barítono José de Freitas

JOSÉ DE FREITAS

José de Freitas, de nome completo José Cirilo de Freitas Silva, nasceu na Madeira e foi padre da Congregação da Missão (Padres Vicentinos). Já depois de padre, estudou nos conservatórios do Porto e de Lisboa, onde concluiu o Curso Superior de Canto com excelente classificação. Em 1978 tornou-se artista residente do Teatro Nacional de São Carlos onde se estreou com Schaunard em La Bohème. Foi intérprete de importantes papéis de barítono e de baixo-barítono em Portugal e no estrangeiro. Foi também diretor de coros e compositor de cânticos litúrgicos.

ENTREVISTA

Qual foi o primeiro momento em que se lembra de ter tido consciência de que a música era importante para si?

O primeiro momento?! Preferiria falar de uma pequena série de momentos… Concretizando: No meu 5º ano do seminário (hoje 9º ano), cerca dos 16 anos, quando a chamada “mudança de voz” era já algo acentuada, o meu ilustre professor de música, Padre António Ferreira Telles, poucos dias após ter-me convidado para tocar harmónio em algumas cerimónias litúrgicas (ele era o harmonista oficial, obviamente) e pedir-me para, alternadamente com outro colega, iniciar os cânticos na liturgia (o equivalente a solista), veio falar comigo na véspera da festa do Padroeiro do seminário (S. José), e disse-me: “Confio muito em ti para “segurares” a 4ª voz na missa solene de amanhã.” Ora aí tem um “puzzle” com bastante significado na minha “consciência musical” de jovem seminarista…

Quais os professores que mais o influenciaram no tempo de seminário?

Vou referir-me apenas a professores de música, obviamente. Desde os primeiros anos, tive uma veneração especial por um ilustre mestre, muito “sui generis”, mas muito competente e sabedor: o Padre António Ferreira Telles, a que atrás aludi. Era excelente harmonista, compositor, ótimo harmonizador. O Pe. Fernando da Cunha Carvalho, felizmente ainda entre nós, também teve influência na minha orientação musical, e não só. Mas vou salientar, sem querer ser injusto para os atrás citados e porventura outros, o Pe. João Dias de Azevedo, que muito me ajudou sobretudo no harmónio e no órgão, no Seminário de Mafra, onde fiz o meu noviciado (1954-1956). Nesse período, cheguei a tocar órgão em algumas celebrações dominicais e festas na Basílica de Mafra… E, para completar os anos do seminário, não poderei omitir o Pe. Fernando Pinto dos Reis (1929-2010).

Depois de ir para o seminário e de ser padre, quando é que se apercebeu de que cantar era o mais importante na sua vida profissional?

Como disse, cedo me iniciei e fui crescendo na função de solista. Continuei-a ao longo de todo o curso, alternando-a com o múnus de harmonista. Terminado o curso, fui incumbido da disciplina de Música (além de outras), no seminário menor. O concílio do Vaticano II acabava de privilegiar o vernáculo na liturgia. Iniciei a renovação de todo o repertório vigente. Eu próprio dei largas a uma velha paixão e iniciei a composição de cânticos em português, incluindo o “ordinário” e o “próprio” da missa para determinadas solenidades, além de outros cânticos circunstanciais. Aconselhado por não poucos, matriculei-me no Conservatório do Porto. Canto? Composição? Duas paixões. Muito incitado e encorajado pela professora D. Isabel Mallaguerra, decidi-me mais seriamente pelo canto, sem descurar a composição musical.

Após o curso geral de canto no Conservatório do Porto, vim a concluir o Curso Superior no Conservatório Nacional com a professora D. Helena Pina Manique. Com o programa do exame do curso superior concluído com alta classificação, fui convidado para vários recitais em Lisboa e não só. Iniciei logo de seguida o curso de ópera com o professor Álvaro Benamor e D. Helena Pina Manique. Fui admitido no Coro Gulbenkian, onde estive durante alguns meses até seguir para Paris com uma bolsa de estudos.

O diretor do Teatro Nacional de São Carlos, Eng. João Paes, que já me ouvira no Conservatório, convidou-me para, temporariamente, interromper o estágio em Paris e vir a Lisboa preparar o desempenho de um importante papel numa ópera portuguesa. Bem sucedido, pediu-me para, após o estágio parisiense, seguir para Florença, afim de preparar, com o famoso Gino Bechi, o importantíssimo papel de primeiro barítono (Lord Enrico d’Ashthon) da ópera Lucia di Lamermoor, de Donizetti. Cantei esse papel em novembro de 1977, no Teatro Rivoli (Porto)…

Toda esta “bola de neve” a partir da conclusão do curso superior de canto em 1974, todo o incrível desencadear de situações até finais de 1977, todo o ano de 1977 sobretudo, tudo isso responde à sua pergunta… Parafraseando, em contraste, um fadista, diria: “Ser cantor não foi meu sonho, mas cantar foi o meu fado…”

Dos anos em que estudou Música e Canto, que professores tiveram uma influência mais decisiva?

Nos conservatórios do Porto e de Lisboa, tive a felicidade de ser orientado respetivamente pelas professoras D. Isabel Mallaguerra e D. Helena Pina Manique, e ainda, por algum tempo, pela D. Arminda Correia, sem esquecer o Prof. Álvaro Benamor (cena).

Em Paris, como olvidar o trabalho com a famoso baixo Huc-Santana e o não menos célebre barítono Gabriel Bacquier? Em Itália, e aqui em Portugal, Gino Bechi foi simplesmente precioso no trabalho vocal e cénico. Este famoso barítono, que também me honrava com a sua amizade, cantou nos anos 40, em todos os grandes palcos do mundo. A sua famosa “entrega” aos espetáculos e nos espetáculos, quer cenicamente mas sobretudo vocalmente, levou-o a tal desgaste que teve de terminar a sua carreira por volta dos 40 anos, precisamente com a idade com que eu comecei…

Foi difícil deixar de ser padre e optar pela carreira musical?

Quando, em finais dos anos 60, me matriculei no Conservatório do Porto, confesso que o meu sonho era dar uma componente artística à minha missão de padre.

Começaram a surgir, porém, situações que não deixaram de me ir perturbando. Alguma confusão começou a instalar-se nos meus horizontes… Estávamos em pleno pós-74… Sobretudo a partir de 1977, comecei a sentir-me ultrapassado pelos acontecimentos. Tinham de ser tomadas decisões… Não podia viver na ambiguidade!… Houve muitas dúvidas, muitas incertezas… O meu Padre Provincial de então propôs-me fazer as duas coisas: padre e cantor… Tudo se desenrolava vertiginosamente… Eram convites para concertos, para óperas, etc.
Cheguei mesmo a atuar durante não pouco tempo, estando ainda no exercício do ministério… Fui chegando à conclusão de que as duas funções não faziam grande sentido… Em finais de 1978, acabei por tomar a decisão: pedi para Roma a dispensa do exercício das ordens. Não tive resposta fácil. Demorou mais de dois anos. Pelo meio, um apelo a que repensasse…

Qual foi o papel da Igreja na sua vida musical?

Primeiramente, como é obvio, penso em todo o curso do seminário. Para além de todos os aspetos da formação, a música da Igreja, o canto gregoriano, ocupou uma grande parte desse período, quer na teoria, quer na prática. O nosso Cantuale, um livro específico da Congregação da Missão com os mais belos cânticos gregorianos e muitos outros, a uma ou mais vozes, dominou grande parte desses anos, as nossas vozes e as nossas almas.

No seminário Maior, durante o curso de filosofia e teologia, para além das mais belas obras de polifonia sacra, cantávamos, todos os domingos e festas, o “comum” e o “próprio” em gregoriano, de acordo com o emblemático Liber Usualis, a mais completa obra do canto da Igreja. Tudo isto, naturalmente acompanhada da parte teórica, marca indelevelmente a minha personalidade e a minha formação musical. E não esqueço que quase sempre, alternadamente, fui organista e solista…

Após a ordenação, seguiram-se anos dominados pelo Concílio do Vaticano II, com uma série extraordinária de documentos sobre a música e a liturgia em vernáculo,com o aparecimento de excelentes compositores. E foram sempre surgindo, com os diversos papas, importantes documentos sobre a música litúrgica. Não posso esquecer os “famosos” cursos gregorianos de Fátima que frequentei.

Durante os anos 1977-1995, em que a vida artística teve o seu lado prioritário, nunca deixei de estar atento aos documentos da Igreja sobre música sacra e à obra de excelentes compositores que temos.

A partir de 1997, já no pós – S. Carlos, a pedido do meu grande amigo Conégo José Serrasina que acabava de ficar à frente da Paróquia dos Anjos, em Lisboa– a minha paróquia -, comecei a orientar o coro paroquial, tomando a peito a renovação dos cânticos e a dinamização litúrgica. Baseava-me sempre nos textos de cada celebração. Após 5 anos de intenso e profícuo trabalho, abracei outro projeto – na Capela do Palácio da Bemposta (Academia Militar), onde colaborei durante 13 anos (2003 – 2016). Durante este período, compus dezenas de cânticos que vieram a ser publicados pela Academia Militar, em 2012, num volume com o título Deus é Amor. Porque o “contexto” de então era “específico”, o referido volume irá “sofrer” brevemente substancial alteração.

Qual foi a maior deceção na sua vida?

Se me permite, não apresentaria uma mas duas deceções, e ambas no âmbito do mundo lírico. A primeira, logo de início. Tinha feito 40 anos. Eram diferentes, agora, o sonho e o ideal. Imaginava que perante mim, ia surgir um meio pleno de elevação, um ambiente superior, de arte, de cultura, etc. Cedo, porém, fui verificando e concluindo que as cores que sonhara belas, não, não o eram assim tanto… A realidade era bastante mais prosaica… Bem!… Respirei fundo, bem fundo, passe a expressão… E, vamos a isso!… Mas vamos mesmo! O desafio que ora iniciava era para ganhar, era mesmo para vencer!… E foi! Não tive o caminho atapetado de rosas, longe disso, muito longe! Foram necessárias uma fibra excecionalmente forte como considero ter, uma fé inabalável em Deus como efetivamente tenho, e também, obviamente, uma grande confiança nos talentos que Deus me deu, aliados à formação que tive (não poderei esquecê-lo!) E…aí vou eu!… E nem tudo foram espinhos, digamos em abono da verdade. Tive um público que me admirava e apoiava bastante, excelentes e excecionais críticas, outras nem tanto… E, entre um pessoal que rodava as três centenas (coro, orquestra, cantores, técnicos, etc), tive não poucos amigos e admiradores! Não esqueço que, logo no começo, nos primeiros ensaios, vi lágrimas nos olhos de algum do pessoal, ao verem a minha entrada enérgica, decidida, confiante, e pensando no “mundo” donde acabava de chegar… aos 40 anos!…

A segunda deceção foi no fim. Em finais de 92, a SEC, tendo à frente o Dr. Pedro Santana Lopes, achou por bem dissolver a Companhia Portuguesa de Ópera (cantores, orquestra, etc). Éramos 14 os cantores principais. Mesmo tendo em conta que eu continuava a cantar no país e não só, esta foi sem dúvida uma grande deceção. Aos 55 anos, encontrava-me no ponto mais alto da carreira, a nível vocal e cénico, na minha opinião e na de quantos me conheciam e ouviam! Esperava estar “em grande” mais uma boa dezena de anos… Lembrei-me então das palavras de Gino Bechi, quando, certo dia, nos anos 80, após fazer as célebres e espetaculares demonstrações, vocais e cénicas, durante um ensaio, e quando já contava perto dos 80 anos, teve este desabafo: “Agora é que eu sei cantar!”

Pois é!… Parafraseando o meu mestre, diria: “Agora… é que eu sabia cantar!…”

Qual foi o momento mais alto da carreira como cantor lírico?

Desempenhei os mais diversos papéis de 1º barítono, de baixo-barítono, papéis característicos, enfim, foram cerca de 50… Nunca tive um fracasso nos meus desempenhos. Pelo contrário! Escolher o momento mais alto?!… É difícil!… Estou a lembrar-me de não poucos… Do “Le Grand-Prêtre de Dagom” da ópera Samson et Dalila, de Saint-Saëns, em 1983. Quis preparar o papel em Lyon com o meu ex-professor de Paris, o grande barítono Gabriel Bacquier. Estou a recordar-me do “Dulcamara” da ópera L’Elisir d’Amore, de Donizetti, em 1984 e 1985… Do “Rocco”, da ópera Fidelio de Beethoven… Enfim, não vou alongar-me na citação de outras boas e belas hipóteses…

Mas vou escolher como momento mais alto uma ópera fora do estilo clássico: a ópera Kiú, do compositor espanhol Luís de Pablo, levada à cena em 1987 no Teatro Nacional de São Carlos. O meu papel de Babinshy, o pivô da ópera, na sua grande espetacularidade e dificuldade vocal e cénica, foi na verdade um momento muito alto na minha carreira! Não foi por acaso que o próprio compositor Luís de Pablo e o maestro Jesús Ramón Encimar me convidaram, 5 anos depois (dezembro de 1992 – janeiro de 1993), para interpretar em Madrid o mesmo papel!…

Quais foram os cantores líricos mundiais que mais o inspiraram?

Estavam na moda, nos anos 60, cantores líricos que deveras nos entusiasmavam. Lembro-me, por exemplo, de Mário Lanza, de Luís Mariano, de Alfredo Krauss que vim a conhecer em São Carlos, e com o qual contracenei, inicialmente, num ou noutro pequeno papel. E vários outros, quase todos tenores. O meu tipo de voz é de barítono ou de baixo-barítono. Mas foi sobretudo a partir do Curso Superior de Canto que comecei a interessar-me por vozes líricas, o que é absolutamente natural. Dado o meu tipo de voz, cerca de cinco ou seis cantores internacionais dominavam particularmente os meus gostos. Comecemos pelos alemães Dietrich Fischer-Dieskau e Hermann Prey, barítonos. O primeiro, absolutamente excecional em lied, tendo cantado praticamente tudo o que havia nesse domínio. Muitos o consideraram o maior músico do século XX. Foi inclusivamente maestro de música sacra. Ouvi-o ao vivo em Paris. Hermann Prey era superior como ator. As suas interpretações em óperas de Mozart, Rossini, Donizetti ficaram memoráveis. Outros dois barítonos ou baixo-barítonos, Fernando Corena e Rolando Panerai, eram também grandes cantores e atores, mais característicos que os anteriores. Outro barítono que, vocalmente (não cenicamente) me enchia as medidas, era Piero Cappuccilli. Era um barítono a que eu chamaria heróico-dramático, com uma incrível potência de voz. Jamais esquecerei o seu desempenho em Simon Boccanegra de Verdi, no São Carlos…

Poderia obviamente alongar-me, no que às vozes masculinas diz respeito. Mas também não posso deixar de me referir a vozes femininas que, além de nós deixarem siderados, tanto nos ensinaram! Antes de mais, Maria Callas!… Depois, uma Victoria de los Angeles que cheguei a ouvir na Gulbenkian. Fiorenza Cossotto, Mirella Freni, Christa LudwigMonserrat Caballé que ouvi em Paris dirigida por Leonard Bernstein… Uma Joan Sutherland, La Stupenda, a tal que cantou a Traviata no Coliseu na famosa noite de 24 para 25 de abril de 1974, com o já citado Alfredo Kraus… E eu estava lá!…

Quais os músicos portugueses mais influentes na sua carreira?

Por músicos, entendo compositores, professores, pianistas, ensaiadores, “pontos”, cantores, e, porque não, críticos… Antes de mais, as minhas duas professoras nos conservatórios do Porto e de Lisboa, respetivamente: Isabel Malaguerra e Helena Pina Manique. A professora D. Arminda Correia fez de forma extraordinária a breve transição entre uma e outra. Álvaro Benamor, na classe de ópera. A pianista Maria Helena Matos que me acompanhou com enorme competência desde o Conservatório Nacional, incluindo o exame final, e praticamente em todos os recitais que fui dando ao longo da carreira. O maestro Armando Vidal, músico de gema, com o qual preparei, como a generalidade dos artistas, quase todos os papéis que tinha a desempenhar nas dezenas de óperas em que fui interveniente. Entre os maestros – “pontos” – , não esquecerei o maestro Pasquali que tão competentemente orientou, durante os primeiros tempos, as nossas intervenções em palco, e o maestro Ascenso de Siqueira, grande e bom amigo e incrível ser humano… Tive a felicidade de trabalhar com encenadores como António Manuel Couto Viana, que me honrava com a sua amizade, Carlos Avillez (em várias óperas), Luís Miguel Cintra, João Lourenço

Cantores? Álvaro Malta, Hugo Casaes, Elizette Bayan, Armando Guerreiro, e outros… Lembro-me ainda de preciosas “dicas” que me deu Álvaro Malta

Compositores? Antes de mais, o Prof. Cândido Lima. Conheci-o em Paris. Conversávamos muito. Não esqueço o dia em que ele me apresentou ao seu amigo Iannis Xenakis… Fomos juntos a vários concertos. Preparei, com ele ao piano, algumas obras suas para canto. Foi meu pianista num concurso de canto em que fui premiado… Tudo isto em Paris, em 1977.

Com o grande compositor Fernando Lopes-Graça, tive a honra de preparar um importante papel de solista na sua obra As Sete Predicações d’Os Lusíadas, em vista à estreia mundial da mesma no VI Festival da Costa do Estoril (1980).
Joly Braga Santos honrava-me com a sua amizade e admiração. Com ele ensaiei o papel de solista na sua Cantata Das Sombras, sobre texto de Teixeira de Pascoaes, para primeira audição mundial no Teatro de S. Luís, a 27 de julho de 1985, com o Coro Gulbenkian, e enquadrada no XI Festival de Música da Costa do Estoril. De Joly Braga Santos nunca poderei esquecer as suas palavras, em pleno palco, no fim da última récita da sua Trilogia das Barcas, em maio de 1988: “Estou a compor uma ópera, para a Expo de Sevilha (daí a 4 anos), baseada numa obra de Frederico Garcia Llorca, Bodas de Sangue e tenho um muito bom papel para si”. Entretanto, o maestro falecia 2 meses depois, a 18 de julho de 1988, o que constituíu uma grande perda para o País, para a cultura portuguesa.

Quanto a críticos, devo dizer que, entre outros, Francine Benoit, João de Freitas Branco, José Blanc de Portugal muito me encorajaram e elogiaram!

E hoje, o que acha da evolução da ópera em Portugal?

Francamente, tenho dificuldade em responder. Há cerca de vinte e cinco anos, após a extinção da Companhia Portuguesa de Ópera e de ter dado como terminada a minha carreira lírica, abracei outro projeto e alheei-me bastante desse tema. Sei que, sobretudo por razões orçamentais, a programação se ressente, e muito. Tudo parece ser diferente. Repito: não tenho dados que me permitam fazer qualquer juízo de valor…

O que pensa do papel da música na Igreja?

Desde o Seminário Maior, fui lendo atentamente, e mais que uma vez, os documentos papais que surgiram desde o princípio do século XX:
o Motu próprio de São Pio X (1903) sobre a Restauração da Música Sacra;
a Constituição Apostólica Divini Cultus (1928) no pontificado de Pio XI, sobre a liturgia e a música sacra; a Encíclica Musicae Sacrae Disciplina (1953), do Papa Pio XII, sobre a Música Sacra, vocal e instrumental.

Logo após o Concílio do Vaticano II, surge a Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium (1963), a realçar que “a acção litúrgica reveste maior nobreza quando é celebrada com canto, com a presença dos ministros sagrados e a participação ativa do povo”. E quando fala de canto, obviamente que se refere ao canto sagrado intimamente unido com o texto. E se o canto gregoriano ocupa sempre um lugar privilegiado em igualdade de circunstâncias, não são excluídos os outros géneros de música sacra mormente a Polifonia, desde que em harmonia com o espírito da ação litúrgica, e de acordo com os diversos tempos litúrgicos, com as diversas celebrações e os vários momentos da celebração. Compositores, organistas, mestres de coro, cantores, músicos (instrumentistas) devem formar um todo para o esplendor do canto.

Alguns anos após o Concílio, a famosa Instrução Musicam Sacram (1967), da Sagrada Congregação dos Ritos, é a síntese, diria perfeita, do que à Música Sacra diz respeito, desde o canto na celebração da missa, passando pela preparação de melodias para os textos em vernáculo, depois a música para instrumental, o Canto no Ofício, etc etc.

O assunto levar-nos-ia ainda a três ou quatro intervenções de São João Paulo II, a uma célebre conferência do Cardeal Ratzinger (mais tarde Papa Bento XVI) em 1985, a uma Nota Pastoral dos nossos bispos por ocasião do Ano Europeu da Música (em novembro de 1985).

E o nosso Papa Francisco, por mais de uma vez, tem insistido que a Música Sacra e Canto Litúrgico devem estar plenamente inculturados nas linguagens artísticas atuais.

Quais os compositores que mais ouve e, desses, que obras prefere?

J.S. Bach é incontornável. Oiço com frequência, por exemplo, a Cantata do Café, cuja ária Hat man nicht mit seinen kindern fez parte do programa do meu exame do Curso Superior de Canto de Concerto, e foi uma das provas de acesso ao Coro Gulbenkian, em novembro de 1974; a Missa em Si m, cujas árias de baixo cantei; e a Paixão Segundo S. João, em que interpretei o papel de Jesus, no Porto, em abril de 1977, quando ainda estagiava em Paris…
Haëndel (O Messias, e Música Aquática); Beethoven (Sinfonias 3, 6 e 9) e a ópera Fidelio, cujo papel de Rocco desempenhei em junho de 1986; Mozart (o Requiem que, enquanto membro do Coro Gulbenkian, cantei no Coliseu em 1975, com gravação para a Erato; a Sinfonia nº 40, etc etc); Haydn (A criação, a Missa de Santa Cecília e a Sinfonia Concertante); Bizet (Carmen); Bramhs (Um Requiem Alemão);Rossini (Stabat Mater); Tchaickowsky (Romeu e Julieta e Francesa da Rimini; Dvorak (Sinfonia nº 9, O Novo mundo); Ravel (Bolero); Rodrigo (Concerto de Aranjuez); Strauss (valsas); Elgar (Concerto para violoncelo).

E muito, muito mais, obviamente.

O que o levou a colecionar livros e discos?

Certamente, e de uma forma geral, o meu gosto pela música, a ligação à Igreja, o meu profissionalismo, a cultura. É claro que tudo se desenrola de acordo com as diversas etapas da vida:

a minha função de professor de Música (além de outras disciplinas) no seminário menor, após a minha formação, e o começo dos meus estudos no Conservatório;

a minha transição para a vida pastoral, durante 3 anos;

a minha ida para Lisboa para concluir o curso Superior, do Conservatório, e a minha curta passagem pela Fundação Gulbenkian;

o meu estágio de dois anos em Paris, concluído com 2 meses em Itália;

o começo e a continuação da minha carreira lírica no Teatro Nacional de São Carlos;

os 3 anos pós-São Carlos em que continuei a minha carreira;

o abraçar de novo projeto: “trabalhar” um coro inserido numa missão pastoral na Paróquia dos Anjos (Lisboa), a minha Paróquia, a partir de 1997 e, posteriormente, de 2003 a 2016, na capela do Palácio da Bemposta (Academia Militar);

e porque não dizê-lo, as minhas viagens de automóvel, algumas longas, nos anos 70 e daí para cá, para já não falar da minha própria casa…

Como vê, são muitas as etapas e as circunstâncias em que procurei estar sempre em dia e dentro das exigências das mesmas. Livros, discos, cassetes, CDs, DVDs eram verdadeiros instrumentos de trabalho, de cultura, de ocupação, de prazer…

Julgo ter sintetizado as razões da minha importante biblioteca e discoteca, das quais progressivamente e criteriosamente, me vou voluntariamente desfazendo.

Antes da sua formação académica no conservatório, que lugar tinha a música erudita no seu papel de formador no seminário?

Além de renovar completamente o repertório de cânticos religiosos que vinha de há longos anos (o que supunha rodear-me de bom material), comecei a interessar-me por vozes maravilhosas que os discos faziam chegar até nós (Mario Lanza, Luis Mariano, Alfredo Krauss etc, e por orquestras excecionais que nos traziam as mais belas melodias clássicas, canções famosas, música de filmes históricos…

Tive sempre a preocupação de partilhar com os meus jovens alunos algum desse maravilhoso mundo musical… Era importante para a educação da sua sensibilidade, dos seus gostos, da sua cultura.

Lembro-me, e muitos ex-alunos (quer do seminário, quer do ensino público) se recordarão de ter dado a ouvir, entre outras obras, uma pequena peça do compositor russo Alexander Borodine. Tratava-se de Nas estepes da Ásia Central. Era a caravana que surgia ao longe, a marcha dos camelos, a intensidade instrumental que “subia” a anunciar a chegada da caravana, a permanência no terreno, o retomar da marcha, os sons que se iam extinguido… até a caravana se perder de vista!… Era tudo tão belo, tão claro! Apaixonante!… O interesse era enorme. Os alunos começavam a compreender que a música tem um sentido, um conteúdo, uma intenção, uma finalidade, uma expressão!
O mesmo sucedeu com outras obras, como o Hino da Alegria, da IX Sinfonia de Beethoven! Etc etc.

Mas adverti-os sempre para que nada disto desviasse a atenção do essencial da sua formação!…

Em três palavras como se caracteriza a si mesmo?

Persistente! Perfecionista! Brioso!

Lisboa, 19 de março de 2018

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JOSÉ DE FREITAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL

Um barítono que é crítico de si próprio

Correio da Manhã, 28 de abril de 1986

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De padre a cantor principal de ópera no Teatro São Carlos

Diário de Notícias do Funchal, 11 de maio de 1986

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José de Freitas: de padre a cantor

Correio da Manhã, 02 de agosto de 1987

Brincar aos fados

Canções de humor

Letras

Acredito

Acredito em pouca coisa
que venha escrita em loiça,
dessa de pôr na parede.

Acredito mais no desempenho
da laranja que apanho,
que como e me mata a sede.

Acredito nas façanhas,
muito menos nas patranhas
de quem faz só porque sim.

Acredito nas crianças,
no meu ventre são esperanças
de um futuro sem fim.

Acredito na loucura
de quem pede mais ternura
e vira costas à guerra.

Acredito na fé dos outros
que às vezes abrem poços
só para encontrar mais terra.

Acredito no Caetano,
no Zambujo que é meu mano,
em todas as vozes calmas.

Acredito na poesia
e também na aletria,
em tod’os adoçantes de almas.

Acredito na minha mãe,
ela que sofreu bem
para que eu fosse como sou.

Crente nos frutos e flores,
nos mais impossíveis amores;
onde o Sol mais brilhar eu estou.

Eu estou
Eu estou
Eu estou
Eu estou
Eu estou

Letra: Celina da Piedade
Música: Alex Gaspar
Intérprete: Celina da Piedade (in CD “Sol”, Sons Vadios, 2016)

Era não era

[ Era Não Era do Tamanho de um Pardal ]

Era não era
Foi deixado ao abandono
Num dia quente de Outono
No meio de um meloal
Era não era
Sei lá eu se era ou não era
Só sei que os lados da esfera
Cortam mais do que um punhal

São mais ou menos
Cento e vinte e quatro lados
Redondinhos, afiados
Do tamanho de um pardal
Mas sem as penas
Nem as partes comestíveis
Nem a caixa dos fusíveis
Nem a corda do estendal

Era não era
Palmilhei o mar profundo
Sem parar um só segundo
P’ra apanhar estrelas do céu
No meio das nuvens
Nadei eu entre os rochedos
Cheio de frio e de medos
Ao sabor do macaréu

Os macaréus
São umas ondas muito altas
Da família das pernaltas
E maiores do que um pardal
Mas sem as penas
Nem as partes comestíveis
Nem a caixa dos fusíveis
Nem a corda do estendal

São mais ou menos
Cento e vinte e quatro lados
Redondinhos, afiados
Do tamanho de um pardal
Mas sem as penas
Nem as partes comestíveis
Nem a caixa dos fusíveis
Nem a corda do estendal

Os macaréus
São umas ondas muito altas
Da família das pernaltas
E maiores do que um pardal
Mas sem as penas
Nem as partes comestíveis
Nem a caixa dos fusíveis
Nem a corda do estendal

Era não era
Diz o nabo p’ra o repolho:
“Tu não me franzas o olho
Que eu de ti não tenho medo!”
Era não era
Diz a ameixa p’ra a cenoura:
“Vou para Paredes de Coura,
Vou partir de manhã cedo”

Uma linda terra
Do concelho de Alcobaça
Só conhece quem lá passa
Junto à tasca do Pardal
Mas sem as penas
Nem as partes comestíveis
Nem a caixa dos fusíveis
Nem a corda do estendal

São mais ou menos
Cento e vinte e quatro lados
Redondinhos, afiados
Do tamanho de um pardal
Mas sem as penas
Nem as partes comestíveis
Nem a caixa dos fusíveis
Nem a corda do estendal

Os macaréus
São umas ondas muito altas
Da família das pernaltas
E maiores do que um pardal
Mas sem as penas
Nem as partes comestíveis
Nem a caixa dos fusíveis
Nem a corda do estendal

São mais ou menos
Cento e vinte e quatro lados
Redondinhos, afiados
Do tamanho de um pardal
Mas sem as penas
Nem as partes comestíveis
Nem a caixa dos fusíveis
Nem a corda do estendal

Os macaréus
São umas ondas muito altas
Da família das pernaltas
E maiores do que um pardal
Mas sem as penas
Nem as partes comestíveis
Nem a caixa dos fusíveis
Nem a corda do estendal

Os macaréus…

Letra e música: Carlos Guerreiro
Intérprete: Gaiteiros de Lisboa
Versão original: Gaiteiros de Lisboa (in CD “Macaréu”, Aduf Edições, 2002; CD “A História”, Uguru, 2017)

Reciclanda

Reciclanda

O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração), realiza oficinas de música durante o ano letivo e dinamiza atividades em colónias de férias. Municípios, Escolas, Agrupamentos, Colégios, Festivais, Bibliotecas, CERCI, Centros de Formação, Misericórdias, Centros de Relação Comunitária, podem contratar serviços Reciclanda.

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António José Ferreira
962 942 759

Fez sábado quinta-feira

Fez sábado quinta-feira,
P’ra lá d’Évora três semanas,
Estive dez dias num Verão
Nas Américas Romanas.

Embarquei em dois caleiros
Na baía de Lisboa;
Arribei, fui dar a Goa,
Desembarquei em Alenquer;
Casei com sete mulheres,
Falta uma p’rá primeira;
Fui dar à Ilha Terceira,
Com três dias numa hora;
Abalei e vim-me embora,
Fez sábado quinta-feira.

Agarrei nos alforginhos,
Pus um pão em quatro enxacas,
Na gamela duas vacas
E na borracha toucinho;
Um açafate com vinho,
Trinta metros de banana;
Dei passos à americana,
Fui passar a Ayamonte;
Abalei hoje, cheguei ‘onte’
P’ra lá d’Évora três semanas.

Eu já estive em Erapouca,
Numa ocharia empregado;
Foi-se um carro carregado
Numa abóbora canoca;
Um mosquito com um boi na boca
Cem léguas em proporção;
Atirei-lhe um bofetão
Que pelo ar o fez ir;
À espera dele cair
Estive dez dias num Verão.

Fui soldado, assentei praça
No 15 de Sapadores;
Maquinista de vapores
Na carreira de Alcobaça;
Venci o Forte da Graça,
Também a Vila de Terena
E as províncias arraianas,
Venci toda a nobrezia;
Bati-me com a Turquia
Nas Américas Romanas.

Fez sábado quinta-feira,
P’ra lá d’Évora três semanas,
Estive dez dias num Verão
Nas Américas Romanas.

Letra: Popular
Música: José Manuel David
Intérprete: Gaiteiros de Lisboa
Versão original: Gaiteiros de Lisboa com Luís Espinho e João Paulo Sousa (Adiafa) (in CD “Avis Rara”, d’Eurídice/d’Orfeu Associação Cultural, 2012; CD “A História”, Uguru, 2017)

Lá no adro da igreja

[ Abaladiça ]

Lá no adro da igreja
Pára o Chico Pintaínho
Pede a Deus que bem proteja
Quem lhe der mais um copinho

Tem o filho para Lisboa
A mulher já lhe morreu
Não lhe anda a vida boa
Foi pró vinho que lhe deu

A Isaura é metediça
Com um lado reverente
Quando pode está na missa
Mas diz mal de toda a gente

Pode ser que seja fé
Ou que goste do prior
Tira bicas no café
Bem pingadas sem pudor

Vai mais uma abaladiça
Outro dedo de conversa
Esta agora pago eu
Depois tu e vice-versa
Dedilhando a campaniça
São dez cordas de saudade
À saúde dos que estamos
E de quem está na cidade

É na Tasca do João
Que a malta vai ao petisco
Há tomate, azeite e pão
E tremoço por marisco

Ninguém sai desconsolado
Por não ter o que comer
Bota abaixo um abafado
Para a gente se aquecer

Vai mais uma abaladiça…

Letra: José Fialho Gouveia
Música: Rogério Charraz
Intérprete: Rogério Charraz

Manhã na minha ruela

[ Dia de Folga ]

Intérprete: Ana Moura

Manhã na minha ruela, sol pela janela.
O Sr. jeitoso dá tréguas ao berbequim.
O galo descansa. Ri-se a criança,
Hoje não há birras, a tudo diz que sim.
O casal em guerra do segundo andar
Fez as pazes, está lá fora a namorar.

Cada dia é um bico d’obra,
Uma carga de trabalhos. Faz-nos falta renovar
Baterias. Há razões de sobra
Para celebrarmos hoje com um fado que se empolga.
É dia de folga!

Sem pressa de ar invencível, saia, saltos, rímel,
Vou descer à rua, pode o trânsito parar.
O guarda desfruta, a fiscal não multa.
Passo e o turista, faz por não atrapalhar.
Dona Laura hoje vai ler o jornal.
Na cozinha está o esposo de avental.

Cada dia é um bico d’obra
Uma carga de trabalhos. Faz-nos falta renovar
Baterias. Há razões de sobra
Para celebrarmos hoje com um fado que se empolga.
É dia de folga!

Folga de ser-se quem se é
E de fazer tudo porque tem que ser.
Folga para ao menos uma vez
A vida ser como nos apetecer.

Cada dia é um bico d’obra,
Uma carga de trabalhos. Faz-nos falta renovar
Baterias. Há razões de sobra
Para a tristeza ir de volta e o fado celebrar.

Cada dia é um bico d’obra
Uma carga de trabalhos. Faz-nos falta renovar
Baterias. Há razões de sobra
Para celebrarmos hoje com um fado que se empolga.
É dia de folga!

Este é o fado que se empolga
No dia de folga,
No dia de folga.

No Império das aves raras

[ Avejão ]

No Império das aves raras
Quem não tem penas é Rei;
Entre pêgas e araras
Os Patos-Bravos são Lei.

A terra dos Patos-Bravos
Parece mais um vespeiro:
Andam todos à bicada
Para chegar ao poleiro.

Por sobre a terra, por sobre o mar
O Grande Irmão zela por nós:
A sua sombra é protectora,
Já vem dos egrégios avós.

Na terra dos papagaios
Quem não tem poleiro é pato;
Andam todos à bicada
Só p’ra ficar no retrato.

No reino das trepadoras
O papagaio é Senhor:
Mesmo até sem saber ler
Qualquer papagaio é Doutor.

Por sobre a terra, por sobre o mar
O Grande Irmão zela por nós:
A sua sombra é protectora,
Já vem dos egrégios avós.

Voar mais alto que os outros,
Esse era o sonho do galo:
Roubar as asas ao Pégaso
E voar como um cavalo.

Mas o galo de ser galo
É ter o chão junto à barriga;
Para alcançar o poleiro
Tem que usar de muita intriga.

Por sobre a terra, por sobre o mar
O Grande Irmão zela por nós:
A sua sombra é protectora,
Já vem dos egrégios avós.

No reino dos voadores
Impera a grande anarquia,
E a barata voadora
Já tem lugar de chefia.

A passarada oprimida
Só deseja que isto mude,
Mas as aves de rapina
Cada vez têm mais saúde.

Por sobre a terra, por sobre o mar
O Grande Irmão zela por nós:
A sua sombra é protectora,
Já vem dos egrégios avós.

Letra e música: Carlos Guerreiro
Intérprete: Gaiteiros de Lisboa
Versão original: Gaiteiros de Lisboa com Sérgio Godinho & Armando Carvalhêda (in CD “Avis Rara”, d’Eurídice/d’Orfeu Associação Cultural, 2012)

As forças em parada desfilam junto à tribuna de honra que é composta por cinquenta poleiros, onde estão representadas as espécies ornitológicas democraticamente nomeadas pelo marechal Avejão. Desfilam, neste momento, o esquadrão Falcão e o esquadrão Abutre, garantes da paz, da ordem, da liberdade e da segurança. À sua passagem, o marechal Avejão perfila-se no seu poleiro e erguendo a asa direita saúda as tropas em sinal de respeito e gratidão.

Ó Ana, Vem Ver

Ó Ana, vem ver! Ó Ana, vem ver!
Há fogo no mar e os peixes a arder!
La ri lo lela! Ó Ana, vem ver!

Oh alto e oh alto, oh alto, piu piu!
Passarinho novo da mão me fugiu!
La ri lo lela, oh alto, piu piu!

Senhora Maria, senhora Maria,
O seu galo canta e o meu assobia!
La ri lo lela, senhora Maria!

Galo

Galo

Oh alto e oh alto, oh alto e oh alto!
Quanto mais acima maior é o salto!
La ri lo lela, oh alto e oh alto!

Ó Ana, vem ver! Ó Ana, vem ver!
Há fogo no mar e os peixes a arder!
La ri lo lela! Ó Ana, vem ver!

Senhora Maria, senhora Maria,
O seu galo canta e o meu assobia!
La ri lo lela, senhora Maria!

Oh alto e oh alto, oh alto, piu piu!
Passarinho novo da mão me fugiu!
La ri lo lela, oh alto, piu piu!

Eu quero, eu quero, eu quero, eu queria
Dormir uma noite contigo, Maria!
La ri lo lela, eu quero, eu queria!…

Letra e música: Tradicional (Beira Interior)
Intérprete: Real Companhia (in CD “Orgulhosamente Nós!”, Lusogram, 2000)

O Judas teve sarampo

[ Quando Judas Teve Sarampo ]

O Judas teve sarampo,
Herodes teve bexigas;
Pilatos teve sezões,
O Caifás teve lombrigas.

O Judas quando nasceu
Foi de uma velha gaiteira,
O Diabo foi parteira;
Quando Judas rescendeu
Foi padrinho um pigmeu
Para o livrar do quebranto.
A todos causou espanto
Tal era a figura horrenda,
Mas só o Diabo se lembra
E Judas teve sarampo.

O Judas teve sarampo,
Herodes teve bexigas;
Pilatos teve sezões,
O Caifás teve lombrigas.

Letra: Popular (Monte Real, Leiria, Alta Estremadura); adap. Carlos Guerreiro
Música: Carlos Guerreiro
Intérprete: Gaiteiros de Lisboa
Versão original: Gaiteiros de Lisboa (in CD “Macaréu”, Aduf Edições, 2002; CD “A História”, Uguru, 2017)

Quem quer brincar

[ Brincar aos Fados ]

Quem quer brincar a uma nova brincadeira,
Que não tem índios, nem polícias, nem ladrões
E toda a gente pode brincar à primeira,
Basta saber cantarolar duas canções.

Uma vassoura pode ser uma viola,
Uma guitarra pode ser feita em cartão:
É muito fácil… basta usar tesoura e cola
Para dar asas à tua imaginação.

Uma cortina faz de xaile improvisado
E num instante nasce um palco no quintal;
Até o gato que não quer ser chateado
É a plateia que te aplaude no final.

Então tu escolhes um CD… põe-lo baixinho
E em ‘karaoke’, em ‘playback’ ou a cantar
És a Amália, a Mariza ou a Carminho
E vais aos fados… mesmo que seja a brincar.

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Bernardo Lino Teixeira (Fado Ginguinha)
Intérprete: Camané (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)
Outra versão: Rodrigo Costa Félix

Subir, Subir

Subir, subir
lnd’ hei-de conseguir
Morder-te, ó cachopa,
Por dentro do teu vestir
Subir, subir
lnd’ hei-de conseguir
Morder-te, ó cachopa,
Por dentro do teu vestir

Mensageiros de Cupido
Eu ando deprimido
Intercedei por mim ao vosso Deus!
Estou de amores com uma catraia
Que p’ra subir a saia
Exige grandes sacrifícios meus

Subir, subir
lnd’ hei-de conseguir
Morder-te, ó cachopa,
Por dentro do teu vestir
Subir, subir
lnd’ hei-de conseguir
Morder-te, ó cachopa,
Por dentro do teu vestir

Levantei velas à barca
Mas a brisa era parca
Nem deu para agitar o meu corcel
Assim nunca mais te chego
A ter no aconchego
Tirar-te dessa ilha de papel

Subir, subir
lnd’ hei-de conseguir
Morder-te, ó cachopa,
Por dentro do teu vestir
Subir, subir
lnd’ hei-de conseguir
Morder-te, ó cachopa,
Por dentro do teu vestir

Fiz consulta a feiticeiros
E santos padroeiros
Deixei bruxeiros de cabeça à toa
Findei o consultamento
E como rendimento
Saíram-me (imaginem!) os Gaiteiros de Lisboa

Subir, subir
lnd’ hei-de conseguir
Morder-te, ó cachopa,
Por dentro do teu vestir
Subir, subir
lnd’ hei-de conseguir
Morder-te, ó cachopa,
Por dentro do teu vestir

Letra e música: Mário Alves (Vozes da Rádio)
Intérprete: Gaiteiros de Lisboa
Versão discográfica ao vivo dos Gaiteiros de Lisboa, com Vozes da Rádio (in 2CD “Dançachamas: Ao Vivo”: CD 1, Farol Música, 2000)
Versão original: Vozes da Rádio com Gaiteiros de Lisboa (in CD “Mappa do Coração”, Ariola/BMG Portugal, 1997)

Tubarão tinha dentes de tainha

[ Tamboril ]

Tubarão tinha dentes de tainha
E a tainha tinha dentes de tambor
Toca traz tempo chuva tempestade
Tubarão trincou um touro nos taleigos da vontade

Tubarão tinha o tímpano trocado
E trocado estava o tempo todo o ano
Toca traz tempo chuva tempestade
Tubarão tamborilou ‘inda a missa ia a metade

Tubarão traficou-se em tamboril
Troca-tintas com retoque teatral
Toca terça, quarta, quinta, noite e dia
Travestido no Entrudo c’uma tromba de enguia

Tamboril teve tísica ao contrário
Já tossia como tosse o tubarão
Toca terça, quarta, quinta, noite e dia
Tamboril entubarou num atalho p’rá Turquia

Tubarão tinha dentes de tainha
E a tainha tinha dentes de tambor
Toca traz tempo chuva tempestade
Tubarão trincou um touro nos taleigos da vontade

Tubarão tinha o tímpano trocado
E trocado estava o tempo todo o ano
Toca traz tempo chuva tempestade
Tubarão tamborilou ‘inda a missa ia a metade

Tubarão traficou-se em tamboril
Troca-tintas com retoque teatral
Toca terça, quarta, quinta, noite e dia
Travestido no Entrudo c’uma tromba de enguia

Tamboril teve tísica ao contrário
Já tossia como tosse o tubarão
Toca terça, quarta, quinta, noite e dia
Tamboril entubarou num atalho p’rá Turquia

Letra: Miguel Cardina
Música: Pedro Damasceno e Celso Bento
Arranjo: Diabo a Sete e Julieta Silva
Intérprete: Diabo a Sete (in CD “Figura de Gente”, Sons Vadios, 2016)

Camilo Pessanha, poeta

Canções com grandes poetas

Letras

A minha canção é verde

[ Canção Verde ]

A minha canção é verde.
Sempre de verde a cantei.
De verde cantei ao Povo
E fui de verde, de verde,
Cantar à mesa do Rei.

Tive um amor — triste sina!
Amar é perder alguém…
Desde então, ficou mais verde
Tudo em mim: a voz, o olhar…
E o meu coração também!

Deu-me a vida, além do luto,
Amor à margem da lei…
Amigos são inimigos.
— Paga-me! disseram todos.
Só eu de verde fiquei.

A minha canção é verde [bis]
— Canção à margem da lei…
A minha canção é verde,
Verde como este poema
Que por meu mal te cantei!

A minha canção é verde,
Verde, verde, verde, verde…
Mas… porque é verde?
— Não sei…

Poema: Pedro Homem de Mello (adaptado)
Música: Carlos da Maia (Fado Perseguição)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “O Riso Que me Deste”, RCA Victor, 1967; 2LP “Álbum de Recordações”: LP 1, Polydor/PolyGram, 1985; CD “Temas de Ouro da Música Portuguesa”, Polydor/PolyGram, 1992; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006; CD “Tereza Tarouca”, col. Fado Alma Lusitana III, vol. 3, Levoir / Correio da Manhã, 2014)

A noite caiu

[ Poema da Utopia ]

A noite caiu sem manchas e sem culpa.
Os homens largaram as máscaras de bons actores.
Findou o espectáculo. Tudo o mais é arrabalde.
No alto, a utópica Lua vela comigo
E sonha coalhar de branco as sombras do mundo.
Um palhaço, a seu lado, sopra no ventre dos búzios.
Noite! se o espectáculo findou
Deixa-nos também dormir.

Poema: Fernando Namora (in “Relevos”, Coimbra: Portugália, 1937; “As Frias Madrugadas”, Lisboa: Arcádia, 1959, Lisboa: Círculo de Leitores, 1997 – p. 50)
Música: Francisco Ceia
Intérprete: Francisco Ceia (in CD “Sandálias de Vento”, Francisco Ceia/Pirilampo, 2002)

Reciclanda

Reciclanda

O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. 

Contacte-nos:

António José Ferreira
962 942 759

A Voz Que Eu Tenho

A voz que eu tenho, como pensamento,
Veio de longe, devagar e triste;
Veio rasando os areais do vento
Onde a palavra amor ainda existe.

Respirou com o povo as madrugadas,
Soube do mar e foi beber o mar;
E gritou no silêncio das estradas
A solidão que eu tenho p’ra vos dar.

Cresce-me a voz nesta prisão do encanto,
Com a amizade que me faz viver;
E sem saber se me entendeis, eu canto
A presença do amor e a dor de o ter.

Poema: Vasco de Lima Couto
Música: Júlio Proença (Fado Esmeraldinha)
Intérprete: Carlos do Carmo (in LP “Carlos do Carmo”, Tecla, 1970, reed. Edisom, 1984, Movieplay, 2003, Série “Carlos do Carmo 50 Anos”, Vol. 01, Universal Music, 2013)

CANÇÃO VERDE

(Pedro Homem de Mello, in “Adeus”, Porto, 1951 p. 25-27; “Poesias Escolhidas”, col. Biblioteca de Autores Portugueses, Lisboa: IN-CM, 1983 – p. 131-132)

A minha canção é verde.
Sempre de verde a cantei.
De verde cantei ao Povo
E fui de verde vestido
Cantar à mesa do Rei.

Porque foi verde o meu canto?
Porque foi verde?
— Não sei…

Verde, verde, verde, verde,
Verde, verde, em vão, cantei!
— Lindo moço! — disse o Povo.
— Verde moço! — disse El-Rei.

Porque me chamaram verde?
Porque foi? Porquê?
— Não sei…

Tive um amor — triste sina!
Amar é perder alguém…
Desde então, ficou mais verde
Tudo em mim: a voz, o olhar,
Cada passo, cada beijo…
E o meu coração também!

Coração! Porque és tão verde?
Porque és verde assim também?

Deu-me a vida, além do luto,
Amor à margem da lei…
Amigos são inimigos.
— Paga-me! disseram todos.
Só eu de verde fiquei.

Porque fiquei eu de verde?
Porque foi isto?
— Não sei…

A minha canção é verde
— Canção à margem da lei…
Verde, ingénua, verde e moça,
Como a voz deste poema
Que por meu mal vos cantei!

A minha canção é verde,
Verde, verde, verde, verde…
Mas… porque é verde?
— Não sei…

Ai Flores do Verde Pino

(cantiga de amigo)

– Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo?
Ai Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado?
Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo?

Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi há jurado?
Ai Deus, e u é?

– Vós me preguntades polo voss’amigo?
Eu bem vos digo que é san’e vivo.
Ai Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss’amado?
Eu bem vos digo que é vivo e sano.
Ai Deus, e u é?

Eu bem vos digo que é san’e vivo
e seerá vosc’ant’o prazo saído.

Eu bem vos digo que é vivo e sano
e seerá vosc’ant’o prazo passado.
Ai Deus, e u é?

Eu bem vos digo que é san’e vivo
e seerá vosc’ant’o prazo saído.

Eu bem vos digo que é vivo e sano
e seerá vosc’ant’o prazo passado.
Ai Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde pino…

Poema: D. Dinis (ligeiramente adaptado)
Música: Helena de Alfonso e Jose Lara Gruñeiro
Arranjo: Paulo Loureiro
Intérprete: Ana Laíns (in CD “Portucalis”, Ana Laíns/Seven Muses, 2017)
Versão original: Barahúnda / voz de Helena de Alfonso (in CD “Al Sol de la Hierba”, Nufolk/GalileoMC, 2002)

D. Dinis

D. Dinis

Poema (cantiga de amigo): D. Dinis (in “cancioneiro da Biblioteca Nacional”, B 568 / “cancioneiro da Vaticana”, V 171)
Música: Frederico de Freitas
Intérprete: Segréis de Lisboa [in CD “O Alaúde na Península Ibérica (Séc. XV-XXI), Manuel Morais, 2023]

Ai flores, ai flores do verde pino

(D. Dinis, 1261-1325, in “cancioneiro da Biblioteca Nacional”, B 568; “cancioneiro da Vaticana”, V 171)

– Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo?
Ai Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado?
Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs conmigo?
Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi há jurado?
Ai Deus, e u é?

– Vós me preguntades polo voss’amigo
e eu ben vos digo que é san’e vivo.
Ai Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss’amado
e eu ben vos digo que é viv’e sano.
Ai Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é san’e vivo
e seerá vosc’ant’o prazo saído.
Ai Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é viv’e sano
e seerá vosc’ant’o prazo passado.
Ai Deus, e u é?

Glossário:

– pino: pinheiro.
– sabedes: sabeis.
– novas: notícias.
– Ai Deus, e u é?: Ai Deus, e onde está?
– do que pôs comigo: sobre aquilo que combinou comigo (o encontro sob os pinheiros).
– sano: são, saudável.
– seerá vosc’ant’o prazo saído: estará convosco antes de terminar o prazo.

Anda o Sol na minha rua

Anda o Sol na minha rua,
Cada vez até mais tarde,
A ver se pergunta à Lua
A razão por que não arde.

Tanto quer saber porquê,
Mas depois fica calado;
E nunca ninguém os vê
Andarem de braço dado.

Se me persegues de dia,
Se à noite sempre me deixas,
Não digas que é fantasia
A razão das minhas queixas.

Só andas enciumado
Quando eu não te apareço,
Mas se me tens a teu lado
Nem ciúmes te mereço!

Anda o Sol na minha rua,
Cada vez até mais tarde,
A ver se pergunta à Lua
A razão por que não arde.

Letra: David Mourão-Ferreira
Música: José Fontes Rocha
Intérprete: Joana Amendoeira (in CD “Amor Mais Perfeito: Tributo a José Fontes Rocha”, CNM, 2012)
Primeira versão (com música de José Fontes Rocha): Amália Rodrigues (in EP “Ai Chico, Chico”, Columbia/VC, 1969; LP “Anda o Sol na Minha Rua” (compilação), Valentim de Carvalho, 1977; CD “Ai Chico, Chico” (compilação), col. Caravela, EMI-VC, 1996; 2CD “O Melhor de Amália”: vol. III – “Fado da Saudade”: CD 1, EMI-VC, 2003; CD “Amália Canta David”, Edições Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)
Versão original (com música de Joaquim Campos): Mercês da Cunha Rego (in EP “Mercês da Cunha Rego (Fado dos Ninhos)”, Áquila, 1968; CD “Mercês da Cunha Rego [e] Teresa Siqueira”, col. Fados do Fado, vol. 49, Movieplay, 1998)

David Mourão-Ferreira

David Mourão-Ferreira

Antes que o Inverno chegue

[ Canto Tardio ]

Antes que o Inverno chegue
volto a ser cigarra. Canto.
Da laboriosa agonia me liberto e exalto.
Canto sem cessar o tempo
temendo e saboreando o tempo,
galo da aurora
que não tem tempo de acordar dormindo
De celeiro vazio, canto,
surdo aos lobos e aos ratos
que esgadanham o restolho.
Canto no Outono, que é oiro velho
e um rosto rugoso e macio.
Canto só porque é tarde para o canto
e a cantar adio o que tarde veio.
Cantando abro-me às formigas
e ofereço-lhes o indigesto banquete
para que a morrer cantando
me devorem vivo.

Fernando Namora

Fernando Namora

Poema: Fernando Namora (in “Marketing”, Mem Martins: Publicações Europa-América, 1969, Lisboa: Círculo de Leitores, 1997 – p. 99)
Música: Francisco Ceia
Intérprete: Francisco Ceia (in CD “Sandálias de Vento”, Francisco Ceia/Pirilampo, 2002)

Bastam-me as cinco pontas de uma estrela

[ Poema Destinado a Haver Domingo ]

Bastam-me as cinco pontas de uma estrela
E a cor de um navio em movimento.
E como ave, ficar parada a vê-la.
E como flor, qualquer odor no vento.

Basta-me a lua ter aqui deixado
Um luminoso fio de cabelo
Para levar o céu todo enrolado
Na discreta ambição do meu novelo.

Só há espigas a crescer comigo
Numa seara p’ra passear a pé
Essa distância achada p’lo trigo
Que me dá só o pão daquilo que é.

Deixem ao dia a cama num domingo
Para deitar um lírio que lhe sobre.
E a tarde cor-de-rosa num flamingo
Seja o tecto da casa que me cobre.

Baste o que o tempo traz na sua anilha
Como uma rosa traz Abril no seio.
E que o mar dê o fruto duma ilha
Onde o Amor por fim tenha recreio.

Só há espigas a crescer comigo
Numa seara p’ra passear a pé
Essa distância achada p’lo trigo
Que me dá só o pão daquilo que é.

Daquilo que é.
Daquilo que é.
Daquilo que é.

Poema: Natália Correia (ligeiramente adaptado)
Música: Aníbal Raposo
Intérprete: Musica Nostra* (in CD “Cantos da Terra”, Açor/Emiliano Toste, 2009)
Versão original: Aníbal Raposo (in CD “Maré Cheia”, MM Music, 1999)

POEMA DESTINADO A HAVER DOMINGO

(Natália Correia, in “Passaporte”, Lisboa: Edição da autora, 1958; “O Sol nas Noites e o Luar nos Dias I”, Lisboa: Projornal/Círculo de Leitores, 1993 – p. 205; “Poesia Completa”, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999 – p. 153-154)

Bastam-me as cinco pontas duma estrela
E a cor dum navio em movimento.
E como ave, ficar parada a vê-la.
E como flor, qualquer odor no vento.

Basta-me a lua ter aqui deixado
Um luminoso fio do cabelo
Para levar o céu todo enrolado
Na discreta ambição do meu novelo.

Só há espigas a crescer comigo
Numa seara para passear a pé
Esta distância achada pelo trigo
Que me dá só o pão daquilo que é.

Deixem ao dia a cama dum domingo
Para deitar um lírio que lhe sobre.
E a tarde cor-de-rosa num flamingo
Seja o tecto da casa que me cobre.

Baste o que o tempo traz na sua anilha
Como uma rosa traz Abril no seio.
E que o mar dê o fruto duma ilha
Onde o Amor por fim tenha recreio.

Bóiam leves, desatentos

[ Vestígios ]

Bóiam leves, desatentos,
Meus pensamentos de mágoa
Como, no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas.

À tona d’águas paradas,
Bóiam como folhas mortas.
São coisas pedindo nadas,
São pós que dançam nas portas
Das casas abandonadas.

Sono de ser, sem remédio,
Vestígio do que não foi,
Leve mágoa, breve tédio,
Não sei se pára, se flui;
Não sei se existe ou se dói.

Poema: Fernando Pessoa (adaptado)
Música: Joaquim Campos (Fado Tango)
Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Fado e Folclore”, RCA Victor, 1970)

Bóiam leves, desatentos

(Fernando Pessoa, 4-8-1930, “Poesias de Fernando Pessoa”, col. Obras Completas de Fernando Pessoa, Vol. I, Lisboa: Edições Ática, 1942, 15.ª edição, 1995 – p. 120-121)

Bóiam leves, desatentos,
Meus pensamentos de mágoa
Como, no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas.

Bóiam como folhas mortas
À tona de águas paradas.
São coisas vestindo nadas,
Pós remoinhando nas portas
Das casas abandonadas.

Sono de ser, sem remédio,
Vestígio do que não foi,
Leve mágoa, breve tédio,
Não sei se pára, se flui;
Não sei se existe ou se dói.

Dia Não

De paisagens mentirosas
De luar e alvoradas
De perfumes e de rosas
De vertigens disfarçadas

Que o poema se desnude
De tais roupas emprestadas
Seja seco, seja rude
Como pedras calcinadas

Que não fale em coração
Nem de coisas delicadas
Que diga não quando não
Que não finja mascaradas

De vergonha se recolha
Se as faces tiver molhadas
Para seus gritos escolha
As orelhas mais tapadas

E quando falar de mim
Em palavras amargadas
Que o poema seja assim
Portas e ruas fechadas

Ah! que saudades do sim
Nestas quadras desoladas!

Poema: José Saramago (in “Os Poemas Possíveis”, Lisboa: Portugália Editora, 1966 – p. 24-25)
Música: Luís Cília
Intérprete: Luís Cília (in LP “La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours – 1”, Moshé-Naïm, 1967; CD “La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours”, EMEN, 1996)

Versão de Manuel Freire

Poema: José Saramago (in “Os Poemas Possíveis”, Lisboa: Portugália Editora, 1966 – p. 24-25)
Música: Luís Cília
Intérprete: Manuel Freire (in LP “Devolta”, Diapasão/Lamiré, 1978)

José Saramago, escritor e poeta

José Saramago, escritor e poeta

Do cardo que carda a gente

[ Cantilena ]

Do cardo que carda a gente
nele se vê a roupa pouca
corpo tosco tosca terra
nele se escuta a voz ausente

Da água que fura a pedra
vão lamento gasto tempo
dura água que vai dentro
do mais oculto da serra

Da saliva que o mar bebe
sonho leve ondas tontas
luas ocas que nos seguem
na palidez das lucernas

Do povo que pesa os ares
asas vagas bater de asas
sono ébrio que braveja
no crepitar das miragens

Na mão que enxuga a dor
morre a ira cansa a fera
da semente que diz não
iça a torre seca a hera

Povo povo quem te chama
tem a espora no dizer
cada quimera esvaída
no deserto vai morrer

Poema: Fernando Namora (in “Nome para uma Casa”, Venda Nova – Amadora: Livraria Bertrand, 1984, Lisboa: Círculo de Leitores, 1998 – p. 165-166)
Música: Francisco Ceia
Intérprete: Francisco Ceia (in CD “Sandálias de Vento”, Francisco Ceia/Pirilampo, 2002)

Dolente

[ Música na Praia ]

Dolente
indolente
no mar indo
no mar vindo
na espuma se abrindo
espreguiçada
dolente
toada brasileira
que dorme
desperta
indo e vindo
vindo e indo
que acorda sonhando
dormindo gemendo
espreguiçada
na areia
melopeia
brasileira
voz quente
na praia ensonada
no mar bocejando
voz quente
quebrando quebrando
cansada
de ir morrendo
mas tão viva sendo
na praia extasiada

Poema: Fernando Namora (in “Nome para uma Casa”, Venda Nova – Amadora: Livraria Bertrand, 1984, Lisboa: Círculo de Leitores, 1998 – p. 154-155)
Música: Francisco Ceia
Intérprete: Francisco Ceia* (in CD “Sandálias de Vento”, Francisco Ceia/Pirilampo, 2002)

Dos meus poetas

[ Aos Meus Poetas ]

Dos meus poetas
recebo a alma
em cada palavra.

Suspenso, o vocábulo espera;
a respiração trémula
solta um ciciar inseguro
anunciando o mistério
da melodia.

Dos meus poetas
recebo a alma
em cada palavra.

Música, alimento de música
(os meus poetas)
atingem em cheio
o que de mais oculto
cegamente procuro
numa íntima busca…

Música, alimento de música
(os meus poetas)
atingem em cheio
o que de mais oculto
cegamente procuro
numa íntima busca
deliciosamente eterna…

Poema e música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé (ao vivo no Estúdio 3 da Rádio e Televisão de Portugal, Lisboa)
Versão original: Janita Salomé com Catarina Molder (in CD “Valsa dos Poetas”, Cantar ao Sol/Ponto Zurca, 2018)

Eis a que tudo deu

[ Mariana ]

Poema: Manuel Alegre
Música: João Braga
Voz: Maria Ana Bobone

Esta gente

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
Dum país liberto
Duma vida limpa
E dum tempo justo

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

Poema: Sophia de Mello Breyner Andresen (adaptado)
Música: Manuel Lima Brummon
Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Portugal Triste”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1980; CD “Tereza Tarouca”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 32, Movieplay, 1994; CD “Tereza Tarouca”, col. Fado Alma Lusitana III, vol. 3, Levoir / Correio da Manhã, 2014)

Sophia de Mello Breyner

Sophia de Mello Breyner

Esta gente

(Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Geografia”: II – “Procelária”, Lisboa: Edições Ática, 1967; “Obra Poética”, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015 – p. 508)

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
Dum país liberto
Duma vida limpa
E dum tempo justo

Homem que vês humanas desventuras

[ Soneto XIV ]

Homem que vês humanas desventuras,
Que te prendes à vida e te enamoras,
Que tudo sabes e que tudo ignoras,
Vencido herói de todas as loucuras;

Que te debruças pálido nas horas
Das tuas infinitas amarguras —
E na ambição das coisas mais impuras
És grande simplesmente quando choras;

Que prometes cumprir e que te esqueces,
Que te dás à virtude e ao pecado,
Que te exaltas e cantas e aborreces,

Arquitecto do sonho e da ilusão,
Ridículo fantoche articulado
— Eu sou teu camarada e teu irmão. [bis]

Poema: António Botto (com o primeiro verso modificado)
Música: Fernando Guerra
Arranjo e orquestração: Jorge Costa Pinto
Intérprete: Carlos do Carmo* (in LP “Carlos do Carmo”, Tecla, 1972; LP “Canoas do Tejo”, Edisom, 1984, reed. Movieplay, 1992, 1998, Universal Music, Série ’50 Anos’, 2013)

António Botto

António Botto

Horizonte

[ Estio ]

Horizonte
todo de roda
caiado de sol.
Ao meio
do cerro gretado
esguia cabeça de cobra
olha assobios de lume
sobre espigas amarelas…
(…Campaniços degredados
na vastidão das searas
sonham bilhas de água fria!…)

Poema: Manuel da Fonseca (in “Planície”, Coimbra: Novo cancioneiro, 1941; “Poemas Completos”, Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1958; “Poemas Completos”, pref. Mário Dionísio, 3.ª edição, Lisboa: Portugália Editora, 1969 – p. 97; “Poemas Completos”, pref. Mário Dionísio, 5.ª edição, Lisboa: Forja, 1975 – p. 108; “Obra Poética”, pref. Mário Dionísio, Lisboa: Editorial Caminho, 1984 – p. 113)
Música: Paulo Ribeiro
Intérprete: Fernando Pardal (in CD “O Céu Como Tecto e o Vento Como Lençóis”, de Paulo Ribeiro, Açor/Emiliano Toste, 2017)

Já Bocage não és

[ Bocage ]

Já Bocage não és, nem podes ser,
a alma do que foste é um soneto
português até no jeito de sofrer
transformando a mágoa em doce afecto.

Animaste as tertúlias lisboetas
com as rimas do ciúme mitigado
engrandecendo a fama dos poetas
à custa da tristeza do teu fado.

Sadino, alfacinha e do mundo,
poeta do assombro de uma escrita
que levou o desespero até ao fundo.

Já Bocage não és, nem podes ser,
a alma do que foste é um soneto
português até no jeito de sofrer
transformando a mágoa em doce afecto.

Sadino, alfacinha e do mundo,
poeta do assombro de uma escrita
que levou o desespero até ao fundo.

Bocage deste sonho que se agita
revelando o que tem de mais profundo
por saber que só alma é infinita.

Poema: José Jorge Letria
Música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé (ao vivo no Estúdio 3 da Rádio e Televisão de Portugal, Lisboa)
Versão original: Janita Salomé (in CD “Valsa dos Poetas”, Cantar ao Sol/Ponto Zurca, 2018)

Meu pai tinha sandálias de vento

[ Um Segredo ]

Meu pai tinha sandálias de vento
só agora o sei.
Tinha sandálias de vento
e isto nem sequer é uma maneira de dizer
andava por longe os olhos fugidos a expressão em nenhures
com as miraculosas instantaneidades que nos fazem estar em todos os sítios.

Andava por longe meu pai sonhando errando vadiando
mas toda a sua ausência era
o malogro de o ser
só agora o sei.
Andava por longe ou sentíamo-lo longe
vem dar no mesmo
e no entanto víamo-lo sempre
ali plantado de imobilidade absorta
no cepo de carvalho raiado de negro
a que o caruncho comera o miolo
como as lagartas esvaziam as maçãs
estranhamente quieto murcho resignado
no seu estranho vadiar
os olhos aguados numa tristeza que hoje me dói
como um apelo perdido uma coragem abortada.
Ausência era tão de mágoa urdida tão de fracasso tingida
ausência era
altiva e desolada altiva e triste sobretudo triste
tristeza sim tristeza solene e irremediada
só agora o sei.

Às vezes parecia-me uma águia que atravessa os ares
sulco azul
que nada distingue do azul onde foi sulcado
e por isso nem é águia nem ao menos
o que do seu voo resta para que
o sonho se faça real.
Meu pai era um homem com as nostalgias
do que nunca acontecera e isso minava-o víscera a víscera
como as tais lagartas esfarelam as maçãs
e então sei-o agora calçava as ágeis sandálias
miraculosamente leves soltas imaginosas
indo de acaso em acaso de astro em astro
eram de vento as suas sandálias fabulosas
levando-o aonde mais ninguém poderia chegar.

Os outros não o sabiam nem eu o sabia
só o víamos sentado no cepo velho
raiado de negro como uma estrela fossilizada
por isso tudo era para ele mais irremediável e triste
sei-o agora tarde de mais
tarde de mais é uma dor de remorso
que me consome víscera a víscera
como as tais lagartas esfarelam as maçãs.
Mas de qualquer maneira existe um segredo
de que ambos partilhamos
ciosamente avaramente indecifradamente
como os astutos conspiradores
que fazem do seu segredo
um mágico tesouro inviolado.

Um segredo simples:
o que sentiste pai
sinto-o eu agora por ambos
sinto-o por ti
sinto-o por mim.

Ainda que por ele devorados.

Poema: Fernando Namora (in “Nome para uma Casa”, Venda Nova – Amadora: Livraria Bertrand, 1984, Lisboa: Círculo de Leitores, 1998 – p. 16-18)
Música: Francisco Ceia
Intérprete: Francisco Ceia (in CD “Sandálias de Vento”, Francisco Ceia/Pirilampo, 2002)

Não Sei Quantas Almas Tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser
O que segue prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.

Poema: Fernando Pessoa (ligeiramente adaptado)
Música e arranjo: Paulo Loureiro
Intérprete: Ana Laíns (in CD “Fernando Pessoa: O Fado e a Alma Portuguesa”, Seven Muses/Warner Music, 2013; CD “Portucalis”, Ana Laíns/Seven Muses, 2017)
Versão original: Ana Laíns (in Livro/CD “Os Mensageiros: Antologia de Fernando Pessoa”, Seven Muses, 2012)

Os Mensageiros, Antologia de Fernando Pessoa

Os Mensageiros, Antologia de Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho

Fernando Pessoa, in “Novas Poesias Inéditas de Fernando Pessoa”, direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno, col. Obras Completas de Fernando Pessoa, Vol. X, Lisboa: Edições Ática, 1973, 4.ª edição, Lisboa: Edições Ática, 1993 – p. 48

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.

24-8-1930

No amor também as palavras

[ Também as Palavras ]

No amor também as palavras
são necessárias. Os gestos talvez não bastem.
Nem a chuva lá fora enquanto o amor se inflama.
Nem o sussurro nas árvores quando os corpos serenam.
Nem a melopeia das águas quando as bocas se esmagam.
Nem o fulgor dos olhos quando a paixão se amotina.

Penso no amor e logo invento palavras
e logo as palavras se põem ébrias.
Penso no amor e logo as palavras
se soltam como fogosas aves
a que não pergunto o rumo.

Penso no amor e logo preciso
que as palavras digam
que amor é este em que penso e em que grito.

Poema: Fernando Namora (in “Nome para uma Casa”, Venda Nova – Amadora: Livraria Bertrand, 1984, Lisboa: Círculo de Leitores, 1998 – p. 79)
Música: Francisco Ceia
Intérprete: Francisco Ceia* (in CD “Sandálias de Vento”, Francisco Ceia/Pirilampo, 2002)

O coração de poeta

[ Canção de Embalo para as Virgens dos Portos ]

O coração de poeta é oiro estilhaçado
que vai semeando no seu caminho.
Oiro caído é oiro perdido
que o poeta não volta para o regar.
Vão acenar-lhe da largada
como se ele partisse para o cabo do mundo,
que o horizonte é largo e o mar é fundo
e ele não tornará.
Ondas vencidas são ondas perdidas
que o poeta só tem saudades do que virá.

Em cada praia chegada
há luzes festivas na areia:
a voz de mel do poeta triste
é canto feiticeiro de sereia.
Canta, canta, que a tua voz magoada
tenha a tristeza do bem perdido
dos sonhos azuis que o embalaram.
Ai! que dos olhos da barca
se vêem estrelas a brilhar.
Canta, canta, para o tesoiro perdido
que a esperança lá irá naufragar.

Nem a noite nem o dia o trarão consigo:
o horizonte é largo e o mar é fundo,
há outras paragens, no cabo do mundo,
para ele descobrir e enfeitiçar.

Poema: Fernando Namora (in “Mar de Sargaços, Coimbra: Atlântida, 1939; “As Frias Madrugadas”, Lisboa: Arcádia, 1959, Lisboa: Círculo de Leitores, 1997 – p. 132-133)
Música: Francisco Ceia
Intérprete: Francisco Ceia (in CD “Sandálias de Vento”, Francisco Ceia/Pirilampo, 2002)

Pescador da barca bela

[ Barca Bela ]

Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela,
Que é tão bela,
Oh pescador?!

Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela,
Que é tão bela,
Oh pescador?!

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!

Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela…
Mas cautela,
Oh pescador!

Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela…
Mas cautela,
Oh pescador!

Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Oh pescador.

Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela
Oh pescador!

Poema: Almeida Garrett (ligeiramente adaptado) [texto original >> abaixo]
Música: Teresa Silva Carvalho
Arranjo: Thilo Krasmann
Intérprete: Teresa Silva Carvalho* (in EP “Adágio”, Movieplay, 1971; CD “Teresa Silva Carvalho”, Col. O Melhor dos Melhores, vol. 35, Movieplay, 1994; CD “Teresa Silva Carvalho”, Col. Clássicos da Renascença, vol. 63, Movieplay, 2000; CD “Poesia Encantada”, vol. 1, EMI-VC, 2002)

Quando chegaste enfim

[ Tarde Demais ]

Poema: Florbela Espanca
Música: Loic da Silva
Intérprete: Sandra Correia

Quem cantará

[ Regresso ]

Quem cantará vosso regresso morto?
Que lágrimas, que grito hão-de dizer
A desilusão e o peso em vosso corpo?

Portugal tão cansado de morrer
Ininterruptamente e devagar
Enquanto o vento vivo vem do mar.

Quem são os vencedores desta agonia?
Quem os senhores sombrios desta noite
Onde se perde, morre e se desvia
A antiga linha clara e criadora
Do nosso rosto voltado para o dia?

Quem cantará vosso regresso morto?
Que lágrimas, que grito hão-de dizer
A desilusão e o peso em vosso corpo?

Portugal tão cansado de morrer
Ininterruptamente e devagar
Enquanto o vento vivo vem do mar.

Poema: Sophia de Mello Breyner Andresen (adaptado)
Música: Manuel Lima Brummon
Intérprete: Tereza Tarouca* (in LP “Portugal Triste”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1980; CD “Tereza Tarouca”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 32, Movieplay, 1994; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006)

Tereza Tarouca, Álbum de Recordações

Tereza Tarouca, Álbum de Recordações

Regresso

Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Mar Novo”, Lisboa: Guimarães Editores, 1958; “Obra Poética”, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015 – p. 394-395

Quem cantará vosso regresso morto
Que lágrimas, que grito hão-de dizer
A desilusão e o peso em vosso corpo?

Portugal tão cansado de morrer
Ininterruptamente e devagar
Enquanto o vento vivo vem do mar

Quem são os vencedores desta agonia?
Quem os senhores sombrios desta noite
Onde se perde morre e se desvia
A antiga linha clara e criadora
Do nosso rosto voltado para o dia?

Resina

[ Líricas ]

Resina
urze
vento:
a infância.
Nas narinas
o suor
dos gados
no tapete
de estrume
das quelhas:
a distância.
Nuvem inconstante
dependurada
do lamento
dos sinos:
a ausência.
Casco e pedras
na marcha
ensonada
dos bois longínquos
colinas brandas
na pura luz
saturada
de moitas
diluvianas
inconstante nuvem
no abandono
de um momento:
oh paisagem
dentro dos olhos
vagabundos
oh paisagem esbatida
na sépia
dos retratos
de antigamente.

Poema: Fernando Namora (in “Nome para uma Casa”, Venda Nova – Amadora: Livraria Bertrand, 1984 – p. 13-14, Lisboa: Círculo de Leitores, 1998 – p. 11-12)
Música: Francisco Ceia
Intérprete: Francisco Ceia (in CD “Sandálias de Vento”, Francisco Ceia/Pirilampo, 2002)

Fernando Namora

Fernando Namora

Se me Levam Águas

MOTE ALHEIO

Se me levam águas,
nos olhos as levo.

VOLTAS

Se de saudade
morrerei ou não,
meus olhos dirão
de mim a verdade.
Por eles me atrevo
a lançar as águas
que mostrem as mágoas
que nesta alma levo.

As águas que em vão
me fazem chorar,
se elas são do mar
estas de amor são.
Por elas relevo
todas minhas mágoas;
que, se força de águas
me leva, eu as levo.

Todas me entristecem,
todas são salgadas;
porém as choradas
doces me parecem.
Correi, doces águas,
que, se em vós me enlevo,
não doem as mágoas
que no peito levo.

Poema (vilancete em redondilha menor): Luís de Camões (in “Rimas”, org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; “Obras de Luís de Camões”, Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 772-773)
Música: Luís Cília
Intérprete: Luís Cília (in LP “La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours – 1”, Moshé-Naïm, 1967; CD “La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours”, EMEN, 1996)

CANÇÃO X

Poema de Luís de Camões (in “Rimas”, org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; “Rimas”, texto estabelecido e prefaciado por Álvaro Júlio da Costa Pimpão, Coimbra: Universidade de Coimbra, 1953, Coimbra: Livraria Almedina, 2005)
Dito por Luís Miguel Cintra* (in CD “Luís de Camões: 10 Canções ditas por Luís Miguel Cintra”, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1995, reed. Livro/CD, Presente, 2011)

Vinde cá, meu tão certo secretário
dos queixumes que sempre ando fazendo,
papel, com que a pena desafogo!
As sem-razões digamos que, vivendo,
me faz o inexorável e contrário
Destino, surdo a lágrimas e a rogo.
Deitemos água pouca em muito fogo;
acenda-se com gritos um tormento
que a todas as memórias seja estranho.
Digamos mal tamanho
a Deus, ao mundo, à gente e, enfim, ao vento,
a quem já muitas vezes o contei,
tanto debalde como o conto agora;
mas, já que para errores fui nacido,
vir este a ser um deles não duvido.
Que, pois já de acertar estou tão fora,
não me culpem também, se nisto errei.
Sequer este refúgio só terei:
falar e errar sem culpa, livremente.
Triste quem de tão pouco está contente!

Já me desenganei que de queixar-me
não se alcança remédio; mas quem pena,
forçado lhe é gritar se a dor é grande.
Gritarei; mas é débil e pequena
a voz para poder desabafar-me,
porque nem com gritar a dor se abrande.
Quem me dará sequer que fora mande
lágrimas e suspiros infinitos
iguais ao mal que dentro n’alma mora?
Mas quem pode algũa hora
medir o mal com lágrimas ou gritos?
Enfim, direi aquilo que me ensinam
a ira, a mágoa, e delas a lembrança,
que é outra dor por si, mais dura e firme.
Chegai, desesperados, para ouvir-me,
e fujam os que vivem de esperança
ou aqueles que nela se imaginam,
porque Amor e Fortuna determinam
de lhe darem poder para entenderem,
à medida dos males que tiverem.

Quando vim da materna sepultura
de novo ao mundo, logo me fizeram
Estrelas infelices obrigado;
com ter livre alvedrio, mo não deram,
que eu conheci mil vezes na ventura
o melhor, e o pior segui, forçado.
E, para que o tormento conformado
me dessem com a idade, quando abrisse
inda menino, os olhos, brandamente,
mandam que, diligente,
um Menino sem olhos me ferisse.
As lágrimas da infância já manavam
com ũa saudade namorada:
o som dos gritos, que no berço dava,
já como de suspiros me soava.
Co a idade e Fado estava concertado;
porque quando, por caso, me embalavam,
se versos de Amor tristes me cantavam,
logo me adormecia a natureza,
que tão conforme estava co a tristeza.

Foi minha ama ũa fera, que o destino
não quis que mulher fosse a que tivesse
tal nome para mim; nem a haveria.
Assi criado fui, porque bebesse
o veneno amoroso, de menino,
que na maior idade beberia,
e, por costume, não me mataria.
Logo então vi a imagem e semelhança
daquela humana fera tão fermosa,
suave e venenosa,
que me criou aos peitos da esperança;
de que eu vi despois o original,
que de todos os grandes desatinos
faz a culpa soberba e soberana.
Parece-me que tinha forma humana,
mas cintilava espíritos divinos.
Um meneio e presença tinha tal
que se vangloriava todo o mal
na vista dela; a sombra, co a viveza,
excedia o poder da Natureza.

Não sei como sabia estar roubando
cos raios das entranhas, que fugiam
por ela, pelos olhos sutilmente!
Pouco a pouco invencíveis me saíam,
bem como do véu húmido exalando
está o sutil humor o Sol ardente.
Enfim, o gesto puro e transparente,
para quem fica baixo e sem valia
deste nome de belo e de fermoso;
o doce e piadoso
mover de olhos, que as almas suspendia
foram as ervas mágicas, que o Céu
me fez beber; as quais, por longos anos,
noutro ser me tiveram transformado,
e tão contente de me ver trocado
que as mágoas enganava cos enganos;
e diante dos olhos punha o véu
que me encobrisse o mal, que assi creceu,
como quem com afagos se criava
daquele para quem crecido estava.

Que género tão novo de tormento
teve Amor, que não fosse, não somente
provado em mim, mas todo executado?
Implacáveis durezas, que o fervente
desejo, que dá força ao pensamento,
tinham de seu propósito abalado,
e de se ver, corrido e injuriado;
aqui, sombras fantásticas, trazidas
de algũas temerárias esperanças;
as bem-aventuranças
nelas também pintadas e fingidas;
mas a dor do desprezo recebido,
que a fantasia me desatinava,
estes enganos punha em desconcerto;
aqui, o adevinhar e o ter por certo
que era verdade quanto adevinhava,
e logo o desdizer-se, de corrido;
dar às cousas que via outro sentido,
e para tudo, enfim, buscar razões;
mas eram muitas mais as sem-razões.

Pois quem pode pintar a vida ausente,
com um descontentar-me quanto via,
e aquele estar tão longe donde estava;
o falar, sem saber o que dezia;
andar, sem ver por onde, e juntamente
suspirar sem saber que suspirava?
Pois quando aquele mal me atormentava
e aquela dor que das Tartáreas águas
saiu ao mundo, e mais que todas dói,
que tantas vezes soe
duras iras tornar em brandas mágoas;
agora, co furor da mágoa irado,
querer e não querer deixar de amar,
e mudar noutra parte por vingança
o desejo privado de esperança,
que tão mal se podia já mudar;
agora, a saudade do passado
tormento, puro, doce e magoado,
fazia converter estes furores
em magoadas lágrimas de amores.

Que desculpas comigo que buscava
quando o suave Amor me não sofria
culpa na cousa amada, e tão amada!
Enfim, eram remédios que fingia
o medo do tormento que ensinava
a vida a sustentar-se, de enganada.
Nisto ũa parte dela foi passada,
na qual se tive algum contentamento
breve, imperfeito, tímido, indecente,
não foi senão semente
de longo e amaríssimo tormento.
Este curso contino de tristeza,
estes passos tão vãmente espalhados,
me foram apagando o ardente gosto
que tão de siso n’alma tinha posto,
daqueles pensamentos namorados
em que eu criei a tenra natureza,
que do longo costume da aspereza,
contra quem força humana não resiste,
se converteu no gosto de ser triste.

Dest’arte a vida noutra fui trocando;
eu não, mas o destino fero, irado,
que eu ainda assi por outra não trocara.
Fez-me deixar o pátrio ninho amado,
passando o longo mar, que ameaçando
tantas vezes me esteve a vida cara.
Agora, exprimentando a fúria rara
de Marte, que cos olhos quis que logo
visse e tocasse o acerbo fruto seu
(e neste escudo meu
a pintura verão do infesto fogo);
agora, peregrino vago e errante,
vendo nações, linguagens e costumes,
Céus vários, qualidades diferentes,
só por seguir com passos diligentes
a ti, Fortuna injusta, que consumes
as idades, levando-lhe diante
ũa esperança em vista de diamante,
mas quando das mãos cai se conhece
que é frágil vidro aquilo que aparece.

A piadade humana me faltava,
a gente amiga já contrária via,
no primeiro perigo; e, no segundo,
terra em que pôr os pés me falecia,
ar para respirar se me negava,
e faltavam-me, enfim, o tempo e o mundo.
Que segredo tão árduo e tão profundo:
nacer para viver, e para a vida
faltar-me quanto o mundo tem para ela!
E não poder perdê-la,
estando tantas vezes já perdida!
Enfim, não houve transe de fortuna,
nem perigos, nem casos duvidosos,
injustiças daqueles, que o confuso
regimento do mundo, antigo abuso,
faz sobre os outros homens poderosos,
que eu não passasse, atado à grã coluna
do sofrimento meu, que a importuna
perseguição de males em pedaços
mil vezes fez, à força de seus braços.

Não conto tanto males como aquele
que, despois da tormenta procelosa,
os casos dela conta em porto ledo;
que inda agora a Fortuna flutuosa
a tamanhas misérias me compele,
que de dar um só passo tenho medo.
Já de mal que me venha não me arredo,
nem bem que me faleça já pretendo,
que para mim não vale astúcia humana;
de força soberana,
da Providência, enfim, divina, pendo.
Isto que cuido e vejo, às vezes tomo
para consolação de tantos danos.
Mas a fraqueza humana, quando lança
os olhos no que corre, e não alcança
senão memória dos passados anos,
as águas que então bebo, e o pão que como,
lágrimas tristes são, que eu nunca domo
senão com fabricar na fantasia
fantásticas pinturas de alegria.

Que se possível fosse, que tornasse
o tempo para trás, como a memória,
pelos vestígios da primeira idade,
e de novo tecendo a antiga história
de meus doces errores, me levasse
pelas flores que vi da mocidade;
e a lembrança da longa saudade
então fosse maior contentamento,
vendo a conversação leda e suave,
onde ũa e outra chave
esteve de meu novo pensamento,
os campos, as passadas, os sinais,
a fermosura, os olhos, a brandura,
a graça, a mansidão, a cortesia,
a sincera amizade, que desvia
toda a baixa tenção, terrena, impura,
como a qual outra algũa não vi mais…
Ah! vãs memórias, onde me levais
o fraco coração, que ainda não posso
domar este tão vão desejo vosso?

Nõ mais, Canção, nõ mais; que irei falando,
sem o sentir, mil anos. E se acaso
te culparem de larga e de pesada,
não pode ser (lhe dize) limitada
a água do mar em tão pequeno vaso.
Nem eu delicadezas vou cantando
co gosto do louvor, mas explicando
puras verdades já por mim passadas.
Oxalá foram fábulas sonhadas!

Gravado no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, Lisboa, por Vasco Pimentel, em 1995
Pós-produzido no Estúdio Grande Som, Lisboa

Se olhas a distância

[ Se o Coração Não Cansa ]

Se olhas a distância
talvez julgues que é tarde
e que a rosa se deixou abrir
até ser calafrio
e que tudo é o vazio
sem números nas portas
onde pernoitar de tanta viagem.

Olharás a neve que apagou
as horas e os passos
e a palidez dos espelhos
devorando o silêncio
e o crescer da relva na memória
dos longes coados.
A sombra da cinza
é orvalho
e nele os remos não avançam
no vento fatigado.
Resignado te olhas
fundindo os portos e as lendas
onde a infância gela
na remota espera
de ser desatino.
Mas não
de todas as vezes diz não
para que o tempo se desprenda
nas velas magras.

Se o coração não cansa
nada é tarde
nada.

Poema: Fernando Namora (in “Nome para uma Casa”, Venda Nova – Amadora: Livraria Bertrand, 1984, Lisboa: Círculo de Leitores, 1998 – p. 106-107)
Música: Francisco Ceia
Intérprete: Francisco Ceia (in CD “Sandálias de Vento”, Francisco Ceia/Pirilampo, 2002)

Sentada no chão quente

[ Casa de Cacela ]

Sentada no chão quente
Pus um colar de cheiros ao pescoço
Melão maduro
Uva a fermentar
Entranhada nas tábuas dos caixotes
Figos a cair maduros das figueiras
Revendo docemente
Leite das folhas arrancadas
Pôr no dedo uma argola
De sol mágico regresso
Mas não a essa infância
De que fugi correndo
Escondendo a cara com o braço
Figos a cair maduros das figueiras
O galo da avó
Atirava-se aos olhos dos passantes
De quê de quem de quê de quem
De quê me sinto regressar?

Sentada no chão quente
Pus um colar de cheiros ao pescoço
Melão maduro
Uva a fermentar
Entranhada nas tábuas dos caixotes
Figos a cair maduros das figueiras
Revendo docemente
Leite das folhas arrancadas

De quê de quem de quê de quem
De quem me sinto regressar?
A esta terra sim
Decerto mas foi antes
Das casas e das pessoas
Que ela me deu de mamar
Figos a cair maduros das figueiras
O galo da avó
Atirava-se aos olhos dos passantes

Seus sovacos
Seu púbis
Rescendem a uvas pretas
Seus sucos
Leite branco de figos lampos
Na cesta de cana
Sento-me nos ladrilhos frescos do chão
Respiro o fresco da cal
Abro a porta:
Cai-me nos braços o bafo de um Verão
violento
Empurro-o para fora
Fecho a porta
Saboreio
Sorrindo na sombra
A sua ausência

De quê de quem de quê de quem
De quê me sinto regressar?
De quê de quem de quê de quem
De quem me sinto regressar?
De quê de quem de quê de quem
De quê de quem me sinto regressar?
De quê de quem de quê de quem
De quê de quem me sinto regressar?

Poema: Teresa Rita Lopes
Música: Rui Moura
Intérpretes: Rui Moura & Teresa Rita Lopes (in CD “E a Fala se Fez Canto”, IELT – Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, 2005)

Sorrindo interiormente

[ Porque o Melhor ]

Sorrindo interiormente,
co’as pálpebras cerradas,
às águas da torrente
já tão longe passadas.

Rixas, tumultos, lutas,
não me fazerem dano…
alheio às vãs labutas,
às estações do ano.

Passar o estio, o outono,
a poda, a cava e a redra,
e eu dormindo um sono
debaixo duma pedra.

Porque o melhor, enfim,
é não ouvir.
Porque o melhor
é não ouvir nem ver,
passarem sobre mim
e nada me doer.

Melhor até se o acaso
o leito me reserva
no prado extenso e raso
apenas sob a erva.

Ou no serrano mato,
a brigas tão propício,
onde o viver ingrato
dispõe ao sacrifício.

Porque o melhor, enfim,
é não ouvir.
Porque o melhor
é não ouvir nem ver,
passarem sobre mim
e nada me doer.

Roubos, assassinatos!
horas jamais tranquilas,
em brutos pugilatos
fracturam-se as maxilas…

E eu sob a terra firme,
compacta, recalcada,
muito quietinho, a rir-me
de não me doer nada.

Porque o melhor, enfim,
é não ouvir.
Porque o melhor
é não ouvir nem ver,
passarem sobre mim
e nada me doer.

Porque o melhor, enfim,
é não ouvir.
Porque o melhor
é não ouvir nem ver,
passarem sobre mim
e nada me doer.

Poema: Camilo Pessanha (excerto adaptado)
Música: José Barros
Arranjo: José Barros e Miguel Tapadas
Intérprete: José Barros e Navegante
Versão original: José Barros e Navegante (in CD “À’Baladiça”, Tradisom, 2018)

Tinhas a serena grandeza desse mar

[ Sophia ]

Tinhas a serena grandeza desse mar
que em verso se tornava sinfonia,
rumor de búzio e brancura de coral
celebrando cada instante de alegria.

Tinhas da palavra a medida sempre exacta,
a mais certa, a mais justa, a mais perfeita
e eram de oiro e âmbar e de prata
os versos que nasciam dessa colheita.

Tinhas a serena grandeza desse mar
que em verso se tornava sinfonia,
rumor de búzio e brancura de coral
celebrando cada instante de alegria.

Tinhas da palavra a medida sempre exacta,
a mais certa, a mais justa, a mais perfeita
e eram de oiro e âmbar e de prata
os versos que nasciam dessa colheita.

Tinhas a leveza da onda e da ave
e a claridade matinal que anuncia
em cada verso o timbre e a chave
desse mistério chamado poesia.

Tinhas a altiva grandeza do que fica
na memória do que somos e valemos
e a ciência que do verbo faz a casa
da beleza a que todos nos rendemos.

Tinhas a leveza da onda e da ave
e a claridade matinal que anuncia
em cada verso o timbre e a chave
desse mistério chamado poesia.

Tinhas a altiva grandeza do que fica
na memória do que somos e valemos
e a ciência que do verbo faz a casa
da beleza a que todos nos rendemos.

Tinhas a leveza da onda e da ave
e a claridade matinal…

Poema: José Jorge Letria
Música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé (ao vivo no Estúdio 3 da Rádio e Televisão de Portugal, Lisboa)
Versão original: Janita Salomé (in CD “Valsa dos Poetas”, Cantar ao Sol/Ponto Zurca, 2018)

Todo o amor que nos prendera

[ Primavera ]

Todo o amor que nos prendera,
como se fora de cera,
se quebrava e desfazia.
Ai funesta Primavera,
quem me dera, quem nos dera
ter morrido nesse dia!

E condenaram-me a tanto:
viver comigo o meu pranto,
viver, viver… e sem ti!
Vivendo sem, no entanto,
eu me esquecer desse encanto
que nesse dia perdi…

Pão duro da solidão
é somente o que nos dão,
o que nos dão a comer…
Que importa que o coração
diga que sim ou que não,
se continua a viver?

Todo o amor que nos prendera
se quebrara e desfizera,
em pavor se convertia.
Ninguém fale em Primavera!
Quem me dera, quem nos dera
ter morrido nesse dia!

Poema: David Mourão-Ferreira
Música: Pedro Rodrigues
Intérprete: Amália Rodrigues (1965, in CD “Segredo”, EMI-VC, 1997; CD “Amália canta David”, Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)

David Mourão-Ferreira

David Mourão-Ferreira

Um dia quebrarei todas as pontes

[ As Fontes ]

Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal,
E calma subirei até às fontes.

Irei até às fontes onde mora
A plenitude e o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor.

Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz, a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser.

Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal,
E calma subirei até às fontes.

Irei até às fontes onde mora
A plenitude e o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor.

Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz, a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser.

Irei beber a luz e o amanhecer…
Um voo me atravessa,
E nela cumprirei…
E nela cumprirei…
E nela cumprirei todo o meu ser.

Poema: Sophia de Mello Breyner Andresen (adaptado)
Música e arranjo: Filipe Raposo
Intérprete: Ana Laíns com Filipe Raposo (in CD “Portucalis”, Ana Laíns/Seven Muses, 2017)

As fontes

Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Poesia”, Coimbra: Edição da autora, 1944; “Obra Poética I”, Lisboa: Editorial Caminho, 1990 – p. 60

Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal,
E calma subirei até às fontes.

Irei até às fontes onde mora
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor.

Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser.

Vens como uma aparição

[ Aparição ]

Vens como uma aparição
apenas vestida com a tua beleza
dos teus gestos tombam as pétalas
que acabaram de abrir
e em mim escorrem como orvalho
que o morno hálito fundiu

vens e entras em mim com a subtileza da nuvem que abraçou o sol
e o bebe inteiro para o ter só seu
ou como lança ardente
que rasga de lava a paisagem amortecida

vens e ficas e incorporas-te
até não haver mais do que uma súplica
nem mais do que um fogo
nem mais do que uns braços
nem mais do que uma boca
nem mais do que um olhar de pálpebras cerradas
todo recolhido no que nele é júbilo e dor
dor de ser breve sabendo-se embora infindável
a vertigem transporta-nos como no poema da Ada Negri
e deixa-nos num lugar que nem é presença
nem ausência
apenas o exacto lugar
onde apenas cabe um corpo que instantes antes eram dois.

Uma folha tomba do plátano diz a Ada.
És tu és tu que me levas pelos ares.

Poema: Fernando Namora (in “Nome para uma Casa”, Venda Nova – Amadora: Livraria Bertrand, 1984, Lisboa: Círculo de Leitores, 1998 – p. 104-105)
Música: Francisco Ceia
Intérprete: Francisco Ceia (in CD “Sandálias de Vento”, Francisco Ceia/Pirilampo, 2002)

Camilo Pessanha, poeta

Camilo Pessanha, poeta, na canção portuguesa

Porque o melhor, enfim

(Camilo Pessanha, in “Clepsydra”, Lisboa: Edições Lusitania, 1920; “Clepsidra e Outros Poemas”, Org. João de Castro Osório, 9.ª edição, Lisboa: Editorial Nova Ática, 2003 – p. 76-78)

Porque o melhor, enfim,
É não ouvir nem ver…
Passarem sobre mim
E nada me doer!

— Sorrindo interiormente,
Co’as pálpebras cerradas,
Às águas da torrente
Já tão longe passadas. —

Rixas, tumultos, lutas,
Não me fazem dano…
Alheio às vãs labutas,
Às estações do ano.

Passar o estio, o outono,
A poda, a cava e a redra,
E eu dormindo um sono
Debaixo duma pedra.

Melhor até se o acaso
O leito me reserva
No prado extenso e raso
Apenas sob a erva

Que Abril copioso ensope…
E, esvelto, a intervalos
Fustigue-me o galope
De bandos de cavalos.

Ou no serrano mato,
A brigas tão propício,
Onde o viver ingrato
Dispõe ao sacrifício

Das vidas, mortes duras
Ruam pelas quebradas,
Com choques de armaduras
E tinidos de espadas…

Ou sob o piso, até,
Infame e vil da rua,
Onde a torva ralé
Irrompe, tumultua.

Se estorce, vocifera,
Selvagem nos conflitos,
Com ímpetos de fera
Nos olhos, saltos, gritos…

Roubos, assassinatos!
Horas jamais tranquilas,
Em brutos pugilatos
Fracturam-se as maxilas…

E eu sob a terra firme,
Compacta, recalcada,
Muito quietinho. A rir-me
De não me doer nada.

Part(Ida)

Vou
para um outro mundo
que não tenha fim
ou uma barca a mais

Vou para um outro dia
que não tenha sombra
sou sabor a sol

Vou para um outro sonho
que não tenha aves
ou palmas de mãos

(PART)IDA – Lectio X [satb (ssaatb)]
Música: Alfredo Teixeira
Poema: Daniel Faria*
Intérprete:
Coro Ricercare
Dir. Pedro Teixeira
Solistas: Raquel Pedra, Ana Baptista

Festival Antena 2, 15 -02-2020, no Salão Nobre do Teatro Nacional de São Carlos

*Daniel Faria, Das madrugadas, in Poesia, Vila Nova de Famalicão: Quasi, 2009.

Daniel Faria, poeta
Daniel Faria, poeta
Alentejo na Primavera

A flor da branca amora

[ Marcela, Marcelinha ]

A flor da branca amora
Cai na água, faz-se em espuma;
Aqui está quem te namora
Sem falsidade nenhuma.

Lá nos campos, verdes campos,
Eu fui apanhar marcela,
Daquela mais miudinha,
Daquela mais amarela.

Daquela mais amarela,
Daquela mais miudinha,
Lá nos campos, verdes campos,
A marcela, marcelinha.

Fui beber à clara fonte,
Por baixo da flor da murta;
Fui mais por ver os teus olhos,
Que a sede não era muita.

Lá nos campos, verdes campos,
Eu fui apanhar marcela,
Daquela mais miudinha,
Daquela mais amarela.

Daquela mais amarela,
Daquela mais miudinha,
Lá nos campos, verdes campos,
A marcela, marcelinha.

Letra e música: Tradicional (Baixo Alentejo)
Intérprete: Afonso Dias
Primeira versão de Afonso Dias, com Teresa Silva (in CD “Andanças & Cantorias”, Bons Ofícios – Associação Cultural, 2016)

A flor da branca amora

[ Marcela, Marcelinha ]

A flor da branca amora
Cai na água, faz-se em espuma;
Aqui está quem te namora
Sem falsidade nenhuma.

Lá nos campos, verdes campos,
Eu fui apanhar marcela,
Daquela mais miudinha,
Daquela mais amarela.

Daquela mais amarela,
Daquela mais miudinha,
Lá nos campos, verdes campos,
A marcela, marcelinha.

Fui beber à clara fonte,
Por baixo da flor da murta;
Fui mais por ver os teus olhos,
Que a sede não era muita.

Lá nos campos, verdes campos,
Eu fui apanhar marcela,
Daquela mais miudinha,
Daquela mais amarela.

Daquela mais amarela,
Daquela mais miudinha,
Lá nos campos, verdes campos,
A marcela, marcelinha.

Letra e música: Tradicional (Baixo Alentejo)
Intérprete: Afonso Dias
Primeira versão de Afonso Dias, com Teresa Silva (in CD “Andanças & Cantorias”, Bons Ofícios – Associação Cultural, 2016)

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A luta é de quem trabalha

[ Ceifeira ]

A neve já está bem perto

[ O Padrinho ]

A neve já está bem perto
Daquela grande montanha
Virgem Maria é a mãe
E São José a acompanha

São José a acompanha
E acompanha o Deus Menino
Virgem Maria é a mãe
E São José é o padrinho

Diabo a Sete

Letra e música: Tradicional (Elvas, Alto Alentejo)
Intérprete: Diabo a Sete (in CD “Parainfernália”, Açor/Emiliano Toste, 2007)

Adeus, malvas

[ O Triste ]

Adeus, malvas…
Adeus, malvas…
Adeus, malvas do Rossio!
Tarde ou nun…
Tarde ou nunca as pisarei.

Adeus, moças…
Adeus, moças…
Adeus, moças do meu tempo!
Tarde ou nun…
Tarde ou nunca voltarei.

Ó Triste, ó Triste,
Ó Triste, três vezes triste!
Ó Triste, ó Triste,
P’ra onde irá?

O rico…
O rico…
O rico se compadeça
Da desgra…
Da desgraça do Zé Brás.

A desgraça…
A desgraça…
A desgraça do Zé Brás
Foi a mor…
Foi a morte do Paneiro.

Com um lenço…
Com um lenço…
Com um lenço se enforcou
Às grades…
Às grades do Limoeiro.

Algum dia eu era

[ Erva-Cidreira ]

Algum dia eu era,
E agora já não,
Da tua roseira
O melhor botão.

Ó erva-cidreira
Que estás no alpendre,
Quanto mais se rega
Mais a folha pende.

Mais a folha pende,
Mais a rosa cheira;
Que ‘tás no alpendre,
Ó erva-cidreira.

Os olhos que olham
P’ró chão de repente,
Esses é que são
Os que enganam a gente.

Ó erva-cidreira
Que estás no alpendre,
Quanto mais se rega
Mais a folha pende.

Mais a folha pende,
Mais a rosa cheira;
Que ‘tás no alpendre,
Ó erva-cidreira.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Arranjo: Monda e Ruben Alves
Intérprete: Monda (in CD “Monda”, Monda/Tánaforja, 2016)

Anda cá

[ Pombinha Branca ]

Anda cá, se tu queres ver!
Verás o que ainda não viste:
Verás dois olhos alegres
Chorando lágrimas tristes.

Oh minha pombinha branca,
Onde queres, amor, que eu vá?
É de noite, faz escuro,
Eu sozinho não vou lá.

Eu sozinho não vou lá,
Eu sozinho lá não vou;
Oh minha pombinha branca,
P’ra te amar inda aqui estou.

No quarto aonde eu durmo
Tudo são penas voando:
Umas causadas por mim,
Outras estás-mas tu causando.

Oh minha pombinha branca,
Onde queres, amor, que eu vá?
É de noite, faz escuro,
Eu sozinho não vou lá.

Eu sozinho não vou lá,
Eu sozinho lá não vou;
Oh minha pombinha branca,
P’ra te amar inda aqui estou.

Letra e música: Tradicional do Baixo Alentejo (aprendida com o grupo Modas à Margem do Tempo, em Évora)
Arranjo: Celina da Piedade e músicos participantes
Intérprete: Celina da Piedade (in 2CD “Em Casa”: CD1, Celina da Piedade/Melopeia, 2012)

Anda cá, José se queres

Anda cá, José se queres
a tua roupa lavada,
ai, paga a uma lavadeira
qu’eu não sou tua criada.

Qu’eu não sou tua criada,
qu’eu não sou criada tua.
Ai, Ó José se me não queres,
ai, põe o chapéu, vai prá rua.

Põe o chapéu, vai prá rua,
põe o chapéu, vai prá estrada.
Ai, anda cá, José se queres
ai, a tua roupa lavada.

(Popular – Alentejo)

Aqui ninguém tem trabalho

[ Terra de Catarina (Baleizão, Baleizão)]

Aqui ninguém tem trabalho
E há muito para fazer:
Vieram de toda a parte,
Não tinham pão p’ra comer.

Ó Baleizão, Baleizão!
Ó terra de Catarina,
Onde nasceu e morreu
Por uma bala assassina,
Por uma bala assassina
Cravada no coração;
Ó terra de Catarina!
Ó Baleizão, Baleizão!

Tinha no peito a coragem,
Trazia os filhos na mão;
Ó terra de Catarina!
Ó Baleizão, Baleizão!

Ó Baleizão, Baleizão!

Ó terra de Catarina,
Onde nasceu e morreu
Por uma bala assassina,
Por uma bala assassina
Cravada no coração;
Ó terra de Catarina!
Ó Baleizão, Baleizão!

Letra e música: Tradicional (Alentejo)
Arranjo: Há Lobos Sem Ser na Serra
Intérprete: Há Lobos Sem Ser na Serra
Primeira versão do grupo Há Lobos Sem Ser na Serra (in CD “Cantares do Sul e da Utopia”, Há Lobos Sem Ser na Serra/Alain Vachier Music Editions, 2016)

A ribeira quando enche

A ribeira quando enche
Leva o junco acamado
Traz-me tu em teu sentido
Que eu te trago em meu cuidado

A ribeira quando enche
Vai de pedrinha em pedrinha
O homem que leva a barca
Leva seu bem na barquinha

Leva seu bem na barquinha
Inda lhe digo outra vez
Quem namora sempre alcança
Um beijinho, dois ou três

Dizem que a folha do trigo
É maior que a da cevada
Também a minha amizade
Ao pé da tua é dobrada

(Popular – Alentejo)

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Canções do Alentejo

Canções do Alentejo

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Acorda se estás dormindo

[ Janeiras de Évora ]

(Chegada à porta)

Acorda se estás dormindo
Nesse sono tão profundo,
Às portas te estão pedindo
P’rás almas do outro mundo.

E as almas do outro mundo
Batem aos vossos portados,
Acorda se queres ouvir
Das almas os tristes brados.

Tristes brados dão as almas
Isto é tudo bem certo,
P’ra quem vive arrependido
Está o sacramento aberto.

As almas do outro mundo,
Elas te mandam pedir,
Que lhes leves as esmolas
Q’elas não podem cá vir.

(Despedida)

E as esmolas que vós destes,
Se as destes com devoção,
Na terra terás o prémio
Lá no céu a salvação.

Letra e música: Popular (Alto Alentejo)
Recolha: Fernando Costa (em Évora, junto da Sra. Helena Jesus Grilo)
Intérprete: Roda Pé (in CD “Escarpados Caminhos”, public-art, 2004)

Adeus, Maria

— «Adeus, Maria, até quando,
Eu até quando não sei;
Cá ando no Ultramar, a pensar
No dia em que voltarei.

Espera por mim, se quiseres…
Faz o que tu entenderes;
Acho que deves pensar em casar,
Eu posso por cá morrer.

Ninguém o pode saber,
É uma carta fechada…
E depois te chamarão, pois então,
Viúva sem seres casada.»

— «Ó António, Deus te guie
Nos campos do Ultramar!
Eu penso em ti, cá solteira, há quem queira
Se tu nunca mais voltares.

Espero por ti, meu amor,
Eu d’outro não quero ser!
Nunca mais me casarei, que eu bem sei,
Serei tua até morrer!

A carta que me mandaste
Com um conselho imprudente…
Meu amor, para contigo eu te digo:
‘Inda fiquei mais ardente.»

Meu amor, para contigo eu te digo:
‘Inda fiquei mais ardente.»

Letra: António Pardelha
Música: Monda
Intérprete: Monda
Versão original: Monda com Katia Guerreiro (in CD “Monda”, Monda/TáNaForja, 2016)

Ai lei ai lari lari ló lé

[ O Deus Menino ]

Ai lei ai lari lari ló lé,
Jesus, Maria,
Jesus, Maria, José

Entrai pastorinhos, entrai
Por esses portais sagrados.
Vindo ver a Deus Menino,
Numas palhinhas,
Numas palhinhas deitado.

Se quereis criado,
Tratai-o com mimo,
Dêem-lhe leite,
Que ele é pequenino,
Tragam-lhe leite,
Para o Deus menino.

Letra e música: Popular (Baixo Alentejo)
Intérprete: Grupo Coral “Os Ceifeiros de Cuba” (in CD “Musical Traditions of Portugal”, Ed. Smithsonian Folkways, 1994)

Alecrim, alecrim aos molhos

Alecrim, alecrim aos molhos
por causa de ti
choram os meus olhos

Ai, meu amor,
quem te disse a ti
que a flor do monte
era o alecrim

Alecrim, alecrim doirado
que nasce no monte
sem ser semeado

Ai, meu amor,
quem te disse a ti
que a flor do monte
era o alecrim

Letra e música: Popular (Baixo Alentejo)
Versão instrumental: Opus Ensemble (in “Temas do cancioneiro Português”, EMI Classics, 1987, reed. 1998)

Almodôvar, nossa terra

Almodôvar, nossa terra
Quando eu de ti vivo ausente
O meu coração encerra
Uma saudade ardente

Uma saudade ardente
O meu coração encerra
Quando eu de ti vivo ausente
Almodôvar nossa terra

(Popular – Baixo Alentejo)

Ao passar a ribeirinha

[ Água Sobe, Água Desce ]

Ao passar a ribeirinha,
Água sobe, água desce;
Dei a mão ao meu amor
Antes que ninguém soubesse.

Se tu és o meu amor,
Dá-me cá abraços teus!
Se não és o meu amor,
Saúdinha, adeus, adeus!

À frente do amor,
Brincas tu, brincarei eu;
Anda cá para meus braços!
Ninguém te quer mais do que eu.

Letra e música: Tradicional (Alentejo)
Intérprete: Aqui Há Baile (in CD “Caderno de Danças do Alentejo – adaptações”, Associação Pédexumbo/Caracol Secreto, 2013)

Ao romper da bela aurora

Ao romper da bela aurora
Sai o pastor da choupana
Vem gritando em altas vozes
Muito padece quem ama

Muito padece quem ama
Mais padece quem adora
Sai o pastor da choupana
Ao romper da bela aurora

Toda a vida fui pastor
Toda a vida guardei gado
Tenho uma nódoa no peito
De me encostar ao cajado

Ao romper da bela aurora
Sai o pastor da choupana
Vem gritando em altas vozes
Muito padece quem ama

Muito padece quem ama
Mais padece quem adora
Sai o pastor da choupana
Ao romper da bela aurora

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Ganhões de Castro Verde (in CD “É Tão Grande o Alentejo”, ACA “Os Ganhões”, 1997)

Aqui onde canto e ardo

[ Passarinho da charneca ]

Aqui onde canto e ardo
entre papoulas e cardo.
Sete palmos de charneca
são o tamanho de um home
medido em anos de fome,
pesado em anos de seca,
esquecido que teve nome
e que, sendo a morte certa,
vida desta não é d’home,
vida desta não é d’home,
passarinho da charneca.

Passarinho da charneca
entrou na gaiola aberta.
Já tem os olhos cegados
para que cante melhor
que o dono não é cantor.
Traz os colmilhos cerrados
vontades de mandador
e porque é dos mal mandados
julga assim mandar melhor
nos que lhe estão sujeitados,
passarinho da charneca.

Criei o corpo comendo
desta terra da charneca
ao entrar na cova aberta.
Só estou pagando o que devo,
eu sou devedor à terra.
A terra me está devendo,
a terra me está devendo.
A terra paga-me em vida,
Eu pago à terra em morrendo,
eu pago à terra em morrendo,
passarinho da charneca.

Letra: Tradicional – Alentejo / João Pedro Grabato Dias
Música: Amélia Muge
Intérprete: Amélia Muge (in CD “Todos os Dias”, Columbia/Sony, 1994)

Às vezes me ponho eu

[ A Vila de Castro Verde ]

Às vezes me ponho eu
Na minha vida a pensar:
Quem eu era, quem eu sou,
Ao que eu havia de chegar!

A vila de Castro Verde
És uma estrela brilhante:
Como ela outra não há,
És a mesma que eras dantes.

És a mesma que eras dantes
Desta vila aproximada;
És uma estrela brilhante
Que está na História gravada.

Ó coração, não te assustes!
Quando ouvires cantar bem,
Entra e pede licença
Para cantares também!

A vila de Castro Verde
És uma estrela brilhante:
Como ela outra não há,
És a mesma que eras dantes.

És a mesma que eras dantes
Desta vila aproximada;
És uma estrela brilhante
Que está na História gravada.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in CD “Modas”, Robi Droli, 1994; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD1, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006)

As vozes da minha fala

[ Portel Estás Satisfeito ]

As vozes da minha fala,
Como eram já não são:
Fazem a mesma diferença
Que o Inverno faz do Verão.

Portel estás satisfeito
Em ver teus filhos brilhar,
E até choras de contente
Em os ouvindo cantar.

Minha fala é baixinha,
Não a posso alevantar;
E mesmo assim, sendo baixinha,
Já m’a quiseram comprar.

Portel estás satisfeito
Em ver teus filhos brilhar,
E até choras de contente
Em os ouvindo cantar.

Em os ouvindo cantar
Até bate a mão no peito;
Em ver teus filhos brilhar
Portel estás satisfeito.

Brota a água

Brota a água da pedra bruta:
Sua luta, labuta,
De tudo dessedentar;
Ganha altura, desmesura
De tanto querer ser mar.

Corre campos, cria formas
Que nem ousara sonhar;
Dança ritmos, canta trovas
Antes de chegar ao mar.

A ciência que o mar tem
Não tem nada de pasmar:
Não há regato nem rio
Que ao mar não vá parar.

Brota a água da pedra bruta:
Sua luta, labuta,
De tudo dessedentar;
Ganha altura, desmesura
De tanto querer ser mar.

Corre campos, cria formas
Que nem ousara sonhar;
Dança ritmos, canta trovas
Antes de chegar ao mar.

Brota a água da pedra bruta:
Sua luta, labuta,
De tudo dessedentar;
Ganha altura, desmesura
De tanto querer ser mar.

Corre campos, cria formas
Que nem ousara sonhar;
Dança ritmos, canta trovas
Antes de chegar ao mar.

Letra e música: Pedro Mestre
Intérprete: Pedro Mestre com Janita Salomé (in CD “Campaniça do Despique”, Viola Campaniça Produções Culturais/Pedro Mestre, 2015)
Outra versão de Pedro Mestre com Janita Salomé (in DVD “No CCB: Pedro Mestre & Convidados”, Pedro Mestre, 2017)

Caminhos do Alentejo

Caminhos do Alentejo.
Terra bravia de fomes
com piteiras aceradas
como pontas de navalhas
em esperas de encruzilhadas!
Caminhos do Alentejo.
Desde valados e sebes,
searas, vilas, aldeias
e chuvas e descampados
— caminhos do Alentejo
desde menino vos piso!

Poema: Manuel da Fonseca (excerto inicial da parte I de “Para um poema a Florbela”)
Música: Paulo Ribeiro
Arranjo: Jorge Moniz
Intérprete: Paulo Ribeiro
Versão original: Paulo Ribeiro com Vitorino (in CD “O Céu Como Tecto e o Vento Como Lençóis”, Açor/Emiliano Toste, 2017)

Campaniça do despique

Campaniça do despique,
Na venda e bailes de roda:
Dedilhando o improviso
Ou trauteando uma moda.

Na rua do velho monte,
Com as moças a bailar
Os passos simples duma dança
E a viola a dedilhar.

Nas feiras e romarias,
Na serra e no alambique,
Na venda e bailes de roda:
Campaniça do despique.

O tocador da viola
É feio mas toca bem;
Se não casar por a prenda,
Formosura não a tem!

Campaniça do despique,
Na venda e bailes de roda:
Dedilhando o improviso,
Ou trauteando uma moda.

Na rua do velho monte,
Com as moças a bailar
Os passos simples duma dança
E a viola a dedilhar.

Nas feiras e romarias,
Na serra e no alambique,
Na venda e bailes de roda:
Campaniça do despique.

Letra e música: Pedro Mestre
Intérprete: Pedro Mestre (in CD “Campaniça do Despique”, Viola Campaniça Produções Culturais/Pedro Mestre, 2015)
Outra versão de Pedro Mestre (in DVD “No CCB: Pedro Mestre & Convidados”, Pedro Mestre, 2017)

Canta alentejano

Canta alentejano, canta,
o teu canto é oração,
tens a alma na garganta
solidão, ai não, ai não!

Solidão, ai não, ai não!
Quem canta, seu mal espanta.
O teu canto é oração:
canta, alentejano, canta!

Eu gosto muito de ouvir
cantar a quem aprendeu.
Houvera quem me ensinara,
quem aprendia era eu!

Popular alentejano

Cantam as filhas da Rosa

[ Filhas da Rosa ]

Cantam as filhas da Rosa,
Respondem lá do jardim:
Olaré, quem canta, canta assim!

A minha fala não é
A mesma que era algum dia:
Quem ouvia a minha fala
E o meu nome conhecia.

Cantam as filhas da Rosa,
Respondem lá do jardim:
Olaré, quem canta, canta assim!

E o cantar parece bem,
E é uma prenda bonita:
Não empobrece ninguém
Assim como não enrica.

Cantam as filhas da Rosa,
Respondem lá do jardim:
Olaré, quem canta, canta assim!

Se eu soubesse cantar bem
Nunca estaria calado;
Mesmo assim cantando mal
Não vivo desmarginado.

Cantam as filhas da Rosa,
Respondem lá do jardim:
Olaré, quem canta, canta assim!

Não julgues por eu cantar
Que a vida alegre me corre;
Eu sou como o passarinho:
Tanto canta até que morre.

Cantam as filhas da Rosa,
Respondem lá do jardim:
Olaré, quem canta, canta assim!

Letra e música: Tradicional (Baixo Alentejo)
Intérprete: Sebastião Antunes & Quadrilha com grupo Alma Alentejana (in CD “Proibido Adivinhar”, Sebastião Antunes/Alain Vachier Music Editions, 2015)

Chamava-se Catarina

Em Memória de uma Camponesa Assassinada
– Cantar Alentejano

Chamava-se Catarina,
O Alentejo a viu nascer;
Serranas viram-na em vida,
Baleizão a viu morrer.

Ceifeiras na manhã fria
Flores na campa lhe vão pôr;
Ficou vermelha a campina
Do sangue que então brotou.

Acalma o furor, campina,
Que o teu pranto não findou!
Quem viu morrer Catarina
Não perdoa a quem matou.

Aquela pomba tão branca
Todos a querem p’ra si;
Ó Alentejo queimado,
Ninguém se lembra de ti!

Aquela andorinha negra
Bate as asas p’ra voar;
Ó Alentejo esquecido,
Inda um dia hás-de cantar!

Letra: António Vicente Campinas
Música: Carlos Paredes (“Em Memória de uma Camponesa Assassinada”) e José Afonso (“Cantar Alentejano”)
Intérprete: Mariana Abrunheiro com o Grupo Coral “Estrelas do Sul” de Portel (in Livro/CD “Cantar Paredes”, Mariana Abrunheiro/BOCA – Palavras Que Alimentam, 2015)
Versão original (“Em Memória de uma Camponesa Assassinada”): Carlos Paredes (1973) (in CD “Na Corrente”, EMI-VC, 1996, Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007; Livro/4CD “O Mundo Segundo Carlos Paredes: Integral 1958-1993”: CD3 – “Danças”, EMI-VC, 2003)
Versão original (“Cantar Alentejano”): José Afonso (in LP “Cantigas do Maio”, Orfeu, 1971, 1982, reed. Movieplay, 1987, 1996, Art’Orfeu Media, 2012)

Como podem ser iguais

[ Só Uma Pena Me Existe ]

[Cantiga:]
Como podem ser iguais
Os dedos das nossas mãos,
Se há filhos dos mesmos pais
Que não parecem irmãos?

[Moda:]
Só uma pena me existe,
Minha doce saudade:
É olhar para o teu rosto,
Ver-te assim tão pouca idade.

Ver-te assim tão pouca idade,
Ver-te assim tão criancinha;
Só uma pena me existe,
Minha doce jovenzinha.

[Cantiga:]
Lá por trás daquele outeiro,
Nasce o sol e nasce a lua;
Ando à procura, não acho
Cara mais linda que a tua.

[Moda:]
Só uma pena me existe,
Minha doce saudade:
É olhar para o teu rosto,
Ver-te assim tão pouca idade.

Ver-te assim tão pouca idade,
Ver-te assim tão criancinha;
Só uma pena me existe,
Minha doce jovenzinha.

Só uma pena me existe,
Minha doce saudade:
É olhar para o teu rosto,
Ver-te assim tão pouca idade.

Ver-te assim tão pouca idade,
Ver-te assim tão criancinha;
Só uma pena me existe,
Minha doce jovenzinha.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Arranjo: Monda e Ruben Alves
Intérprete: Monda
Versão original: Monda com Rui Veloso (in CD “Monda”, Monda/TáNaForja, 2016)

Dançando, puleando

Dançando, puleando, brinca mais ele!
Dançando, puleando, brinca mais ela!
Dançando, puleando, brinca mais ele!
És uma rosa amarela!

Anda daí, vem dançar
Em cima deste ladrilho!
Anda agora muito em moda
Colher a flor ao junquilho.

Dançando, puleando, brinca mais ele!
Dançando, puleando, brinca mais ela!
Dançando, puleando, brinca mais ele!
És uma rosa amarela!

Quando eu vejo uma velhinha
Com as saias a arrojar,
Lembra-me a minha avozinha
No seu modesto trajar.

Dançando, puleando, brinca mais ele!
Dançando, puleando, brinca mais ela!
Dançando, puleando, brinca mais ele!
És uma rosa amarela!

Dizem do amor que mata…
Ai quem me dera morrer!
Vale mais morrer de amores
Do que de amores padecer.

Dançando, puleando, brinca mais ele!
Dançando, puleando, brinca mais ela!
Dançando, puleando, brinca mais ele!
És uma rosa amarela!

Dançando, puleando, brinca mais ele!
Dançando, puleando, brinca mais ela!
Dançando, puleando, brinca mais ele!
És uma rosa amarela!…

Letra e música: Tradicional (Baixo Alentejo)
Arranjo: Artesãos da Música
Intérprete: Artesãos da Música
Versão discográfica dos Artesãos da Música (in CD “Puleando”, Artesãos da Música/ARMA, 2012)

De dia sonho contigo

[ Vira do Dia ]

De dia sonho contigo,
À noite aqui te quero;
Esquecer-te não consigo,
De não te ter desespero.

Oh meu amor, quem te vira
Trinta dias cada mês,
Sete dias da semana,
Cada instante uma vez!

Nasce o dia, vem a noite,
Põe-se o Sol, torna-se a pôr;
Vejo-te, torno-te a ver
Cada vez com mais amor.

Nasce o dia, vem a noite,
Põe-se o Sol, torna-se a pôr;
Vejo-te, torno-te a ver
Cada vez com mais amor.

Acordo, sonho contigo,
Fecho os olhos, só te vejo;
Firme como o firmamento
Só o bem que nos desejo.

É num sonho que começa
O amor na vida inteira;
Quem me dera viver sempre
A sonhar desta maneira.

Nasce o dia, vem a noite,
Põe-se o Sol, torna-se a pôr;
Vejo-te, torno-te a ver
Cada vez com mais amor.

Nasce o dia, vem a noite,
Põe-se o Sol, torna-se a pôr;
Vejo-te, torno-te a ver
Cada vez com mais amor.

É num sonho que começa
O amor na vida inteira;
Quem me dera viver sempre
A sonhar desta maneira.

Nasce o dia, vem a noite,
Põe-se o Sol, torna-se a pôr;
Vejo-te, torno-te a ver
Cada vez com mais amor.

Nasce o dia, vem a noite,
Põe-se o Sol, torna-se a pôr;
Vejo-te, torno-te a ver
Cada vez com mais amor.

Letra: Tradicional do Alentejo, Macadame e Catarina Gouveia
Música: Macadame
Intérprete: Macadame
Versão original: Macadame (in Livro/CD “Firmamento”, Macadame, 2016)

Debaixo do lenço azul

[ Maria Campaniça ]

Debaixo do lenço azul com sua barra amarela
os lindos olhos que tem!
Mas o rosto macerado
de andar na ceifa e na monda
desde manhã ao sol-posto,
mas o jeito
de mãos torcendo o xaile nos dedos
é de mágoa e abandono…
Ai Maria Campaniça,
levanta os olhos do chão
que eu quero ver nascer o sol!

Poema: Manuel da Fonseca (in “Rosa-dos-Ventos”, Lisboa: Imprensa Baroeth, 1940; “Poemas Completos”, Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1958; “Poemas Completos”, pref. Mário Dionísio, 3.ª edição, Lisboa: Portugália Editora, 1969 – p. 38; “Poemas Completos”, pref. Mário Dionísio, 5.ª edição, Lisboa: Forja, 1975 – p. 60)
Música: Paulo Ribeiro
Arranjo: Jorge Moniz
Intérprete: Paulo Ribeiro
Versão original: Paulo Ribeiro (in CD “O Céu Como Tecto e o Vento Como Lençóis”, Açor/Emiliano Toste, 2017)

Deixei de olhar p’ra quem fui

[ Cantiga do Tempo Novo ]

Deixei de olhar p’ra quem fui,
Do passado estou ausente;
Às vezes mais vale a pena
Rir de tudo o que faz pena
Da alma triste da gente.

Vou lançar mãos à aventura,
Correr noutra direcção;
Quanto mais nos lamentamos
Ainda mais presos ficamos
E nos dói o coração.

Quando me ponho a pensar
Em alguém que tanto quis,
Já não me sento a chorar
E até me dá p’ra cantar
Modas que um dia lhe fiz.

Agora sinto-me livre,
Sem nada p’ra me prender:
E vou pela estrada fora
Rumo ao sul, vou sem demora,
Basta o sol p’ra me aquecer.

A nossa vida é um mar
Com muitas marés e vagas:
Não temos nada a perder,
O melhor mesmo é viver
Combatendo as nossas mágoas.

Tenho o mundo à minha espera,
Há ilhas por descobrir:
E há uma vontade nova,
Um tempo que se renova,
Novo amor que vai surgir.

Letra e música: Paulo Ribeiro
Arranjo: Há Lobos Sem Ser na Serra
Intérprete: Há Lobos Sem Ser na Serra
Primeira versão do grupo Há Lobos Sem Ser na Serra (in CD “Cantares do Sul e da Utopia”, Há Lobos Sem Ser na Serra/Alain Vachier Music Editions, 2016)
Versão original: Paulo Ribeiro com o Grupo Coral e Etnográfico “Os Camponeses de Pias” (in CD “Aqui Tão Perto do Sol”, EMI-VC, 2002)
Outra versão de Paulo Ribeiro (in CD “Canções 1998-2002”, Paulo Ribeiro, 2014)

Deste-me uma pêra verde

[ Calimero e a Pêra Verde (hanter-dro) ]

Deste-me uma pêra verde,
Estava a meio de amadurar;
Pêra verde, minha verde pêra,
Não me venhas enganar!

Não me venhas enganar!
A mim não me enganas, não!
Pêra verde, minha verde pêra,
Amor do meu coração.

O amor quando se perde
É como a nódoa da amora:
Só com outra amora verde
A nódoa se vai embora.

Deste-me uma pêra verde,
Estava a meio de amadurar;
Pêra verde, minha verde pêra,
Não me venhas enganar!

Não me venhas enganar!
A mim não me enganas, não!
Pêra verde, minha verde pêra,
Amor do meu coração.

Pediste-me uma laranja,
Meu pai não tem laranjal;
Se queres um limão doce
Vai à porta do meu quintal!

Deste-me uma pêra verde,
Estava a meio de amadurar;
Pêra verde, minha verde pêra,
Não me venhas enganar!

Não me venhas enganar!
A mim não me enganas, não!
Pêra verde, minha verde pêra,
Amor do meu coração.

Deste-me uma pêra verde,
Estava a meio de amadurar;
Pêra verde, minha verde pêra,
Não me venhas enganar!

Não me venhas enganar!
A mim não me enganas, não!
Pêra verde, minha verde pêra,
Amor do meu coração.

Letra: Tradicional do Baixo Alentejo (aprendida com Pedro Mestre e o grupo coral feminino “As Papoilas do Corvo”)
Música: Pascale Rubens (para o duo Naragonia) + Tradicional do Baixo Alentejo (aprendida com Pedro Mestre e o grupo coral feminino “As Papoilas do Corvo”)
Intérprete: Celina da Piedade
Versões originais: Celina da Piedade (in 2CD “Em Casa”: CD 1, Celina da Piedade/Melopeia, 2012)
Celina da Piedade com Naragonia (in 2CD “Em Casa”: CD2, Celina da Piedade/Melopeia, 2012)

Diz a laranja ao limão

Diz a laranja ao limão:
“Qual de nós será mais doce?”
Sou fiel ao meu amor,
Assim ele p’ra mim fosse.

Assim ele p’ra mim fosse,
Fiel ao meu coração;
“Qual de nós será mais doce?”,
Diz a laranja ao limão.

Diz a laranja ao limão:
“Qual de nós será mais doce?”
Sou fiel ao meu amor,
Assim ele p’ra mim fosse.

Assim ele p’ra mim fosse,
Fiel ao meu coração;
“Qual de nós será mais doce?”,
Diz a laranja ao limão.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Arranjo: Monda e Ruben Alves
Intérprete: Monda (in CD “Monda”, Monda/Tánaforja, 2016)
Primeira versão: Vitorino (in LP “Não Há Terra Que Resista: Contraponto”, Orfeu, 1979, reed. Movieplay, 1991)

Dizem pr’aí que chegou

[ Maria da Rocha ]

Dizem pr’aí que chegou
A liberdade apressada;
Eu inda não dei por nada,
Continuo sendo o que sou.

No Alentejo eu trabalho
Cultivando a dura terra;
Vou fumando o meu cigarro,
Vou cumprindo o meu horário
Lançando a semente à terra.

Maria da Rocha,
Do alto rochedo.
Quem namora a Rocha,
Quem namora a Rocha
Namora sem medo.

Namora sem medo,
Medo de ninguém.
Maria da Rocha,
Maria da Rocha,
Da Rocha, meu bem.

Quem me dera a lua
Que nasce no mar:
Fosse à tua rua
De véu branco e nua
P’ra te namorar.

P’ra te namorar,
Quem me dera um dia
Guardar o luar
Que tens no olhar,
Meu amor, Maria.

Maria da Rocha,
Do alto rochedo.
Quem namora a Rocha,
Quem namora a Rocha
Namora sem medo.

Namora sem medo,
Medo de ninguém.
Maria da Rocha,
Maria da Rocha,
Da Rocha, meu bem.

Letra: Vitorino (quadra “Dizem pr’aí que chegou”), Popular (Alentejo), e João Monge (quintilhas “Quem me dera a lua” e “P’ra te namorar”)
Música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Duarte
Versão original: Duarte (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)

Dorme, meu menino d’oiro

[ Aurora Tem um Menino ]

Dorme, meu menino d’oiro!
Oh meu lindo amor!
Não chores a tua sorte,
Oh meu lindo amor!
Oh meu lindo bem!

Que eu de ti nunca me perco,
Oh meu lindo amor!
Minha estrela do norte,
Oh meu lindo amor!
Oh meu lindo bem!

Aurora tem um menino
Mas tão pequenino;
O pai quem será?
É o Zé da Aroeira
Que vai p’rá Figueira,
Mais tarde virá.

No adro de São Vicente,
Onde há tanta gente,
Aurora não está;
Cala-te, Aurora, não chores,
Que o pai da criança
Mais tarde virá!

Cala-te, Aurora, não chores,
Que o pai da criança
Mais tarde virá!

Letra: Tradicional do Alentejo, e Celina da Piedade e Alex Gaspar (duas estrofes iniciais)
Música: Tradicional do Alentejo
Intérprete: Celina da Piedade
Primeira versão de Celina da Piedade (in CD “Sol”, Sons Vadios, 2016)

É alegre e sonhadora

[ Andei a guardar o gado ]

É alegre e sonhadora
A canção alentejana:
Cantada ao romper de aurora
Nas margens do Guadiana.

Andei a guardar o gado
Em tempos que já lá vão:
Deixei a vida do campo,
Trabalho na construção.

Trabalho na construção,
Já não me encosto ao cajado;
Em tempos que já lá vão
Andei a guardar o gado.

O Alentejo é que é
O celeiro da nação;
Nós somos alentejanos,
Somos da terra do pão.

Andei a guardar o gado
Em tempos que já lá vão:
Deixei a vida do campo,
Trabalho na construção.

Trabalho na construção,
Já não me encosto ao cajado;
Em tempos que já lá vão
Andei a guardar o gado.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD2, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006)

É linda a dama a dançar

[ A vinda do rei a Beja ]

É linda a dama a dançar
É linda a rosa em botão
É lindo o Sol a raiar
Na linda manhã de Verão

Ai que festa! Que linda festa!
Como esta não se usou
A vinda do Rei a Beja
Foi o que mais m’agradou

Viva o Rei, viva a Rainha
Vivam todos com prazer
Uma festa como esta
Já Beja não torna a ver

Desejava, desejava
Ninguém sabe o meu desejo
Desejava, linda rosa
Em teu rosto dar um beijo

(Popular – Baixo Alentejo)

É tão lindo ver no campo

[ Trigueirinha alentejana ]

É tão lindo ver no campo
Tão linda ceifando
Trigueirinha alentejana
Numa mão levas a foice
Tão linda ceifando
Noutra canudos de cana

Com seu traje à camponesa
Tão linda ceifando
Sempre de chapéu ao lado
Cantando lindas cantigas
Tão linda ceifando
As espigas do pão sagrado

(Popular – Alentejo)

Entrai, pastores

Entrai, pastores, entrai
Por este portal sagrado!
Vinde ver o Deus-Menino
Entre palhinhas deitado!

Li, ai li, ai li, ai lé!
Jesus, Maria, José.

Entre os portais de Belém
Está uma árvore de Jassé,
Com três letrinhas que dizem:
Jesus, Maria, José.

Li, ai li, ai li, ai lé!
O Menino nascido é.

Letra e música: Tradicional (Peroguarda, Ferreira do Alentejo, Baixo Alentejo)
Recolha: Michel Giacometti (“Entrai, pastores, entrai”, in LP “Alentejo”, série “Antologia da Música Regional Portuguesa”, Arquivos Sonoros Portugueses/Michel Giacometti, 1965; 5CD “Portuguese Folk Music”: CD 4 – Alentejo, Strauss, 1998; 6CD “Música Regional Portuguesa”: CD 5 – Alentejo, col. Portugal Som, Numérica, 2008)
Intérprete: Cardo-Roxo (in CD “Alvorada”, Cardo-Roxo, 2015)

Estando eu na minha loja

[ João Brandão ]

Estando eu na minha loja,
Encostado ao meu balcão,
Mais brando…
Encostado ao meu balcão,

Ouvi uma voz dizer:
«Vais preso, João Brandão!»
Mais brando…
«Vais preso, João Brandão!»

Passarinho prisioneiro,
Pela tua liberdade;
Mais brando…
Pela tua liberdade.

Eu cantando peço a Deus:
Não haja aqui falsidade!
Mais brando…
Não haja aqui falsidade!

Estando eu na minha loja,
Encostado ao meu balcão,
Mais brando…
Encostado ao meu balcão,

Ouvi uma voz dizer:
«Vais preso, João Brandão!»
Mais brando…
«Vais preso, João Brandão!»
Mais brando…
«Vais preso, vais p’rá prisão!»

Letra e música: Tradicional (Alentejo)
Arranjo: Há Lobos Sem Ser na Serra
Intérprete: Há Lobos Sem Ser na Serra
Primeira versão do grupo Há Lobos Sem Ser na Serra (in CD “Cantares do Sul e da Utopia”, Há Lobos Sem Ser na Serra/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Eu aprendi a cantar

[ Mondadeira Alentejana ]

[Cantiga primeira:]

Eu aprendi a cantar
Lavrando em terra molhada,
Lá na solidão dos campos
Pensando em ti minha amada.

[Moda:]

Mondadeira alentejana
Com seu lenço tapa o rosto:
Anda à calma, chuva e vento
Desde o nascer ao sol-posto.

Desde o nascer ao sol-posto,
Do trabalho nasce a fama;
Com seu lenço tapa o rosto,
Mondadeira alentejana.

[Cantiga segunda:]

É alegre e sonhadora
A canção alentejana:
Cantada ao romper de aurora
Nas margens do Guadiana.

[Moda:]

Mondadeira alentejana
Com seu lenço tapa o rosto:
Anda à calma, chuva e vento
Desde o nascer ao sol-posto.

Desde o nascer ao sol-posto,
Do trabalho nasce a fama;
Com seu lenço tapa o rosto,
Mondadeira alentejana.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde”* (in CD “É Tão Grande o Alentejo”, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 1997; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD 2, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006)

* Ponto – Manuel Pancadas
Alto – Manuel Pontes

Eu ia não sei p’ra onde

[ Que Bonito Que Seria ]

Eu ia não sei p’ra onde,
Encontrei não sei quem era:
Encontrei o mês de Abril
Procurando a Primavera.

Que bonito que seria
Se houvesse compreensão:
Os Homens não se matavam
E davam-se como irmãos.

É tão linda a liberdade
Até que chegou o dia;
Se houvesse compreensão
Então, que bonito que seria!

Letra e música: Tradicional (Alentejo)
Arranjo: Há Lobos Sem Ser na Serra
Intérprete: Há Lobos Sem Ser na Serra
Primeira versão do grupo Há Lobos Sem Ser na Serra (in CD “Cantares do Sul e da Utopia”, Há Lobos Sem Ser na Serra/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Eu ouvi um passarinho

[ Alentejo ]

1. Eu ouvi um passarinho
às quatro da madrugada,
Cantando lindas cantigas
à porta da sua amada.

2. Ao ouvir cantar tão bem
a sua amada chorou.
Às quatro da madrugada
o passarinho cantou.

3. Alentejo quando canta,
vê quebrada a solidão;
traz a alma na garganta
e o sonho no coração.

4. Alentejo, terra rasa,
toda coberta de pão;
a sua espiga doirada
lembra mãos em oração.

Eu só quero que me fales

[ Afã ]

Eu só quero que me fales
De cantigas e de vinho;
Deixa lá e não te rales,
Deus perdoa o descaminho!

Eu só quero que me fales
De cantigas e de vinho;
Deixa lá e não te rales,
Deus perdoa o descaminho!

Deixa essa gente vã
Com conversas e intrigas.
Elas não interessam nada
Pois o meu maior afã
É beber minha golada
De vinho na tarde vã,
Ao som de belas cantigas.

Poema: Al-Mu’tamid (1040-1095); trad. Adalberto Alves (in “O Meu Coração É Árabe: A Poesia Luso-Árabe”, Lisboa: Assírio & Alvim, 1987, 2.ª edição, 1991 – p. 151)
Música: Paulo Ribeiro e Pedro Frazão
Arranjo: Há Lobos Sem Ser na Serra
Intérprete: Há Lobos Sem Ser na Serra
Primeira versão do grupo Há Lobos Sem Ser na Serra (in CD “Cantares do Sul e da Utopia”, Há Lobos Sem Ser na Serra/Alain Vachier Music Editions, 2016) [gravado na sala A Bruxa Teatro, Évora, Fev. 2017 ]
Versão original: Anonimato (in CD “Anonimato”, Heaven Sound, 1993)
Outras versões: Paulo Ribeiro (in CD “Aqui Tão Perto do Sol”, EMI-VC, 2002); Paulo Ribeiro (in CD “Canções 1998-2002”, Paulo Ribeiro, 2014)

Eu subi àquele monte

[ Altinho ]

Eu subi àquele monte
para ver se te esquecia;
Quanto mais alta estava
mais o meu amor crescia.

Quero ir para o altinho
que eu daqui não vejo bem;
Quero ir ver o meu amor
se ele adora mais alguém.

Se ele adora mais alguém,
se ele me ama a mim sozinha,
que eu daqui não vejo bem,
quero ir para o altinho.

que eu daqui não vejo bem,
quero ir para o altinho.

Letra: Tradicional do Alentejo, e Celina da Piedade e Alex Gaspar (quadra “Eu subi àquele monte”)
Música: Tradicional do Alentejo, e Toon Van Mierlo e Pascale Rubens
Intérprete: Celina da Piedade
Primeira versão de Celina da Piedade (in CD “Sol”, Sons Vadios, 2016)

Évora doce

Évora doce
Negro vestido
Por capelinhas
Cercada d’ouro
Trigo em tesouro
Mulher rainha

Guardas histórias
Guerras e amores
Por ti vividas
E tens no quarto
Cercando a praça
Mil avenidas

São tuas mágoas
Que são escutadas
Quando da Sé
Por entre as horas
Amargurada
Bates o pé

E os teus cabelos
Ficam mais belos
Quando tu vês
Capas traçadas
Numa guitarra
Cantando o que és

Évora doce
Negro vestido
Por capelinhas
Cercada d’ouro
Trigo em tesouro
Mulher rainha

Envergonhada
Se o Alentejo
Lhe pede um beijo
E às escondidas
P’ra ninguém ver
Mata o desejo

Letra e música: Duarte
Intérprete: Duarte (in CD “Aquelas coisas da Gente”, JBJ & Viceversa, 2009)
Primeira versão: Duarte (in CD “Fados Meus”, Ovação, 2004)

Fez sábado quinta-feira

Fez sábado quinta-feira,
P’ra lá d’Évora três semanas,
Estive dez dias num Verão
Nas Américas Romanas.

Embarquei em dois caleiros
Na baía de Lisboa;
Arribei, fui dar a Goa,
Desembarquei em Alenquer;
Casei com sete mulheres,
Falta uma p’rá primeira;
Fui dar à Ilha Terceira,
Com três dias numa hora;
Abalei e vim-me embora,
Fez sábado quinta-feira.

Agarrei nos alforginhos,
Pus um pão em quatro enxacas,
Na gamela duas vacas
E na borracha toucinho;
Um açafate com vinho,
Trinta metros de banana;
Dei passos à americana,
Fui passar a Ayamonte;
Abalei hoje, cheguei ontem
P’ra lá d’Évora três semanas.

Eu já estive em Erapouca,
Numa ocharia empregado;
Foi-se um carro carregado
Numa abóbora canoca;
Um mosquito com um boi na boca
Cem léguas em proporção;
Atirei-lhe um bofetão
Que pelo ar o fez ir;
À espera dele cair
Estive dez dias num Verão.

Fui soldado, assentei praça
No 15 de Sapadores;
Maquinista de vapores
Na carreira de Alcobaça;
Venci o Forte da Graça,
Também a Vila de Terena
E as províncias arraianas,
Venci toda a nobrezia;
Bati-me com a Turquia
Nas Américas Romanas.

Fez sábado quinta-feira,
P’ra lá d’Évora três semanas,
Estive dez dias num Verão
Nas Américas Romanas.

Letra: Popular
Música: José Manuel David
Arranjo e direcção musical: José Manuel David
Intérprete: Gaiteiros de Lisboa com Luís Espinho e João Paulo Sousa (Adiafa) (in CD “Avis Rara”, d’Eurídice/d’Orfeu Associação Cultural, 2012)

Foi Conde da Vidigueira

[ Conde da Vidigueira ]

Foi Conde da Vidigueira
Um herói alentejano
Com seus barcos de madeira
Não temeu o oceano

Esse herói de grande fama
Na Índia içou bandeira
O grande Vasco da Gama
Foi Conde da Vidigueira

(Popular – Vidigueira, Baixo Alentejo)

Folheia-se o caderno e eis o sul

[ Alentejo ]

Folheia-se o caderno e eis o sul
E o sul é a palavra. E a palavra
Desdobra-se
No espaço com suas letras de
Solstício e de solfejo
Além de ti
Além do Tejo

Verás o rio e talvez o azul
Não o de Mallarmé: soma de branco e de vazio
Mas aquela grande linha onde o abstracto
Começa lentamente a ser o
Sul

Outro é o tempo
Outra a medida

Tão grande a página
Tão curta a escrita

Entre o achigã e a perdiz
Entre chaparro e choupo

Tanto país
E tão pouco

Solidão é companheira
E de senhor são seus modos
Rei do céu de todos
E de chão nenhum

À sombra de uma azinheira
Há sempre sombra para mais um

Na brancura da cal o traço azul
Alentejo é a última utopia

Todas as aves partem para o sul
Todas as aves: como a poesia

Manuel Alegre (Alentejo e ninguém)

Gosto muito dos teus olhos

[ O Mocho ]

Gosto muito dos teus olhos, ó Maria,
Muito mais gosto dos meus;
Se não fossem os meus olhos, ó Maria,
Não podia amar os teus.

O triste do mocho piava,
Ó lari, lariava,
Em cima da melancia, ó Maria;
Maria, Maria, Maria Capitôa
Dos montes, tiroli, ó terrim, tim, tim;
As mulheres são a alegria de mim.

Eu não quero mais amar, ó Maria,
Que eu do amar tenho medo;
Eu não quero arriscar, ó Maria,
A pagar o que eu não devo.

O triste do mocho piava,
Ó lari, lariava,
Em cima da melancia, ó Maria;
Maria, Maria, Maria Capitôa
Dos montes, tiroli, ó terrim, tim, tim;
As mulheres são a alegria de mim.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Arranjo: Monda
Intérprete: Monda (in CD “Monda”, Monda/Tánaforja, 2016)

Grândola, vila morena

Grândola, vila morena,
terra da fraternidade,
o povo é quem mais ordena
dentro de ti, ó cidade.

Dentro de ti, ó cidade,
o povo é quem mais ordena,
terra da fraternidade,
Grândola, vila morena.

Em cada esquina um amigo,
em cada rosto igualdade,
Grândola, vila morena,
t erra da fraternidade.

Terra da fraternidade,
Grândola, vila morena,
em cada rosto igualdade,
o povo é quem mais ordena.

À sombra duma azinheira
que já não sabia a idade,
jurei ter por companheira,
Grândola, a tua vontade.

Grândola, a tua vontade
jurei ter por companheira,
à sombra duma azinheira
que já não sabia a idade.

Letra e música: José Afonso
Intérprete: José Afonso (in “Cantigas do Maio”, Orfeu, 1971; reed. Movieplay, 1987)

Há ondas, meu bem

[ Sou das Ondas ]

Há ondas, meu bem, há ondas,
Há ondas sem ser no mar:
Há ondas no teu cabelo,
Há ondas no teu olhar.

Sou das ondas, sou das ondas,
Sou das ondas, sou do mar;
Meu amor já me deixou,
Meu amor vai-me deixar.

Nas ondas do mar, lá fora,
Aprendi eu a cantar
Numa barquinha doirada,
Ó meu bem, a navegar.

Há ondas, meu bem, há ondas,
Há ondas sem ser no mar:
Há ondas no teu cabelo,
Há ondas no teu olhar.

Sou das ondas, sou das ondas,
Sou das ondas, sou do mar;
Meu amor já me deixou,
Meu amor vai-me deixar.

Letra e música: Tradicional (Alentejo)
Intérprete: Paulo Ribeiro

Há um sobreiro velhinho

[ Sobreiro Velhinho ]

Há um sobreiro velhinho
Que nasceu à meia-encosta:
É a casa dos pardais,
Malhada dos animais,
Faz sombra que o pastor gosta.

Faz sombra que o pastor gosta
Nos dias quentes de Verão;
Põe o seu gado ao acarro,
Da cortiça faz um tarro,
Corta a lenha, faz carvão.

Corta a lenha, faz carvão
E nasce um novo raminho
Da Primavera ao Inverno;
Deus queira que seja eterno,
Há um sobreiro velhinho.

O sobreiro é obrigado
A sustentar a cortiça;
Quem não ama de vontade,
Seja qual for a idade,
Não se obriga por justiça.

Há um sobreiro velhinho
Que nasceu à meia-encosta:
É a casa dos pardais,
Malhada dos animais,
Faz sombra que o pastor gosta.

Faz sombra que o pastor gosta
Nos dias quentes de Verão;
Põe o seu gado ao acarro,
Da cortiça faz um tarro,
Corta a lenha, faz carvão.

Corta a lenha, faz carvão
E nasce um novo raminho
Da Primavera ao Inverno;
Deus queira que seja eterno,
Há um sobreiro velhinho.

Letra e música: Martinho Marques
Arranjo: José Manuel David
Intérprete: Pedro Mestre com Pedro Calado & Rancho de cantadores de Aldeia Nova de São Bento (in CD “Campaniça do Despique”, Viola Campaniça Produções Culturais/Pedro Mestre, 2015)
Outra versão de Pedro Mestre com Pedro Calado & Rancho de cantadores de Aldeia Nova de São Bento (in DVD “No CCB: Pedro Mestre & Convidados”, Pedro Mestre, 2017)

Já lá vem o Sol nascendo

[ Sarapateado ]

Já lá vem o Sol nascendo
Por entre as nuvens sombrias;
Como pode o Sol ser velho
Se nasce todos os dias?

Se eu for presa por cantar
Não calarei a garganta!
Eu sou como o passarinho
Que até na gaiola canta.

Ai sim, meu bem, sarapatear!
Quem quiser bailar traga bom calça…,
Traga bom calça…, traga bom calçado!
Ai sim, meu bem, sarapateado.

Meu coração é um quarto
Que tudo lhe cabe dentro:
Vai ouvindo, arrecadando…
Falará quando for tempo.

Ai sim, meu bem, sarapatear!
Quem quiser bailar traga bom calça…,
Traga bom calça…, traga bom calçado!
Ai sim, meu bem, sarapateado.

Semeei no meu jardim…
Só cravos são mais de mil;
Os cravos que lá nasceram
São cravos do mês de Abril.

Ai sim, meu bem, sarapatear!
Quem quiser bailar traga bom calça…,
Traga bom calça…, traga bom calçado!
Ai sim, meu bem, sarapateado.

Ai sim, meu bem, sarapatear!
Quem quiser bailar traga bom calça…,
Traga bom calça…, traga bom calçado!
Ai sim, meu bem, sarapateado.

Letra e música: Tradicional (Baixo Alentejo)
Recolhas: José Alberto Sardinha (1984, “Portugal – Raízes Musicais”: CD5 – Estremadura, Ribatejo e Alentejo, BMG/JN, 1997) e José Leite de Vasconcelos (quadras “Já lá vem o Sol nascendo”, “Meu coração é um quarto” e “Semeei no meu jardim”, in “Cancioneiro Popular Português”, 3 vols., Coimbra: Universidade de Coimbra, 1975-1984)
Intérprete: Macadame (ao vivo no Teatro da Luz, Lisboa)
Primeira versão de Macadame (in Livro/CD “Firmamento”, Macadame, 2016)

Já são horas da merenda

Já são horas da merenda;
Ai, vamo-nos a merendar
Gaspachinho com vinagre,
Ai, para o peito refrescar!

Já se vai o Sol a pôr
Ai, para trás do cabecinho;
Bem quisera o nosso amo
Ai, prendê-lo c’um baracinho.

Já são horas da merenda;
Ai, vamo-nos a merendar
Gaspachinho com vinagre,
Ai, para o peito refrescar!

Já se vai o Sol a pôr
Ai, para trás do cabecinho;
Bem quisera o nosso amo
Ai, prendê-lo c’um baracinho.

Letra e música: Tradicional
Recolha: Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça
Intérprete: Macadame
Primeira versão de Macadame (in Livro/CD “Firmamento”, Macadame, 2016)

Lá nos campos

[ Eu fui apanhar marcela ]

Lá nos campos, verdes campos
Eu fui apanhar marcela
Daquela mais miudinha
Daquela mais amarela

Daquela mais amarela
Daquela mais miudinha
Lá nos campos, verdes campos
A marcela, a marcelinha

(Popular – Alentejo)

Lá traz a cegonha

[ Popular alentejana ]

Lá traz a cegonha
no bico o raminho.
Que seja bem-vinda
branquinha, tão linda
ao seu velho ninho.

Senhora cegonha,
como tem passado?
Não há quem a veja
voar p’rá Igreja,
pousar no telhado.

Quando chega o Outono
e o bando levanta,
anuncia a hora
que se vai embora,
leva a meia branca.

Lá vai Serpa, lá vai Moura

[ Se Fores ao Alentejo ]

Lá vai Serpa, lá vai Moura
E as Pias ficam no meio;
Em chegando à minha terra
Não há que haver arreceio.

Não há que haver arreceio,
Lá vai Serpa, lá vai Moura,
Lá vai Serpa, lá vai Moura
E as Pias ficam no meio.

Se fores ao Alentejo,
Não leves vinho nem pão!
Leva o coração aberto
E o teu filho pela mão!

Se fores ao Alentejo,
Não leves vinho nem pão!
Leva a rosa da justiça
E o teu filho pela mão!

Lá vai Serpa, lá vai Moura
E as Pias ficam no meio;
Em chegando à minha terra
Não há que haver arreceio.

Não há que haver arreceio,
Lá vai Serpa, lá vai Moura,
Lá vai Serpa, lá vai Moura
E as Pias ficam no meio.

Letra: Popular (Baixo Alentejo) e Eduardo Olímpio
Música: Edmundo Silva
Intérprete: Francisco Naia (in CD “Francisco Naia e a Ronda Campaniça”, Francisco Naia/Ovação, 2012)

Lá vai uma embarcação

Lá vai uma embarcação
Por esses mares fora;
Por aqueles que lá vão
Há muita gente que chora.

Há muita gente que chora
Com mágoas no coração;
Por esses mares fora
Lá vai uma embarcação.

Ó mar alto, ó mar alto,
Ó mar alto sem ter fundo!
Mais vale andar no mar alto
Que nem nas bocas do mundo.

Lá vai uma embarcação
Por esses mares fora;
Por aqueles que lá vão
Há muita gente que chora.

Há muita gente que chora
Com mágoas no coração;
Por esses mares fora
Lá vai uma embarcação.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in CD “O Círculo Que Leva a Lua”, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2003; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD2, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006)
Outra versão: Rão Kyao & Os Ganhões de Castro Verde (in CD “Rão Kyao & Riccardo Tesi: Live in Sete Sóis”, Associação Sete Sóis Sete Luas, 2005)

Lembra-me o tempo passado

[ O Almocreve ]

Lembra-me o tempo passado,
Tudo se vai acabando:
O boi puxando o arado,
O almocreve cantando…

O almocreve cantando
Semeando o verde prado.
Quando vejo alguém lavrando
Lembra-me o tempo passado.

A vida do almocreve
É uma vida arriscada:
Ao descer uma ladeira,
Ao cerrar duma carrada.

Lembra-me o tempo passado,
Tudo se vai acabando:
O boi puxando o arado,
O almocreve cantando…

O almocreve cantando
Semeando o verde prado.
Quando vejo alguém lavrando
Lembra-me o tempo passado.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in CD “Modas”, Robi Droli, 1994; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD1, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006)

Linda cara que tu tens

[ Fadinho Alentejano ]

Linda cara que tu tens, já sei,
Quando chegas noite fora.
À espera à porta de casa,
Está o teu pai que te adora.

Lindos olhos tem o mocho, piu,
Quando a noite vem chegando.
P’ra deixar passar a noite,
Uma moda eu vou cantando.

Muda a água às azeitonas,
Rega bem os teus tomates,
Tem lá cuidado com a horta!
O cravo já está no vaso,
Sim, senhora, por acaso.

Abalaste para Lisboa, pois,
Deixaste-me ao pé da porta.
Tu seguiste o teu caminho,
A minha alma ficou torta.

Quando cheguei ao Barreiro, já fui,
Lisboa estava fechada.
Voltei p’ra casa a cantar,
Uma vida abençoada.

Muda a água às azeitonas,
Rega bem os teus tomates,
Tem lá cuidado com a horta!
O cravo já está no vaso,
Sim, senhora, por acaso.

Letra e música: Paulo de Carvalho
Intérprete: Ricardo Ribeiro
Versão original: Ricardo Ribeiro com o Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in CD “Hoje É Assim, Amanhã Não Sei”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2016)

Maldita sociedade

[ Camponês Alentejano ]

Maldita sociedade,
Estás tão mal organizada:
Quem não trabalha tem tudo,
Quem trabalha não tem nada!

Camponês alentejano,
Camponês agricultor:
Tu trabalhas todo o ano,
Dás produto ao lavrador.

Dás produto ao lavrador,
Tua vida é um engano:
É tão triste o teu valor,
Camponês alentejano!

Todo o homem que trabalha
Não deve nada a ninguém:
Aquele que nada faz
Deve tudo quanto tem.

Camponês alentejano,
Camponês agricultor:
Tu trabalhas todo o ano,
Dás produto ao lavrador.

Dás produto ao lavrador,
Tua vida é um engano:
É tão triste o teu valor,
Camponês alentejano!

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in CD “É Tão Grande o Alentejo”, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 1997; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD2, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006)

Mariana canta ao despique

[ Ti Mariana ]

Mariana canta ao despique:
Fez do cante a sua lida,
Ali p’rós lados de Ourique,
Nessa planície perdida.

Nessa planície perdida,
Nesse Alentejo adorado,
Ti Mariana achou a vida
E fez do cante o seu fado.

E fez do cante o seu fado,
Cantando com o coração;
As modas vão dando brado
Ao velho estilo baldão.

Quem canta seu mal espanta,
É o ditado que o diz;
Cantar afina a garganta,
Povo que canta é feliz.

Mariana canta ao despique:
Fez do cante a sua lida,
Ali p’rós lados de Ourique,
Nessa planície perdida.

Nessa planície perdida,
Nesse Alentejo adorado,
Ti Mariana achou a vida
E fez do cante o seu fado.

E fez do cante o seu fado,
Cantando com o coração;
As modas vão dando brado
Ao velho estilo baldão.

A viola campaniça,
Em meus dedos dedilhando,
Acompanha sem preguiça
Qualquer Mariana cantando.

Mariana canta ao despique:
Fez do cante a sua lida,
Ali p’rós lados de Ourique,
Nessa planície perdida.

Nessa planície perdida,
Nesse Alentejo adorado,
Ti Mariana achou a vida
E fez do cante o seu fado.

E fez do cante o seu fado,
Cantando com o coração;
As modas vão dando brado
Ao velho estilo baldão.

Letra: Rosa Guerreiro Dias
Música: José Manuel David
Intérprete: Pedro Mestre (in CD “Campaniça do Despique”, Viola Campaniça Produções Culturais/Pedro Mestre, 2015)

Menina estás à janela

Menina estás à janela
Com o teu cabelo à lua
Não me vou daqui embora
Sem levar uma prenda tua

Sem levar uma prenda tua
Sem levar uma prenda dela
Com o teu cabelo à lua
Menina estás à janela

Os olhos requerem olhos
E os corações, corações
E os meus requerem os teus
Em todas as ocasiões

Letra e música: Popular (Alentejo)
Recolha e adaptação: Vitorino
Intérprete: Vitorino
Versão original: Vitorino (in “Semear Salsa ao Reguinho”, Orfeu, 1975; reed. Movieplay, 1999)
Versão instrumental: Opus Ensemble (in “Temas do cancioneiro Português”, EMI Classics, 1987; reed. 1998)

Mértola dormia frente ao Guadiana

[ Em Mértola ]

Mértola dormia frente ao Guadiana
branca, branca, branca
torre de menagem, torre de vigia
de quem mais se ama
iam nas pedrinhas, pequeninos rios
do suor da terra alentejana
para lá dos montes, pertinho da raia
onde a terra passa a ser estranha

Com um sol a pique frente a uma mesquita
branca, branca, branca
subindo ao castelo, subindo à vigia
vendo o panorama
pr’além das muralhas, para aquém dos montes
prendiam-se os olhos à bonita
ficavam nos verdes, ficavam nos brancos
ficavam nos tempos da Moirama

Suando pestanas, frente a uma cegonha
branca, branca, branca
Mértola corria frente ao Guadiana
por quem se derrama
o sol que há nos olhos, o mel que há no peito
a dor que há no corpo de quem sonha
com o sabor das ervas, no cheiro das águas
no voltar a ver a quem mais se ama

Ia viajante frente à moradia
branca, branca, branca
ia sendo moira, noiva tão serena
e alma cigana
o lenço voando, batia no rosto
no silêncio olhava o que não via
para lá da terra, para lá dos montes
nunca mais veria a tarde calma

Mértola dormia frente ao Guadiana
branca, branca, branca
torre de vigia, torre de menagem
a quem mais se ama
iam nas pedrinhas, pequeninos rios
do amor à terra alentejana
para lá dos montes, pertinho da raia
onde a terra passa a ser Espanha

Poema e música: Teresa Muge
Intérprete: Amélia Muge (in CD “Múgica”, UPAV, 1992)

Minha mãe, estou de abalada

[ Minha Mãe, Sou um Mainante ]

Minha mãe, estou de abalada:
Parto já, neste instante;
Adeus, minha mãe amada,
Vou p’rá vida de mainante.

De manta ao ombro e bordão,
Trilho caminhos de amargura:
Tenho fome, não tenho pão,
Durmo assim na noite escura.

Rompe o sol de manhãzinha
E o povoado é distante:
Cantando p’ra ti, mãezinha,
Esta vida de mainante.

As lágrimas não me apagam
As queixas e os martírios:
Só as estrelas acalmam,
À noite, os meus delírios.

De manta ao ombro e bordão,
Trilho caminhos de amargura:
Tenho fome, não tenho pão,
Durmo assim na noite escura.

Rompe o sol de manhãzinha
E o povoado é distante:
Cantando p’ra ti, mãezinha,
Esta vida de mainante.

O meu chão é chão barrento
Pisado com ternura,
De quem dorme ao relento
E faz dele a sepultura.

Letra: Romão Janeiro
Música: Paulo Ribeiro
Intérprete: Paulo Ribeiro
Versão original: Grupo Coral “Os Mainantes” de Pias (in CD “Entre Mestres e Aprendizes”, de Grupo Coral e Etnográfico “Os Camponeses de Pias” & “Os Mainantes”, Açor/Emiliano Toste, 2016)

Moreninha alentejana

– Moreninha alentejana,
quem te fez, morena, assim?
– Foi o sol da Primavera
que caía sobre mim.

Que caía sobre mim,
que andava a ceifar o trigo.
– Moreninha alentejana,
por que não casas comigo?

Por que não casas comigo?
Por que não casas com ela?
– Quem te fez, morena, assim?
– Foi o sol da Primavera.

Morreu Francisco Romão

[ Francisco Romão ]

Morreu Francisco Romão
Que pelas ruas cantava;
Já morreu aquele amigo
Que era quem tanto estimava.

Que era quem tanto estimava,
Que era quem estimava tanto.
Morreu Francisco Romão,
Já pelas ruas não canto.

Morreu Francisco Romão
Que pelas ruas cantava;
Já morreu aquele amigo
Que era quem tanto estimava.

Que era quem tanto estimava,
Que era quem estimava tanto.
Morreu Francisco Romão,
Já pelas ruas não canto.

Letra e música: Tradicional (Alentejo)
Arranjo: Há Lobos Sem Ser na Serra
Intérprete: Há Lobos Sem Ser na Serra* (in CD “Cantares do Sul e da Utopia”, Há Lobos Sem Ser na Serra/Alain Vachier Music Editions, 2016)

TERRA

Luz que actua

[ Gaia de Saia ]

Luz que actua, Lua cheia em ti, faz querer viver mais
Expões o corpo receptivo à noite, dons de fértil musa

Iluminar põe o clima a subir, noite de clara Lua
Numa dança de saia rodada a sorrir, que essa tua vida é tua

Mãe dos homens que gera vida e luz
Gaia Deusa, musa, Mulher nua
Não se tomba, não se deixa cair
Que essa tua, que essa tua vida, que essa tua vida é tua

Mãos de força vergam o tempo a teimar, a lutar sem desistir
Tais direitos nem se devem questionar, direito a se expressar

Ser um ventre e um colo protector, e voluntária na sua dor
Ser mulher é existir entre os iguais, é resistir muito mais

Mãe dos homens que gera vida e luz
Gaia Deusa, musa, Mulher nua
Não se tomba, nem se deixa cair
Que essa tua vida é tua, vida é tua

Mãe dos homens que gera vida e luz
Gaia Deusa, Mulher nua
Não se tomba, nem se deixa cair
Que essa tua, que essa tua vida, que essa tua vida é tua

Letra e música: Luís Pucarinho
Intérprete: Luís Pucarinho* (in CD “SaiArodada”, Luís Pucarinho/Alain Vachier Music Editions, 2018)

Nunca Marta pressentiu

[ Marta Encruzilhada ]

Nunca Marta pressentiu
A reboque bem sentada
Que o trilho que faz um desvio
Fosse dar à sua estrada

Nunca o sol a torriscou
Nunca à chuva foi molhada
Nunca ao vento esteve ao frio
E nunca a pé foi pela estrada

E nunca o bem esteve tão mal
E nunca o mal veio de frente
Não se faz vida do nada
Não se faz do nada gente

E não se faz do nada gente

E nesse trilho com desvio
O seu reboque não passava
E nunca antes Marta sentiu
E nunca a pé foi pela estrada

E nunca o sol a torriscou
E nunca à chuva foi molhada
E nunca ao vento esteve ao frio
E nunca a pé foi pela estrada

E nunca o bem esteve tão mal
E nunca o mal veio de frente
E não se faz vida do nada
E não se faz do nada gente

E não se faz do nada gente
E não se faz…

E nunca o sol a torriscou
Nunca à chuva foi molhada
Nunca ao vento esteve ao frio
E nunca a pé foi pela estrada

E nunca o bem esteve tão mal
E nunca o mal veio de frente
E não se faz vida do nada
E não se faz do nada gente

E nunca o sol a torriscou
Nunca à chuva foi molhada
Nunca ao vento esteve ao frio
E nunca a pé foi pela estrada

E nunca o bem esteve tão mal
E nunca o mal veio de frente
Não se faz vida do nada
E não se faz do nada gente

Letra e música: Luís Pucarinho
Intérprete: Luís Pucarinho* (in CD “SaiArodada”, Luís Pucarinho/Alain Vachier Music Editions, 2018)

Luís Pucarinho, SaiArodada

* Luís Pucarinho – guitarras e voz
Afonso Castanheira – contrabaixo
Jéssica Pina – trompete
Mário Lopes – bateria e pad
Ideia original e produção – Luís Pucarinho
Gravado em A’MAR Estúdios (Baleal, Peniche), Estúdio Azul (Évora), Estúdio Nuno e Jaime Romano (Alcácer do Sal) e Estúdio Pé-de-Vento (Foros de Salvaterra, Salvaterra de Magos), de 2016 a 2018
Mistura – Luís Pucarinho e Fernando Nunes (Estúdio Pé-de-Vento)
Masterização – Fernando Nunes

Na sociologia do vinho

Na sociologia do vinho
é que se brinda!
É de azeite a gordura
que agradece
a quentura da lã
ventre de linho
e o gosto da azeitona
verde, verde.

No suor do cajado
lã de ovelha
firma-se o peito, esteva
velha.

Nas patas do rafeiro é
que se alonga
a geometria do sul
desfeita em cal
e a rijeza dos nervos já
perdida.

A cegonha já acena um
bater de asas.
Sangrado o campo, mirradas
são as casas.
Não são homens; são sombra
toda sal,
Só vultos de lentidão
ferida.

É no traço do sul que mais
se acolhe
o ermo das lonjuras
desenhadas:
A sombra, o silêncio
e a tristeza
de tristezas mal
balbuciadas.

Geométrico sul, cal
e planura
Loiro de água verde
adormecida.
Quem te dará um alento
uma saída
de alma clara em
escancarada alvura?

Só no cantar do sul
o tempo dura…

Letra: Afonso Dias
Intérprete: Afonso Dias (in CD “Geometria do Sul”, Edere, 2002)

Namorei sempre à tardinha

[ A Moda do Chegadinho ]

Namorei sempre à tardinha
Certas moças da minha aldeia:
Fosse magra, fosse gordinha,
Bonita ou menos feia.

Chegadinha, chegadinha a mim,
Chegadinho, chegadinho a ela;
Chegadinho, chegadinha, chegadinhos
Ao postigo e à janela.

Brinquei com uma, brinquei com duas,
Duas, três, quatro ou cinco;
Brinquei contigo, brinquei com ela,
Já sou casado e agora já não brinco.

Chegadinha, chegadinha a mim,
Chegadinho, chegadinho a ela;
Chegadinho, chegadinha, chegadinhos
Ao postigo e à janela.

Sou casado e com juízo,
Mas não deixo de pensar
Quando vejo moças catitas
À janela a namorar.

Chegadinha, chegadinha a mim,
Chegadinho, chegadinho a ela;
Chegadinho, chegadinha, chegadinhos
Ao postigo e à janela.

Letra e música: Francisco Naia
Intérprete: Francisco Naia (in CD “Francisco Naia e a Ronda Campaniça”, Francisco Naia/Ovação, 2012)

Namorei uma costureira

[ Zuca, Zuca ]

Namorei uma costureira
Pelo buraco da chave;
Ela estava zuca, zuca,
Ela estava zuca, zuca;
“Esta porta não se abre!”

“Esta porta não se abre,
Ela é muito má de abrir!”
Ela estava zuca, zuca,
Ela estava zuca, zuca,
E a mamã estava dormir.

A mamã estava a dormir,
E a mamã estava deitada;
Ela estava zuca, zuca,
Ela estava zuca, zuca,
Era já de madrugada.

Era já de madrugada,
Era ao nascer do Sol;
Ela estava zuca, zuca,
Ela estava zuca, zuca,
E o cu dela era um fole.

O cu dela era um fole
E a barriga era um sarilho;
Ela estava zuca, zuca,
Ela estava zuca, zuca
Com o dedo no gatilho.

Letra e música: Tradicional (Baixo Alentejo)
Adaptação: Pedro Mestre
Arranjo: José Manuel David
Intérprete: Pedro Mestre* (in CD “Campaniça do Despique”, Viola Campaniça Produções Culturais/Pedro Mestre, 2015)
Outra versão de Pedro Mestre (in DVD “No CCB: Pedro Mestre & Convidados”, Pedro Mestre, 2017)

Não é a ceifa que mata

Terra Sagrada do Pão

Não é a ceifa que mata
Nem os calores do Verão
É a erva unha-gata
O cardo pica na mão

Alentejo, Alentejo
Terra sagrada do pão
Eu hei-de ir ao Alentejo
Inda que seja no Verão

Ver o doirado do trigo
Na imensa solidão
Alentejo, Alentejo
Terra sagrada do pão

Eu sou devedor à terra
A terra me está devendo
A terra paga-me em vida
Eu pago à terra em morrendo

(Popular – Alentejo)

Não quero mais nada no mundo

[ Nos Campos de Castro Verde ]

[Cantiga:]

Não quero mais nada no mundo
Senão uma sepultura:
Para sepultar meus olhos
Que nasceram sem ventura.

[Moda:]

Nos campos de Castro Verde
Houve uma grande batalha:
Onde D. Afonso Henriques
Ganhou a sua medalha.

Ganhou a sua medalha,
Sem abrigo de parede:
Deu a luz a Portugal
Nos campos de Castro Verde.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in LP “Os Ganhões de Castro Verde”, Metro-Som, 1980, reed. Metro-Som, 1997; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD 1, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006)
Outra versão do Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde”* (in CD “Modas”, Robi Droli, 1994)

Nasce o Sol no Alentejo

Nasce o Sol no Alentejo,
Nasce água clara na fonte;
Nasce em mim a saudade
Da lareira do teu monte.

Quem me dera ser o trigo
Que ciranda na peneira,
E poder andar contigo
Cirandando a vida inteira.

Não há cravo como o branco
Que até no cheirar é doce,
Nem amor como o primeiro
Se ele fingido não fosse.

Pelas estrelas da noite
Regulam-se os marinheiros,
E eu pelos teus lindos olhos
Que são astros mais certeiros.

Às ceifeiras nunca digas
Madrigais no teu cantar,
Pois se vão em tais cantigas
Fica o trigo por ceifar.

Eu não sei por que motivo
Tu me recusas um beijo!…
Ao menos sei porque vivo
Tão preso ao teu Alentejo.

Ronda dos Quatro Caminhos, Outras Terras

Letra e música: Popular (Alentejo)
Recolha: José Alberto Sardinha
Arranjo: António Prata, com Carlos Barata e Pedro Fragoso
Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos (in 2CD “Alçude”: CD1, Ovação, 2001)
Primeira versão da Ronda dos Quatro Caminhos (in CD “Outras Terras”, Ronda dos Quatro Caminhos, 1999)

No Alentejo eu trabalho

[ É tão grande o Alentejo ]

No Alentejo eu trabalho
Cultivando a dura terra;
Vou fumando o meu cigarro,
Vou cumprindo o meu horário
Lá na encosta da serra.

É tão grande o Alentejo,
Tanta terra abandonada!
A terra é que dá o pão:
Para bem desta nação
Devia ser cultivada.

Tem sido sempre esquecido
À margem ao sul do Tejo:
Há gente desempregada,
Tanta terra abandonada!
É tão grande o Alentejo!

Trabalha, homem, trabalha
Se queres ter o teu valor!
Os calos são os anéis,
Os calos são os anéis
Do homem trabalhador.

É tão grande o Alentejo,
Tanta terra abandonada!
A terra é que dá o pão:
Para bem desta nação
Devia ser cultivada.

Tem sido sempre esquecido
À margem ao sul do Tejo:
Há gente desempregada,
Tanta terra abandonada!
É tão grande o Alentejo!

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in CD “É Tão Grande o Alentejo”, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 1997; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD2, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006)
Outra versão: Dulce Pontes & Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in CD “O Primeiro Canto”, de Dulce Pontes, Polydor B.V. the Netherlands/Universal, 1999; CD “O Círculo Que Leva a Lua”, do Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde”, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2003)

No nosso Alentejo

[ Trigueira de raça ]

No nosso Alentejo
é tão lindo ouvir
cantar as ceifeiras,
ver as mondadeiras
no campo a sorrir.

Trigueira de raça,
quem te fez assim
ceifando os trigais,
ouvindo os teus ais
com pena de mim?

Eu por ti chorando
alegre e cantando
sinto o teu desejo,
linda trigueirinha,
linda alentejana,
dá-me cá um beijo.

À sombra da silva
é que eu adormeço
sonhando contigo.
Linda alentejana,
eu não te mereço.

Popular Alentejano

No tempo da Primavera

No tempo da Primavera,
há lindas flores no prado.
Canta, ó lindo passarinho,
ao nascer do sol doirado.

Ao nascer do Sol doirado,
Ó meu amor, quem me dera,
Pisando os mimosos prados
No tempo da Primavera.

Letra e música: Popular (Baixo Alentejo)
Intérprete: Grupo Coral “Os Ceifeiros de Cuba” (in CD “Musical Traditions of Portugal”, col. Traditional Music of the World, vol. 9, Smithsonian Folkways/International Institute for Traditional Music, 1994)

Nove casas

[ Aldeia ]

Nove casas,
duas ruas,
ao meio das ruas
um largo,
ao meio do largo
um poço de água fria.

Tudo isto tão parado
e o céu tão baixo
que quando alguém grita para longe
um nome familiar
se assustam pombos bravos
e acordam ecos no descampado.

Poema: Manuel da Fonseca (in “Planície”, Coimbra: Novo cancioneiro, 1941; “Poemas Completos”, Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1958; “Poemas Completos”, pref. Mário Dionísio, 2.ª edição, Lisboa: Portugália Editora, 1963 – p. 93; “Poemas Completos”, pref. Mário Dionísio, 5.ª edição, Lisboa: Forja, 1975 – p. 106)
Música: Paulo Ribeiro
Intérprete: Paulo Ribeiro com Manuel João Vieira (in CD “O Céu Como Tecto e o Vento Como Lençóis”, Açor/Emiliano Toste, 2017)

Poemas de Manuel da Fonseca, canções de Paulo Ribeiro
Poemas de Manuel da Fonseca, canções de Paulo Ribeiro

Ó Alentejo dos pobres

[ Margem Sul (Canção Patuleira) ]

Ó Alentejo dos pobres,
reino da desolação,
não sirvas quem te despreza,
é tua a tua nação.

Não vás a terras alheias
lançar sementes de morte.
É na terra do teu pão
que se joga a tua sorte.

Terra sangrenta de Serpa,
terra morena de Moura,
vilas de angústia em botão,
doce raiva em Baleizão.

Ó margem esquerda do Verão
mais quente de Portugal,
margem esquerda deste amor
feito de fome e de sal.

A foice dos teus ceifeiros
trago no peito gravada,
ó minha terra morena
como bandeira sonhada.

Terra sangrenta de Serpa,
terra morena de Moura,
vilas de angústia em botão,
doce raiva em Baleizão.

Adriano Correia de Oliveira, Margem Sul

Poema: Urbano Tavares Rodrigues
Música: Adriano Correia de Oliveira
Intérprete: Adriano Correia de Oliveira (in “Margem Sul”, Orfeu, 1967; “Obra Completa”, Movieplay, 1994)

Ó Ana

Ó Ana, ó Ana, ó Ana,
Dá um jeitinho à cintura!
Lá na tua terra, ó Ana,
Nem a tua mãe te atura!

Nem a tua mãe te atura
Nem o S. Bartolomeu!
Ó Ana, ó Ana, ó Ana,
Tu és minha e eu sou teu!

Tu és minha e eu sou teu!
Eu sou teu e tu és minha!
Ó Ana, ó Ana, ó Ana,
Dá lá mais uma voltinha!

Muito gosto eu de ver
As pernas às raparigas:
Se são grossas ou delgadas,
Se são curtas ou compridas!

Ó Ana, ó Ana, ó Ana,
Dá um jeitinho à cintura!
Lá na tua terra, ó Ana,
Nem a tua mãe te atura!

Nem a tua mãe te atura
Nem o S. Bartolomeu!
Ó Ana, ó Ana, ó Ana,
Tu és minha e eu sou teu!

Tu és minha e eu sou teu!
Eu sou teu e tu és minha!
Ó Ana, ó Ana, ó Ana,
Dá lá mais uma voltinha!

Meu amor é pequenino:
Às escuras não no acho;
Uma pulga deu-lhe um coice:
Deitou-o da cama abaixo.

Ó Ana, ó Ana, ó Ana,
Dá um jeitinho à cintura!
Lá na tua terra, ó Ana,
Nem a tua mãe te atura!

Nem a tua mãe te atura
Nem o S. Bartolomeu!
Ó Ana, ó Ana, ó Ana,
Tu és minha e eu sou teu!

Tu és minha e eu sou teu!
Eu sou teu e tu és minha!
Ó Ana, ó Ana, ó Ana,
Dá lá mais uma voltinha!

Já dormi na tua cama,
Já mijei no teu penico,
Já te tirei três vinténs…
Nem por isso estou mais rico.

Ó Ana, ó Ana, ó Ana,
Dá um jeitinho à cintura!
Lá na tua terra, ó Ana,
Nem a tua mãe te atura!

Nem a tua mãe te atura
Nem o S. Bartolomeu!
Ó Ana, ó Ana, ó Ana,
Tu és minha e eu sou teu!

Tu és minha e eu sou teu!
Eu sou teu e tu és minha!
Ó Ana, ó Ana, ó Ana,
Dá lá mais uma voltinha!

Letra e música: Tradicional (Baixo Alentejo)
Arranjo: Artesãos da Música
Intérprete: Artesãos da Música
Versão discográfica dos Artesãos da Música (in CD “Puleando”, Artesãos da Música/ARMA, 2012)

Ó águia que vais tão alta

Ó águia que vais tão alta,
voando de pólo em pólo,
leva-me ao céu onde eu tenho
a mãe que me trouxe ao colo.

A mãe que me trouxe ao colo
ficou-me fazendo falta,
voando de pólo em pólo,
ó águia que vais tão alta.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Afonso Dias
(in CD “Geometria do Sul”, Edere, 2002)

O Alentejo é que é

[ Cidades, Vilas e Montes ]

O Alentejo é que é
O celeiro da nação;
Nós somos alentejanos,
Nós somos alentejanos,
Somos da terra do pão.

É linda a Reforma Agrária
Nos campos do Alentejo:
Aumentou a produção,
Deu para todos mais pão,
É isso que eu mais invejo.

Cidades, vilas e montes,
Unidade a trabalhar:
Só assim a reacção,
Gente má sem coração,
Nunca mais pode passar.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in LP “Os Ganhões de Castro Verde”, Metro-Som, 1980, reed. Metro-Som, ?; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD1, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006)

O Alentejo não tem sombras

[ As Flores da Nossa Terra ]

O Alentejo não tem sombras
Se não as que vêm do céu;
E o camponês tem abrigo,
E o camponês tem abrigo
Às abas do seu chapéu.

Flores da nossa terra
Que abandonaram as mães
Numa linda romaria
Feita com muita alegria:
Foram dar a Guimarães.

Foram dar a Guimarães,
Recordação que se encerra;
Abandonaram as mães
E foram a Guimarães
Flores da nossa terra.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in LP “Os Ganhões de Castro Verde”, Metro-Som, 1980, reed. Metro-Som, ?; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD1, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006)

Ó Estação de Ourique

Ó Estação de Ourique
Onde eu tive amores!
Onde há pirolitos
E também há flores.

Tem um largo ao meio
Mesmo na estação,
Param os comboios
Que vão p’ra Garvão.

Salta a malta nova
Vinda no furgão;
Grita o maquinista
E o chefe da estação.

E os moços pequenos
Sempre a saltitar;
Ficam para o balho,
Querem é dançar!

Vêm do Carregueiro
Casével e Aivados;
Da vila de Ourique
Chegam convidados.

Muito bem trajados
De Castro chegando,
Vêm cantadores
Modas entoando.

Cantam aos amores
Que estão espreitando;
E a tasca do Mendes
Já está esperando.

Ali num cantinho
Vão servindo copos:
Há sempre bom vinho
Chouriço e tremoços.

O chefe da estação
Junta a filharada
Com banjos, violão
E voz afinada.

Começam as danças
No Salão dos Nobres:
Velhos e crianças
E ricos e pobres.

Ai a balhação!
Aì a brincadeira!
Já está na estação
O comboio p’rá Funcheira.

Seguem seus destinos,
Uns ficam deitados:
Parecem meninos
Muito embriagados.

Ó Estação de Ourique
Onde eu tive amores!
Onde há pirolitos
E também há flores.

Tem um largo ao meio
Mesmo na estação,
Param os comboios
Que vão p’ra Garvão.

Salta a malta nova
Vinda no furgão;
Grita o maquinista
E o chefe da estação.

E os moços pequenos
Sempre a saltitar;
Ficam para o balho,
Querem é dançar!

Letra e música: Francisco Naia
Intérprete: Francisco Naia (in CD “Francisco Naia e a Ronda Campaniça”, Francisco Naia/Ovação, 2012)

O mar deixou o Alentejo

[ Se fores ao Alentejo ]

O mar deixou o Alentejo
onde trouxe canções de oiro
mas volta a matar saudades
mas ondas do trigo loiro.

Se fores ao Alentejo,
vai vai vai vai vai.
Não te esqueças, dá-lhe um beijo,
ai ai ai ai.

Nas capelas e nos montes
há sorrisos de brancura
onde fala a voz de Deus
na voz da cal e da alvura.

Sobe o sol e abrasa a terra
a fecundar as espigas
à sombra das azinheiras
na dolência das cantigas.

Por lonjuras e planuras,
oh solidão, solidão,
eu quero paz no trabalho
p’ra poder ganhar o pão.

Popular do Alentejo

Ó moças façam arquinhos

Arquinhos (II)

Ó moças façam arquinhos!
Ó moças façam arcadas!
P’ra passar o meu benzinho,
P’ra passar a minha amada.

P’ra passar a minha amada,
P’ra passar o meu benzinho,
Ó moças façam arquinhos!
Ó moças façam arcadas!

Ó moças façam arquinhos!
Ó moças façam arcadas!
P’ra passar o meu benzinho,
P’ra passar a minha amada.

P’ra passar a minha amada,
P’ra passar o meu benzinho,
Ó moças façam arquinhos!
Ó moças façam arcadas!

Ó moças façam arquinhos!
Ó moças façam arcadas!
P’ra passar o meu benzinho,
P’ra passar a minha amada.

P’ra passar a minha amada,
P’ra passar o meu benzinho,
Ó moças façam arquinhos!
Ó moças façam arcadas!

Cadernos de Danças do Alentejo

Letra e música: Tradicional (Alentejo)
Intérprete: Aqui Há Baile (in CD “Caderno de Danças do Alentejo – adaptações”, Associação Pédexumbo/Caracol Secreto, 2013)

O Sol é que alegra o dia

[ Menina Florentina ]

O Sol é que alegra o dia
Pela manhã quando nasce
Ai de nós o que seria
Se o Sol um dia faltasse

Ó menina Florentina
És a flor que em meu peito domina
Seu amante delirante
De viagem chegou neste instante

Já cá está o tiroliroliro tiroliroliro
Já cá está o tiroliroliro tiroliroló
Já cá está o tiroliroliro ó amor
Tiroliroliro abre a porta, ó branca flor

Não me inveja de quem tem
Carros, parelhas e montes
Só me inveja de quem bebe
Água em todas as fontes

Ó menina Florentina
És a flor que em meu peito domina
Seu amante delirante
De viagem chegou neste instante

Já cá está o tiroliroliro tiroliroliro
Já cá está o tiroliroliro tiroliroló
Já cá está o tiroliroliro ó amor
Tiroliroliro abre a porta, ó branca flor

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Janita Salomé / Grupo “Vozes do Sul”* (in CD “Vozes do Sul: uma celebração do cante alentejano” , Capella, 2000)

Ó terra morena deitada ao sol

[ Fado do Alentejo ]

Ó terra morena deitada ao sol,
Quero ser a alma do ganhão,
Cheia de horizonte, cântico de fonte,
Catedral do trigo, azeite e pão!

Ó terra morena deitada ao sol,
Quero ser a alma da cegonha
Que sobe no vento e ouve o lamento
Do homem que, ao sul, trabalha e sonha!

Alentejo das casas de cal,
Alentejo do sobro e do sal;
Alentejo poejo, alecrim,
Alentejo das terras sem fim.

Ó terra morena deitada ao sol,
Quero ser a alma do sobreiro:
Estática, selvagem, dona da paisagem
Afrontando o tempo a corpo inteiro!

Alentejo das casas de cal,
Alentejo do sobro e do sal;
Alentejo poejo, alecrim,
Alentejo das terras sem fim.

Ó terra morena deitada ao sol,
Quero ser a alma do ganhão,
Cheia de horizonte, cântico de fonte,
Catedral do trigo, azeite e pão!

Letra: Rosa Lobato de Faria
Música: Rão Kyao
Arranjo: Rabih Abou-Khalil
Intérprete: Ricardo Ribeiro* (in CD “Largo da Memória”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2013)
Primeira versão de Ricardo Ribeiro: Rão Kyao & Ricardo Ribeiro (in 2CD “Em’Cantado”: CD 1, Universal, 2009)
Versão original: Manuel de Almeida – “Alma do Ganhão” (in CD “Fado”, Movieplay, 1996)

Olha o passarinho

Letra e música: Popular do Alentejo
Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos (in CD “Terra de Abrigo”, Ocarina, 2003) .

Olha o passarinho
que bem que ele canta.
Quando está cantando,
parece que tem
uma guitarra na garganta.

E olha o rouxinol
vai fazer o ninho
dentro do balsedo
p’ra cantar sem medo,
olha o passarinho!

E a moda vai alta,
não lhe posso chegar.
Cantem-na baixinho,
mais devagarinho
que eu quero cantar.

Olhos marotos

[ Vai Colher a Silva ]

Olhos marotos
Que já foram meus
Agora são doutro
Paciência adeus

Vai colher a silva
Vai lindo amor vai
Se ela te picar
Não digas ai ai

Não digas ai ai
Não digas ai ui
Vai colher a silva
Vai que eu também já fui

Ó coração praia
Das embarcações
Onde desembarcam
As minhas paixões

Vai colher a silva
Vai lindo amor vai
Se ela te picar
Não digas ai ai

Não digas ai ai
Não digas ai ui
Vai colher a silva
Vai que eu também já fui

Letra e música: Popular (Baixo Alentejo)
Arranjo: Pedro Fragoso
Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos / Grupo Coral Guadiana de Mértola (in CD “Sulitânia”, Ocarina, 2007)

Oliveira e Parreirinha

[ A Tasca do Encalha ]

Oliveira e Parreirinha
Encontram o Tó Careca:
Com a dor que se avizinha
Vão beber uma caneca.

Dão a mão ao Zé Padeiro,
E o braço ao Quim Margarida;
Chamam o Chico Pedreiro,
Vão afogar-se em bebida.

Abraçam-se p’lo caminho,
Até à Tasca do Encalha:
Lá o tintol é fresquinho
E à volta ninguém se espalha.

Tintol, caracol,
Tintão, carrascão,
Com rodelas de limão;
Verdinho, verducho,
Verdete, verdacho,
Mas que graça que eu te acho!

Venha lá outra rodada
Com tapinhas e tremoços!
O tintol é tão maduro
Que até arreganha os ossos.

Vira lá mais um copinho!
Tira outro do briol!
Traz alcagoita torrada
E um pires de caracol!

Diz o Quim para o Oliveira,
Pondo um ar grave no rosto:
«Que uma boa bebedeira
Mata-nos qualquer desgosto!»

Tintol, caracol,
Tintão, carrascão,
Com rodelas de limão;
Verdinho, verducho,
Verdete, verdacho,
Mas que graça que eu te acho!

Mas que graça que eu te acho!…

Letra e música: Francisco Naia
Intérprete: Francisco Naia com Vitorino (in CD “Francisco Naia e a Ronda Campaniça”, Francisco Naia/Ovação, 2012)

Ora ponha aqui

[ Pezinho dos Caçadores ]

Ora ponha aqui,
Ora ponha aqui o seu pezinho!
Ora ponha aqui,
Ora ponha aqui ao pé do meu!

Ai ao tirar,
Ai ao tirar o seu pezinho,
Ai um abraço,
E um abraço lhe dou eu!

Ai dizem mal,
Ai dizem mal dos caçadores,
Ai por matarem,
Por matarem os pardais…

Ai os teus olhos,
Os teus olhos, meu amor,
Ainda matam,
Ainda matam muito mais!

Ora ponha aqui,
Ponha aqui o seu pezinho!
Ora ponha aqui,
Ponha aqui ao pé do meu!

Ai ai ao tirar,
Ao tirar o seu pezinho,
Um abraço lhe dou eu!

Ai dizem mal,
Dizem mal dos caçadores,
Por matarem os pardais…

Os teus olhos, meu amor,
Ainda matam,
Ainda matam muito mais!

Ora ponha aqui o seu pezinho!
Ora ponha aqui ao pé do meu!

Ao tirar o seu pezinho,
Ai um abraço lhe dou eu!

Ai dizem mal dos caçadores,
Por matarem os pardais…

Os teus olhos, meu amor,
Ainda matam muito mais!

Letra e música: Tradicional (Ourique / Castro Verde, Baixo Alentejo)
Informantes: Manuel Bento (Aldeia Nova, Ourique) e Pedro Mestre (Sete, Castro Verde)
Recolha: Lia Marchi (in “Caderno de Danças do Alentejo”, Associação Pédexumbo e Olaria Cultural, 2010 – p. 53)
Intérprete: Aqui Há Baile (in CD “Caderno de Danças do Alentejo – adaptações”, Associação Pédexumbo/Caracol Secreto, 2013)

Olival alentejano
Olival alentejano
 

Papoilas vermelhas

[ Querido Alentejo ]

Papoilas vermelhas
Criadas ao vento
São cravos de Abril:
Deixai-os florir
No meu pensamento.

Querido Alentejo,
Minha terra amada:
Eu nunca me esqueço
De seres Alentejo,
És sempre lembrada.

Teus cravos vermelhos
Já não murcharão;
Tens o privilégio
De seres Alentejo,
Celeiro da nação.

Vem o mês de Abril,
Cresce a saudade;
Vem o nosso povo
E a cantar de novo:
«Viva a liberdade!»

Querido Alentejo,
Minha terra amada:
Eu nunca me esqueço
De seres Alentejo,
És sempre lembrada.

Teus cravos vermelhos
Já não murcharão;
Tens o privilégio
De seres Alentejo,
Celeiro da nação.

Letra e música: Tradicional (Alentejo)
Arranjo: Há Lobos Sem Ser na Serra
Intérprete: Há Lobos Sem Ser na Serra
Primeira versão do grupo Há Lobos Sem Ser na Serra (in CD “Cantares do Sul e da Utopia”, Há Lobos Sem Ser na Serra/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Pelo toque da viola

Intérprete: Rancho de cantadores de Aldeia Nova de São Bento

Penteei o meu cabelo

[Moda:]

Penteei o meu cabelo,
Penteei-o para trás,
Com uma travessa nova
Que me deu o meu rapaz.

Que me deu o meu rapaz
Toda cheia de pedrinhas;
Penteei o meu cabelo,
Ficou-me todo às ondinhas.

Ficou-me todo às ondinhas,
Ficou-me todo ondulado;
Penteei o meu cabelo
Para trás e para o lado.

[ Cantiga: ]

Há ondas, meu bem, há ondas,
Há ondas sem ser no mar:
Há ondas no teu cabelo,
Há ondas no teu olhar.

Penteei o meu cabelo,
Penteei-o para trás,
Com uma travessa nova
Que me deu o meu rapaz.

Que me deu o meu rapaz
Toda cheia de pedrinhas;
Penteei o meu cabelo,
Ficou-me todo às ondinhas.

Ficou-me todo às ondinhas,
Ficou-me todo ondulado;
Penteei o meu cabelo
Para trás e para o lado.

[ Cantiga: ]

Há ondas, meu bem, há ondas,
Há ondas sem ser no mar:
Há ondas no teu cabelo,
Há ondas no teu olhar.

Letra e música: Tradicional (Alentejo)
Intérprete: Aqui Há Baile (in CD “Caderno de Danças do Alentejo – adaptações”, Associação Pédexumbo/Caracol Secreto, 2013) [Gravado no Festival Andanças, Castelo de Vide, 21 Ago. 2013
Introdução: Grupo Coral Feminino “As Papoilas do Corvo”, ensaiado por Pedro Mestre

Por eu ser alentejano

[ Há Lobos Sem Ser na Serra ]

Por eu ser alentejano,
Alguém me chamou ladrão:
Foi o que eu nunca chamei
A quem me roubava o pão.

Há lobos sem ser na serra,
Eu ainda não sabia…
Debaixo do arvoredo
Trabalham com valentia.

Trabalham com valentia
Cada um na sua arte;
Eu ainda não sabia:
Há lobos em toda parte.

Maldita sociedade,
Estás tão mal organizada:
Quem não trabalha tem tudo,
Quem trabalha não tem nada!

Há lobos sem ser na serra,
Eu ainda não sabia…
Debaixo do arvoredo
Trabalham com valentia.

Trabalham com valentia
Cada um na sua arte;
Eu ainda não sabia:
Há lobos em toda parte.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in CD “O Círculo Que Leva a Lua”, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2003; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD2, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006)

Quando eu tinha 15 anos

[ Camponês alentejano ]

Intérprete: Grupo Coral Vozes da Aldeia

Quando o melro assobia

[ Castro Verde É Nossa Terra ]

Quando o melro assobia,
Escondido nos silvados:
Quer de noite, quer de dia,
São lindos os seus trinados.

Castro Verde é nossa terra!
Ai quem nos dera lá estarmos agora
P’rá mocidade, com saudade,
Ouvir cantar como ouvi outrora.

Terra bela
Tão desejada!
Casa singela
De branco caiada!

Eu nunca esqueço
Que foste meu berço,
Lindo cantinho
Desta pátria amada!

Grupo Coral de Castro Verde “Os Ganhões da nossa terra”

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in LP “Castro Verde É Nossa Terra”, Valentim de Carvalho, 1975; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD1, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006)

Que é da casaquinha?

[ Casaquinha (dança marcada) ]

Que é da casaquinha?
(Oli doli doli dó!)
Está toda rasgada.
(Ó purum pum pum!)

Já não vai à missa,
(Oli doli doli dó!)
Sem ser amanhada.
(Ó purum pum pum!)

Que é da casaquinha?
(Oli doli doli dó!)
Está toda rasgada.
(Ó purum pum pum!)

Já não vai à missa,
(Oli doli doli dó!)
Sem ser amanhada.
(Ó purum pum pum!)

Que é da casaquinha?
(Oli doli doli dó!)
Está toda rasgada.
(Ó purum pum pum!)

Já não vai à missa,
(Oli doli doli dó!)
Sem ser amanhada.
(Ó purum pum pum!)

Que é da casaquinha?
(Oli doli doli dó!)
Está toda rasgada.
(Ó purum pum pum!)

Já não vai à missa,
(Oli doli doli dó!)
Sem ser amanhada.
(Ó purum pum pum!)

Que é da casaquinha?
(Oli doli doli dó!)
Está toda rasgada.
(Ó purum pum pum!)

Já não vai à missa,
(Oli doli doli dó!)
Sem ser amanhada.
(Ó purum pum pum!)

Que é da casaquinha?
(Oli doli doli dó!)
Está toda rasgada.
(Ó purum pum pum!)

Já não vai à missa,
(Oli doli doli dó!)
Sem ser amanhada.
(Ó purum pum pum!)

Letra e música: Tradicional (Ourique / Castro Verde, Baixo Alentejo)
Informantes: Manuel Bento (Aldeia Nova, Ourique) e Pedro Mestre (Sete, Castro Verde)
Recolhas: Lia Marchi (in “Caderno de Danças do Alentejo”, Associação Pédexumbo e Olaria Cultural, 2010 – p. 46-48)
Intérprete: Aqui Há Baile (in CD “Caderno de Danças do Alentejo – adaptações”, Associação Pédexumbo/Caracol Secreto, 2013)

Quem disse que o Alentejo

[ É Tarde, Vou-me Deitar ]

Quem disse que o Alentejo
Vive de costas p’ró mar
Não viu aquilo que eu vejo
Não viu aquilo que eu vejo
Nas ondas do teu olhar

Ceifeira, os teus cabelos
Enrodilhados ao vento
São baraços de novelos
São baraços de novelos
Que esvoaçam pelo tempo

São teus olhos dois barquinhos
Onde vão pescar os meus
Como as searas do mar
Como as searas do mar
Que se agitam num adeus
É tarde, vou-me deitar
É tarde, vou-me deitar
e sonhar com os olhos teus
É tarde, vou-me deitar
É tarde, vou-me deitar
e sonhar com os olhos teus

Lá longe, no horizonte
Onde o Sol se vai deitar
O trigo serve de ponte
O trigo serve de ponte
Entre a terra e entre o mar

De dia guardo o rebanho
À noite sou marinheiro
Faço veleiros com sonhos
Faço veleiros com sonhos
Navego por mar trigueiro

São teus olhos dois barquinhos
Onde vão pescar os meus
Como as searas do mar
Como as searas do mar
Que se agitam num adeus
É tarde, vou-me deitar
É tarde, vou-me deitar
e sonhar com os olhos teus
É tarde, vou-me deitar
É tarde, vou-me deitar
e sonhar com os olhos teus

É tarde, vou-me deitar
É tarde, vou-me deitar
e sonhar com os olhos teus
É tarde, vou-me deitar
É tarde, vou-me deitar
e sonhar com os olhos teus
É tarde, vou-me deitar
É tarde, vou-me deitar
e sonhar com os olhos teus
É tarde, vou-me deitar
É tarde, vou-me deitar
e sonhar com os olhos teus

Luís Galrito, Menino do Sonho Pintado

Letra e música: Paulo Abreu de Lima
Intérprete: Luís Galrito com João Afonso (in CD “Menino do Sonho Pintado”, Kimahera, 2018)

Quem trabalha e mata a fome

[ Bem Podia a Andorinha ]

Quem trabalha e mata a fome
Não come o pão de ninguém;
Mas quem não trabalha e come,
Come sempre o pão de alguém.

Bem podia a andorinha
Fazer paragem no chão;
Bem podia o meu amor
Ser firme ao meu coração.

Ser firme ao meu coração,
Ser firme e não me enganar;
Bem podia a andorinha
Fazer paragem no ar.

Bem podia quem tem muito
Repartir por quem não tem:
O rico ficava rico
E o pobre ficava bem.

Bem podia a andorinha
Fazer paragem no chão;
Bem podia o meu amor
Ser firme ao meu coração.

Ser firme ao meu coração,
Ser firme e não me enganar;
Bem podia a andorinha
Fazer paragem…

Letra: António Aleixo (1.ª quadra) e tradicional do Baixo Alentejo
Música: Tradicional (Baixo Alentejo)
Intérprete: Afonso Dias
Primeira versão de Afonso Dias, com Teresa Silva (in CD “Andanças & Cantorias”, Bons Ofícios – Associação Cultural, 2016)

Quem tiver olhos azuis

[ Fui-te Ver, Estavas Lavando ]

[ Cantiga: ]

Quem tiver olhos azuis
Bem os pode arrecadar:
Os olhos azuis são poucos,
São custosos de alcançar.

[ Moda: ]

Fui-te ver, estavas lavando
No rio sem assabão;
Lavas em água de rosas,
Fica-te o cheiro na mão.

Fica-te o cheiro na mão,
Fica-te o cheiro no fato;
Se eu morrer e tu ficares,
Adora-me o meu retrato!

Adora-me o meu retrato,
Adora meu coração!
Fui-te ver, estavas lavando
No rio sem assabão.

[ Cantiga: ]

Menina, tire a camisa [bis]
Que tem à sua janela!
A camisa sem a dona [bis]
Lembra-me a dona sem ela.

[ Moda: ]

Fui-te ver, estavas lavando
No rio sem assabão;
Lavas em água de rosas,
Fica-te o cheiro na mão.

Fica-te o cheiro na mão,
Fica-te o cheiro no fato;
Se eu morrer e tu ficares,
Adora-me o meu retrato!

Adora-me o meu retrato,
Adora meu coração!
Fui-te ver, estavas lavando
No rio sem assabão.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Arranjo: Monda e Ruben Alves
Intérprete: Monda (in CD “Monda”, Monda/Tánaforja, 2016)

Quero ir para o altinho

[ Moda: ]

Quero ir para o altinho
Que eu daqui não vejo bem;
Quero ir ver do meu amor
Se ele adora mais alguém.

Se ele adora mais alguém
Ou se ele ama a mim sozinho;
Que eu daqui não vejo bem,
Quero ir para o altinho.

[ Cantiga: ]

A alegria de uma vida
É amar só o nosso bem;
Nasce a dor e fica a vida
Sem sentido e sem ninguém.

Fica a vida sem sentido
E só a morte é companheira;
Ai de mim, o que farei
Agora com a vida inteira?!

Letra e música: Tradicional (Baixo Alentejo)
Arranjo: António Prata
Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos (in 2CD “Alçude”: CD 1, Ovação, 2001)
Primeira versão da Ronda dos Quatro Caminhos (in LP “Amores de Maio”, Contradança, 1986, reed. Ovação, 1992, 1997)

Ribeira vai cheia

Ribeira vai cheia
e o barco não anda.
Tenho o meu amor
lá daquela banda.

Lá daquela banda
e eu cá deste lado;
ribeira vai cheia
e o barco parado.

(Popular – Alentejo)

Roendo uma laranja na falésia

[ Porto Covo ]

Roendo uma laranja na falésia
Olhando o mundo azul à minha frente,
Ouvindo um rouxinol nas redondezas,
No calmo improviso do poente

Em baixo fogos trémulos nas tendas
Ao largo as águas brilham como prata
E a brisa vai contando velhas lendas
De portos e baías de piratas

Havia um pessegueiro na ilha
Plantado por um vizir de Odemira
Que dizem que por amor se matou novo
Aqui, no lugar de Porto Covo

A lua já desceu sobre esta paz
E reina sobre todo este luzeiro
À volta toda a vida se compraz
Enquanto um sargo assa no brazeiro

Ao longe a cidadela de um navio
Acende-se no mar como um desejo
Por trás de mim o bafo do destino
Devolve-me à lembrança do Alentejo

Havia um pessegueiro na ilha
Plantado por um vizir de Odemira
Que dizem que por amor se matou novo
Aqui, no lugar de Porto Covo

Roendo uma laranja na falésia
Olhando à minha frente o azul escuro
Podia ser um peixe na maré
Nadando sem passado nem futuro

Havia um pessegueiro na ilha
Plantado por um vizir de Odemira
Que dizem que por amor se matou novo
Aqui, no lugar de Porto Covo

Rui Veloso, O Concerto Acústico

Letra: Carlos Tê
Música: Rui Veloso
Intérprete: Rui Veloso (in “Rui Veloso”, EMI-VC, 1986; “Ao Vivo”, EMI-VC, 1988; “O Concerto Acústico”, EMI, 2003)

Rompe a aurora

[ Primavera alentejana ]

Rompe a aurora, nasce o dia
iluminando o montado.
Como um hino à alegria
ouve-se balir o gado.

Roxo, verde e amarelo,
olho à volta é o que vejo.
Não há nada assim tão belo,
ó meu querido Alentejo.

Refrão:
Lindos campos verdejantes
matizados de papoilas,
já não são como eram antes
mondados pelas moçoilas.

Perfumados de poejo
os campos de solidão,
é assim o Alentejo
que trago no coração.

O melro canta no silvado,
o grilo no buraquinho,
e eu por ti apaixonado,
Alentejo, meu cantinho.

Roda Pé, Escarpados Caminhos

Refrão

Poema: Hermínia Gaidão Costa (em memória de Margarida Gaidão)
Música: Hermínia Costa / Rodapé
Intérprete: Roda Pé (in CD “Escarpados Caminhos”, 2004

Rosa Branca Desmaiada

Rosa branca desmaiada,
Onde deixaste o cheiro?
Deixei-o no meu quintal,
À sombra do limoeiro.

À sombra do limoeiro,
Por não ter sido regada.
Onde deixaste o cheiro,
Rosa branca desmaiada?

Ó luar da meia-noite,
Não digas à minha amada
Que eu passei à rua dela
Às quatro da madrugada!

Às quatro da madrugada
Que eu passei à rua dela.
Ó luar da meia-noite,
Não digas à minha amada!

Letra e música: Tradicional (Baixo Alentejo)
Intérprete: Real Companhia (in CD “Orgulhosamente Nós!”, Lusogram, 2000)

Roubei-te um beijo

Intérprete: De Moda em Moda

Rouxinol repenica o cante

Rouxinol repenica o cante
ao passar da passadeira.
Nunca mais tornas a Beja, oh ai,
sem passares à Vidigueira,

sem passares à Vidigueira,
sem ires beber ao falcante
e ao passar da passadeira, oh ai,
rouxinol repenica o cante.

Eu gosto muito de ouvir
cantar a quem aprendeu.
Se houvera quem me ensinara, oh ai,
quem aprendia era eu.

Rouxinol repenica o cante
ao passar da passadeira.
Nunca mais tornas a Beja, oh ai,
sem passares à Vidigueira.

Sem passares à Vidigueira,
sem ires beber ao falcante
e ao passar da passadeira, oh ai,
rouxinol repenica o cante.

Letra e música: Popular; adaptação: Vitorino
Intérprete: Vitorino (in “Os Malteses”, Orfeu, 1977; “Negro Fado”, EMI-VC, 1988)

Vitorino, Os Malteses

Santa Cruz é a nossa terra

Santa Cruz é a nossa terra
Beja é o nosso distrito,
O concelho é Almodôvar
Não há nada mais bonito.

Santa Cruz é a nossa terra
Rodeada de olivais,
Com suas casas branquinhas
E os seus antigos beirais.

E os seus antigos beirais
É a nossa tradição,
Santa Cruz é a nossa terra
Terra da nossa paixão.

Aldeia de Santa Cruz
É terra que eu mais invejo,
Ficas à beira da serra
Mesmo ao sul do Alentejo.

Santa Cruz é a nossa terra
Rodeada de olivais,
Com suas casas branquinhas
E os seus antigos beirais.

E os seus antigos beirais
É a nossa tradição,
Santa Cruz é a nossa terra
Terra da nossa paixão.

(Popular – Santa Cruz, Baixo Alentejo)

Santa Vitória, Ervidel

[ O Homem da Campaniça (Ao Ricardo Fonseca) ]

Santa Vitória, Ervidel:
Minha cantiga é castiça,
Minha voz doce de mel,
Meus dedos na campaniça.

Rosa, Mariana, Maria:
Todas me ouviram cantar,
Fosse de noite ou de dia
Ou com um sol de abrasar.

Rasguei modas e cantares,
Dízimas disse, que eu fiz;
Andei por muitos lugares
Ora alegre ora infeliz.

Andei com moças brejeiras,
Mulheres feitas, ricas donas;
Dormi com elas nas eiras
E na apanha de azeitonas.

Inda hoje eu sou falado
Da serra à charneca inteira,
Pelo homem da campaniça
Tocando à sua maneira.

Com a minha campaniça
Nas tabernas, no baldão,
Toda a gente me conhece
De Beja a Corte Malhão…

Letra e música: Francisco Naia
Intérprete: Francisco Naia (in CD “Francisco Naia e a Ronda Campaniça”, Francisco Naia/Ovação, 2012)

Sambombita, sambombita

Sambombita, sambombita
Yo te tengo que romper!
A la puerta de mi novia
No quisiste tocar bien.

Abre la tristeza que pasa por mi,
Las mozas del baile me dicen así:

Pandereterita, moza,
Pandereterás,
No te vayas
Sí no quieres
Que yo me muera!

Esta noche es Nochebuena,
Es noche de hacer briñuelos;
Mas mi madre no los hace
Porque no tiene dinero.

Abre la tristeza que pasa por mi,
Las mozas del baile me dicen así:

Pandereterita, moza,
Pandereterás,
No te vayas
Sí no quieres
Que yo me muera!

Los ratones de mi casa
Tienen la fea costumbre
De rascar a los cojones
Con el gancho de la lumbre.

Abre la tristeza que pasa por mi,
Las mozas del baile me dicen así:

Pandereterita, moza,
Pandereterás,
No te vayas
Sí no quieres
Que yo me muera!

Al subir las escaleras
Te vi las ligas azules,
Y un poco más arriba…
Sábado, domingo y lunes.

Abre la tristeza que pasa por mi,
Las mozas del baile me dicen así:

Pandereterita, moza,
Pandereterás,
No te vayas
Sí no quieres
Que yo me muera!

Letra e música: Tradicional (Barrancos, Baixo Alentejo)
Arranjo: Artesãos da Música
Intérprete: Artesãos da Música
Versão discográfica dos Artesãos da Música (in CD “Puleando”, Artesãos da Música/ARMA, 2012)

São chegados os Três Reis

[ Reis ]

São chegados os Três Reis
à porta do lavrador
Se tem a mulher bonita
a filha é uma flor

Que cavalos são aqueles
que fazem sombra no Mar
São os três do Oriente
que a Jesus vão adorar

O menino chora, chora
porque anda descalcinho
Haja quem lhe dê as meias
que eu lhe dou os sapatinhos

Nossa Senhora lavava
e São José estendia
E o menino chorava
com o frio que fazia

Calai-vos meu menino
calai-vos meu amor
Isto são navalhinhas
que cortam sem dor

Saíram as três Marias
de noite pelo luar
Em busca do Deus menino
sem No poderem achar

Foram-No achar em Roma
vestidinho no altar
Com cálix d’oiro na mão
missa nova quer cantar

E dai-la esmola e… e dai-la esmola bem dada
Para quem, para quem vier pedir
que ela lhe, que ele lhe sirva de escada
Para quando, para quando ao céu subir

Letra e música: Popular (Redondo – Alentejo)
Intérprete: Janita Salomé / cantadores de Redondo* (in CD “Vozes do Sul: uma celebração do cante alentejano”, Capella, 2000)

Se eu for preso por cantar

[ Sarapateado ]

Se eu for preso por cantar
Não calarei a garganta;
Eu sou como o passarinho
Que até na gaiola canta.

Vai sim, meu bem, sarapatear!
Quem quiser bailar traga bom calça…,
Traga bom calça…, traga bom calçado!
Vai sim, meu bem, sarapateado. [bis]

À porta da minha sogra
Vem uma silva nascendo;
Todos passam, não se enleiam,
Só eu na silva me prendo.

Vai sim, meu bem, sarapatear!
Quem quiser bailar traga bom calça…,
Traga bom calça…, traga bom calçado!
Vai sim, meu bem, sarapateado. [bis]

Vai sim, meu bem, sarapatear!
Quem quiser bailar traga bom calça…,
Traga bom calça…, traga bom calçado!
Vai sim, meu bem, sarapateado. [4x]

Letra e música: Tradicional (Alentejo)
Arranjo: Há Lobos Sem Ser na Serra
Intérprete: Há Lobos Sem Ser na Serra
Primeira versão do grupo Há Lobos Sem Ser na Serra (in CD “Cantares do Sul e da Utopia”, Há Lobos Sem Ser na Serra/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Há lobos sem ser na serra, Cantares do Sul e da Utopia

Se fores ao Alentejo

Se fores ao Alentejo
Não leves vinho nem pão:
Leva o coração aberto,
E ao lado do coração
Leva a rosa da justiça
E o teu filho pela mão.

Se fores ao Alentejo
Não leves vinho nem pão.
Se fores ao Alentejo
Não leves vinho nem pão.

Se fores ao Alentejo
Não leves vinho nem pão:
Leva o teu braço liberto
Para abraçar teu irmão;
Esse irmão que está tão perto
Do teu aperto de mão
E que tão longe amanhece
Nos campos da solidão.

Se fores ao Alentejo
Não leves vinho nem pão.

Se fores ao Alentejo
Não leves vinho nem pão:
Leva a alegria de seres
Irmão de quem vai parir
Uma seara de trigo,
Uma charneca a florir,
Um rebanho e um abrigo
E um amanhã que há-de vir
Como se fosse outro amigo
Dentro do sol, a sorrir.

Se fores ao Alentejo
Não leves vinho nem pão.

Se fores ao Alentejo
Não leves vinho nem pão:
Leva o coração aberto
E o teu filho pela mão.
Leva o coração aberto
E o teu filho pela mão.

Se fores ao Alentejo
Não leves vinho nem pão.
Se fores ao Alentejo
Não leves vinho nem pão.

Letra: Eduardo Olímpio
Música: Carlos Alberto Moniz
Intérprete: Carlos Alberto Moniz
Versão original: Carlos Alberto Moniz (in Livro/2CD “O Vinho dos Poetas”: CD 2, Carlos Alberto Moniz/Ovação, 2014)

Se fores ao mar pescar

Se fores ao mar pescar,
Pesca-me uma margarida!
Margarida, és meu amor,
Que andava no mar perdida.

Que andava no mar perdida,
No meio de água salgada;
Pesca-me uma margarida,
Margarida, és minha amada!

Letra e música: Tradicional (Beja, Baixo Alentejo)
Recolha: Michel Giacometti (in LP “Alentejo”, série “Antologia da Música Regional Portuguesa”, Arquivos Sonoros Portugueses/Michel Giacometti, 1965; 5CD “Portuguese Folk Music”: CD 4 – Alentejo, Strauss, 1998)
Intérprete: Macadame* (in Livro/CD “Firmamento”, Macadame, 2016)

Semeei salsa ao reguinho

[ Semear Salsa ao Reguinho ]

Semeei salsa ao reguinho
Hortelã daquela banda
Para lograr os teus carinhos
Tive que andar em demanda

Tive que andar em demanda
Para lograr os teus carinhos
Hortelã daquela banda
Semeei salsa ao reguinho

Não julgues por eu cantar
Que a vida alegre me corre
Eu sou como um passarinho
Tanto canta até que morre

Letra e música: Popular (Alentejo)
Recolha e arranjo: Vitorino
Intérprete: Vitorino (in “Semear Salsa ao Reguinho”, Orfeu, 1975; reed. Movieplay, 1999; CD “Ao Vivo A Preto e Branco”, Magic Music/Som Livre, 2007)

Vitorino, Semear Salsa ao Reguinho

Senhora que és padroeira

[ Nossa Senhora do Carmo ]

Senhora que és padroeira
Da nossa terra hospitaleira

Nossa Senhora do Carmo
Que está no seu altar
Todos lá vamos ajoelhar
E a cantar, a cantar
Vamos rezar

Oremos p’la nossa voz
Nossa Senhora rogai por nós

Nossa Senhora do Carmo
Que está no seu altar
Todos lá vamos ajoelhar
E a cantar, a cantar
Vamos rezar

Unidos a uma voz
Nossa Senhora rogai por nós

Nossa Senhora do Carmo
Que está no seu altar
Todos lá vamos ajoelhar
E a cantar, a cantar
Vamos rezar

(Popular – Alentejo)

Silva, Silva, Enleio, Enleio

Castro Verde

Castro Verde

[ dança encadeada ]

Moda:

Silva, silva, enleio, enleio!
Silva, silva, enleado, enleado!
Não me venhas cá dizer,
Ó sim, sim, meu bem-amado!

Ó sim, sim, meu bem-amado!
Ó sim, sim, ó meu recreio!
Silva, silva, enleado, enleado!
Silva, silva, enleio, enleio!

Letra e música: Tradicional (Castro Verde, Baixo Alentejo)
Informantes: Grupo Coral Feminino “As Atabuas” (São Marcos da Ataboeira, Castro Verde) e Pedro Mestre (Sete, Castro Verde)
Recolha: Lia Marchi (in “Caderno de Danças do Alentejo”, Associação Pédexumbo e Olaria Cultural, 2010 – p. 42-45)
Intérprete: Aqui Há Baile (in CD “Caderno de Danças do Alentejo – adaptações”, Associação Pédexumbo/Caracol Secreto, 2013)

Castro Verde
Castro Verde

Solidão, ai dão, ai dão

Solidão, ai dão, ai dão,
Para mim quer sim, quer não;
Vem a morte e leva a gente,
Quem não há-de ter paixão?

Quem não há-de ter paixão?
Quem paixão não há-de ter?
Solidão, ai dão, ai dão,
Resistir até morrer.

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Bernardo Charrua “Calabaça” (in CD “Monda”, de Monda*, Monda/Tánaforja, 2016)

Suspirava por te ver

[ Ó Menina Florentina ]

Suspirava por te ver,
Já matei a saudade.
Muito custa uma ausência
P’ra quem ama na verdade.

Ó menina Florentina,
És a flor que em meu peito domina!
Seu amante, delirante,
De viagem chegou nesse instante.

Já cá está tiro-liro-li, tiro-liro-lé!
Já cá está tiro-liro-li, tiro-liro-ló!
Já cá está tiro-liro-li, meu amor,
Tiro-liro-li abre a porta, ó branca flor!

Anda cá para meus braços,
Se tu vida queres ter!
Os meus braços dão saúde
A quem está para morrer.

Ó menina Florentina,
És a flor que em meu peito domina!
Seu amante, delirante,
De viagem chegou nesse instante.

Já cá está tiro-liro-li, tiro-liro-lé!
Já cá está tiro-liro-li, tiro-liro-ló!
Já cá está tiro-liro-li, meu amor,
Tiro-liro-li abre a porta, ó branca flor!

Graças a Deus que chegou
Quem eu desejava ver:
Deu palavra, não faltou,
Assim é que deve ser.

Ó menina Florentina,
És a flor que em meu peito domina!
Seu amante, delirante,
De viagem chegou nesse instante.

Já cá está tiro-liro-li, tiro-liro-lé!
Já cá está tiro-liro-li, tiro-liro-ló!
Já cá está tiro-liro-li, meu amor,
Tiro-liro-li abre a porta, ó branca flor!

Letra e música: Tradicional (Alentejo)
Intérpretes: Ana Tomás & Ricardo Fonseca (in CD “Canções de Labor e Lazer”, Ana Tomás & Ricardo Fonseca, 2017)

Tá preso o João Brandão

[ Mais Brando João Brandão ]

‘Tá preso o João Brandão
Às grades do Limoeiro;
Mais brando…
Às grades do Limoeiro.

Era rico, agora é pobre…
Olha o que faz o dinheiro!
Mais brando…
Olha o que faz o dinheiro!

Estando eu na minha loja,
Encostadinho ao balcão,
Mais brando…
Encostadinho ao balcão,

Ouvi uma voz dizer:
“‘Tá preso o João Brandão.”
Mais brando…
“‘Tá preso o João Brandão.”

Ouvi uma voz dizer:
“‘Tá preso o João Brandão.”
Mais brando…
Mais Brando João Brandão.

Monda – grupo de cante alentejano

Letra: Popular (Alentejo)
Música: Monda
Intérprete: Monda com o Grupo de cantadores de Portel (in CD “Monda”, Monda/TáNaForja, 2016)

Trago um jardim no sentido

[ Jardim dos Sentidos ]

Trago um jardim no sentido,
Por ter sentido o que sinto:
Amor que não faz sentido
Num coração louco e faminto.

No jardim do meu sentido
Nascem cravos cardinais;
Também eu nasci no mundo
P’ra te querer cada vez mais.

No jardim do rei há rosas,
Também há malvas de cheiro;
Não há luz como a do dia,
Nem amor como o primeiro.

Coração louco e faminto,
Rosa que tenho sentido;
Jardim que anda perdido,
Por ter sentido o que sinto.

No jardim do meu sentido
Nascem cravos cardinais;
Também eu nasci no mundo
P’ra te querer cada vez mais.

No jardim do rei há rosas,
Também há malvas de cheiro;
Não há luz como a do dia,
Nem amor como o primeiro.

Por ter sentido o que sinto,
Amor que não faz sentido,
Jardim que anda perdido,
Trago um jardim no sentido.

No jardim do meu sentido
Nascem cravos cardinais;
Também eu nasci no mundo
P’ra te querer cada vez mais.

No jardim do rei há rosas,
Também há malvas de cheiro;
Não há luz como a do dia,
Nem amor como o primeiro.

Trago um jardim no sentido…

Letra e música: Pedro Mestre
Intérprete: Pedro Mestre com António Zambujo (in CD “Campaniça do Despique”, Viola Campaniça Produções Culturais/Pedro Mestre, 2015)
Outra versão de Pedro Mestre com António Zambujo (in DVD “No CCB: Pedro Mestre & Convidados”, Pedro Mestre, 2017)

Uma estrela se foi pôr

[ Canção ao Menino ]

Uma estrela se foi pôr
Em cima duma cabana
A cabana era pequena
Não cabiam todos três
Adoravam o menino
Cada um da sua vez

E abram-se lá essas portas
Ainda não estão bem abertas
Que nasceu o Deus menino
Vou-lhe dar as Boas Festas

Boas Festas meus senhores
Boas Festas lhes vou dar
Que nasceu o Deus menino
Alta noite de Natal

E alta Noite de Natal
Noite de santa alegria
Que nasceu o Deus menino
Filho da Virgem Maria

Senhora dona da casa
Deixe-se estar que está bem
Mande-nos dar a esmola
Por essa rosa que aí tem

Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos* (in CD “Terra de Abrigo”, Ocarina, 2003)

Ronda dos Quatro Caminhos, Terra de Abrigo

Vai ao centro, vai ao meio

Vai ao centro, vai ao meio!
Agora vou andar
Com o meu amor em passeio;
Agora é que eu vou andar
Com meu amor em passeio.

Vá de roda, cantem todas
Cada qual sua cantiga!
Eu também cantarei,
Eu também cantarei uma
Que a mocidade me obriga.

Vá de roda, cantem todas
Cada qual sua cantiga!
Que eu também cantarei uma
Que a mocidade me obriga.

Vai ao centro…

[ Moda: ]

Vai de centro ao centro ao centro!
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou andar
Com meu amor em passeio.

Com meu amor em passeio,
Com meu bem a passear,
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou andar.

[ Cantiga: ]

Vá de roda, cantem todos
Cada qual sua cantiga!
Que eu também cantarei uma
Que a mocidade me obriga.

[ Moda: ]

Vai de centro ao centro ao centro!
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou andar
Com meu amor em passeio.

Com meu amor em passeio,
Com meu bem a passear,
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou andar.

[ Moda: ]

Vai de centro ao centro ao centro!
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou andar
Com meu amor em passeio.

Com meu amor em passeio,
Com meu bem a passear,
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou andar.

[ Cantiga: ]

Minha mãe, p’ra m’eu casar,
Ofereceu-me uma panela;
Depois de me ver casada,
Partiu-me a cara com ela.

[ Moda: ]

Vai de centro ao centro ao centro!
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou andar
Com meu amor em passeio.

Com meu amor em passeio,
Com meu bem a passear,
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou andar.

Letra e música: Tradicional (Alentejo)
Intérprete: Aqui Há Baile (in CD “Caderno de Danças do Alentejo – adaptações”, Associação Pédexumbo/Caracol Secreto, 2013)

Vai colher a rosa

Vai colher a rosa
Vai colhê-la, vai.
Se ela te picar
Não digas ai ai.

Não digas ai ai
Não digas ai ui
Vai colher a rosa
Vai, vai que eu também fui.

O meu lindo amor
Já não me visita
É certo que tem
Outra mais bonita.

Outra mais bonita
Outro bem querer.
O meu lindo amor
Já não me vem ver.

(Popular – Alentejo)

Vamos nós seguindo

Vamos nós seguindo,
por esses campos fora…
Que a manhã vem vindo
dos lados da aurora.

Dos lados da aurora
a manhã vem vindo.
Por esses campos fora,
vamos nós seguindo.

(Popular – Alentejo)

Venho da ilha dos vidros

[ Ilha dos Vidros ]

[Moda:]

Venho da ilha dos vidros,
Da praia dos diamantes;
Vivo no mundo perdido
Pelos teus olhos brilhantes.

Pelos teus olhos brilhantes,
Pelo teu rosto de prata;
Ter amores não me custa,
Deixá-los é que me mata.

[Cantiga:]

Os teus olhos é que são
A causa de eu te querer bem:
Que não me deixam tomar
Amizade a mais ninguém.

[Moda:]

Venho da ilha dos vidros,
Da praia dos diamantes;
Vivo no mundo perdido
Pelos teus olhos brilhantes.

Pelos teus olhos brilhantes,
Pelo teu rosto de prata;
Ter amores não me custa,
Deixá-los é que me mata.

[Cantiga:]

A paixão me há-de matar,
É o mais certo que eu tenho:
Não me há-de deixar gozar
Um amor que eu faço empenho.

[Moda:]

Venho da ilha dos vidros,
Da praia dos diamantes;
Vivo no mundo perdido
Pelos teus olhos brilhantes.

Pelos teus olhos brilhantes,
Pelo teu rosto de prata;
Ter amores não me custa,
Deixá-los é que me mata.

Venho da ilha dos vidros,
Da praia dos diamantes;
Vivo no mundo perdido
Pelos teus olhos brilhantes.

Pelos teus olhos brilhantes,
Pelo teu rosto de prata;
Ter amores não me custa,
Deixá-los é que me mata.

Letra e música: Tradicional (Baixo Alentejo)
Arranjo: José Manuel David
Intérprete: Pedro Mestre* com cantadores do Sul (in CD “Campaniça do Despique”, Viola Campaniça Produções Culturais/Pedro Mestre, 2015)
Outras versões com Pedro Mestre: Grupo de Violas Campaniças (in CD “Ilha dos Vidros”, Associação de Cante Alentejano “Os Cardadores”, 2006); 4uatro ao Sul (in CD “Demudado em Tudo”, 4uatro ao Sul/Ocarina, 2011); Pedro Mestre com 4uatro ao Sul (in DVD “No CCB: Pedro Mestre & Convidados”, Pedro Mestre, 2017)

Pedro Mestre, Campaniça do Despique

Vim do campo

[ Tira o Capotinho ]

Vim do campo, já ceei;
Hoje vou dar uma voltinha:
Vou à venda, bebo um copo,
Regresso de manhãzinha.

Esta noite, nem me eu deito
Sem primeiro ouvir cantar;
Gosto de ouvi-lo bem feito
E em certo particular.

Tira o capotinho, sim, sim!
Esta noite havemos ver;
Tira o capotinho, sim, sim,
Esta noite ao amanhecer!

Esta noite soprou vento
Com pontinhas de suão:
Abriram-se as rosas todas
Dentro do teu coração.

Para ver a minha amada,
Espreitei à sua janela;
Ela já estava deitada,
Fui-me embora a pensar nela.

Tira o capotinho, sim, sim!
Esta noite havemos ver;
Tira o capotinho, sim, sim,
Esta noite ao amanhecer!

O cantar de madrugada
É uma coisa excelente:
Acorda quem está dormindo,
Alegra quem está doente.

Toda a noite eu andei
Por estradas tão medonhas,
Sempre sonhando contigo;
Só comigo tu não sonhas…

Tira o capotinho, sim, sim!
Esta noite havemos ver;
Tira o capotinho, sim, sim,
Esta noite ao amanhecer!

Letra: Popular (Baixo Alentejo) e Francisco Naia
Música: Popular (Baixo Alentejo)
Intérprete: Francisco Naia (in CD “Francisco Naia e a Ronda Campaniça”, Francisco Naia/Ovação, 2012)

Francisco Naia e a Ronda Campaniça