Canções políticas

Janita Salomé

Canções políticas

Letras

Ali Está o Rio

Ali está o rio,
Dois homens na margem estão;
Se um dá um passo, o outro hesita…
Será um valente? O outro não?

Bom negócio faz um deles,
Tem o triunfo na mão;
Do outro lado do rio
Só um come o fruto, o outro não.

Ao outro, passado o p’rigo,
Novos castigos virão;
Se ambos venceram o rio,
Só um tudo ganha, o outro não.

Na margem já conquistada,
Só um venceu a valer;
Perdeu o outro a saúde,
Mas nada ganhou p’ra viver.

Quem diz “nós” saiba ver bem
Se diz a verdade ou não;
Ambos vencemos o rio,
A mim quem me vence é o patrão.

Letra: José Afonso, a partir da versão portuguesa, por Luiz Francisco Rebello, da peça “A Excepção e a Regra”, de Bertolt Brecht (levada à cena pelo Teatro de Amadores da Beira, Moçambique, em 1966)
Música: José Afonso
Intérprete: José Afonso (in LP “Enquanto Há Força”, Orfeu, 1978, reed. Movieplay, 1987, 1996, Art’Orfeu Media, 2013, Mais Cinco, 2023)

Reciclanda

Reciclanda, reutilização, música e poesia para um mundo melhor

O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.

Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração), realiza oficinas de música durante o ano letivo e dinamiza atividades em colónias de férias. Municípios, Escolas, Agrupamentos, Colégios, Festivais, Bibliotecas, CERCI, Centros de Formação, Misericórdias, Centros de Relação Comunitária, podem contratar serviços Reciclanda.

Contacte-nos:

António José Ferreira
962 942 759

É quando um chão de lama

[ Barca em Chão de Lama ]

É quando um chão de lama
se instala e nos comanda
que a injustiça avança
e a raiva se proclama
é quando D. Quixote
o peito acende e brama
irreverente a espada
imorredoura a chama
é quando os homens longe
repousam distraídos
que a cobra traiçoeira
lhes tapará os ouvidos
e a boca e o saber
e a vida tutelar
e o mais que for preciso
p’ra não deixar pensar

Mas sopra a barca o vento
doutra razão de ser
e rasga o mar e alcança
e rompe e quer viver
da ilha p’ra que rumo
não há qualquer registo
mas diz que viver lá
é muito mais que isto

da ilha p’ra que rumo
não há qualquer registo
mas diz que viver lá
é muito mais que isto

Que façam mil favores
em crónicas variadas
meus olhos e distâncias
nunca serão compradas
e comam futebol
e mostrai-vos ao mundo
e engulam três novelas
com tal não me deslumbro
ocupados de dia
com a bicha do guichet
entretidos à noite
com a santa mãe TV
matai-vos por um carro
ou p’ra ter lantejoulas
que aqui na minha terra
cavalgo entre as papoulas

Mas sopra a barca o vento
doutra razão de ser
e rasga o mar e alcança
e rompe e quer viver
da ilha p’ra que rumo
não há qualquer registo
mas diz que viver lá
é muito mais que isto

da ilha p’ra que rumo
não há qualquer registo
mas diz que viver lá
é muito mais que isto

E a busca do sucesso
e o detergente ideal
aquilo é que é progresso
agora em Portugal
o creme adelgaçante
e outras coisas de interesse
a escola do miúdo
o IVA o IRS e a bolsa e o poder
aquilo é mesmo assim
se um dia o totoloto
ah me calhasse a mim
e o tipo aqui do lado
morreu ontem de enfarte
e uma vez por ano
Agosto em toda a parte!

Mas sopra a barca o vento
doutra razão de ser
e rasga o mar e alcança
e rompe e quer viver
da ilha p’ra que rumo
não há qualquer registo
mas diz que viver lá
é muito mais que isto

da ilha p’ra que rumo
não há qualquer registo
mas diz que viver lá
é muito mais que isto

Letra e música: Pedro Barroso
Intérprete: Pedro Barroso (in CD “Criticamente”, Lusogram, 1999)

Envio-lhe esta missiva

[ Vozes do Sul – Carta à Senhora Dona Europa ]

Envio-lhe esta missiva
De profundo desagrado
Por vê-la assim cativa
De usurários encartados

Sujeita a novos tormentos
Subvertidas são as leis
Vampiros a sugam sedentos
Ceptro na mão velhos reis

As contas dos euro-réis
Somam mentiras e medos
Já nos tiraram os anéis
Mas não nos levam os dedos

Cantando ao sol e à lua
Vozes do Sul
Já ao fundo da rua
Vozes do Sul

As contas dos euro-réis
Somam mentiras e medos
Já nos tiraram os anéis
Mas não nos levam os dedos

Cantando ao sol e à lua
Vozes do Sul
Já ao fundo da rua
Vozes do Sul

Poema e música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé
Versão original: Janita Salomé (in CD “Valsa dos Poetas”, Cantar ao Sol/Ponto Zurca, 2018)

Receosa me sinto

[ Cartão-de-Visita ]

Receosa me sinto,
nas cantigas me empenho:
faço da escrita uma arma
que manejo com engenho.

Finjo que digo o que sei,
esqueço o que finjo saber,
e sei que sempre cantei
esta maneira de ser.

Escrevi canções de amor e ternura,
mas outras canções foram pão-de-amargura.

Sei que me falta o tempo
p’ra dizer tudo o que penso:
se calo chamam-me falsa,
se digo não tenho senso.

Não sou espelho de ninguém
nem engano no parecer,
e sei que sempre cantei
esta maneira de ser.

Escrevi canções de amor e ternura,
mas outras canções foram pão-de-amargura.

Receosa me sinto,
nas cantigas me empenho:
faço da escrita uma arma
que manejo com engenho.

Finjo que digo o que sei,
esqueço o que finjo saber,
e sei que sempre cantei
esta maneira de ser.

Escrevi canções de amor e ternura,
mas outras canções foram pão-de-amargura.

Letra e música: Maria Guinot
Intérprete: Maria Guinot (in CD “Tudo Passa”, Medilivro, 2004)

Senhoras e meus senhores

[ Uns Vão Bem e Outros Mal ]

Senhoras e meus senhores,
façam roda por favor!…

Senhoras e meus senhores,
façam roda por favor,
cada um com o seu par!
Aqui não há desamores,
se é tudo trabalhador
o baile vai começar.

Senhoras e meus senhores,
batam certos os pezinhos,
como bate este tambor!
Não queremos cá opressores,
se estivermos bem juntinhos
vai-se embora o mandador.

Faz lá como tu quiseres,
folha seca cai ao chão;
eu não quero o que tu queres,
que eu sou doutra condição.

De velhas casas vazias,
palácios abandonados,
os pobres fizeram lares;
mas agora todos os dias,
os polícias bem armados
desocupam os andares.

P’ra que servem essas casas,
a não ser p’ra o senhorio
viver da especulação?
Quem governa faz tábua-rasa,
mas lamenta com fastio
a crise da habitação.
E assim se faz Portugal,
uns vão bem e outros mal.

Faz lá como tu quiseres,
folha seca cai ao chão;
eu não quero o que tu queres,
que eu sou doutra condição.

Tanta gente sem trabalho,
não tem pão nem tem sardinha
e nem tem onde morar;
do frio faz agasalho,
que a gente está tão magrinha
da fome que anda a rapar.

O governo dá solução:
manda os pobres emigrar
e os emigrantes que regressaram;
mas com tanto desemprego,
os ricos podem voltar
porque nunca trabalharam.
E assim se faz Portugal,
uns vão bem e outros mal.

Faz lá como tu quiseres,
folha seca cai ao chão;
eu não quero o que tu queres,
que eu sou doutra condição. 

E como pode outro alguém,
tendo interesses tão diferentes,
governar trabalhadores,
se aquele que vive bem
vivendo dos seus serventes
têm diferentes valores?

Não nos venham com cantigas,
não cantamos p’ra esquecer;
nós cantamos p’ra lembrar
que só muda esta vida
quando tiver o poder
o que vive a trabalhar.
Segura bem o teu par,
que o baile vai terminar!

Faz lá como tu quiseres,
folha seca cai ao chão;
eu não quero o que tu queres,
que eu sou doutra condição.

Letra e música: Fausto Bordalo Dias
Intérprete: Fausto Bordalo Dias (in LP “Madrugada dos Trapeiros”, Orfeu, 1977, reed. Movieplay, 1999)