barítono José de Freitas

JOSÉ DE FREITAS

José de Freitas, de nome completo José Cirilo de Freitas Silva, nasceu na Madeira e foi padre da Congregação da Missão (Padres Vicentinos). Já depois de padre, estudou nos conservatórios do Porto e de Lisboa, onde concluiu o Curso Superior de Canto com excelente classificação. Em 1978 tornou-se artista residente do Teatro Nacional de São Carlos onde se estreou com Schaunard em La Bohème. Foi intérprete de importantes papéis de barítono e de baixo-barítono em Portugal e no estrangeiro. Foi também diretor de coros e compositor de cânticos litúrgicos.

ENTREVISTA

Qual foi o primeiro momento em que se lembra de ter tido consciência de que a música era importante para si?

O primeiro momento?! Preferiria falar de uma pequena série de momentos… Concretizando: No meu 5º ano do seminário (hoje 9º ano), cerca dos 16 anos, quando a chamada “mudança de voz” era já algo acentuada, o meu ilustre professor de música, Padre António Ferreira Telles, poucos dias após ter-me convidado para tocar harmónio em algumas cerimónias litúrgicas (ele era o harmonista oficial, obviamente) e pedir-me para, alternadamente com outro colega, iniciar os cânticos na liturgia (o equivalente a solista), veio falar comigo na véspera da festa do Padroeiro do seminário (S. José), e disse-me: “Confio muito em ti para “segurares” a 4ª voz na missa solene de amanhã.” Ora aí tem um “puzzle” com bastante significado na minha “consciência musical” de jovem seminarista…

Quais os professores que mais o influenciaram no tempo de seminário?

Vou referir-me apenas a professores de música, obviamente. Desde os primeiros anos, tive uma veneração especial por um ilustre mestre, muito “sui generis”, mas muito competente e sabedor: o Padre António Ferreira Telles, a que atrás aludi. Era excelente harmonista, compositor, ótimo harmonizador. O Pe. Fernando da Cunha Carvalho, felizmente ainda entre nós, também teve influência na minha orientação musical, e não só. Mas vou salientar, sem querer ser injusto para os atrás citados e porventura outros, o Pe. João Dias de Azevedo, que muito me ajudou sobretudo no harmónio e no órgão, no Seminário de Mafra, onde fiz o meu noviciado (1954-1956). Nesse período, cheguei a tocar órgão em algumas celebrações dominicais e festas na Basílica de Mafra… E, para completar os anos do seminário, não poderei omitir o Pe. Fernando Pinto dos Reis (1929-2010).

Depois de ir para o seminário e de ser padre, quando é que se apercebeu de que cantar era o mais importante na sua vida profissional?

Como disse, cedo me iniciei e fui crescendo na função de solista. Continuei-a ao longo de todo o curso, alternando-a com o múnus de harmonista. Terminado o curso, fui incumbido da disciplina de Música (além de outras), no seminário menor. O concílio do Vaticano II acabava de privilegiar o vernáculo na liturgia. Iniciei a renovação de todo o repertório vigente. Eu próprio dei largas a uma velha paixão e iniciei a composição de cânticos em português, incluindo o “ordinário” e o “próprio” da missa para determinadas solenidades, além de outros cânticos circunstanciais. Aconselhado por não poucos, matriculei-me no Conservatório do Porto. Canto? Composição? Duas paixões. Muito incitado e encorajado pela professora D. Isabel Mallaguerra, decidi-me mais seriamente pelo canto, sem descurar a composição musical.

Após o curso geral de canto no Conservatório do Porto, vim a concluir o Curso Superior no Conservatório Nacional com a professora D. Helena Pina Manique. Com o programa do exame do curso superior concluído com alta classificação, fui convidado para vários recitais em Lisboa e não só. Iniciei logo de seguida o curso de ópera com o professor Álvaro Benamor e D. Helena Pina Manique. Fui admitido no Coro Gulbenkian, onde estive durante alguns meses até seguir para Paris com uma bolsa de estudos.

O diretor do Teatro Nacional de São Carlos, Eng. João Paes, que já me ouvira no Conservatório, convidou-me para, temporariamente, interromper o estágio em Paris e vir a Lisboa preparar o desempenho de um importante papel numa ópera portuguesa. Bem sucedido, pediu-me para, após o estágio parisiense, seguir para Florença, afim de preparar, com o famoso Gino Bechi, o importantíssimo papel de primeiro barítono (Lord Enrico d’Ashthon) da ópera Lucia di Lamermoor, de Donizetti. Cantei esse papel em novembro de 1977, no Teatro Rivoli (Porto)…

Toda esta “bola de neve” a partir da conclusão do curso superior de canto em 1974, todo o incrível desencadear de situações até finais de 1977, todo o ano de 1977 sobretudo, tudo isso responde à sua pergunta… Parafraseando, em contraste, um fadista, diria: “Ser cantor não foi meu sonho, mas cantar foi o meu fado…”

Dos anos em que estudou Música e Canto, que professores tiveram uma influência mais decisiva?

Nos conservatórios do Porto e de Lisboa, tive a felicidade de ser orientado respetivamente pelas professoras D. Isabel Mallaguerra e D. Helena Pina Manique, e ainda, por algum tempo, pela D. Arminda Correia, sem esquecer o Prof. Álvaro Benamor (cena).

Em Paris, como olvidar o trabalho com a famoso baixo Huc-Santana e o não menos célebre barítono Gabriel Bacquier? Em Itália, e aqui em Portugal, Gino Bechi foi simplesmente precioso no trabalho vocal e cénico. Este famoso barítono, que também me honrava com a sua amizade, cantou nos anos 40, em todos os grandes palcos do mundo. A sua famosa “entrega” aos espetáculos e nos espetáculos, quer cenicamente mas sobretudo vocalmente, levou-o a tal desgaste que teve de terminar a sua carreira por volta dos 40 anos, precisamente com a idade com que eu comecei…

Foi difícil deixar de ser padre e optar pela carreira musical?

Quando, em finais dos anos 60, me matriculei no Conservatório do Porto, confesso que o meu sonho era dar uma componente artística à minha missão de padre.

Começaram a surgir, porém, situações que não deixaram de me ir perturbando. Alguma confusão começou a instalar-se nos meus horizontes… Estávamos em pleno pós-74… Sobretudo a partir de 1977, comecei a sentir-me ultrapassado pelos acontecimentos. Tinham de ser tomadas decisões… Não podia viver na ambiguidade!… Houve muitas dúvidas, muitas incertezas… O meu Padre Provincial de então propôs-me fazer as duas coisas: padre e cantor… Tudo se desenrolava vertiginosamente… Eram convites para concertos, para óperas, etc.
Cheguei mesmo a atuar durante não pouco tempo, estando ainda no exercício do ministério… Fui chegando à conclusão de que as duas funções não faziam grande sentido… Em finais de 1978, acabei por tomar a decisão: pedi para Roma a dispensa do exercício das ordens. Não tive resposta fácil. Demorou mais de dois anos. Pelo meio, um apelo a que repensasse…

Qual foi o papel da Igreja na sua vida musical?

Primeiramente, como é obvio, penso em todo o curso do seminário. Para além de todos os aspetos da formação, a música da Igreja, o canto gregoriano, ocupou uma grande parte desse período, quer na teoria, quer na prática. O nosso Cantuale, um livro específico da Congregação da Missão com os mais belos cânticos gregorianos e muitos outros, a uma ou mais vozes, dominou grande parte desses anos, as nossas vozes e as nossas almas.

No seminário Maior, durante o curso de filosofia e teologia, para além das mais belas obras de polifonia sacra, cantávamos, todos os domingos e festas, o “comum” e o “próprio” em gregoriano, de acordo com o emblemático Liber Usualis, a mais completa obra do canto da Igreja. Tudo isto, naturalmente acompanhada da parte teórica, marca indelevelmente a minha personalidade e a minha formação musical. E não esqueço que quase sempre, alternadamente, fui organista e solista…

Após a ordenação, seguiram-se anos dominados pelo Concílio do Vaticano II, com uma série extraordinária de documentos sobre a música e a liturgia em vernáculo,com o aparecimento de excelentes compositores. E foram sempre surgindo, com os diversos papas, importantes documentos sobre a música litúrgica. Não posso esquecer os “famosos” cursos gregorianos de Fátima que frequentei.

Durante os anos 1977-1995, em que a vida artística teve o seu lado prioritário, nunca deixei de estar atento aos documentos da Igreja sobre música sacra e à obra de excelentes compositores que temos.

A partir de 1997, já no pós – S. Carlos, a pedido do meu grande amigo Conégo José Serrasina que acabava de ficar à frente da Paróquia dos Anjos, em Lisboa– a minha paróquia -, comecei a orientar o coro paroquial, tomando a peito a renovação dos cânticos e a dinamização litúrgica. Baseava-me sempre nos textos de cada celebração. Após 5 anos de intenso e profícuo trabalho, abracei outro projeto – na Capela do Palácio da Bemposta (Academia Militar), onde colaborei durante 13 anos (2003 – 2016). Durante este período, compus dezenas de cânticos que vieram a ser publicados pela Academia Militar, em 2012, num volume com o título Deus é Amor. Porque o “contexto” de então era “específico”, o referido volume irá “sofrer” brevemente substancial alteração.

Qual foi a maior deceção na sua vida?

Se me permite, não apresentaria uma mas duas deceções, e ambas no âmbito do mundo lírico. A primeira, logo de início. Tinha feito 40 anos. Eram diferentes, agora, o sonho e o ideal. Imaginava que perante mim, ia surgir um meio pleno de elevação, um ambiente superior, de arte, de cultura, etc. Cedo, porém, fui verificando e concluindo que as cores que sonhara belas, não, não o eram assim tanto… A realidade era bastante mais prosaica… Bem!… Respirei fundo, bem fundo, passe a expressão… E, vamos a isso!… Mas vamos mesmo! O desafio que ora iniciava era para ganhar, era mesmo para vencer!… E foi! Não tive o caminho atapetado de rosas, longe disso, muito longe! Foram necessárias uma fibra excecionalmente forte como considero ter, uma fé inabalável em Deus como efetivamente tenho, e também, obviamente, uma grande confiança nos talentos que Deus me deu, aliados à formação que tive (não poderei esquecê-lo!) E…aí vou eu!… E nem tudo foram espinhos, digamos em abono da verdade. Tive um público que me admirava e apoiava bastante, excelentes e excecionais críticas, outras nem tanto… E, entre um pessoal que rodava as três centenas (coro, orquestra, cantores, técnicos, etc), tive não poucos amigos e admiradores! Não esqueço que, logo no começo, nos primeiros ensaios, vi lágrimas nos olhos de algum do pessoal, ao verem a minha entrada enérgica, decidida, confiante, e pensando no “mundo” donde acabava de chegar… aos 40 anos!…

A segunda deceção foi no fim. Em finais de 92, a SEC, tendo à frente o Dr. Pedro Santana Lopes, achou por bem dissolver a Companhia Portuguesa de Ópera (cantores, orquestra, etc). Éramos 14 os cantores principais. Mesmo tendo em conta que eu continuava a cantar no país e não só, esta foi sem dúvida uma grande deceção. Aos 55 anos, encontrava-me no ponto mais alto da carreira, a nível vocal e cénico, na minha opinião e na de quantos me conheciam e ouviam! Esperava estar “em grande” mais uma boa dezena de anos… Lembrei-me então das palavras de Gino Bechi, quando, certo dia, nos anos 80, após fazer as célebres e espetaculares demonstrações, vocais e cénicas, durante um ensaio, e quando já contava perto dos 80 anos, teve este desabafo: “Agora é que eu sei cantar!”

Pois é!… Parafraseando o meu mestre, diria: “Agora… é que eu sabia cantar!…”

Qual foi o momento mais alto da carreira como cantor lírico?

Desempenhei os mais diversos papéis de 1º barítono, de baixo-barítono, papéis característicos, enfim, foram cerca de 50… Nunca tive um fracasso nos meus desempenhos. Pelo contrário! Escolher o momento mais alto?!… É difícil!… Estou a lembrar-me de não poucos… Do “Le Grand-Prêtre de Dagom” da ópera Samson et Dalila, de Saint-Saëns, em 1983. Quis preparar o papel em Lyon com o meu ex-professor de Paris, o grande barítono Gabriel Bacquier. Estou a recordar-me do “Dulcamara” da ópera L’Elisir d’Amore, de Donizetti, em 1984 e 1985… Do “Rocco”, da ópera Fidelio de Beethoven… Enfim, não vou alongar-me na citação de outras boas e belas hipóteses…

Mas vou escolher como momento mais alto uma ópera fora do estilo clássico: a ópera Kiú, do compositor espanhol Luís de Pablo, levada à cena em 1987 no Teatro Nacional de São Carlos. O meu papel de Babinshy, o pivô da ópera, na sua grande espetacularidade e dificuldade vocal e cénica, foi na verdade um momento muito alto na minha carreira! Não foi por acaso que o próprio compositor Luís de Pablo e o maestro Jesús Ramón Encimar me convidaram, 5 anos depois (dezembro de 1992 – janeiro de 1993), para interpretar em Madrid o mesmo papel!…

Quais foram os cantores líricos mundiais que mais o inspiraram?

Estavam na moda, nos anos 60, cantores líricos que deveras nos entusiasmavam. Lembro-me, por exemplo, de Mário Lanza, de Luís Mariano, de Alfredo Krauss que vim a conhecer em São Carlos, e com o qual contracenei, inicialmente, num ou noutro pequeno papel. E vários outros, quase todos tenores. O meu tipo de voz é de barítono ou de baixo-barítono. Mas foi sobretudo a partir do Curso Superior de Canto que comecei a interessar-me por vozes líricas, o que é absolutamente natural. Dado o meu tipo de voz, cerca de cinco ou seis cantores internacionais dominavam particularmente os meus gostos. Comecemos pelos alemães Dietrich Fischer-Dieskau e Hermann Prey, barítonos. O primeiro, absolutamente excecional em lied, tendo cantado praticamente tudo o que havia nesse domínio. Muitos o consideraram o maior músico do século XX. Foi inclusivamente maestro de música sacra. Ouvi-o ao vivo em Paris. Hermann Prey era superior como ator. As suas interpretações em óperas de Mozart, Rossini, Donizetti ficaram memoráveis. Outros dois barítonos ou baixo-barítonos, Fernando Corena e Rolando Panerai, eram também grandes cantores e atores, mais característicos que os anteriores. Outro barítono que, vocalmente (não cenicamente) me enchia as medidas, era Piero Cappuccilli. Era um barítono a que eu chamaria heróico-dramático, com uma incrível potência de voz. Jamais esquecerei o seu desempenho em Simon Boccanegra de Verdi, no São Carlos…

Poderia obviamente alongar-me, no que às vozes masculinas diz respeito. Mas também não posso deixar de me referir a vozes femininas que, além de nós deixarem siderados, tanto nos ensinaram! Antes de mais, Maria Callas!… Depois, uma Victoria de los Angeles que cheguei a ouvir na Gulbenkian. Fiorenza Cossotto, Mirella Freni, Christa LudwigMonserrat Caballé que ouvi em Paris dirigida por Leonard Bernstein… Uma Joan Sutherland, La Stupenda, a tal que cantou a Traviata no Coliseu na famosa noite de 24 para 25 de abril de 1974, com o já citado Alfredo Kraus… E eu estava lá!…

Quais os músicos portugueses mais influentes na sua carreira?

Por músicos, entendo compositores, professores, pianistas, ensaiadores, “pontos”, cantores, e, porque não, críticos… Antes de mais, as minhas duas professoras nos conservatórios do Porto e de Lisboa, respetivamente: Isabel Malaguerra e Helena Pina Manique. A professora D. Arminda Correia fez de forma extraordinária a breve transição entre uma e outra. Álvaro Benamor, na classe de ópera. A pianista Maria Helena Matos que me acompanhou com enorme competência desde o Conservatório Nacional, incluindo o exame final, e praticamente em todos os recitais que fui dando ao longo da carreira. O maestro Armando Vidal, músico de gema, com o qual preparei, como a generalidade dos artistas, quase todos os papéis que tinha a desempenhar nas dezenas de óperas em que fui interveniente. Entre os maestros – “pontos” – , não esquecerei o maestro Pasquali que tão competentemente orientou, durante os primeiros tempos, as nossas intervenções em palco, e o maestro Ascenso de Siqueira, grande e bom amigo e incrível ser humano… Tive a felicidade de trabalhar com encenadores como António Manuel Couto Viana, que me honrava com a sua amizade, Carlos Avillez (em várias óperas), Luís Miguel Cintra, João Lourenço

Cantores? Álvaro Malta, Hugo Casaes, Elizette Bayan, Armando Guerreiro, e outros… Lembro-me ainda de preciosas “dicas” que me deu Álvaro Malta

Compositores? Antes de mais, o Prof. Cândido Lima. Conheci-o em Paris. Conversávamos muito. Não esqueço o dia em que ele me apresentou ao seu amigo Iannis Xenakis… Fomos juntos a vários concertos. Preparei, com ele ao piano, algumas obras suas para canto. Foi meu pianista num concurso de canto em que fui premiado… Tudo isto em Paris, em 1977.

Com o grande compositor Fernando Lopes-Graça, tive a honra de preparar um importante papel de solista na sua obra As Sete Predicações d’Os Lusíadas, em vista à estreia mundial da mesma no VI Festival da Costa do Estoril (1980).
Joly Braga Santos honrava-me com a sua amizade e admiração. Com ele ensaiei o papel de solista na sua Cantata Das Sombras, sobre texto de Teixeira de Pascoaes, para primeira audição mundial no Teatro de S. Luís, a 27 de julho de 1985, com o Coro Gulbenkian, e enquadrada no XI Festival de Música da Costa do Estoril. De Joly Braga Santos nunca poderei esquecer as suas palavras, em pleno palco, no fim da última récita da sua Trilogia das Barcas, em maio de 1988: “Estou a compor uma ópera, para a Expo de Sevilha (daí a 4 anos), baseada numa obra de Frederico Garcia Llorca, Bodas de Sangue e tenho um muito bom papel para si”. Entretanto, o maestro falecia 2 meses depois, a 18 de julho de 1988, o que constituíu uma grande perda para o País, para a cultura portuguesa.

Quanto a críticos, devo dizer que, entre outros, Francine Benoit, João de Freitas Branco, José Blanc de Portugal muito me encorajaram e elogiaram!

E hoje, o que acha da evolução da ópera em Portugal?

Francamente, tenho dificuldade em responder. Há cerca de vinte e cinco anos, após a extinção da Companhia Portuguesa de Ópera e de ter dado como terminada a minha carreira lírica, abracei outro projeto e alheei-me bastante desse tema. Sei que, sobretudo por razões orçamentais, a programação se ressente, e muito. Tudo parece ser diferente. Repito: não tenho dados que me permitam fazer qualquer juízo de valor…

O que pensa do papel da música na Igreja?

Desde o Seminário Maior, fui lendo atentamente, e mais que uma vez, os documentos papais que surgiram desde o princípio do século XX:
o Motu próprio de São Pio X (1903) sobre a Restauração da Música Sacra;
a Constituição Apostólica Divini Cultus (1928) no pontificado de Pio XI, sobre a liturgia e a música sacra; a Encíclica Musicae Sacrae Disciplina (1953), do Papa Pio XII, sobre a Música Sacra, vocal e instrumental.

Logo após o Concílio do Vaticano II, surge a Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium (1963), a realçar que “a acção litúrgica reveste maior nobreza quando é celebrada com canto, com a presença dos ministros sagrados e a participação ativa do povo”. E quando fala de canto, obviamente que se refere ao canto sagrado intimamente unido com o texto. E se o canto gregoriano ocupa sempre um lugar privilegiado em igualdade de circunstâncias, não são excluídos os outros géneros de música sacra mormente a Polifonia, desde que em harmonia com o espírito da ação litúrgica, e de acordo com os diversos tempos litúrgicos, com as diversas celebrações e os vários momentos da celebração. Compositores, organistas, mestres de coro, cantores, músicos (instrumentistas) devem formar um todo para o esplendor do canto.

Alguns anos após o Concílio, a famosa Instrução Musicam Sacram (1967), da Sagrada Congregação dos Ritos, é a síntese, diria perfeita, do que à Música Sacra diz respeito, desde o canto na celebração da missa, passando pela preparação de melodias para os textos em vernáculo, depois a música para instrumental, o Canto no Ofício, etc etc.

O assunto levar-nos-ia ainda a três ou quatro intervenções de São João Paulo II, a uma célebre conferência do Cardeal Ratzinger (mais tarde Papa Bento XVI) em 1985, a uma Nota Pastoral dos nossos bispos por ocasião do Ano Europeu da Música (em novembro de 1985).

E o nosso Papa Francisco, por mais de uma vez, tem insistido que a Música Sacra e Canto Litúrgico devem estar plenamente inculturados nas linguagens artísticas atuais.

Quais os compositores que mais ouve e, desses, que obras prefere?

J.S. Bach é incontornável. Oiço com frequência, por exemplo, a Cantata do Café, cuja ária Hat man nicht mit seinen kindern fez parte do programa do meu exame do Curso Superior de Canto de Concerto, e foi uma das provas de acesso ao Coro Gulbenkian, em novembro de 1974; a Missa em Si m, cujas árias de baixo cantei; e a Paixão Segundo S. João, em que interpretei o papel de Jesus, no Porto, em abril de 1977, quando ainda estagiava em Paris…
Haëndel (O Messias, e Música Aquática); Beethoven (Sinfonias 3, 6 e 9) e a ópera Fidelio, cujo papel de Rocco desempenhei em junho de 1986; Mozart (o Requiem que, enquanto membro do Coro Gulbenkian, cantei no Coliseu em 1975, com gravação para a Erato; a Sinfonia nº 40, etc etc); Haydn (A criação, a Missa de Santa Cecília e a Sinfonia Concertante); Bizet (Carmen); Bramhs (Um Requiem Alemão);Rossini (Stabat Mater); Tchaickowsky (Romeu e Julieta e Francesa da Rimini; Dvorak (Sinfonia nº 9, O Novo mundo); Ravel (Bolero); Rodrigo (Concerto de Aranjuez); Strauss (valsas); Elgar (Concerto para violoncelo).

E muito, muito mais, obviamente.

O que o levou a colecionar livros e discos?

Certamente, e de uma forma geral, o meu gosto pela música, a ligação à Igreja, o meu profissionalismo, a cultura. É claro que tudo se desenrola de acordo com as diversas etapas da vida:

a minha função de professor de Música (além de outras disciplinas) no seminário menor, após a minha formação, e o começo dos meus estudos no Conservatório;

a minha transição para a vida pastoral, durante 3 anos;

a minha ida para Lisboa para concluir o curso Superior, do Conservatório, e a minha curta passagem pela Fundação Gulbenkian;

o meu estágio de dois anos em Paris, concluído com 2 meses em Itália;

o começo e a continuação da minha carreira lírica no Teatro Nacional de São Carlos;

os 3 anos pós-São Carlos em que continuei a minha carreira;

o abraçar de novo projeto: “trabalhar” um coro inserido numa missão pastoral na Paróquia dos Anjos (Lisboa), a minha Paróquia, a partir de 1997 e, posteriormente, de 2003 a 2016, na capela do Palácio da Bemposta (Academia Militar);

e porque não dizê-lo, as minhas viagens de automóvel, algumas longas, nos anos 70 e daí para cá, para já não falar da minha própria casa…

Como vê, são muitas as etapas e as circunstâncias em que procurei estar sempre em dia e dentro das exigências das mesmas. Livros, discos, cassetes, CDs, DVDs eram verdadeiros instrumentos de trabalho, de cultura, de ocupação, de prazer…

Julgo ter sintetizado as razões da minha importante biblioteca e discoteca, das quais progressivamente e criteriosamente, me vou voluntariamente desfazendo.

Antes da sua formação académica no conservatório, que lugar tinha a música erudita no seu papel de formador no seminário?

Além de renovar completamente o repertório de cânticos religiosos que vinha de há longos anos (o que supunha rodear-me de bom material), comecei a interessar-me por vozes maravilhosas que os discos faziam chegar até nós (Mario Lanza, Luis Mariano, Alfredo Krauss etc, e por orquestras excecionais que nos traziam as mais belas melodias clássicas, canções famosas, música de filmes históricos…

Tive sempre a preocupação de partilhar com os meus jovens alunos algum desse maravilhoso mundo musical… Era importante para a educação da sua sensibilidade, dos seus gostos, da sua cultura.

Lembro-me, e muitos ex-alunos (quer do seminário, quer do ensino público) se recordarão de ter dado a ouvir, entre outras obras, uma pequena peça do compositor russo Alexander Borodine. Tratava-se de Nas estepes da Ásia Central. Era a caravana que surgia ao longe, a marcha dos camelos, a intensidade instrumental que “subia” a anunciar a chegada da caravana, a permanência no terreno, o retomar da marcha, os sons que se iam extinguido… até a caravana se perder de vista!… Era tudo tão belo, tão claro! Apaixonante!… O interesse era enorme. Os alunos começavam a compreender que a música tem um sentido, um conteúdo, uma intenção, uma finalidade, uma expressão!
O mesmo sucedeu com outras obras, como o Hino da Alegria, da IX Sinfonia de Beethoven! Etc etc.

Mas adverti-os sempre para que nada disto desviasse a atenção do essencial da sua formação!…

Em três palavras como se caracteriza a si mesmo?

Persistente! Perfecionista! Brioso!

Lisboa, 19 de março de 2018

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JOSÉ DE FREITAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL

Um barítono que é crítico de si próprio

Correio da Manhã, 28 de abril de 1986

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De padre a cantor principal de ópera no Teatro São Carlos

Diário de Notícias do Funchal, 11 de maio de 1986

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José de Freitas: de padre a cantor

Correio da Manhã, 02 de agosto de 1987

Maria do Rosário Pestana, investigadora

O compositor e folclorista Armando Leça: resgate, criação e disseminação da música portuguesa

Armando Leça foi uma figura versátil e multifacetada. Compositor, intérprete, regente, folclorista, crítico, musicólogo, ensaísta, novelista e poeta, ilustrou de modo exemplar a vida musical portuguesa nos anos a seguir à implantação da República.

Maria do Rosário Pestana

O seu percurso é revelador das oportunidades e dos novos desafios colocados aos músicos profissionais por uma sociedade em franca mobilidade, após a dissolução da ordem monárquica.

Armando Leça foi uma figura que, no universo musical português, ocupou um lugar «do meio», entre os polos erudito e folclórico, dialogando com diferentes esferas do fazer música em Portugal.

Vemo-lo como pianista a tocar durante as projeções de cinema, como compositor nacionalista e ideologicamente comprometido e como coletor de músicas e vozes dos lugares recônditos e por mapear. A sua ação pautou-se por um compromisso com a questão nacional na música.

Vemo-lo, de facto, a participar no processo de construção e disseminação da «canção portuguesa», um género poético-musical que, na sua ótica, refletia o caráter e a alma dos portugueses. Atento às demandas do seu tempo, foi pioneiro ao explorar os novos meios de comunicação de massas: o cinema, a rádio e, mais tarde, a indústria discográfica.

por Maria do Rosário Pestana

Maria do Rosário Pestana, investigadora

Maria do Rosário Pestana, investigadora

Sábado, 23 de março de 2019, no Curso livre sobre Música & Músicos: aspetos do Património Musical Português, no Solar Condes de Resende, Canelas, Vila Nova de Gaia.

Fonte: Solar Condes de Resende

Elisa Lessa, investigadora

A música nos conventos femininos em Portugal (séculos XVII a XIX):
o caso do Mosteiro de Corpus Christi em Vila Nova de Gaia.

A existência de um conjunto de monjas músicas conventuais, tanto cantoras como instrumentistas nos mosteiros assegurava uma prática musical sacra de relevo que importa conhecer, pese embora o facto de até nós ter chegado apenas uma ínfima parte deste valioso património musical.

Elisa Lessa

A primeira casa do ramo feminino da Ordem Dominicana foi fundada cerca de 1219, em Chelas, nos arredores de Lisboa. A partir deste mosteiro, as fundações de monjas domínicas multiplicaram-se, chegando à data da extinção das ordens religiosas pelo governo liberal em 1834 a atingir cerca de duas dezenas de casas monásticas.

Por sua vez o Convento de Corpus Christi de Vila Nova de Gaia foi edificado por iniciativa de Maria Mendes Petite, mãe de Pêro Coelho e carrasco de Inês de Castro, tendo sido acolhidas as primeiras monjas em 1354. A lição, fundamentada em documentação histórica, revela aspetos da prática musical conventual feminina em Portugal e em particular no mosteiro de Corpus Christi de Gaia.

A música estava presente ao logo do dia, pautando-se a vida quotidiana monacal pelo cumprimento de um conjunto de regras, numa observância marcada pelo Ofício Divino e por um quadro diário de atividades traçado ao pormenor e lembradas a cada batida dos sinos do mosteiro.

A existência de um conjunto de monjas músicas conventuais, tanto cantoras como instrumentistas nos mosteiros assegurava uma prática musical sacra de relevo que importa conhecer, pese embora o facto de até nós ter chegado apenas uma ínfima parte deste valioso património musical.

por Elisa Lessa

Elisa Lessa, investigadora

Elisa Lessa, investigadora

13 de abril, no Curso livre sobre Música & Músicos: aspetos do Património Musical Português, no Solar Condes de Resende, Canelas, Vila Nova de Gaia.

Fonte: Solar Condes de Resende

Jorge Castro Ribeiro, etnomusicólogo

Entre 27 de outubro de 13 de abril, em dias de sábado entre as 15:00 e as 17:00, decorreu no Solar Condes de Resende, Canelas, Vila Nova de Gaia, o Curso livre sobre Música & Músicos: aspetos do Património Musical Português.

O Solar Condes de Resende quis organizar pela primeira vez entre nós um curso sobre aspetos inéditos ou pouco conhecidos do Património Musical Português com especial incidência em compositores de Gaia e do Norte de Portugal, mas com a dimensão universal que a Música tem. As aulas recorreram à audição de excertos das obras referidas e ao complemento da indicação de concertos ao vivo onde as mesmas sejam executadas durante o período em que decorre o curso. Com o curso, o Solar Condes de Resende quis também assinalar o centenário do nascimento de César Morais.

Solar Condes de Resende

Solar Condes de Resende

Fonte: Confraria Queirosiana

Fotos: António José Ferreira

27 de outubro de 2018

Sociologia da Música

por Eduardo Vítor Rodrigues, sociólogo e presidente da Câmara Municipal de Gaia

Eduardo Vítor Rodrigues, sociólogo e presidente da C.M. de Gaia

Eduardo Vítor Rodrigues, sociólogo e presidente da C.M. de Gaia

10 de novembro de 2018

Os órgãos ibéricos: instrumentos, textos e contextos no noroeste português

por Elisa Lessa

Elisa Lessa, investigadora

Elisa Lessa, investigadora

Os órgãos de tubos ibéricos representam património musical único com características peculiares desenvolvidas na península ibérica, nos séculos XVII e XVIII. Além da abordagem organológica, da identidade e variedade sonora do instrumento, a lição incluiu reflexões breves sobre exemplos de repertório musical, respetivos compositores e contextos de intervenção e alguns organeiros. Em particular foram abordados os órgãos construídos já no século XIX pelo mestre organeiro Manuel de Sá Couto, “o Lagoncinha”, ativo na região no século XIX.

17 de novembro de 2018

Música e ritual nas cerimónias fúnebres luso-brasileiras – Séculos XVIII e XIX.

por Rodrigo Teodoro

Rodrigo Teodoro, investigador

Rodrigo Teodoro, investigador

Diversos manuscritos musicais setecentistas e oitocentistas, dedicados ao cerimonial fúnebre católico encontram-se, atualmente, custodiados em acervos de algumas cidades portuguesas e brasileiras. Essas obras revelam uma prática que teve como referência estética a produção musical religiosa em Itália, e foram produzidas, principalmente, a partir do processo de equiparação cerimonial levado a cabo por D. João V. As ações ritualísticas e as “novidades sonoras”, implementadas nesse processo, provocaram reflexos no cerimonial religioso e no sistema produtivo musical português que seria, inclusivamente, transplantado para suas colónias. Pretendemos, neste curso, apresentar as relações entre a produção musical fúnebre em Portugal e no Brasil, durante os séculos XVIII e XIX, e promover o entendimento da funcionalidade da música, entre outros sons, nos rituais católicos dedicados às cerimónias da morte.

15 de dezembro de 2018

Os músicos Napoleão

por A. Gonçalves Guimarães

Gonçalves Guimarães, historiador

Gonçalves Guimarães, historiador

A cidade do Porto viu nascer, em meados do séc. XIX, três irmãos músicos de apelido Napoleão: Artur (1843-1925), Aníbal (1845-1880) e Alfredo (1852-1917). Estes três irmãos notabilizaram-se ao longo da sua vida como pianistas, compositores e xadrezistas nos dois lados do Atlântico. Sendo filhos do músico italiano Alessandro Napolleone, este ficou conhecido em Portugal como Alexandre Napoleão. Este músico refugiou-se no Porto, onde foi professor de música, casando-se em Vila Nova de Gaia com Joaquina Amália Pinto dos Santos, natural desta cidade. Artur foi o mais famoso dos três irmãos. Estabeleceu-se no Brasil, onde criou uma editora de partituras e desenvolveu uma respeitosa carreira como pianista e compositor, sendo autor de cerca de 90 opus. Alfredo foi mais errante. Teve muito sucesso em vários países, principalmente como compositor-pianista, executando as suas próprias obras, com destaque para as que escreveu para piano e orquestra. Aníbal, por sua vez, morreu precocemente, aos 35 anos. Contudo, as suas 20 obras publicadas revelam um compositor promissor (Daniel Cunha).

05 de janeiro de 2019

Cantar os Reis e o Património Cultural Imaterial em Portugal

por Jorge Castro Ribeiro

Jorge Castro Ribeiro, etnomusicólogo

Jorge Castro Ribeiro, etnomusicólogo

O Cantar os Reis em Ovar é uma prática poético-musical multi-localizada, performada em coletivo, em espaços públicos e privados do concelho de Ovar por ocasião da Festa dos Reis Magos (6 de Janeiro), em formato apresentativo. Embora partilhe algumas características com outras práticas em Portugal e noutros países da Europa, que ocorrem no mesmo contexto temporal, designadas genericamente por “Cantar dos Reis” ou “Cantar as janeiras”, em Ovar esta prática ao longo dos anos sofreu um processo de codificação artística, social e performativa que é reconhecida e afirmada localmente como diferenciada, uma vez que adquiriu um recorte cultural próprio, sofisticado ao nível da composição musical e poética, e especializado ao nível da performance, que não é encontrado nas outras práticas conhecidas a nível nacional e europeu.

Nesta aula foi observado o Cantar os Reis em Ovar nas suas especificidades afirmadas localmente como distintivas, na veiculação de valores, visão e identidade “vareira”. Será indagada a forte adesão dos protagonistas à idéia de patrimonialização, e apresentados dados etnomusicológicos e a percepção da investigação etnográfica no processo de inventariação desta prática com vista ao Património Cultural Imaterial de Portugal. A aula será complementada com uma visita guiada e exclusiva a Ovar, exactamente no único momento do ano em que a prática tem lugar.

19 de janeiro de 2019

O Orpheon Portuense e os Concertos a ele dedicados pela Casa da Música

por Henrique Luís Gomes de Araújo

Henrique Luís Gomes de Araújo, investigador

Henrique Luís Gomes de Araújo, investigador

Apresentamos em 2005, à Casa da Música (CdM) como investigador do Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes (CITAR) da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa e com o Prof. Rui Vieira Nery, um “Projecto de Edição de Obra sobre o Orpheon Portuense”. Participa em 2008, na Assembleia Geral do Orpheon Portuense, que teve como o ponto único: Extinção do Orpheon Portuense, onde apresenta a proposta de a Casa da Música incluir, todos os anos, na sua programação um concerto comemorativo do Orpheon Portuense, pelo dia 12 de Janeiro (dia da sua fundação). Na verdade, como foi por ele aduzida na proposta apresentada à CdM, um dos “resultados previstos” do referido projecto, consistia na realização de um concerto anual (2013, p.17).

26 de janeiro de 2019

Conservatório Regional de Gaia – 30 anos ao serviço do Ensino e da Cultura

por Mário Mateus

Mário Mateus, diretor de Orquestra e pedagogo

Mário Mateus, diretor de Orquestra e pedagogo

O Conservatório iniciou oficialmente as suas atividades em 1985 – ano mundial da música.

A estrutura foi criada com o objetivo de promover o ensino formal da música até ao nível superior, de criar espaços de reflexão sobre temáticas da performance e da criação musical contemporâneas e de promover atividades culturais vocacionadas para o enriquecimento da Agenda Cultural do Município.

Como polo cultural a que aspirou ser, o Conservatório, desenvolveu, além dos cursos regulares de música, um plano de atividades desenhado de forma interdisciplinar e multidimensional.

Dando corpo a este desiderato e à sua vocação internacional assumida desde a primeira hora da sua existência, o Conservatório promoveu ao longo dos anos os cursos Internacionais de Música, o Concurso Internacional de Canto Francisco de Andrade, Seminários sobre a criação musical Contemporânea, Colóquios sobre o ensino vocacional de música, Festival Internacional de Música de Gaia, etc. Essas iniciativas colocaram o Conservatório Regional de Gaia nos roteiros internacionais e trouxeram a Portugal e a Gaia nomes destacados do panorama musical internacional como: Bidu Saião, G. di Stefano, João de Freitas Branco, Tibor Varga, Paul Schilhawsky, Gundula Janowiz, entre muitos outros nomes célebres.

Com esta exposição pretende-se fazer a crónica da atividade letiva e cultural, desenvolvida pelo C.R.G. ao longo de três décadas ao serviço da cultura e do ensino, em suma, em prol da valorização do potencial humano e da coesão territorial.

16 de fevereiro de 2019

Scarlatti e a troca das princesas

por José Manuel Tedim

José Manuel Tedim, professor universitário

José Manuel Tedim, professor universitário

As cortes de Filipe V de Espanha e de D. João V de Portugal levaram à concretização de um duplo casamento entre uma infanta da Casa Real portuguesa e o futuro rei de Espanha e vice-versa, facto que passou à História como a Troca das Princesas.

Ajustado o duplo consórcio, nos primeiros dias de Janeiro de 1728, dava-se início aos dias da festa, que, ao longo de mais de um ano, constituíram repetidos momentos de entusiasmo e entretenimento dos habitantes da urbe lisboeta.

O casamento por procuração, do Príncipe do Brasil e D. Mariana Victória aconteceu, em Madrid, em finais de dezembro, tendo chegado a notícia pelos inícios do mês seguinte. Logo, por decreto, o rei fez questão de informar o Senado da Câmara da feliz notícia e solicitar que se fizessem três noites de luminárias, acompanhadas de salvas de artilharia e da tradicional cerimónia do beija-mão. No Terreiro do Paço fez-se arder um fogo de artifício, cuja estrutura cénica se concentrava na imagem do templo de Diana.

Após esta manifestação celebrou-se o acontecimento no Paço com urna serenata em língua italiana composta expressamente para o momento por Doménico Scarlatti. Por sua vez o Marquez de los Balbazes completou estes dias de fausto, de júbilo e entusiasmo com a organização de uma Zarzuela no seu palácio, intitulada Amor aumenta el Valor.

02 de março de 2019

Bandas Filarmónicas em Portugal

por André Granjo

André Granjo, maestro

André Granjo, maestro

As Bandas representam uma das formas de prática musical de carácter formal mais disseminadas no nosso país e são também um fenómeno relevante em toda a Cultura Ocidental.

Apesar desta preponderância são ainda hoje um fenómeno pouco estudado no nosso país e em boa verdade em toda a Europa. Indefinições semânticas e confusões históricas tornam difícil a arriscada a pesquisa sobre este campo. As bandas são ainda objecto de estigma por parte de muitos investigadores e no nosso caso, o campo de acção em que se movem: espaços de fronteira entre o erudito e o vernacular; levam a uma indefinição sobre qual o olhar que deve actuar sobre elas: o da musicologia ou da etnomusicologia. As bandas são populares, funcionais, algumas militares, dão concertos informais ao ar livre, participam ou colaboram em várias actividades populares, mas concomitantemente dispõem também de repertórios elaborados, de linguagem contemporânea e complexidade normalmente associada ao grande repertório de orquestra. Por tudo isto as bandas têm estado num limbo científico, reconhecidas como de extrema relevância, mas sem uma atenção proporcional por parte da comunidade académica.

Esta situação tem, no entanto, vindo a ser alterada tendo surgido nos últimos anos investigadores, alguns dos quais insiders do próprio fenómeno, que procuram compreender melhor este tão rico meio de criação e recriação musical.

Esta alocução pretende traçar um pouco do que se sabe sobre o percurso de agrupamentos musicais de instrumentos de sopro no nosso país, o aparecimento das “Bandas Filarmónicas” e a sua evolução ao longo do tempo.

09 de março de 201

O maestro Pedro de Freitas Branco

por Cesário Costa

Cesário Costa, diretor de orquestra e investigador

Cesário Costa, diretor de orquestra e investigador

O Maestro Pedro de Freitas Branco (1896-1963) foi uma das figuras mais proeminentes da música portuguesa do séc. XX. Ao longo da sua carreira, foi um impulsionador da vida musical portuguesa, através da criação de diferentes companhias de ópera, da organização dos Novos Concertos Sinfónicos de Lisboa e como maestro da Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional (OSEN). Um dos seus principais propósitos consistiu em dar a conhecer a música do seu tempo, através da estreia absoluta e da estreia nacional, de um número significativo de obras dos mais importantes compositores contemporâneos. Paralelamente, desenvolveu uma carreira internacional dirigindo regularmente diferentes orquestras europeias, sendo considerado um intérprete de referência da música orquestral de Maurice Ravel.

16 de março de 2019

O compositor César Morais

por A. Gonçalves Guimarães

Gonçalves Guimarães, historiador

Gonçalves Guimarães, historiador

Em 2018 passaram 100 anos após o nascimento do compositor gaiense César Morais. Nascido em Canelas, a 3 de janeiro de 1918, cedo manifestou o talento para a composição, criando canções para as festas da escola primária. O seu dom musical precoce levou-o a ingressar no Conservatório de Música do Porto onde estudou com os Mestres Luís Costa e Lucien Lambert e se formou com 20 valores. Foi extremamente prolífico como compositor, sendo especialmente associado à música sacra, com cerca de 50 missas, 60 Avé-Marias, Te-Deums, etc.. No entanto, a sua obra profana não é menos importante e abundante, destacando-se várias composições sinfónicas e coral-sinfónicas, concertos para piano e orquestra, violino e orquestra, violoncelo e orquestra e múltiplas obras para piano solo. Era um homem extremamente modesto e existem poucas obras da sua produção publicadas. No entanto, é de destacar o belíssimo Concerto para Violoncelo e Orquestra numa interpretação da Orquestra Clássica do Porto, sob a direção do maestro Werner Stiefel tendo como solista o violoncelista Martin Ostertag.

Foi pai da pianista Maria José Morais.

Sábado, 23 de março de 2019

O compositor e folclorista Armando Leça: resgate, criação e disseminação da música portuguesa

por Maria do Rosário Pestana

Maria do Rosário Pestana, investigadora

Maria do Rosário Pestana, investigadora

Armando Leça foi uma figura versátil e multifacetada. Compositor, intérprete, regente, folclorista, crítico, musicólogo, ensaísta, novelista e poeta, ilustrou de modo exemplar a vida musical portuguesa nos anos a seguir à implantação da República. O seu percurso é revelador das oportunidades e dos novos desafios colocados aos músicos profissionais por uma sociedade em franca mobilidade, após a dissolução da ordem monárquica. Armando Leça foi uma figura que, no universo musical português, ocupou um lugar «do meio», entre os polos erudito e folclórico, dialogando com diferentes esferas do fazer música em Portugal.

Vemo-lo como pianista a tocar durante as projeções de cinema, como compositor nacionalista e ideologicamente comprometido e como coletor de músicas e vozes dos lugares recônditos e por mapear. A sua ação pautou-se por um compromisso com a questão nacional na música. Vemo-lo, de facto, a participar no processo de construção e disseminação da «canção portuguesa», um género poético-musical que, na sua ótica, refletia o caráter e a alma dos portugueses. Atento às demandas do seu tempo, foi pioneiro ao explorar os novos meios de comunicação de massas: o cinema, a rádio e, mais tarde, a indústria discográfica.

Sábado, 13 de abril de 2019

A música nos conventos femininos em Portugal (séculos XVII a XIX): o caso do Mosteiro de Corpus Christi em Vila Nova de Gaia.

por Elisa Lessa

Elisa Lessa, investigadora

Elisa Lessa, investigadora

A primeira casa do ramo feminino da Ordem Dominicana foi fundada cerca de 1219, em Chelas, nos arredores de Lisboa. A partir deste mosteiro, as fundações de monjas domínicas multiplicaram-se, chegando à data da extinção das ordens religiosas pelo governo liberal em 1834 a atingir cerca de duas dezenas de casas monásticas. Por sua vez o Convento de Corpus Christi de Vila Nova de Gaia foi edificado por iniciativa de Maria Mendes Petite, mãe de Pêro Coelho e carrasco de Inês de Castro, tendo sido acolhidas as primeiras monjas em 1354. A lição, fundamentada em documentação histórica, revela aspetos da prática musical conventual feminina em Portugal e em particular no mosteiro de Corpus Christi de Gaia. A música estava presente ao logo do dia, pautando-se a vida quotidiana monacalpelo cumprimento de um conjunto de regras, numa observância marcada pelo Ofício Divino e por um quadro diário de atividades traçado ao pormenor e lembradas a cada batida dos sinos do mosteiro. A existência de um conjunto de monjas músicas conventuais, tanto cantoras como instrumentistas nos mosteiros assegurava uma prática musical sacra de relevo que importa conhecer, pese embora o facto de até nós ter chegado apenas uma ínfima parte deste valioso património musical.