[ O Deus de Todo o Vinho ]

Baco quando nasceu
Pediu à mãe um copinho
E disse: – vou ser deus!
Vou ser deus de todo o vinho!

A mãe ficou intrigada
Com tanta sabedoria;
Baco de cara corada
Sabia bem o que queria.

Abençoado tu sejas,
Ó vinho mosto de surdos!
Diz que dás a vista aos cegos
E também a fala aos mudos.

Em vez de leite, bebia
Uns copos de vinho tinto;
Só chorava de alegria,
Que menino tão distinto!

As fraldas eram de parra,
Os caracóis cheios de curvas;
A chucha uma coisa rara
Toda enfeitada com uvas.

Abençoado tu sejas,
Ó vinho mosto de surdos!
Diz que dás a vista aos cegos
E também a fala aos mudos.

Baco lá foi crescendo
Por entre copos de vinho,
Com os amigos bebendo
Pelas tascas do caminho.

Recordando que ao nascer
Pediu à mãe um copinho
E disse: – vou ser deus!
Vou ser deus de todo o vinho!

Abençoado tu sejas,
Ó vinho mosto de surdos!
Diz que dás a vista aos cegos
E também a fala aos mudos.

Letra: José Luís Gordo
Música: Carlos Alberto Moniz
Intérprete: Carlos Alberto Moniz
Versão original: Carlos Alberto Moniz (in Livro/2CD “O Vinho dos Poetas”: CD 1, Carlos Alberto Moniz/Ovação, 2014)

Caem tordos e pardais

[ Perdidos pela Estrada ]

Caem tordos e pardais das varandas, dos telhados
Caem todos os normais sem asas levantados
Caídos morrem pela rua na tristeza e pela fome
Porque as vidas não são as suas e sem vida tudo morre

Quem por ti pensa e vê e te diz como tudo deve ser?
Quem a ti te encaminha e faz render?
Quem por ti decide, por ti irá viver?

De tão certos e arrumados nas gavetas inventadas
Nas varandas e telhados, sem da vida verem nada
Seguem do formato o trilho, da moral endiabrada
Que se perdem no caminho todos, todos pela mesma estrada

Quem por ti pensa e vê e te diz como tudo deve ser?
Quem a ti te encaminha e faz render?
Quem por ti decide, por ti irá viver?

Quem por ti… por ti irá viver?
E te diz…

Quem por ti decide, por ti irá viver?

Letra e música: Luís Pucarinho
Intérprete: Luís Pucarinho (in CD “Orgânica Mente Humana”, Caracol Secreto Associação/Alain Vachier Music Editions, 2015)

Cantiga de Vir ao Mundo

Já sentes em ti o que vais ser
Já dormiste um sono profundo
Chegou a hora d’amanhecer
Deixar p’ra trás a porta do mundo

Vais repousar na estrela-d’alva
E dançar a dança dormente
Ouro na pele, incenso e salva
Desabraçar o ninho mais quente

Tens o sol riscado nas asas
Um rei sem roque nem patrão
Um deus a quem dei coração
A sombra incerta do amor

Serás acaso, serás fronteira
Sussurrando temporais
Velhas perguntas, luas inteiras
Vencendo a sina dos mortais

Tens o sol riscado nas asas
Um rei sem roque nem patrão
Um deus a quem dei coração
A sombra incerta do amor

Letra: Miguel Cardina
Música: Pedro Damasceno e Sara Vidal
Arranjo: Diabo a Sete e Julieta Silva
Intérprete: Diabo a Sete* (in CD “Figura de Gente”, Sons Vadios, 2016)

Carolina, esta cantiga é para ti

[ Quando Nasceste ]

Carolina, esta cantiga é para ti.
Um dia desvendarás a poesia
que a música esconde.
Amo-te.
Sinto que o amanhã
é ontem e o hoje
é a revelação
do espírito livre
e inquieto.

Música: Ricardo Ribeiro
Intérprete: Ricardo Ribeiro (in CD “Largo da Memória”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2013)

Chega-se a este ponto

Chega-se a este ponto em que se fica à espera
Em que apetece um ombro o pano de um teatro
um passeio de noite a sós de bicicleta
o riso que ninguém reteve num retrato

Folheia-se num bar o horário da Morte
Encomenda-se um gin enquanto ela não chega
Loucura foi não ter incendiado o bosque
Já não sei em que mês se deu aquela cena

Já não sei em que mês…
Chega-se a este ponto em que se fica à espera

Chega-se a este ponto Arrepiar caminho
Soletrar no passado a imagem do futuro
Abrir uma janela Acender o cachimbo
para deixar no mundo uma herança de fumo

Rola mais um trovão Chega-se a este ponto
em que apetece um ombro e nos pedem um sabre
Em que a rota do Sol é a roda do sono
Chega-se a este ponto em que a gente não sabe

Chega-se a este ponto…
Chega-se a este ponto em que a gente não sabe

Chega-se a este ponto… em que se fica à espera
Chega-se a este ponto… em que a gente não sabe
Chega-se a este ponto… em que se fica à espera

Poema: David Mourão-Ferreira (adaptado)
Música: José Mário Branco
Intérprete: Camané (in CD “Infinito Presente”, Warner Music, 2015)

Chegámos, tu e eu

[ Cena Final ]

Chegámos, tu e eu, ao fim do jogo
O nosso amor morreu, não há mais fogo
Eu compreendo…
Lamento não poder chorar de raiva
Mas entendo

Já palmilhámos juntos muita estrada
E agora que estamos no fim da jornada
Fica um vazio…
Eu não quero mais ser marinheiro
No teu navio

No teu navio
E ter a vida
Por um fio

Não esperes tu de mim que de ti fuja
Não gosto de lavar a roupa suja,
Fica tão mal…
Confesso que nunca pensei ser actor
Da cena final

Se há coisa que comigo não resulta
É sentir que trago a rédea curta,
Eu não aguento…
Do que eu gosto mesmo é de ser livre
Como o vento

Eu não aguento
Quero ser livre
Como o vento

Não esperes tu de mim que de ti fuja
Não gosto de lavar a roupa suja,
Fica tão mal…
Confesso que nunca pensei ser actor
Da cena final

Se há coisa que comigo não resulta
É sentir que trago a rédea curta,
Eu não aguento…
Do que eu gosto mesmo é de ser livre
Como o vento

Eu não aguento
Quero ser livre
Como o vento

Letra e música: Aníbal Raposo
Intérprete: Aníbal Raposo com Vânia Dilac (ao vivo no Teatro da Luz, Lisboa)
Versão original: Aníbal Raposo (in CD “Maré Cheia”, Aníbal Raposo/MM Music, 1999)

Cheiro bom

[ Há Vida no Bairro ]

Cheiro bom
Risos e gente a conversar

No jardim
homens que sabem o que jogar

Há mais um
vizinho novo para cantar

A canção
marcha que o Bairro há-de ganhar

E tu quem és? De donde vens?
Porque não te chegas mais?
Vem cá ver, acreditar
que as pessoas são bens reais!

Ser feliz
é nunca mais voltar
a estar só

No jardim
falta uma peça
ao dominó

Sê mais um para mostrar
como se canta
em dó

Aprender
como se dança
sem levantar pó

O que é meu é p’ra dar
Deus não quer tralha no Céu
Não há nada p’ra guardar
Viver já é um troféu

O que é meu é p’ra dar
Deus não quer tralha no Céu
Não há nada p’ra guardar
Viver já é um troféu

Ser feliz
é nunca mais voltar
a estar só

No jardim
falta uma peça
ao dominó

Sê mais um para mostrar
como se canta
em dó

Aprender
como se dança
sem levantar pó

Letra: Eugénia Ávila Ramos
Música: Tiago Oliveira
Intérprete: Rua da Lua
Versão original: Rua da Lua (in CD “Rua da Lua”, Rua da Lua, 2016)

Com um copo de vinho

[ A Tua Boca Tem Sabor a Mosto ]

Com um copo de vinho, afogo
Esta mágoa de ver-me perdido
Por um bago de esp’rança, que provo
No lagar do teu corpo despido.
És de uma casta que se apanha a gosto:
Claretes, verdelhos…
A tua boca tem sabor a mosto
E a frutos vermelhos.
E a fome que te sinto no meu peito
Vai morrer de qualquer jeito
No balseiro desta vida.
Depois, abre-se a porta da adega
E o teu corpo já se apega
Numa prova de carinho.

Com um copo de vinho, levanto
Este brinde ao corpo que canto.
Ao teu ombro murmuro baixinho:
Este corpo que bebo é vinho.

Com um copo de vinho, aqueço
A palavra ternura e teço
Estes versos de uva que esmago
Com vontade de seres um bago.
Beber-te toda neste copo imenso
Sentindo que é cedo
P’ra te deixar saber que tenho medo
Que fujas… E penso:
O amor é como o vinho encorpado,
Deixa o corpo orvalhado
Pelos beijos da manhã.
Teu corpo é preciso esconder,
Pois só eu posso saber
O sabor que o vinho tem.
Com um copo de vinho, levanto
Este brinde ao corpo que canto.
Ao teu ombro murmuro baixinho:
Este corpo que bebo é vinho.

Letra: Álamo Oliveira
Música: Carlos Alberto Moniz
Intérprete: Carlos Alberto Moniz
Versão original: Carlos Alberto Moniz (in Livro/2CD “O Vinho dos Poetas”: CD 1, Carlos Alberto Moniz/Ovação, 2014)

Coração Estoirado

[ Coração de Fita-Cola ]

Coração Estoirado,
Peito feito mola
Pelas ruas a teu lado
Colado com fita-cola

Sempre vacilado,
Sempre a 100 à hora
Sem saber o que fazer
Só tu perdes p’la demora

E num beijo longo, só te quero sentir
Corro, sinto perigo, paro p’ra fingir

Sente a Solidão, meu corpo no tempo
Dá-me a tua mão, meu tormento

Os teus passos mais distantes,
Sempre sem saber
Se o futuro agora é antes
O que mais não posso ter

Saio porta fora
Sem saber o que escrever
Rasgo a vida e vou-me embora
Nas palavras por dizer

E num beijo longo, só te quero sentir
Corro, sinto perigo, paro p’ra fingir

Sente a Solidão, meu corpo no tempo
Dá-me a tua mão, meu tormento

Sobre a tua mão
Escrever o meu nome
A palavra mais sincera
Antes de a dizer, já era
O verbo mais que perfeito
Na perfeição desse jeito
Com que a tua boca
Diz e pede mais
Amor

Letra e música: Jorge Roque
Intérprete: Jorge Roque
Versão original: Jorge Roque (in CD “Às Vezes”, Vidisco, 2013)

Coram de vermelho

[ Damas da Côrte ]

Coram de vermelho
As damas de toda a côrte:
Seu costume é velho,
Não há moda que o troque!

E se por magia
Sua pele mudou de cor,
Foi amor de um dia,
Não dura mas tem sabor…

Casam cinco damas
E outras tantas são solteiras;
Num amor em chamas
As damas são as primeiras!

Damas de cristal,
Coração tão valioso,
Riso ou castiçal
E um olhar mui carinhoso…

Letra e música: José Flávio Martins
Intérprete: Senhor Vadio (in CD “Cartas de um Marinheiro”, José Flávio Martins/iPlay, 2013) [>> YouTube] [ao vivo nos estúdios do Porto Canal, 12 Nov. 2013 – a partir de 8′:06” >> Sapo Vídeos]
Versão original: Frei Fado d’El Rei (in CD “Danças no Tempo”, Columbia/Sony Música, 1995) [>> YouTube]

Corre a gente decidida

[ A Correr ]

Corre a gente decidida
P’ra ter a vida que quer,
Sem repararmos que a vida
Passa por nós a correr;

Às vezes até esquecemos,
Nessa louca correria,
Por que motivo corremos
E p’ra onde se corria.

Buscando novos sabores
Corre-se atrás de petiscos;
Quem corre atrás de valores
Corre sempre grandes riscos;

E dá p’ra ser escorraçado
Correr de forma diferente;
Há quem seja acorrentado
Por correr contra a corrente.

Num constante corrupio
Já nem sequer nos ocorre
Que a correr até o rio,
Chegando ao mar, também morre;

Ou atrás do prejuízo
Ou à frente da ameaça
Corremos sem ser preciso:
E a correr, a vida passa.

Percorrendo o seu caminho,
Correndo atrás dum sentido
Há quem dance o corridinho;
Eu canto o fado corrido

E o que me ocorre agora
P’ra não correr qualquer perigo
É correr daqui p’ra fora
Antes que corram comigo.

Vou correr daqui p’ra fora
Antes que corram comigo!

Letra: Manuela de Freitas
Música: Alain Oulman (“O Pião”)
Intérprete: Camané (in CD “Infinito Presente”, Warner Music, 2015)

Creio nos anjos

[ Credo ]

Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na Deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen.

Poema: Natália Correia (in “Sonetos Românticos”, 1990; “O Sol nas Noites e o Luar nos Dias”, 1993)
Música: Janita Salomé (in CD “Raiano”, Farol Música, 1994)

Cruzaste horizontes

[ Nas Estradas a Guiar ]

Cruzaste horizontes
Entre curvas e montes…
Ó emigrante, eu quero apenas te lembrar!
Passaste montanhas,
Estradas estranhas…
Ó emigrante, eu quero apenas te ajudar!
Vens de tão longe, guiar bem é teu querer…
Há tantas vidas perdidas p’ra recordar…
Olha que a ti também te pode acontecer:
Na estrada a morte espreita,
Não a queiras encontrar!
Tens a vida p’ra viver
E tantos sonhos p’ra sonhar…

Trazes saudades contigo, vem devagar!
Tem cuidado, emigrante,
Nas estradas a guiar!
Trazes saudades contigo p’ra festejar
Tanto tempo ausente,
Há sempre tempo p’ra chegar!
Tem cuidado, emigrante,
Nas estradas a guiar!

Trazes saudades contigo, vem devagar!
Tem cuidado, emigrante,
Nas estradas a guiar!
Trazes saudades contigo p’ra festejar
Tanto tempo ausente,
Há sempre tempo p’ra chegar!
Tem cuidado, emigrante,
Nas estradas a guiar!

Cruzaste fronteiras
Com tantas canseiras…
Ó emigrante, eu quero apenas te ajudar!
Vens sorridente,
Feliz e tão contente…
Ó emigrante, eu quero apenas te lembrar!
Há tantas festas, romarias p’ra bailar…
A vida são dois dias, não te deixes descuidar!
Que tenhas sorte por aqui no teu país!
Que sejas bem feliz
Nas estradas a guiar!
Tens a vida p’ra viver
E tantos sonhos p’ra sonhar…

Trazes saudades contigo, vem devagar!
Tem cuidado, emigrante,
Nas estradas a guiar!
Trazes saudades contigo p’ra festejar
Tanto tempo ausente,
Há sempre tempo p’ra chegar!
Tem cuidado, emigrante,
Nas estradas a guiar!

Trazes saudades contigo, vem devagar!
Tem cuidado, emigrante,
Nas estradas a guiar!
Trazes saudades contigo p’ra festejar
Tanto tempo ausente,
Há sempre tempo p’ra chegar!
Tem cuidado, emigrante,
Nas estradas a guiar!

Trazes saudades contigo, vem devagar!
Tem cuidado, emigrante,
Nas estradas a guiar!
Trazes saudades contigo p’ra festejar
Tanto tempo ausente,
Há sempre tempo p’ra chegar!
Tem cuidado, emigrante,
Nas estradas a guiar!

Trazes saudades contigo, vem devagar!
Tem cuidado, emigrante,
Nas estradas a guiar!
Trazes saudades contigo p’ra festejar
Tanto tempo ausente,
Há sempre tempo p’ra chegar!…

Letra e música: Dino Meira
Arranjo: Ramon Galarza
Intérprete: Dino Meira (in single “Adeus Paris, Até Lisboa / Nas Estradas a Guiar”, Philips/Polygram, 1983; CD “O Melhor de Dino Meira”, col. Coração Português, Mercury/Universal, 1999; CD “O Melhor de Dino Meira”, Universal, 2007)

Dá-me o amanhã

Dá-me o amanhã
Dá-mo, que depois de amanhã já cá não estou
Vou na senda dos demais que se perdem

Quero o teu calor
Quero o teu ser, o teu eu, o teu haver
Quero provar-te e beber a tua dor

Quero-te nos braços
Toma-me nos braços, quero as lágrimas que choras
Não por mim, mas já que as choras
Quero a pele que elas molham
E os meus lábios as sorvam
Quero o corpo onde moras

Dá-me o amanhã
Dá-mo, que depois de amanhã já cá não estou
Vou na senda dos demais que se perdem

Quero-te as entranhas
Quero-te por dentro e por fora e já agora
Quero roubar-te os sentidos
Quero-te a ti por inteiro
Quero que unamos destinos
Quero-te a ti por inteiro
Por inteiro

Letra e música: Manuel Maio
Intérprete: A Presença das Formigas (in CD “Pé de Vento”, A Presença das Formigas/Careto/XMusic, 2014)

Dança comigo

Dança comigo, morena
Leveza de pena
Esta dança breve
Dança e rodopia
Solta-me a alegria
De quem nada deve

Acende-me a cara, o rosto
Os lábios de mosto
Riso de marfim
Requebra a cintura
Que és a criatura
Nascida para mim

Vamos, a dança é louca
Dá-me a tua boca
Que este beijo é meu
Dança comigo amada
Eu já estou na escada
Que me leva ao céu

Ao som da concertina
(Cinturinha fina
Pele de cetim)
Dança, meu amor
Não sei doutra flor
Que bem dance assim

Dança com fantasia
No fim deste dia
Que se vai embora
No passo da vida
Dancemos querida
Que é a nossa hora

Vamos, a dança é louca
Dá-me a tua boca
Que este beijo é meu
Dança comigo amada
Eu já estou na escada
Que me leva ao céu

Vamos, a dança é louca
Dá-me a tua boca
Que este beijo é meu
Dança comigo amada
Eu já estou na escada
Que me leva ao céu

Vamos, a dança é louca
Dá-me a tua boca
Que este beijo é meu
Dança comigo amada
Eu já estou na escada
Que me leva ao céu

Letra e música: Aníbal Raposo (2006-09-26)
Intérprete: Aníbal Raposo
Versão original: Aníbal Raposo (in CD “Rocha da Relva”, Aníbal Raposo/Global Point Music, 2013)

Das casas que ninguém construiu

Das casas que ninguém construiu
me deram esta para morar:
ficou-me o céu como tecto
e o vento como lençóis…
Dos trapos que atiram fora
me permitiram um para eu vestir.
Das chuvas que caem do tecto do meu lar
me consentiram abafos para as quatro estações.
(Ah, se não fosse às vezes fazer sol…)
Das mulheres que ninguém quer
me negaram a última de todas,
a última de todas as mulheres!
E quando notaram que eu parecia um homem,
pois tinha
ouvidos para ouvir
e olhos para ver,
em todas as estradas do mundo
me gritaram:
— Mendigo, vai ver o fim das estradas todas do mundo!

Poema: Manuel da Fonseca (in “Rosa-dos-Ventos”, Lisboa: Imprensa Baroeth, 1940; “Poemas Completos”, Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1958; “Poemas Completos”, pref. Mário Dionísio, 3.ª edição, Lisboa: Portugália Editora, 1969 – p. 35-36; “Poemas Completos”, pref. Mário Dionísio, 5.ª edição, Lisboa: Forja, 1975 – p. 58)
Música: Paulo Ribeiro
Arranjo: Jorge Moniz
Intérprete: Paulo Ribeiro
Versão original: Paulo Ribeiro (in CD “O Céu Como Tecto e o Vento Como Lençóis”, Açor/Emiliano Toste, 2017)

[ O Vagabundo ]

Dás mais um passo no escuro

[ Dalla ]

Dás mais um passo no escuro
Sem olhar para trás a pensar
Nem anos nem meses, sem contar as vezes
Que a vida te olhou a cantar

Passas o circo a correr,
A banda sempre a tocar
Sem rede e sem chão, agarras a minha mão
E pedes p’ra eu te salvar

Se eu fosse um anjo, tu serias
Um ser Maior, maior que encanto
Cantas a noite em vez do dia
Guardas a paz num doce manto
Às vezes cantas num leve beijo brando

Lamentas que riam de ti,
Pensas diferente e depois
Libertas Amor sem qualquer pudor,
Singela partilha entre dois
A vida passou, e tu já sentes
Um pouco mais de solidão
Acabas cansado, p’ra sempre roubado
Do ouro do teu coração

Se eu fosse um anjo, tu serias
Um ser Maior, maior que encanto
Cantas a noite em vez do dia
Guardas a paz num doce manto
Às vezes cantas num leve beijo brando

Letra e música: Jorge Roque
Intérprete: Jorge Roque
Versão original: Jorge Roque (in CD “Às Vezes”, Vidisco, 2013)

De São Mateus ao Pesqueiro

[ Vinho de Cheiro ]

De São Mateus ao Pesqueiro
A recta só tem três curvas;
Em São Mateus vinho de cheiro
Mas no Pesqueiro é que há uvas.

Porto Martins: uva preta;
Biscoitos: chão de verdelho;
Da Praia inté à Serreta:
Vinho novo, vinho velho.

Vinho de cheiro,
Vinho de cheiro,
Ai, ai, meu vinho festeiro!
Vinho de cheiro,
Vinho de cheiro,
O povo chama ao terreiro.

‘Tá um sol qu’inté consola,
O adro ficou à cunha;
Bota aqui mais meia-bola
P’rás favas de molho de unha!

Empina o canjirão!
Leva à boca a teladeira!
O toiro é um malão,
Não saias da minha beira!

Vinho de cheiro,
Vinho de cheiro,
Ai, ai, meu vinho festeiro!
Vinho de cheiro,
Vinho de cheiro,
O povo chama ao terreiro.

Sempre desde pechinchinho
Que sonhava ser moleiro:
E a mó do meu moinho
Só rodava a vinho de cheiro.

P’ra que fosse um matulão
Mamãe teve este cuidado:
Comi das sopas que dão
Ao cavalo quando cansado.

Vinho de cheiro,
Vinho de cheiro,
Ai, ai, meu vinho festeiro!
Vinho de cheiro,
Vinho de cheiro,
O povo chama ao terreiro.

Nasci no mês de Janeiro,
Era um bezerro mamão:
Só mamava vinho de cheiro
Na teta dum garrafão.

No “Biéxe” comprei uns blue jeans
Todos brancos – um brinquinho;
Mas ao chupar uns “candins”
Borrei as calças de vinho.

Vinho de cheiro,
Vinho de cheiro,
Ai, ai, meu vinho festeiro!
Vinho de cheiro,
Vinho de cheiro,
O povo chama ao terreiro.

Vinho de cheiro,
Vinho de cheiro,
Ai, ai, meu vinho festeiro!
Vinho de cheiro,
Vinho de cheiro,
O povo chama ao terreiro.

Letra: Vasco Pereira da Costa
Música: Carlos Alberto Moniz
Intérprete: Carlos Alberto Moniz
Versão original: Carlos Alberto Moniz (in Livro/2CD “O Vinho dos Poetas”: CD 2, Carlos Alberto Moniz/Ovação, 2014)

De um trapo velho

[ Cinco Vidas ]

De um trapo velho
fiz cinco saias que querem rodar
Num pano branco
cosi cinco bolsos para te levar

De saco às costas parti
sem saber se ia voltar
Cabeça erguida
e olhos de quem quer olhar

Pus-te na minha mão
cinco dedos para me escapar
O mundo deu-me então
cinco vidas para me curar

E lá do bolso de trás
perguntaste se ainda podias falar
Cabeça erguida, respondi:
tanto me faz

Pela estrada andei
quantas voltas eu dei
sem encontrar
um motivo para voltar

De um trapo velho fiz
cinco saias que querem rodar
Num pano branco cosi
cinco bolsos para te levar

E lá do bolso de trás
perguntaste quando ia parar
Cabeça erguida, respondi:
até ter paz

Pela estrada andei
quantas voltas eu dei
sem encontrar
um motivo para voltar

tanto me faz
até ter paz

Letra: Eugénia Ávila Ramos
Música: Tiago Oliveira
Intérprete: Rua da Lua
Versão original: Rua da Lua (in CD “Rua da Lua”, Rua da Lua, 2016)

Deixei de olhar p’ra quem fui

[ Cantiga do Tempo Novo ]

Deixei de olhar p’ra quem fui,
Do passado estou ausente;
Às vezes mais vale a pena
Rir de tudo o que faz pena
Da alma triste da gente.

Vou lançar mãos à aventura,
Correr noutra direcção;
Quanto mais nos lamentamos
Ainda mais presos ficamos
E nos dói o coração.

Quando me ponho a pensar
Em alguém que tanto quis,
Já não me sento a chorar
E até me dá p’ra cantar
Modas que um dia lhe fiz.

Agora sinto-me livre,
Sem nada p’ra me prender:
E vou pela estrada fora
Rumo ao sul vou sem demora,
Basta o sol p’ra me aquecer.

A nossa vida é um mar
Com muitas marés e vagas:
Não temos nada a perder,
O melhor mesmo é viver
Combatendo as nossas mágoas.

Tenho o mundo à minha espera,
Há ilhas por descobrir:
E há uma vontade nova,
Um tempo que se renova,
Novo amor que vai surgir.

Letra e música: Paulo Ribeiro
Arranjo: Há Lobos Sem Ser na Serra
Intérprete: Há Lobos Sem Ser na Serra (in CD “Cantares do Sul e da Utopia”, Há Lobos Sem Ser na Serra/Alain Vachier Music Editions, 2016)
Versão original: Paulo Ribeiro com o Grupo Coral e Etnográfico “Os Camponeses de Pias” (in CD “Aqui Tão Perto do Sol”, EMI-VC, 2002)
Outra versão de Paulo Ribeiro (in CD “Canções 1998-2002”, Paulo Ribeiro, 2014)

Deixo-te ao postigo

[ Amores de Jericó ]

Deixo-te ao postigo
Um lenço e uma rosa;
Vou partir p’ra longe,
Partir sem demora.

Não chores por mim!
Eu não o mereço:
Sou sombra fugaz
Mas não te esqueço.

Não queiras saber
O que eu não te digo:
Sou fora-da-lei,
Sou mais que um bandido.

Não venhas por mim
Que eu não sei amar!
Com a faca nos dentes
Meu verbo é zarpar.

O Sol já desponta,
Vai-se a madrugada:
O perigo espreita;
Adeus, minha amada!

Não quero teus ais,
Ouve o que eu te digo:
Ande eu onde andar,
Estarás sempre comigo.

Não queiras saber
O que eu não te digo:
Sou fora-da-lei,
Sou mais que um bandido.

Não venhas por mim
Que eu não sei amar!
Com a faca nos dentes
Meu verbo é zarpar.

Não queiras saber
O que eu não te digo:
Sou fora-da-lei,
Sou mais que um bandido.

Não venhas por mim
Que eu não sei amar!
Com a faca nos dentes
Meu verbo é zarpar.

Letra e música: Celina da Piedade e Alex Gaspar
Intérprete: Celina da Piedade
Versão original: Celina da Piedade (in CD “Sol”, Sons Vadios, 2016)

Dizem

Dizem que nunca te amei,
Que fui sempre um ‘bon vivant’
E que vou ser sempre assim.
Também dizem que sou ‘gay’,
Que durmo em qualquer divã
Quando a noite chega ao fim.

Dizem que não te mereço,
Que p’ra mim tudo tem preço:
Sou oferta e oferecido.
Dizem que eu ando à mercê,
Que não sou o que se vê:
Bandido e caso perdido.

Dizem que fui e não vou,
Dizem que estive e não estou,
Mas que devia ter ido.
Também dizem, quando estou,
Que o dia bom já passou:
Não sou tido nem ouvido.

Dizem uns que outros não dizem,
Porque não querem saber
Do tanto que há por dizer.
Dos tantos que tanto dizem,
Nada sabem do que dizem
E mais nada vão saber.

Dos tantos que tanto dizem,
Nada sabem do que dizem
E mais nada vão saber.

Letra: Duarte
Música: Carlos da Maia (Fado Perseguição)
Intérprete: Duarte* (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)

Do Cerro venho descendo

[ Piedra y Camino ]

Do Cerro venho descendo,
Caminho e pedra;
Trago enredada na alma, vida,
Uma tristeza.

Acusas de não querer-te,
Isso não faço:
Talvez não compreendas nunca, vida,
Porque me afasto.

É o meu destino,
Pedra e caminho;
De um sonho longínquo e belo, vida,
Sou peregrino.

Por mais que a dita busque,
Vivo penando;
E quando devo ficar, vida,
Eu vou andando.

Às vezes sou como um rio,
Chego cantando;
E sem que ninguém o saiba, vida,
Sigo chorando.

É o meu destino,
Pedra e caminho;
De um sonho longínquo e belo, vida,
Sou peregrino.

Letra e música: Atahualpa Yupanqui
Adaptação ao português: Celina da Piedade
Intérprete: Celina da Piedade (in CD “Sol”, Sons Vadios, 2016)
Versão original: Atahualpa Yupanqui (in LP “Camino del Indio”, RCA Victor (Argentina), 1964; CD “Atahualpa Yupanqui”, Calle Mayor (Espanha), 2017)
Outra versão: Mercedes Sosa (in LP “Mercedes Sosa interpreta Atahualpa Yupanqui”, Philips (Argentina), 1977, reed. Universal Music Argentina, 2010)

E o canto de quem dera

[ Quem Dera ]

E o canto de quem dera
Não era bem seu canto;
Seria profecia… Não era,
E fez-se santo…

Quem dera que chovesse
E o mar fosse p’ra o céu,
P’ra que eu me convencesse
A bailar com um só véu!

Misturo a minha espera,
Sacudo o meu capote,
E na história quem me dera
Que o “burro” fosse mote…

Três cantos desta história
Ficaram por contar;
Só mesmo na memória
Quem dera recordar…

Saída de um só dia
Com traje a rigor:
Quem dera a sinfonia
Cantasse a sua cor…

A cor do teu lamento
Sem tempo de pensar,
A deusa do teu vento
Nasceu no teu olhar…

Ah! Se eu soubesse…
Ou adormecesse,
Voava em tons de azul;
Quem dera que eu soubesse…

E se uma quimera
Logo me quisesse…
Quem dera ela fosse,
Na espera que eu soubesse…

E o canto de quem dera
Não era bem seu canto;
Seria profecia… Não era,
E fez-se santo…

Quem dera que chovesse
E o mar fosse p’ra o céu,
P’ra que eu me convencesse
A bailar com um só véu!

Misturo a minha espera,
Sacudo o meu capote,
E na história quem me dera
Que o “burro” fosse mote…

Ah! Se eu soubesse…
Ou adormecesse,
Voava em tons de azul;
Quem dera que eu soubesse…

E se uma quimera
Logo me quisesse…
Quem dera ela fosse,
Na espera que eu…

Ah! Se eu soubesse…
Voava em tons de azul,
E se uma quimera
Na espera que eu…

Ah! Se eu soubesse…
Ou adormecesse,
Voava em tons de azul;
Quem dera que eu soubesse…

E se uma quimera
Logo me quisesse…
Quem dera ela fosse,
Na espera que eu soubesse…

Ah! Se eu soubesse…
Ou adormecesse,
Voava em tons de azul,
Quem dera que eu soubesse…

E se uma quimera
Logo me quisesse…
Quem dera ela fosse,
Na espera que eu…

Ah! Se eu soubesse…
Ou adormecesse,
Voava em tons de azul;
Quem dera que eu soubesse…

E se uma quimera
Logo me quisesse…
Quem dera ela fosse,
Na espera que eu soubesse…

Letra: José Flávio Martins
Música: José Flávio Martins e Paulo Coelho de Castro
Intérprete: Senhor Vadio (in CD “Cartas de um Marinheiro”, José Flávio Martins/iPlay, 2013)

É ou Não É?

Cos’è, cos’è
che fa andare la filanda?
È chiara la faccenda
son quelle come me.

E c’è, e c’è
che ci lascio sul telaio
le lacrime del guaio
di aver amato te.

É ou não é
que o trabalho dignifica?
É assim que nos explica
o rifão que nunca falha.
É ou não é
que disto toda a verdade
é que só por dignidade,
no mundo, ninguém trabalha?

É ou não é
que o povo nos diz que não,
que o nariz não é feição,
seja grande ou delicado?
No meio da cara
tem por força que se ver
mesmo a quem não o meter
aonde não é chamado.

E digam lá se é assim ou não é?
Ahi l’amore, ai l’amore!…
Digam lá se é assim ou não é?
Ahi l’amore che cos’è?

Cos’è, cos’è
questa grande differenza
se non facevi senza
di questi occhi miei?

Perchè, perchè
nella mente del padrone
ha il cuore di cotone
la gente come me?

É ou não é
que um velho que à rua saia
pensa, ao ver a mini-saia:
“Este mundo está perdido!”?
Mas se voltasse
agora a ser rapazote
acharia que o saiote
é muitíssimo comprido.

É ou não é
bondosa a humanidade?
Todos sabem que a bondade
é que faz ganhar a Céu;
Mas a verdade,
nua sem salamaleque,
tive de a aprender, é que…
ai de mim se não for eu!

E digam lá se é assim ou não é?
Ahi l’amore, ai l’amore!…
Digam lá se é assim ou não é?
Ahi l’amore che cos’è?

Letra e música: Alberto Fialho Janes (com versos da versão italiana, intitulada “La Filanda”, escrita por Vito Pallavicini para a cantora Milva, in single “La Filanda / Un Uomo in Meno”, Dischi Ricordi, 1971, LP “La Filanda e Altre Storie”, Dischi Ricordi, 1972)
Intérpretes: José Barros & Mimmo Epifani* (ao vivo no Teatro da Luz, Lisboa)
Versão discográfica de José Barros & Mimmo Epifani (in CD “Mar da Lua”, José Barros/Tradisom, 2015)
Versão original: Amália Rodrigues (in EP “É ou Não É?”, Columbia/VC, 1970; LP “Oiça Lá ó Senhor Vinho”, Columbia/VC, 1971, reed. EMI-VC, 1992; 2LP “O Melhor de Amália: Vol. II – Tudo Isto é Fado”: LP 2, EMI-VC, 1985, reed. EMI-VC, 2000)

Entre Sodoma e Gomorra

Entre Sodoma e Gomorra
entrou na cama a barata
a virginal favorita
que às escondidas me mata

São horas de perder horas
ou de minutos apenas
Entre Sodoma e Gomorra
fui ver o mar a Atenas

Entre Sodoma e Gomorra
entrou na cama a barata
a virginal favorita
que às escondidas me mata

Entre Sodoma e Gomorra
somaras a minha vida
Barata, minha barata
não me deixes à deriva

Entre Sodoma e Gomorra
entrou na cama a barata
a virginal favorita
que às escondidas me mata

São horas de perder horas
ou de minutos apenas
Entre Sodoma e Gomorra
fui ver o mar a Atenas

Poema: José Afonso (in “José Afonso: Textos e Canções”, org. J.H. Santos Barros, Lisboa: Assírio e Alvim, 1983 – p. 321; 3.ª edição revista, org. Elfriede Engelmayer, Lisboa: Relógio d’Água, 2000 – p. 75)
Música: João Afonso Lima e Zé Lima
Intérprete: João Afonso (in CD “Missangas”, Mercury/Polygram, 1997, reed. Universal Music, 2017)
Versão original: José Mário Branco, Amélia Muge e João Afonso (in 2CD “Maio Maduro Maio”: CD 1, Columbia/Sony Música, 1995)

Era redondo o vocábulo

[ Era um Redondo Vocábulo ]

Era redondo o vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar
Nos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio
Convocando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincavam e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa

Era redondo o vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar
Nos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio
Convocando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincavam e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa

Poema e música: José Afonso
Intérprete: Janita Salomé (ao vivo no Estúdio 3 da Rádio e Televisão de Portugal, Lisboa)
Versão anterior de Janita Salomé (in CD “Valsa dos Poetas”, Cantar ao Sol/Ponto Zurca, 2018)
Outra versão de Janita Salomé, grav. ao vivo no CCB em 1998 (in CD “Utopia: Vitorino e Janita Salomé cantam José Afonso (ao vivo)”, EMI-VC, 2004)
Versão original: José Afonso (in LP “Venham Mais Cinco”, Orfeu, 1973, reed. Movieplay, 1987, 1996, Art’Orfeu Media, 2012)

Há dias que nascem

[ Às Voltas nas Incertezas ]

Há dias que nascem
P’ra não ter um fim
Sentidos inversos
Cá dentro de mim
E vou enganando a dor
Fingindo que é mesmo assim

Desejos secretos
De cor carmesim
Agora vazios
Outrora jardins
E meus silêncios que escondem
O sonho de um querubim

Às voltas nas incertezas
Dançando sobre as brasas
Que as penas magoadas
São ar nas minhas asas
E parto rumo a um novo dia
Virgem como da primeira vez

Amores que se trazem
De pó das estrelas
Das cinzas renascem
Montados sem selas
Que em lume ardendo bem lento
Se forjam as almas belas

Às voltas…
Às voltas…

Às voltas nas incertezas
Dançando sobre as brasas
Que as penas magoadas
São ar nas minhas asas
E parto rumo ao infinito
Como se fosse a primeira vez

Letra e música: Rui Filipe Reis
Intérprete: Rosa Negra (in CD “Fado Mutante”, iPlay, 2011)

Há um espaço entre tu e eu

[ Orla dos Malditos ]

Há um espaço entre tu e eu
Sem esforço sinto-o aqui
Em todo o lado
Está de vazio ocupado

Espaço de nada, de ricos segredos
De histórias, de homens, de medos
Inexplorados
De curandeiros, de magos

Diria mesmo que é baldio,
Nasceu da luxúria,
Do fogo, do prazer, do cio,
E nada tem de aconchegado

De todos os monstros que vivem,
Os mais estranhos habitam ao lado

E há povos malditos,
Avós (a vós): filhos proscritos
No mar
Onde estou

Morrem de esperança, de sede, de fome
De enganos, sonhos perdidos
Vida encantada
Quem mais tem é quem dá nada

Caminho longo com olhares
Num horizonte de desejos
Promessas de azares
Imaginário e real (irreal)

Fronteiras e muralhas guardam
Impérios longe da marginal

E há corpos errantes,
Desertores, naufragantes
No mar
Onde vou

Deixa-me ser o teu abrigo,
Que te abraça com doçura,
Com calma, sem perigo…
Como sol quente no fim do Verão

Letra e música: André Cardoso
Intérprete: A Presença das Formigas (in CD “Pé de Vento”, A Presença das Formigas/Careto/XMusic, 2014)

Medo

[ Sai da Concha ]

Medo: a forma mais poderosa da crença
Crença que é crença dá na TV
e toda a gente consome e vê
a ameaça, viver em terror

E quando sentes que tu não andas
Bem a favor
Sê a negra do rebanho do pastor
Faz a diferença, sai da concha
Sai da concha
Sai da concha do medo

Cumpres o dever e vives apático
Carregas a crença em piloto automático
Todos te abordam em estilo dogmático
Porque o medo é um motor

E quando sentes que tu não andas
Bem a favor
Sê a negra do rebanho do pastor
Faz a diferença, sai da concha
Sai da concha
Sai da concha do medo

Quando tu queres pensar em paz e amor
Enfiam-te a lógica do ser sonhador
“És um tipo estranho, até me dás graça”
Cravam-te o medo na carapaça

E quando sentes que tu não andas
Bem a favor
Sê a negra do rebanho do pastor
Faz a diferença, sai da concha
Sai da concha
Sai da concha do medo

Jogos, net, drogas, prazer e viv’ó mercado!
Vacinam-te na fé que só tu és culpado
Tens a doença, tu vives em pecado
De novo o medo põe-te ajoelhado

E quando sentes que tu não andas
Bem a favor
Sê a negra do rebanho do pastor
Faz a diferença, sai da concha
Sai da concha
Sai da concha do medo

‘High society’, gira e boa, famosa, escultural
E o lambe-botas que subiu afinal
Dizem: “Mas eu não vejo qual é o mal,
Subir na vida é natural”

E quando sentes que tu não andas
Bem a favor
Sê a negra do rebanho do pastor
Faz a diferença, sai da concha
Sai da concha
Sai da concha…

Sai da concha
Sai da concha
Sai da concha…
Sai da concha
Sai da concha
Sai da concha do medo

Letra e música: Luís Galrito
Intérprete: Luís Galrito* (in CD “Menino do Sonho Pintado”, Kimahera, 2018)

Meu menino assustado

[ Menino do Sonho Pintado ]

Meu menino assustado
Que tens o céu como tecto
Tens estrelas a afagar
O sonho por ti pintado

Tens a Lua como mãe
Que te aconchega o jornal
Conta a história de embalar
Desliga a luz infernal

O pai sol de manhã vem
Pelo vitral da bonança
Que um dia o homem
Que é dono da guerra
Não roube o teu sonho de criança

O homem da guerra é tramado
E difícil de entender
Vive também assustado
Com o medo de perder

Não vendo que já perdeu
O que tu trazes contigo
Menino, vês no outro lado
Não medo mas um amigo

No Mundo que é de guerra
Menino vem ver
Todos temos contigo a aprender
Que a verdade de ser grande
É igual ao grande do teu ser

Ser amor, querer a Paz
Apagar o céu riscado
Assim tão mal desenhado
Com tintas de medo e afins

Meu menino assustado
Nesse teu céu desenhado
Verás o teu amor sonhado
Por ti e outros iguais a ti

O sonho é um menino eternamente menino
O sonho é um tesouro antigo repartido por quem precisa
O sonho é uma canção feliz para um menino triste

Letra e música: Luís Galrito
Intérprete: Luís Galrito (in CD “Menino do Sonho Pintado”, Kimahera, 2018)

Na Machamba

Mariana Maria Madalena
Mariana Maria Madalena
Por ti, meu amor, dou dois xi-coração
Por ti, meu amor, dou dois xi-coração
Mariana Maria Madalena
Mariana Maria Madalena
Por ti, meu amor, dói-dói meu coração
Por ti, meu amor, dói-dói meu coração

Desde que você foste embora
sono não tem, não, não, não
acorda na madrugada
o galo cantando co-ri-cô-cô
Nos olhos sono que pesa
maningue saudade no coração
Nos olhos sono que pesa
maningue saudade no coração

Mariana Maria Madalena
Mariana Maria Madalena
Por ti, meu amor, dou dois xi-coração
Por ti, meu amor, dou dois xi-coração
Mariana Maria Madalena
Mariana Maria Madalena
Por ti, meu amor, dói-dói meu coração
Por ti, meu amor, dói-dói meu coração

Pé no cacimba, vou na machamba
sem matubixo
Panela de mangungu não tem
chicafo, não, não, não
ô-ô-i-ô, Maria, meu amor
Quando qu’eu zangou
eu tinha era só babalaza
Quando qu’eu zangou
eu tinha era só babalaza

Mariana…

Mariana Maria Madalena
Mariana Maria Madalena
Por ti, meu amor, dou dois xi-coração
Por ti, meu amor, dou dois xi-coração
Mariana Maria Madalena
Mariana Maria Madalena
Por ti, meu amor, dói-dói meu coração
Por ti, meu amor, dói-dói meu coração

Mariana Maria Madalena
Mariana Maria Madalena
Por ti, meu amor, dou dois xi-coração
Por ti, meu amor, dou dois xi-coração…

Letra e música: Tomás Vieira Mário
Intérprete: João Afonso com Las Hijas del Sol (in CD “Missangas”, Mercury/Polygram, 1997, reed. Universal Music, 2017)

O coração

[ Mano Pedro ]

O coração tem a vista
bem virada para o mar
Tua mão cheia de areia
faz de conta que é luar

Quando o vento se põe lesto
faz-te à chuva e ao relento
O meu irmão tem um sonho
eu tenho-o no pensamento

O silêncio diz às vezes
tudo aquilo que guardamos:
os receios e os medos
e outras coisas que não damos

Quando o céu se torna estrela
a brilhar por um momento
o meu irmão tem um sonho
eu tenho-o no pensamento

Quando procuro guarida
nas canções, no desabafo
a dançar ao fim do dia
no guardar do teu abraço

Pensar na cor da janela
p’ra cantar, fazer em verso
O meu irmão tem um sonho
eu tenho-o no pensamento

Eu tenho-o no pensamento
Eu tenho-o no pensamento
Eu tenho-o no pensamento

Letra e música: João Afonso Lima
Intérprete: João Afonso (in CD “Missangas”, Mercury/Polygram, 1997, reed. Universal Music, 2017)

João Afonso

João Afonso

Os Homens Mais Velhos do Bar

Os homens mais velhos do bar fazem lembrar os sinais do entardecer
Como um dia que já passou mas que deixou tanta coisa por fazer
Os homens mais velhos do bar entre cigarros e copos sem graça
Vêem as gaiatas passar – a noite é que já nunca passa.

Os homens mais velhos do bar contam histórias quando o Outono vem
Andaram por longe, eu sei lá, e há coisas que não vão contar a ninguém
Os homens mais velhos do bar sabem que a vida já não lhes diz que sim
P’ra os outros o bar está a fechar mas p’ra eles o bar não tem fim.

Senta-te aqui à minha frente
Tenho uma história p’ra te contar
Ficava triste se tu não tivesses
Vontade de aqui ficar
Vou-te falar de um lobo sozinho
Que se apaixonou p’la lua-cheia
E ainda tem um lugar vago
Na cama que a lua não quis.

Os homens mais velhos do bar sabem que as nuvens são como a solidão
Que às vezes parecem partir mas voltam sempre lá p’ra o fim do Verão
Aos homens mais velhos do bar é a noite quem lhes afaga a mão
Companheira que não tem destino mas que acaba sempre por ter razão.

O tempo é um doido a correr, a manhã está longe e não quer voltar
Há muito que assim passou a ser p’ra quem pensa que assim vai passar
E há tantos que não querem saber dos homens mais velhos do bar
É que são mais os que se afogam num copo do que aqueles que se afogam no mar.

Senta-te aqui à minha frente
Tenho uma história p’ra te contar
Ficava triste se tu não tivesses
Vontade de aqui ficar
Vou-te falar de um lobo sozinho
Que se apaixonou p’la lua-cheia
Que ainda tem um lugar vago
Na cama que a lua não quis.

Letra e música: Sebastião Antunes
Arranjo: Gonçalo Pratas
Intérprete: Sebastião Antunes (in CD “Singular”, Sebastião Antunes & Quadrilha/Alain Vachier Music Editions, 2017)
Versão original: Quadrilha (in CD “Até o Diabo se Ria”, Polydor/Polygram, 1995)

Quando ela passa

[ Rosinha dos Limões ]

Quando ela passa,
Franzina e cheia de graça,
Há sempre um ar de chalaça
No seu olhar feiticeiro;
Lá vai catita,
Cada dia mais bonita…
E o seu vestido de chita
Tem sempre um ar domingueiro.

Passa ligeira,
Alegre e namoradeira,
A sorrir p’rá rua inteira
Vai semeando ilusões;
Quando ela passa,
Vai vender limões à praça…
E até lhe chamam, por graça,
A Rosinha dos limões.

Quando ela passa,
Junto da minha janela,
Meus olhos vão atrás dela
Até ver da rua o fim;
De ar gaiato,
Ela caminha apressada
Rindo por tudo e por nada…
E às vezes sorri para mim.

Quando ela passa,
Apregoando os limões,
A sós com os meus botões
No vão da minha janela,
Fico pensando
Que qualquer dia, por graça,
Vou comprar limões à praça
E depois caso com ela.

Quando ela passa,
Apregoando os limões,
A sós com os meus botões
No vão da minha janela,
Fico pensando
Que qualquer dia, por graça,
Vou comprar limões à praça
E depois caso com ela.

Letra e música: Artur Ribeiro
Intérprete: Real Companhia (in CD “Orgulhosamente Nós!”, Lusogram, 2000)
Versão original: Artur Ribeiro (in single 78 r.p.m. “A Rosinha dos Limões / Canção da Beira”, Estoril, 1951; CD “Rosinha dos Limões (Original)”, Discoteca Amália, 1993)
Primeira versão de Max (in single 78 r.p.m. “Ilha da Madeira / A Rosinha dos Limões”, Columbia/VC, 1954)
Segunda versão de Max (in EP “Vielas de Alfama”, Decca/VC, 1967; CD “O Melhor de Max”, EMI-VC, 1989; CD “Max: Biografias do Fado”, EMI-VC, 2004; CD “Max: Essencial”, Edições Valentim de Carvalho/CNM, 2014)

Quando for grande

[ Carteiro em Bicicleta ]

Quando for grande vou ser
quero ser um realejo
ter um pedaço de terra
fogo que salta ao braseiro
dormir no fundo da serra
quero ser um realejo

Carteiro em bicicleta
leva recados de amor
Vem o sono com a música
ao som do… do realejo

Quando for grande vou ser
quero ser um realejo
ter um burro, viola e cão
chamar a dança dos sapos
correr com a bola na mão
quero ser um realejo

Quando for grande vou ser
quero ser um realejo
colher amêndoa em telhados
dar banana às andorinhas
dobrar o cabo do mundo
quero ser um realejo

Carteiro em bicicleta
leva recados de amor
Vem o sono com a música
ao som do… do realejo

Quando for grande vou ser
quero ser um realejo
ter um burro, viola e cão
chamar a dança dos sapos
correr com a bola na mão
quero ser um realejo

Carteiro em bicicleta
leva recados de amor
Vem o sono com a música
ao som do… do realejo

Letra e música: João Afonso Lima
Intérprete: João Afonso (in CD “Missangas”, Mercury/Polygram, 1997, reed. Universal Music, 2017)

João Afonso
João Afonso

Que faz o sol?

[ Eu Não Sei Que Faz o Sol ]

Que faz o sol?
Que faz o sol?
Que faz o sol?
Que faz o sol?

Eu não sei que faz o sol
que não dá na minha rua
Hei-de me vestir de branco
que de branco anda a lua

Não vi ribeira sem água
nem praça sem pelourinho
nem donzelas sem amores
nem padres sem beber vinho

Que faz o sol?
Que faz o sol?
Que faz o sol?
Que faz o sol?

Lindos olhos de pau-preto
nariz de pena aparada
dentes de letra miúda
boca de carta cerrada

Lindos olhos tem a cobra
quando olha de repente
Mais vale um bom desengano
que andar enganado sempre

Eu não sei que faz o sol
que não dá na minha rua
Hei-de me vestir de branco
que de branco anda a lua

Não vi ribeira sem água
nem praça sem pelourinho
nem donzelas sem amores
nem padres sem beber vinho

Que faz o sol?
Que faz o sol?
Que faz o sol?
Que faz o sol?

Lindos olhos de pau-preto
nariz de pena aparada
dentes de letra miúda
boca de carta cerrada

Lindos olhos tem a cobra
quando olha de repente
Mais vale um bom desengano
que andar enganado sempre

Que faz o sol?
Que faz o sol?

Mais vale um bom desengano
que andar enganado sempre
que andar enganado sempre
que andar enganado sempre

Poema: José Afonso (in “José Afonso: Textos e Canções”, 2.ª edição revista e aumentada, org. Elfriede Engelmayer, Lisboa: Assírio e Alvim, 1988 – p. 289; 3.ª edição revista, org. Elfriede Engelmayer, Lisboa: Relógio d’Água, 2000 – p. 48)
Música: João Afonso Lima
Intérprete: João Afonso (in CD “Missangas”, Mercury/Polygram, 1997, reed. Universal Music, 2017)

José Afonso

José Afonso

Quem Não Tem Amor Sou Eu!

Quem não tem amor sou eu,
Da rapaziada solteira;
Vivo muito satisfeito
Se nunca encontrar quem me queira.

I

Ainda nunca encontrei
Raparigas a meu jeito;
Todas me encontram defeito,
Por isso é que não casei.
Já algumas namorei,
De que lado venho eu?
Essa que a honra perdeu,
Para mim não tem valia;
Dos rapazes da freguesia,
Quem não tem amor sou eu.

II

Há muito rapaz casado
Que foi comigo ao sorteio;
Eu digo e não me arreceio:
Não quero mudar de estado
Para não ser censurado,
Por usar barba ou pêra;
E se calho com uma zopeira
Que não me sabe respeitar,
Sou dos que fico a pensar,
Da rapaziada solteira.

III

Muitos que vivem isentos,
Até à hora de casar,
Sua honra vão estragar
Ao risco dos casamentos:
Andam porcos e sebentos,
Elas não lhes têm respeito;
Tratam-nos com certo jeito,
Sempre de tira-virão;
Gabo-lhe opinião,
Vivo muito satisfeito.

IV

Se eu soubesse que encontrava
Uma séria rapariguinha,
Mesmo pobre e honradinha,
Com isso me contentava.
Se vou calhar com uma diaba
Que tenha a poltrona inteira,
Seja porca ou caloteira,
Que ninguém lhe dê capotes;
É uma das melhores sortes
Se nunca encontrar quem me queira.

Quem não tem amor sou eu,
Da rapaziada solteira;
Vivo muito satisfeito
Se nunca encontrar quem me queira.

Letra: Popular
Música: José Manuel David
Intérprete: Pedro Mestre (in CD “Campaniça do Despique”, Viola Campaniça Produções Culturais/Pedro Mestre, 2015)
Outra versão de Pedro Mestre (in DVD “No CCB: Pedro Mestre & Convidados”, Pedro Mestre, 2017)

Se abana a casa

[ O Dito por Não Dito ]

Se abana a casa,
o pardal acorda,
sacode a asa
e não volta.

Se o mar devolve
gente, em vez de peixe,
há quem feche a porta
e não deixe.

Que o tempo engana
e a chuva molha,
mas é gente humana
que para ti olha.

Que eu não era assim,
foi o stress,
vida ruim
que tudo esquece.

Se abana a casa,
o pardal acorda,
sacode a asa
e não volta.

Se o mar devolve
gente, em vez de peixe,
há quem feche a porta
e não deixe.

Que o tempo engana
e a chuva molha,
mas é gente humana
que para ti olha.

Que eu não era assim,
foi o stress,
vida ruim
que tudo esquece.

Custa muito ver o mundo
estar tão perto da vista,
essa turva luz ao fundo
nem parece água lisa.

E esta Europa unida,
tresmalhadita,
lembra cabra
tosquiadita.

E se o mundo
não é perfeito,
à portuguesa
dá-se-lhe um jeito.

Se abana a casa,
o pardal acorda,
sacode a asa
e não volta.

Se o mar devolve
gente, em vez de peixe,
há quem feche a porta
e não deixe.

Que o tempo engana
e a chuva molha,
mas é gente humana
que para ti olha.

Que eu não era assim,
foi o stress,
vida ruim
que tudo esquece.

Se abana a casa,
o pardal acorda,
sacode a asa
e não volta.

Se o mar devolve
gente, em vez de peixe,
há quem feche a porta
e não deixe.

Que o tempo engana
e a chuva molha,
mas é gente humana
que para ti olha.

Que eu não era assim,
foi o stress,
vida ruim
que tudo esquece.

Que o tempo engana
e a chuva molha,
mas é gente humana
que para ti olha.

Que eu não era assim,
foi o stress,
vida ruim
que tudo esquece.

Que eu não era assim,
foi o stress,
vida ruim
que tudo esquece.

Eu não era assim,
foi o stress,
vida ruim
que tudo esquece.

Letra e música: José Barros
Arranjo: José Barros
Intérprete: José Barros e Navegante
Versão original: José Barros e Navegante (in CD “À’Baladiça”, Tradisom, 2018)

Se o som vier

[ N’um Dôci Abraçu (eterno vacilar) ]

Se o som vier
De dentro da alma
Então será
Tão vivo que acalma

O céu e o mar
O Sol e a Lua
Insinuação
Paixão nua e crua

Um balanceio capaz de me levar
À ida
Uma lembrança que me faz regressar
A esta vida
N’um dôci abraçu di’ amor i di’ paz
O tempo vem e volta a partir

Entre o ir e vir eu estou, eu venho e vou
Com vontade de voltar
Ai esta ventura assim, de ir e vir
Neste eterno vacilar
Entre o ir e vir eu estou, eu venho e vou
Com vontade de voltar
Ai esta ventura assim, de ir e vir
E num verso me inventar

Já m’ bá, já m’ bem, já m’ bá e torná bem
Lai a, lai a, lai a

Nasci na praia
E aí me criei, ‘nha terra
E foi nas ondas
Que eu me embalei

Foi o meu pai
Um fogo que ardia
E a ‘nha mãe
Fazia o que queria

A morna é mistura de calor
E frio
Um velho fado que ainda tem sabor
A desvario
N’um dôci abraçu di’ amor i di’ paz
O tempo vem e volta a partir

N’um dôci abraçu di’ amor i di’ paz
La la, lai a, lai a
N’um dôci abraçu di’ amor i di’ paz
La la, lai a, lai a
N’um dôci abraçu di’ amor i di’ paz
La la, lai a, lai a
N’um dôci abraçu di’ amor i di’ paz
La la, lai a, lai a

Letra: J.J. Galvão (José João Oliveira Galvão)
Música: Rui Filipe Reis
Intérprete: Rosa Negra com Rita Lobo (in CD “Fado Mutante”, iPlay, 2011)

Sentir a dolência das águas

[ Calçada Esquecida ]

Sentir a dolência das águas,
Saber o caminho da foz
E o sol que se deita nas mágoas
De um cais que se lembra de nós.

Subir a calçada esquecida,
Guardar um olhar indiferente,
Ouvir a conversa da vida,
Falar desta vida da gente.

Sorrir,
Pois sabe sempre bem lembrar;
Não vale a pena esquecer,
Mesmo que doa recordar;
São lembranças
Que aconchegam as ternuras:
Ternuras da calçada esquecida
Que dão um sorriso ao passar.

Mas sorrir,
Pois sabe sempre bem lembrar;
Eu que nem vou tentar esquecer,
Mesmo que doa recordar;
São lembranças
Que aconchegam as ternuras:
Ternuras que a calçada esquecida
Me ajuda a lembrar.

Mas sorrir,
Pois sabe sempre bem lembrar;
Eu que nem vou tentar esquecer,
Mesmo que doa recordar;
São lembranças
Que aconchegam as ternuras:
Ternuras que a calçada esquecida
Me ajuda a lembrar.

Letra: Sebastião Antunes
Música: Carlos Lopes (Fado Bisnaga)
Intérprete: Rua da Lua (in CD “Rua da Lua”, Rua da Lua, 2016)

Sou formiga

[ Assim Sou Eu ]

Sou formiga, sou cigarra
Sou cantiga, pinto a manta, faço a farra
Sou a lebre e a tartaruga
Sou de raça, estou em brasa, vou à luta
Sou bichinho bem manhoso
Poderoso e preguiçoso
Com franqueza e arredia
Sou tristeza e alegria
Sou chorona, está na palma
Rezingona, perco a calma
Sou destino ensarilhado
Diz a linha do meu fado

Sei que assim sou eu
Sei lá eu porque sou assim
Está-se mesmo a ver
Sempre assim vou ser
Está dentro de mim
Eu ser assim

Sou areia, sou granito
Fico cheia, sou “o bom e o bonito”
Sou canseira, sou de gancho
Parideira, só de filhos faço um rancho
D’ir à luta tenho ganas
Contra gregas e troianas
Lusitana, luzidia
Sou beleza e ousadia
Sou mandona, está na alma
Rezingona, perco a calma
Tudo muito complicado
Diz a letra do meu fado

Sei que assim sou eu
Sei lá eu porque sou assim
Está-se mesmo a ver
Sempre assim vou ser
Está dentro de mim
Eu ser assim

Sei que assim sou eu
Sei lá eu porque sou assim
Está-se mesmo a ver
Sempre assim vou ser
Está dentro de mim
Eu ser assim

Ser assim
Ser assim
Ser assim
Ser assim

Letra: António Avelar de Pinho
Música: João Gil
Intérprete: Celina da Piedade (in CD “Sol”, Sons Vadios, 2016)

Tinha uma história que nunca contava

[ Quando a Noite Já Ia Serena ]

Tinha uma história que nunca contava
Trazia um quarto fechado no olhar
E uma viagem que planeava mas não começava
Para nunca acabar
Tinha um sorriso guardado em segredo
Mas não sorria p’ra não o contar
Tinha uma chave que fechava o medo
Nalgum arvoredo onde não queria entrar
E quando a noite já ia serena
Disse-me a frase mais terna que ouvi:
“Valeu a pena, mesmo que o fim da história seja aqui.”

Tinha uma nuvem da cor do mistério
Tinha palavras da cor do saber
Tinha vontades de brincar a sério
Mudar de hemisfério para não se perder
Tinha a lembrança da cor do poente
Tinha um poente inteiro no falar
Guardava o sol num esconderijo ardente
Tão quente, tão quente, já quase a queimar

E quando a noite já ia serena
Disse-me a frase mais terna que ouvi:
“Valeu a pena, mesmo que o fim da história seja aqui.”

Trazia a paz de uma dor que se apaga
E um calor que se quer apagar
Como quem grita do alto da fraga
Que a vida nos traga distância p’ra andar
Deixou correr o licor dos sentidos
Até que o dia nos veio acordar
De mãos trocadas, de braços caídos
Achados perdidos

Veio a manhã, levezinha e serena
Cantar-me a frase mais terna que ouvi:
“Valeu a pena, mesmo que o fim da história seja aqui.”
Veio a manhã, levezinha e serena
Cantar-me a frase mais terna que ouvi:
“Valeu a pena, mesmo que o fim da história seja aqui.”

Letra e música: Sebastião Antunes
Arranjo: Sebastião Antunes
Intérprete: Sebastião Antunes com Tito Paris (in CD “Com Um Abraço”, Vachier & Associados, 2012; CD “Singular”, Sebastião Antunes & Quadrilha/Alain Vachier Music Editions, 2017)

Toma lá colchetes d’oiro

[ Prima da Chula ]

Toma lá colchetes d’oiro
Aperta o teu coletinho
Coração que é de nós dois
Tem de andar conchegadinho

Por um olhar dos teus olhos
Dera da vida a metade
Por um riso dera a vida
Por um beijo a eternidade

Aqui estou à tua porta
Como um feixinho de lenha
À espera da resposta
Que dos teus olhos me venha

O dia tem duas horas
Duas horas não tem mais
Uma é quando vos vejo
Outra quando me lembrais

Se tudo me foi vedado
Se vivi de tudo à míngua
Deixai que vos mostre a língua
Com o freio bem cortado

A rica tem nome fino
A pobre tem nome grosso
A rica teve um menino
A pobre pariu um moço

Letra: Popular e António Aleixo
Música: Trovante
Intérprete: Trovante (in “Baile no Bosque”, 1981; reed. EMI-VC, 1988)

Vai de Roda

Vai de roda, vai de roda,
Vai de roda que é tão breve;
Tenho uns amigos na roda,
Tenho uns amigos na roda,
Deixam a roda mais leve.

Vai de roda, vai de roda,
Vai de roda alguns amores;
Quantos mais amores na roda,
Quantos mais amores na roda
Mais te perseguem as dores.

Vai de roda, vai de roda,
Vai de roda até ao fim;
Já tentei fugir da roda,
Já tentei fugir da roda
Mas ela rodou por mim.

Vai de roda, vai de roda,
Vai de roda sem parar;
Quem nunca esteve na roda,
Quem nunca esteve na roda
Não pode a roda enganar.

Vai de roda, vai de roda,
Vai de roda até ao fim;
Já tentei fugir da roda,
Já tentei fugir da roda
Mas ela rodou por mim.

Vai de roda, vai de roda,
Vai de roda sem parar;
Quem nunca esteve na roda,
Quem nunca esteve na roda
Não pode a roda enganar.

Vai de roda, vai de roda,
Vai de roda sem parar;
Quem nunca esteve na roda,
Quem nunca esteve na roda
Não pode a roda enganar.

Letra e música: Duarte (Outubro de 2010)
Intérprete: Duarte com Mara (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)
Versão original: Duarte (in CD “Sem Dor Nem Piedade”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2015)

Vai Tão Sozinho

Vai, menino, vai!
Cuida do teu fulgor!
Cuida de ti, amor!

Vai, segue o rumo das estrelas
Que, caindo, se centelham
Em faúlhas de mil cores!

Vai, menino, vai,
Brilho que o mundo tem!
Cuida de ti, meu bem!

És como sol a dar na eira!
Branca flor, és cerejeira
que eu rego ao cantar!

(Ao meu benzinho faz chegar
Formoso melro este cantar)

Vai tão sozinho…
Vai devagarinho sem saber…

Vai, menino, vai,
Brilho que o mundo tem!
Cuida de ti, meu bem!

És como sol a dar na eira!
Branca flor, és cerejeira
que eu rego ao cantar!

(Ao meu benzinho faz chegar
Formoso melro este cantar)

(Ao meu benzinho faz chegar
Formoso melro este cantar)

Vai tão sozinho…
Vai devagarinho sem saber…

Letra e música: Manuel Maio
Intérprete: A Presença das Formigas (in CD “Pé de Vento”, A Presença das Formigas/Careto/XMusic, 2014)

A Presença das Formigas, Pé de Vento

A Presença das Formigas, Pé de Vento

Vejam Bem

Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem se põe a pensar
quando um homem se põe a pensar

Quem lá vem
dorme à noite ao relento n’areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar

E se houver
uma praça de gente madura
e uma estátua
e uma estátua de febre a arder

Anda alguém
pela noite de breu à procura
e não há quem lhe queira valer
e não há quem lhe queira valer

Vejam bem
daquele homem a fraca figura
desbravando os caminhos do pão
desbravando os caminhos do pão

E se houver
uma praça de gente madura
ninguém vem levantá-lo do chão
ninguém vem levantá-lo do chão

Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem
quando um homem se põe a pensar

Quem lá vem
dorme à noite ao relento n’areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar

Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem se põe a pensar
quando um homem se põe a pensar

Quem lá vem
dorme à noite ao relento n’areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar

E se houver
uma praça de gente madura
e uma estátua
e uma estátua de febre a arder

Anda alguém
pela noite de breu à procura
e não há quem lhe queira valer
e não há quem lhe queira valer

Letra e música: José Afonso
Intérprete: José Afonso (in LP “Cantares do Andarilho”, Orfeu, 1968, 1970, reed. Movieplay, 1987, 1996, Art’Orfeu Media, 2012)

Vinha com a minha toada

[ Com a Minha Toada ]

Vinha com a minha toada
entretida na viola
Mas quando penso o que penso
com a vertigem duma história
fico apenas com a minha toada
fico apenas com a minha toada

Janela aberta e o pastor dormia
O tempo inerte sob o sol sumia
e beijo a moça num lençol de rio
e beijo a moça num lençol de rio

Andam cavalos pintados
no campo, numa lagoa
O sonho pertence à tel
e alguém desenha que voa
Fico apenas com a minha toada
Fico apenas com a minha toada

Janela aberta e o pastor dormia
O tempo inerte sob o sol sumia
e beijo a moça num lençol de rio
e beijo a moça num lençol de rio

A moldura sem retrato recua pr’além
Protesto, mundo errado
que este mundo tem

A moldura sem retrato recua pr’além
Protesto, mundo errado
que este mundo tem

Letra e música: João Afonso Lima
Intérprete: João Afonso (in CD “Missangas”, Mercury/Polygram, 1997, reed. Universal Music, 2017)

João Afonso

João Afonso

fadista Lucília do Carmo

Canções sobre fado

Letras

Ai de mim que me perdi

Ai de mim que me perdi
Pelos caminhos do tédio
Perdi-me, cheguei aqui
Agora não tem remédio

Ai de mim que me perdi
Perdi-me no fim da estrada
Ai de mim porque vivi
A vida desencontrada

Tantos caminhos andados
Não fui eu que os descobri
Foram meus passos mal dados
Que me trouxeram aqui

Perdida me acho da vida
E a vida já me perdeu
Ando na vida perdida
Sem saber quem a viveu

Por mais que queira encontrar
A razão do meu viver
A razão de cá andar
Não posso compreender

Que culpa tem o destino
Dos caminhos que eu andei?
Fui eu no meu desatino
Que andei e não reparei

Perdida estou sem remédio
Meu pecado e meu castigo
Pecado é morrer de tédio
Castigo é viver contigo

Por mais que queira encontrar
A razão do meu viver
A razão de cá andar
Não posso compreender

Não posso compreender
A razão de cá andar
A razão do meu viver
Não posso compreender

Poema: Amália Rodrigues (ligeiramente adaptado)
Música: Amélia Muge
Arranjo: José Mário Branco
Intérprete: Amélia Muge (in CD “Amélia com Versos de Amália”, Amélia Muge/Leve Music, 2014)

Alguém que Deus já lá tem

[ Fado Malhoa ]

Alguém que Deus já lá tem
Pintor consagrado
Que foi bem grande e nos dói
Já ser do passado
Pintou numa tela
Com arte e com vida
A trova mais bela
Da terra mais querida

Subiu a um quarto que viu à luz do petróleo
E fez o mais português dos quadros a óleo
Um Zé de samarra co’amante a seu lado
Com os dedos agarra
Percorre a guitarra e ali vê-se o fado

Faz rir a ideia de ouvir com os olhos, senhores
Fará, mas não p’ra quem já o viu, mas em cores
Há vozes de Alfama naquela pintura
E a banza derrama canções de amargura

Dali vos digo que ouvi a voz que se esmera
O som dum faia banal, cantando a Severa
Aquilo é bairrista, aquilo é Lisboa
Boémia e fadista
Aquilo é da artista, aquilo é Malhoa

Letra: José Galhardo
Música: Frederico Valério

Reciclanda

Reciclanda

O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração), realiza oficinas de música durante o ano letivo e dinamiza atividades em colónias de férias. Municípios, Escolas, Agrupamentos, Colégios, Festivais, Bibliotecas, CERCI, Centros de Formação, Misericórdias, Centros de Relação Comunitária, podem contratar serviços Reciclanda.

Contacte-nos:

António José Ferreira
962 942 759

Ando na vida à procura

[ Triste Sorte ]

Ando na vida à procura
Duma noite menos escura
Que traga luar do céu,
Duma noite menos fria
Em que não sinta agonia
Dum dia a mais que morreu.

Vou cantando amargurado,
Vou dum fado a outro fado
Que fale dum fado meu:
Meu destino assim cantado
Jamais pode ser mudado
Porque do fado sou eu.

Ser fadista é triste sorte
Que nos faz pensar na morte
E em tudo que em nós morreu,
E andar na vida à procura
Duma noite menos escura
Que traga luar do céu.

Letra: João Ferreira-Rosa
Música: Alfredo Duarte “Marceneiro” (Fado Cravo)
Intérprete: Camané
Versão discográfica anterior de Camané (in CD/DVD “Infinito Presente”, Warner Music, 2015)

Outras versões: Camané (in 2CD “Como Sempre… Como Dantes”: CD 1 – “Como Sempre: Ao Vivo em Palco”, EMI-VC, 2003); Camané (in 2CD “Como Sempre… Como Dantes”: CD 2 – “Como Dantes: Ao Vivo no Embuçado”, EMI-VC, 2003); Camané (in DVD “Ao Vivo no S. Luiz”, EMI, 2006); Camané (in CD/DVD “Ao Vivo no Coliseu: Sempre de Mim”, EMI, 2009; 2CD “Camané: O Melhor 1995-2013 (Edição Especial)”: CD 1, EMI, 2013)

Versão original: João Ferreira-Rosa (in EP “Embuçado”, Columbia/VC, 1965; CD “Embuçado” (compilação), EMI-VC, 1988, reed. Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007; 2CD “Ontem e Hoje”: CD 1, EMI-VC, 1996; CD “O Melhor de João Ferreira-Rosa”, Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008; CD “João Ferreira-Rosa: Essencial”, Edições Valentim de Carvalho/CNM, 2014)

Outras versões: João Ferreira-Rosa (in LP “Fado”, Imavox, 1978); João Ferreira-Rosa (in CD “No Wonder Bar do Casino Estoril”, Ovação, 2004)

Bendita esta forma de vida

[ Bendito Fado, Bendita Gente ]

Intérprete: Mafalda Arnauth

Chegaste a horas

[ Leva-me aos fados ]

Intérprete: Ana Moura

Convém que seja moderno

[ Que Fado É Esse, Afinal? ]

Convém que seja moderno,
Ritmado sem critério
E fácil de consumir;
Que não deixe de imitar
As modas que estão a dar,
Que não ouse resistir.

Convém que não seja triste,
Que se venda, que se lixe
O valor do seu passado;
Que se sirva ao desbarato
Como um hambúrguer no prato,
Produto pré-fabricado.

Convém que seja feliz,
Não importa o que se diz
Se agradar a toda a gente;
Que a nada diga respeito,
Seja a música um efeito
E a palavra indiferente.

Convém que seja educado,
Que se cante em qualquer lado,
Popular, comercial.
Mas quando o oiço cantar,
Só me resta perguntar:
Que Fado é esse, afinal?

Mas quando o oiço cantar,
Só me resta perguntar:
Que Fado é esse, afinal?

Letra: Duarte
Música: José Mário Branco (Fado Gripe)
Intérprete: Duarte (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)

Deixa Que te Cante um Fado

Deixa que te cante um fado,
Ao menos de vez em quando!
Deixa que te cante um fado
Como quem reza chorando!

Deixa que te cante um fado
Que me fale sempre em ti!
Cantarei de olhos cerrados,
Os olhos com que te vi.

Deixa que te cante um fado,
Mesmo sem fé ou sem arte!
Se nunca pude esquecer-te
É que não posso deixar-te.

Deixa que te cante um fado!
Todo o meu sonho está nisto:
Que depois de o ter cantado
Te lembres que ainda existo.

Poema: Pedro Homem de Mello
Música: José Marques do Amaral (Fado José Marques do Amaral)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Fados (Fado das Faias)”, RCA Victor, 1963; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978)

Descalço, venho dos confins da infância

[ Entrega ]

Descalço, venho dos confins da infância
Que a minha infância ainda não morreu.
Atrás de mim em face ainda há distância,
Menino Deus, Jesus da minha infância,
Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu!

Venho da estranha noite dos poetas,
Noite em que o mundo nunca me entendeu.
Vê, trago as mãos vazias dos poetas,
Menino Deus, amigo dos poetas,
Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu!

Feriu-me um dardo, ensanguentei as ruas
Onde o demónio em vão me apareceu.
Porque as estrelas todas eram suas,
Menino irmão dos que erram pelas ruas,
Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu!

Quem te ignorar ignora bem os que são tristes
Ó meu irmão Jesus, triste como eu.
Ó meu irmão, menino de olhos tristes,
Nada mais tenho além dos olhos tristes
Mas o que tenho, e nada tenho, é teu!

Poema: Pedro Homem de Mello
Música: Carlos Gonçalves
Intérprete: Ricardo Ribeiro
Primeira versão discográfica de Ricardo Ribeiro (in CD “Largo da Memória”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2013)
Versão original: Amália Rodrigues (in LP/CD “Obsessão”, EMI-VC, 1990, reed. Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)

Desdenharam-me, bem sei

[ Fado Lenitivo ]

Desdenharam-me, bem sei,
Quando um dia comecei
A cantar sofrida o fado;
Não sabiam o motivo:
É que o fado é lenitivo
D’um coração torturado.

Ao ver de todo perdidas,
As minhas esperanças mais queridas,
Senti, fui talvez pisada;
E era doce companhia
Para a minha melancolia
O chorar d’uma guitarra.

Amarguras e cansaços,
A minha dor em pedaços
Eu vou esquecendo a cantar;
E nos queixumes do fado,
Já nem sei se é um trinado
Se a minh’alma a soluçar.

Sei que me ouves lamentando,
As mágoas que vou cantando
Só tu podes entender;
Vou meu fado dedicar-te:
Uma dor que se reparte
Não custa tanto a sofrer.

Letra: Fernanda Santos
Música: Helena Moreira Vieira
Intérprete: Tânia Oleiro (in CD “Terços de Fado”, Museu do Fado Discos, 2016)
Versão original: Maria do Rosário Bettencourt (in EP “Lenitivo”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1966; CD “Maria do Rosário Bettencourt”, col. Fados do Fado, vol. 41, Movieplay, 1998)

Desta luta constante

[ O fado que me traga ]

Desta luta constante
O futuro é meu alento
Numa roda gigante
Tão gigante que pára o tempo

Uma volta sem regresso
Até uma terra esquecida
E na minha sorte tropeço
Sozinha na madrugada perdida

O fado que me traga
O que o tempo me levou
A saudade que me abra
O caminho do que sou
O fado que me traga
O que a saudade não deixou
O sentido das palavras
Que o tempo apagou

Uma lágrima no mar
Perdida na voz do silêncio
Aprisiona a ternura
E adormece o meu encanto

Quando me sinto nua
Não me quero ver mais ao espelho
O destino não me quer tua
Porque o amor morreu no desejo

O fado que me traga
O que o tempo me levou
A saudade que me abra
O caminho do que sou
O fado que me traga
O que a saudade não deixou
O sentido das palavras
Que o tempo apagou

Letra: Samuel Lopes
Música: Miguel Rebelo
Intérprete: Ana Laíns (in CD “Sentidos”, Difference, 2006)

Deus pede

Conta e Tempo

Deus pede [hoje] estrita conta do meu tempo
E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta;
Mas como dar, sem tempo, tanta conta,
Eu que gastei, sem conta, tanto tempo?

Para dar a minha conta feita a tempo
O tempo me foi dado, e não fiz conta;
Não quis, sobrando tempo, fazer conta,
Hoje quero acertar conta e não há tempo.

Oh! vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis o vosso tempo em passa-tempo!
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta
Pois aqueles que sem conta gastam tempo,
Quando o tempo chegar de prestar conta,
Chorarão, como eu, o não ter tempo!

Poema: Frei António das Chagas (António da Fonseca Soares, 1631-1682)
Música: José Júlio Paiva (Fado Complementar)
Intérprete: Camané (in CD “Infinito Presente”, Warner Music, 2015)

Dizem que o fado é saudade

[ O Sentir do Cantador ]

Dizem que o fado é saudade,
Miséria, sofrer e dor…
Mas o fado é, na verdade,
O sentir do cantador.

Em cada palavra sua,
Em cada verso cantado,
O cantador insinua
A tristeza do seu fado.

Não canta por simpatia,
Não canta para viver:
É que cantando alivia
Um pouco do seu sofrer.

Tornando tão magoado
O timbre da sua voz,
Que o fado fica gravado
Na alma de todos nós.

Letra: Maria Manuel Cid
Música: Francisco José Marques (Fado Évora)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Passeio à Mouraria”, RCA Victor, 1964; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978)

Então, até amanhã, meu dia triste

[ Último Poema ]

Então, até amanhã, meu dia triste,
Na taverna da noite do meu fado,
Onde canto o amor que não existe,
Neste meu amanhã abandonado.

Grito dentro de mim a noite e o dia,
Nesta hora do sonho mais profundo,
Que regressa na voz da despedida
Com que te vejo por estar no mundo.

Nas palavras amadas que perdi,
O ontem que tu foste já me foge.
“Então, até amanhã!”, disseste, e eu vi
Que o amanhã não chega ao ontem de hoje.

“Então, até amanhã!”, disseste, e eu vi
Que o amanhã não chega ao ontem de hoje.

Letra: Vasco de Lima Couto
Música: Manuel Mendes
Intérprete: Ricardo Ribeiro
Primeira versão discográfica de Ricardo Ribeiro (in CD “Hoje É Assim, Amanhã Não Sei”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2016)
Versão original: Beatriz da Conceição [ao vivo no Restaurante Típico Nónó, Lisboa

Era o amor

[ Verdes Anos ]

Era o amor
que chegava e partia:
estarmos os dois
era um calor
que arrefecia
sem antes nem depois…

Era um segredo
sem ninguém para ouvir:
eram enganos
e era um medo,
a morte a rir
nos nossos verdes anos…

Foi o tempo que secou
a flor que ainda não era.
Como o Outono chegou
no lugar da Primavera!

Era o amor
que chegava e partia:
estarmos os dois
era um calor
que arrefecia
sem antes nem depois…

Era um segredo
sem ninguém para ouvir:
eram enganos
e era um medo,
a morte a rir
nos nossos verdes anos…

No nosso sangue corria
um vento de sermos sós.
Nascia a noite e era dia,
e o dia acabava em nós…

Poema: Pedro Tamen (excerto)
Música: Carlos Paredes (introdução de “Despertar”, in EP “Guitarradas Sob o Tema do Filme Verdes Anos”, Alvorada, 1964; CD “Carlos Paredes e Artur Paredes”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 36, Movieplay, 1994; CD “Os Verdes Anos de Carlos Paredes: As Primeiras Gravações a Solo 1962-1963”, Movieplay, 2003; Livro/4CD “O Mundo Segundo Carlos Paredes: Integral 1958-1993”: CD1 – “Despertar”, EMI-VC, 2003)
Intérprete: Mariana Abrunheiro (in Livro/CD “Cantar Paredes”, Mariana Abrunheiro/BOCA – Palavras Que Alimentam, 2015)
Versão original (canção): Teresa Paula Brito (in filme “Os Verdes Anos”, de Paulo Rocha, 1963)
Outra versão de Teresa Paula Brito (in EP “Canções Para Fim de Noite”, Riso e Ritmo, 1968; CD “Teresa Paula Brito”, col. Clássicos da Renascença, vol. 61, Movieplay, 2000)

És Povo feito Mulher

[ Ai, Amália! ]

És Povo feito Mulher;
A cantar és toda a gente
que sabe aquilo que quer
e diz aquilo que sente.

As tuas caras são tantas:
mais de mil que Deus te deu…
Com mil corações tu cantas
e há mais mil dentro do teu.

Ai, Amália das mil caras
e mais de mil corações!
Ai, rio que nunca páras
até à foz das canções!…

Nos ecos da tuz voz,
nos silêncios que a torturam
sofrem pedaços do nós,
pedaços que se procuram.

Levantas a tua voz,
o Fado nasce ao teu jeito!
E sentimos todos nós
que te cabemos no peito…

Ai, Amália das mil caras
e mais de mil corações!
Ai, rio que nunca paras
até à foz das canções!…

Ai, Amália das mil caras
e mais de mil corações!
Ai, rio que nunca paras
até à foz das canções!…

Letra: Luísa Bivar
Música: João Braga
Intérprete: João Braga (in LP “Do João Braga para a Amália”, Diapasão/Lamiré, 1984; CD “João Braga”, col. Fado Alma Lusitana, vol. 19, Levoir/Correio da Manhã, 2012)

Esta ilha que há em mim

[ A Ilha do Meu Fado ]

Esta ilha que há em mim
E que em ilha me transforma
Perdida num mar sem fim
Perdida dentro de mim
Tem da minha ilha a forma

Esta lava incandescente
Derramada no meu peito
Faz de mim um ser diferente
Tenho do mar a semente
Da saudade tenho o jeito

Trago no corpo a mornaça
Das brumas e nevoeiros
Há uma nuvem que ameaça
Desfazer-se em aguaceiros
Nestes meus olhos de garça

Neste beco sem saída
Onde o meu coração mora
Oiço sons da despedida
Vejo sinais de partida
Mas teimo em não ir embora

Letra: João Mendonça
Letra: José Medeiros
Intérprete: Dulce Pontes (in CDs “Caminhos”, Movieplay, 1996; “O Coração Tem Três Portas”, Ondeia Música, 2006)

Eu quero cantar palavras

[ Fado Não-Valentim ]

Eu quero cantar palavras
De letras por inventar,

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Implacáveis como espadas,
Tão profundas como o mar.

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

As palavras por dizer
Por dentro das que são ditas,

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Impossíveis a crescer
Por fora das mais bonitas.

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Ditas todas devagar
No silêncio mais sonante,

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Como um conto de encantar,
Como a vaga mais distante.

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

E quando para as cantar
Elas se façam escrever,

Quero outro fado, ó-laró-laró!

Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

As letras serão meus lábios,
A tinta o meu sangue a arder.

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Dizer palavras de mel
Até a voz ficar rouca.

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Gastar toda a minha pele
Nos beijos da tua boca.

Quero outro fado, ó-laró-laró…,
Nos beijos da tua boca.

Letra: João Gigante-Ferreira
Música: Popular
Intérprete: Helena Sarmento
Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)

Eu sei que esperas por mim

[ Mais um Fado no Fado ]

Eu sei que esperas por mim,
Como sempre, como dantes,
Nos braços da madrugada;
Eu sei que em nós não há fim,
Somos eternos amantes
Que não amaram mais nada.

Eu sei que me querem bem,
Eu sei que há outros amores
Para bordar no meu peito;
Mas eu não vejo ninguém
Porque não quero mais dores
Nem mais bâton no meu leito.

Nem beijos que não são teus
Nem perfumes duvidosos,
Nem carícias perturbantes;
E nem infernos, nem céus,
Nem sol nos dias chuvosos,
Porque ‘inda somos amantes.

Mas Deus quer mais sofrimento,
Quer mais rugas no meu rosto
E o meu corpo mais quebrado; [bis]
Mais requintado tormento,
Mais velhice, mais desgosto
E mais um fado no fado.

Letra: Júlio de Sousa
Música: Carlos da Maia (Fado Perseguição)
Intérprete: Camané
Outras versões: Camané (in CD “Pelo Dia Dentro”, EMI-VC, 2001; 2CD “Camané: O Melhor 1995-2013 (Edição Especial)”: CD 2, EMI, 2013); Camané (in 2CD “Como Sempre… Como Dantes”: CD 1 – “Como Sempre: Ao Vivo em Palco”, EMI-VC, 2003); Camané (in DVD “Ao Vivo no S. Luiz”, EMI, 2006) [ao vivo com Fábia Rebordão, 2008 / Gala 12 do programa “Operação Triunfo”; Camané (in CD/DVD “Ao Vivo no Coliseu: Sempre de Mim”, EMI, 2009). Versão original [?]: Rui David (com música de Alfredo Marceneiro – Fado Cravo) (in EP “Meu Amor, Minha Saudade”, FF/RR Discos, ?)

Eu sei que sou demais

Eu sei que sou demais na tua vida,
Eu sei que nem me vês tão apagado,
Apenas uma sombra indefinida,
O resto de voz triste condenada.
Eu sei que sou demais na tua vida,
De tudo quanto fui não sou mais nada.

Ai quem me dera prender o teu futuro
E uni-lo ao meu, assim tal maneira,
Como hera verde se prende ao velho muro
E ali fica p’la vida inteira!

Eu sei que estou a mais no teu caminho,
Eu sei que nada tens p’ra me dar,
E sei que nesta luta estou vencido
Por outro amor que tens no meu lugar.
Mas sei, amor, que eu, da tua vida,
Ninguém jamais, ninguém pode apagar.

Ai quem me dera prender o teu futuro
E uni-lo ao meu, assim tal maneira,
Como hera verde se prende ao velho muro
E ali fica p’la vida inteira!

Ai quem me dera prender o teu futuro
E uni-lo ao meu, assim tal maneira,
Como hera verde se prende ao velho muro
E ali fica p’la vida inteira!

Letra e música: Joaquim Tavares Pimentel
Intérprete: Ricardo Ribeiro
Primeira versão discográfica de Ricardo Ribeiro (in CD “Hoje É Assim, Amanhã Não Sei”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2016)
Versão original: Alice Maria (in EP “Primeiro Amor”, Estúdio/Mundusom, 1972?)

Eu uso um xaile bordado

[ Num Gesto Que se Adivinha ]

Eu uso um xaile bordado
Porque os p’rigos que há no fado
São bem maiores que os da vida;
O xaile é como uma pele
E quando me embrulho nele
Sinto-me mais protegida.

Parece umas mãos de mãe:
Sabem guiar-nos tão bem
E sossegam tantos medos
Que sempre que elas me tocam
As franjas do xaile evocam
A ternura dos seus dedos.

Num gesto que se adivinha
O xaile é uma andorinha
Num céu que eu mesma criei;
Mas assim que o braço pára
O xaile que antes voara
Parece o manto de um rei.

E quando o corpo desiste
Numa palavra mais triste,
Num grito mais demorado,
O xaile velho e sem franjas
São asas de anjos ou anjas
Que me aconchegam ao Fado.

O xaile velho e sem franjas
São asas de anjos ou anjas
Que me aconchegam ao Fado.

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Armando Machado (Fado Maria Rita)
Intérprete: Katia Guerreiro* (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)

Existe um fado

[ Não Existe Fado Antigo ]

Existe um fado, um só fado
Que assenta na tradição;
E p’ra ser bem cantado
Só faz falta um coração.

Não é por pôr uma tuba,
Acrescentar a bateria
Que uma geração derruba
O que antes se fazia.

Não quero a eternidade
Nem os momentos de glória:
Quero deixar na saudade
Um pouco da minha história.

Não existe fado novo
Como não há fado antigo:
Ele é o grito que um povo
Carrega sempre consigo.

Não existe fado novo
Como não há fado antigo:
Ele é o grito que um povo
Carrega sempre consigo.

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: João do Carmo Noronha (Fado Pechincha)
Intérprete: Celeste Rodrigues (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)

Foi assim

[ Lume ]

Foi assim: era costume…
Tu vinhas pedir-me lume
Ao balcão daquele bar
E eu disse que não, primeiro;
Depois, comprei um isqueiro
E até voltei a fumar.

As noites que nós passámos!
Quantos cigarros fumámos!
Tanto lume que eu te dei!
Um dia acordei com frio:
Estava o cinzeiro vazio
E nunca mais te encontrei.

Mas ontem, naquele bar
De repente vi-te entrar,
Foste direita ao balcão:
Como era teu costume
Vieste pedir-me lume
Mas eu disse-te que não.

Se quando te foste embora
Deitei o isqueiro fora,
Que lume te posso eu dar?
Pede a outro que te ajude!
P’ra bem da minha saúde
Eu já deixei de fumar.

Sem dormir, de madrugada
Ouvi teus passos na escada,
Vi da janela o teu carro;
Debaixo do travesseiro
Encontraste o meu isqueiro
E acendeste-me o cigarro.

Letra: Manuela de Freitas
Música: Armando Machado (Fado Santa Luzia)
Intérprete: Camané (in CD “Infinito Presente”, Warner Music, 2015)

Já toda a gente sabe

[ Aos Sete Ventos ]

Já toda a gente sabe a novidade:
o Fado, que nasceu na Mouraria,
é Património da Humanidade
e quebra mais fronteiras dia a dia.

Há quem tenha aprendido português
p’ra entender de um modo mais profundo
os fados que a ‘Amália Rodriguez’
cantava aos sete ventos pelo mundo.

‘Thank you’, ‘gracias’, ‘merci’ ou ‘arigato’
são formas de o fadista agradecer:
quando ao chegar o fim de cada acto
vê lágrimas nos rostos a escorrer.

Em Espanha, no Brasil ou no Japão
o Fado é cada vez mais bem cantado;
e porque ali se escuta um coração
é Portugal que diz: “muito obrigado!”

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Armando Machado (Fado Aracélia ou Fado Cunha e Silva)
Intérprete: Cristina Branco (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)

Lavava no rio lavava

Lavava no rio lavava
Gelava-me o frio gelava
Quando ia ao rio lavar
Passava fome passava
Chorava também chorava
Ao ver minha mãe chorar

Cantava também cantava
Sonhava também sonhava
E na minha fantasia
Tais coisas fantasiava
Que esquecia que chorava
Que esquecia que sofria

Já não vou ao rio lavar
Mas continuo a chorar
Já não sonho o que sonhava
Se já não lavo no rio
Por que me gela este frio
Mais do que então me gelava

Ai minha mãe, minha mãe
Que saudades desse bem
Do mal que então conhecia
Dessa fome que eu passava
Do frio que me gelava
E da minha fantasia

Já não temos fome, mãe
Mas já não temos também
O desejo de a não ter
Já não sabemos sonhar
Já andamos a enganar
O desejo de morrer

Letra: Amália Rodrigues
Música: José Fontes Rocha
Intérprete: Amália Rodrigues (in “Gostava de Ser Quem Era”, Columbia/VC, 1980, reed. EMI-VC, 1995; CD “O Melhor de Amália”, vol. III, EMI-VC, 2003)

Luas de prata gentia

[ Se ao menos houvesse um dia ]

Luas de prata gentia
Nas asas de uma gazela
E depois, do seu cansaço,
Procurasse o teu regaço

No vão da tua janela
Se ao menos houvesse um dia
Versos de flor tão macia
Nos ramos com as cerejas
E depois, do seu Outono,
Se dessem ao abandono
Nos lábios, quando me beijas
Se ao menos o mar trouxesse
O que dizer e me esquece
Nas crinas da tempestade
As palavras litorais
As razões iniciais
Tudo o que não tem idade
Se ao menos o teu olhar
Desse por mim ao passar

Como um barco sem amarra
Deste fado onde me deito
Subia até ao teu peito
Nas veias de uma guitarra

Letra: João Monge
Música: Casimiro Ramos (Fado Três Bairros)

Intérprete: Camané (in CD “Esta Coisa da Alma”, EMI-VC, 2000)

Na ribeira deste rio

Na ribeira deste rio
Ou na ribeira daquele
Passam meus dias a fio
Nada me impede, me impele
Me dá calor ou dá frio

Vou vendo o que o rio faz
Quando o rio não faz nada
Vejo os rastros que ele traz
Numa sequência arrastada
Do que ficou para trás

Vou vendo e vou meditando
Não bem no rio que passa
Mas só no que estou pensando
Porque o bem dele é que faça
Eu não ver que vai passando

Vou na ribeira do rio
Que está aqui ou ali
E do seu curso me fio
Porque se o vi ou não vi
Ele passa e eu confio

Letra: Dori Caymmi, sobre poema de Fernando Pessoa
Música: Dori Caymmi ?
Intérprete: Paulo Bragança (in CD “Os Mistérios do Fado”, Polydor, 1996)

Na tua voz

[ Amália ]

Na tua voz há tudo o que não há,
há tudo o que se diz e não se diz;
Há os sítios da saudade em tua voz,
o passado, o futuro, o nunca, o já;
Há as sílabas da alma e há um país.
Porque tu, mais que tu, és todos nós.

Na tua voz embarca-se e não mais,
não mais senão o mar e a despedida.
Há um rasto de naufrágio em tua voz,
onde há navios a sair do cais,
nessa voz por mil vozes repartida.
Porque tu, mais que tu, és todos nós.

Há mar e mágoa, e a sombra de uma nau,
a gaivota de O’Neill e o rio Tejo,
saudade de saudade em tua voz,
um eco de Camões e o escravo Jau,
amor, ciúme, cinza e vão desejo.
Porque tu, mais que tu, és todos nós.

Amor, ciúme, cinza e vão desejo.
Porque tu, mais que tu, és todos nós.

Poema: Manuel Alegre
Música: José Fontes Rocha
Intérprete: João Braga (in CD “Fado Fado”, Ariola/BMG Portugal, 1997; CD “Fados Capitais”, Impreopa/A Capital, 2002)

Não Sou Fadista de Raça

Não sou fadista de raça,
Não nasci no Capelão;
Eu canto o fado que passa
Nas asas da tradição!

Nunca usei negra chinela
Nem vesti saia de lista;
Nunca entrei numa viela
Mas tenho raça fadista!

Tirei suspiros ao vento,
Olhei um pouco o passado;
Busquei do mar um lamento
E fiz assim o meu fado.

É este fado famoso
Que, em noites enluaradas,
O Conde de Vimioso
Tangia nas guitarradas.

Era fidalgo de raça
E ficou na tradição
Cantando o fado que passa
Na Rua do Capelão.

Letra: Maria Teresa Cavazinni
Música: Alfredo Duarte “Marceneiro” (Fado Bailarico)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “O Riso Que me Deste”, RCA Victor, 1967; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978; 2LP “Álbum de Recordações”: LP 1, Polydor/PolyGram, 1985; CD “Temas de Ouro da Música Portuguesa”, Polydor/PolyGram, 1992; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006; CD “Tereza Tarouca”, col. Fado Alma Lusitana III, vol. 3, Levoir / Correio da Manhã, 2014)

Nesta terra soberana e fadista

[ No Sítio do Coração ]

Nesta terra soberana e fadista
Concebido fruto da contradição
Eu nasci independente e meio artista
Navegante e poeta de ocasião
Eu nasci independente, mar à vista
Marinheiro e idealista de ocasião

Há quem diga que o futuro já está escrito
E por isso não adianta o que eu fizer
Outros dizem que isso não é mais que um mito
Inventado por um príncipe qualquer

Canta!
Ouve a guitarra que trina
Acompanhando o lamento
De tantas penas em vão!
Sente
O sentimento da gente
Que já só tem desalento
No sítio do coração!

Da janela do meu quarto vê-se o rio
Branqueando as suas águas na maré
Desaguando as suas mágoas num vazio
Para quem foi tudo pouco nada é
E ao olhar o seu reflexo tão vazio
Alguém viu que ele finge que não vê

Canta!
Ouve a guitarra que trina
Acompanhando o lamento
De tantas penas em vão!
Sente
O sentimento da gente
Que já só tem desalento
No sítio do coração!

Eu nasci independente e meio artista
Navegante e poeta de ocasião

Canta!
Ouve a guitarra que trina
Acompanhando o lamento
De tantas penas em vão!
Sente
O sentimento da gente
Que já chegou o momento
De ouvirmos outra canção!

Letra: J.J. Galvão (José João Oliveira Galvão)
Música: Rui Filipe Reis
Intérprete: Rosa Negra (in CD “Fado Mutante”, iPlay, 2011)

Nunca tive moeda de troca

[ Moeda de Troca ]

Nunca tive moeda de troca
Para o que recebi da saudade
Mas é só pelo que ela me toca
Que tudo o que canto, é verdade
É essa a moeda de troca
Cantar o meu fado, para o dar à saudade.

Mas às vezes o fado acontece
Sem que a gente entenda,
O que fez
E o fadista cansado agradece
E chora baixinho, outra vez

Quero unir a minha às vossas almas
Sem perder a saudade de vista
Não me importa que me batam palmas
Ou gritem à grande “Ahhh fadista!!”
Quero ouvir o silêncio das almas
Assim que o mistério do fado as conquista.

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Manuel Graça Pereira
Intérprete: Catarina Rocha

O Fado é triste

[ Fado do Contra ]

Perguntaste-me outro dia

[ Tudo Isto É Fado ]

Perguntaste-me outro dia
Se eu sabia o que era o fado;
Eu disse que não sabia,
Tu ficaste admirado.

Sem saber o que dizia,
Eu menti naquela hora
E disse que não sabia,
Mas vou-te dizer agora.

Se queres ser o meu senhor
E teres-me sempre a teu lado,
Não me fales só de amor:
Fala-me também de fado.

A canção que é meu castigo
Só nasceu p’ra me prender:
O fado é tudo o que eu digo
Mais o que eu não sei dizer.

Almas vencidas,
Noites perdidas,
Sombras bizarras;
Na Mouraria
Canta um rufia,
Choram guitarras.

Amor, ciúme,
Cinzas e lume,
Dor e pecado:
Tudo isto existe,
Tudo isto é triste,
Tudo isto é fado.

Se queres ser o meu senhor
E teres-me sempre a teu lado,
Não me fales só de amor:
Fala-me também de fado.

A canção que é meu castigo
Só nasceu p’ra me prender:
O fado é tudo o que eu digo
Mais o que eu não sei dizer.

Almas vencidas,
Noites perdidas,
Sombras bizarras;
Na Mouraria
Canta um rufia,
Choram guitarras.

Amor, ciúme,
Cinzas e lume,
Dor e pecado:
Tudo isto existe,
Tudo isto é triste,
Tudo isto é fado.

Letra: Aníbal Nazaré
Música: Fernando Carvalho
Intérprete: Rua da Lua
Primeira versão de Rua da Lua (in CD “Rua da Lua”, Rua da Lua, 2016)
Versão original: Amália Rodrigues (grav. 1952) (in CD “Abbey Road 1952”, EMI-VC, 1992, Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007)

Quando o fado era menino

[ Quando o Fado For Grande ]

Quando o Fado era menino
Dizia: “quando eu for grande
Hei-de inventar um destino
Que meu coração comande.”

E percebeu que os poetas
Eram quem, como as crianças,
Abriam portas secretas
Sem chaves nem alianças.

Ao entrar no universo
Do poeta popular,
Ele vai escrevendo um verso
Que já nasce milenar.

E por saber que os adultos
Podem voltar à infância,
Não quer que os poetas cultos
Se mantenham à distância.

Rouba um poema a Pessoa,
Ao Ary pede uma glosa
E uns versos sobre Lisboa
Ao mestre Linhares Barbosa.

Se voltasse a ser menino
Diria: “quando eu crescer
Hei-de inventar um destino
Num poema por escrever.”

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Alberto Simões da Costa (Fado Torres do Mondego)
Intérprete: Ricardo Ribeiro (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)

Se o fado é esta sina

[ É o Mar Que nos Ensina ]

Se o fado é esta sina
que nos lava a alma,
é o mar quem nos ensina
quando nos devolve a calma.

Não aceitar pantomina,
o que a sorte nos destina.
Sem saber o que queremos,
temos o que merecemos.

A vida assim
não é um canto à dor.
O fado é sina
mas também amor.

Diziam que era um povo
que não se governava,
mas forte o coração
não se deixava governar.

Somos terra de lavrar
e sabemos o mar de cor,
mas esta gente a cantar
é bem capaz do melhor.

A vida assim
não é um canto à dor.
O fado é sina
mas também amor.

E lá bem no fim do mundo,
não se entendendo as palavras,
sente-se a saudade eterna
no trinado das guitarras.

Porque a razão não se entende
nem se vê o fim ao mar,
mas na voz ainda há quem pense
ver o fado a marear.

A vida assim
não é um canto à dor.
O fado é sina
mas também amor.

A vida assim
não é um canto à dor.
O fado é sina
mas também amor.

Letra e música: José Barros
Arranjo: José Barros e Mimmo Epifani
Intérprete: José Barros e Navegante
Versão original: José Barros e Navegante (in CD “À’Baladiça”, Tradisom, 2018)

Sou do Fado

[ Loucura ]

Intérprete: Ana Moura

Sou cavaleiro errante

[ Fado Mutante ]

Sou cavaleiro errante
Deserto, imensidão
E vou errando sempre buscando o Oriente
Secreto no meu coração

Sou cavaleiro ausente
Tão-só recordação
E vou atrás do vento que vem de Levante
E cheira a jasmim e açafrão

Um dia vou contar a minha história
Talvez assim me prestes atenção
Porque o que eu sou é parte da memória
Que a gente tem guardada num caixão

Ai este fado mutante
De lua emigrante
De tempo liberto
Ai esta sina minguante
Às vezes tão longe
As vezes tão perto

Tão longe, tão longe, tão perto…

Sou cavaleiro andante
Herói de uma ficção
E levo sempre a luz de uma estrela cadente
Na palma da minha mão…

Um dia vou contar a minha história
Talvez assim me prestes atenção
Porque o que eu sou é parte da memória
Que a gente tem guardada num caixão

Ai este fado mutante
De lua emigrante
De tempo liberto
Ai esta sina minguante
Às vezes tão longe
Às vezes tão perto

Tão longe, tão longe, tão perto…
Tão longe, tão longe, tão perto…
Tão longe, às vezes tão perto…
Tão longe, tão longe, tão perto…
Tão longe, tão longe, tão perto…
Tão longe, tão longe, tão perto…

Às vezes longe
Às vezes perto
Às vezes longe
Às vezes perto
Às vezes longe
Às vezes perto
Às vezes longe
Às vezes perto

Letra: J.J. Galvão (José João Oliveira Galvão)
Música: Rui Filipe Reis
Intérprete: Rosa Negra (in CD “Fado Mutante”, iPlay, 2011)

Sou do fado

[ É Loucura ]

Sou do fado como sei,
Vivo um poema cantado
Dum fado que eu inventei.
A falar não posso dar-me,
Mas ponho a alma a cantar,
E as almas sabem escutar-me.

Chorai, chorai, poetas do meu país
Troncos da mesma raiz
Da vida que nos juntou!
E se vocês não estivessem a meu lado,
Então… não havia fado
Nem fadistas como eu sou.

Esta voz, tão dolorida,
É culpa de todos vós,
Poetas da minha vida.
“É loucura!”, oiço dizer,
Mas bendita esta loucura
De cantar e de sofrer.

Chorai, chorai, poetas do meu país,
Troncos da mesma raiz
Da vida que nos juntou!
E se vocês não estivessem a meu lado,
Então… não havia fado
Nem fadistas como eu sou.

E se vocês não estivessem a meu lado,
Então… não havia fado
Nem fadistas como eu sou.

Letra: Júlio de Sousa
Música: Júlio de Sousa (Fado Loucura)
Intérprete: Marta Pereira da Costa
Versão original: Lucília do Carmo (in LP “Recordações”, Decca/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2008; 2LP/CD “O Melhor de Lucília do Carmo”, EMI-VC, 1990; CD “O Melhor de Lucília do Carmo”, Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)

fadista Lucília do Carmo
fadista Lucília do Carmo

Sou filho de um deus menor

[ Adeus, Até um Outro Dia ]

Sou filho de um deus menor
E de um corrido maior
Mas seja lá o que for
Já nasci com esta dor

Cresci no fio da navalha
Sei a cartilha de cor
Num coração de canalha
Mora um pobre pinga-amor

Ai mas que triste a triste vida em que vive um desgraçado
Sempre a cavalo entre a desgraça e o fado malogrado

Muito boa noite, minhas senhoras, meus senhores!
Desculpem lá o meu atraso, cheguei tarde mas cheguei
E já que vim o melhor é eu cantar
E só não canto melhor porque eu não sei

A minha sorte na vida
Já adivinho qual é:
Ser uma rosa enjeitada
De que ninguém quer saber

Em tudo eu sou infeliz
Mesmo até no meu cantar
Põe-se a tremer a guitarra
Antes de me acompanhar

Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela companhia
No peito levo uma saudade, adeus, até um outro dia

Muito obrigado madames e cavalheiros
Mostrem lá os mealheiros para eu me motivar
E já que pedem vou-vos fazer a vontade
Que eu só canto pelo gosto de cantar

Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela companhia
No peito levo uma saudade, adeus, até um outro dia
Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela… em tão bela companhia
No peito levo… levo uma saudade, adeus, adeus, até um outro dia

Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela companhia
No peito levo uma saudade, adeus, até um outro dia

Muito obrigado madames e cavalheiros
Mostrem lá os mealheiros para eu me motivar
E já que pedem vou-vos fazer a vontade
Que eu só canto pelo gosto de cantar

Muito obrigado madames e cavalheiros
Os aplausos servem sempre para eu me consolar
E já que pedem vou-vos fazer a vontade
Que eu só canto pelo gosto de cantar

Letra: J.J. Galvão (José João Oliveira Galvão)
Música: Rui Filipe Reis
Intérprete: Rosa Negra (in CD “Fado Mutante”, iPlay, 2011)

Temos pena, hoje não dá

[ Fado Abananado ]

Temos pena, hoje não dá
estou fechada para balanço
Temos pena, hoje não dá
estou fechada para balanço
querem fado, pois não há
se não gostam como eu danço
querem fado, pois não há
se não gostam como eu danço”

Desculpe lá, turista
Bater o nariz na porta
A nossa fadista
Está numa de ir embora
Diz ela que não canta
Se não for para dançar
Falar, pouco adianta
Pois responde a cantar:

Refrão

Desculpe lá, turista
Também sinto aquilo que sente
A ingrata fadista
Acha que hoje isto é diferente
“fruta cristalizada”
Diz que é “só no bolo rei!”
Já nos mandou à fava
E canta por aí, que eu sei:

Refrão

Desculpe lá, turista
Já tomámos providência
É a sétima fadista
Com esta exigência
Querem abanar o fado
E nós dizemos que não
Mas o fado, abananado,
Já só pega de abanão

Refrão

Pedro da Silva Martins
Música: Manuel Graça Pereira
Intérprete: Catarina Rocha

Toda a saudade é fingida

[ Covers ]

Toda a saudade é fingida,
A tristeza disfarçada:
Parecem já não ter vida,
De fado não têm nada.

Já não são fados, são ‘covers’:
Imitações desalmadas,
Reproduções do destino
Tantas vezes tão cantadas.

Esses que tentam viver
Aquilo que outros viveram
Acabam por se perder
No tanto que não fizeram.

Vampiragem pós-moderna
Da Lisboa dos turistas:
Falam da velha taberna
Mas querem ser futuristas.

Letra: Duarte
Música: João do Carmo Noronha (Fado Pechincha)
Intérprete: Duarte (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)

Verdes ondas branca flor

[ Fado Azul (Se Azul se Atreve) ]

Verdes ondas branca flor
Cor-do-vento espuma breve
Verdes ondas branco-em-flor
Cor-do-vento espuma breve
Qualquer cor a do Amor
Beijo-azul p’ra quem se atreve
Qualquer cor a do Amor
Beijo-azul p’ra quem se entregue

Como barco rumo ao sul
No meu corpo a maresia
Como barco rumo ao sul
No meu corpo a maresia
À procura desse azul
Que o teu corpo prometia
Na procura desse azul
Naveguei-te até ser dia

Tão constante foste vaga
Tão ardente a maré-viva
Tão constante foste vaga
Tão ardente a maré-viva
Tua proa que naufraga
Nosso rasto de saliva
Tua proa que em mim naufraga
Nossas bocas à deriva

Este jeito de ser livre
Na prisão da tua boca
Este jeito de ser livre
Na prisão da tua boca
Sabe a tudo onde não estive
Lucidez que me põe louca
Sabe a tudo onde não estive
Lucidez é coisa pouca

Somos chuva tão precisa
Somos ventos do Magrebe
Somos ecos da Galiza
Somos tudo o que se perde
Somos língua que desliza
Como tudo o que se escreve
Somos beijo desta brisa
Beijo-azul se azul se atreve.

Letra: João Gigante-Ferreira
Música: Francisco Viana (Fado Vianinha)
Intérprete: Helena Sarmento
Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)

Voar

[ Fado em Branco ]

Voar
Sem culpa do mar
Que nunca se deita
Sentir
A chuva a cair
De vida insuspeita

Sofrer
A dor de morrer
Na dor imperfeita
Sorrir
Por dentro mentir
Verdade perfeita

Assim é a vida
De dor dividida
Cerrada no peito
Um barco à deriva
Verdade fingida
Doença sem leito

Eu bem que não queria
Saber algum dia
Que sempre serei
O vento do norte
Sem vida nem morte
Sem crime nem lei

Amar
De amor sufocar
A boca na boca

Florir
Ficar e partir
De tanto ser pouca

Vender
De graça o prazer
Sentir como louca

Chorar
Sem culpa do mar
Do beijo e da boca

Assim é a vida
De amor dividida
Cerrada no peito
Um barco à deriva
Mentira fingida
Doença sem leito

Eu bem que não queria
Saber algum dia
Que sempre serei
O vento do norte
Sem vida nem morte
Sem crime nem lei

Eu bem que não queria
Saber algum dia
Que sempre serei
O vento do norte
Sem vida nem morte
Sem crime nem lei

O verso da sorte
Sem que isso me importe
Saber que cheguei

Letra: João Gigante-Ferreira
Música: Samuel Cabral e João Gigante-Ferreira
Intérprete: Helena Sarmento
Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)