Manuel Amorim
Liturgia . Música Sacra
por João Peixoto, Cónego, Liturgista, Professor da Faculdade de Teologia, Diretor do Secretariado Diocesano de Liturgia do Porto
Na manhã de 14 de setembro de 2024, festa litúrgica da Exaltação da Santa Cruz, o Pai das misericórdias chamou a si, desta vida mortal, o Padre Manuel José Dias Amorim.
Nascido em Vila Chã de São Roque (Oliveira de Azeméis) a 15 de outubro de 1945, último filho de uma família numerosa, que foi sempre o seu esteio e à qual rendemos homenagem e apresentamos sentidas condolências, aí cresceu na fé e na humanidade.
Aluno distinto do Seminário Maior do Porto, foi ordenado presbítero em 15 de agosto de 1969, data que, enquanto a saúde lho permitiu, sempre celebrou grata e festivamente. Viviam-se então os tempos da primavera conciliar.
As primícias do seu ministério foram oferecidas a Deus e à Igreja nas periferias da cidade do Porto – e nestas incluímos a Zona Ribeirinha – com generosas experiências pastorais em que já se ensaiava o que hoje se chama «sinodalidade».
Prestou depois o serviço de capelão militar em Angola, país que nunca mais deixou o seu coração.
Regressado em 1975, passou a integrar nesse outono o Serviço Diocesano de Música Litúrgica [SDML] que tinha sido constituído em 28 de Janeiro de 1974.
Foi então a viver em equipa sacerdotal com o Padre Ferreira dos Santos – impulsionador desse Serviço – e o Padre Agostinho Pedroso.
Nestes tempos de individualismo subjetivista, vale a pena destacar a importância desse testemunho de vida em equipa, também ele inspirado no Concílio (Presbyterorum Ordinis), não só com residência comum, mas também com comunhão de bens e intensa partilha espiritual e pastoral.
Numa «equipa» assim vivida os membros não se adicionam, mas multiplicam-se, potenciam-se. Esse foi, sem dúvida, o segredo da extraordinária fecundidade do SDML que dinamizou e transformou toda a Diocese. E nele estava o Padre Amorim com os seus dons, com a sua energia que parecia inesgotável, com o seu estudo e cultura, com a sua capacidade organizativa, com o seu canto vibrante, com a sua entrega sem reservas a Deus e aos homens.
O espaço não nos permite detalhar minimamente o modo como se concretizou esta dedicação: a redação do Boletim de Música Litúrgica [BML] é um dos aspetos mais relevantes e nele se podem reler não só os seus contributos de reflexão mas também o relato das inumeráveis realizações que percorreram a Diocese «do Antuã ao Ave e do Mar ao Marão». O relatório apresentado no Conselho de Leigos (1-4 de Dezembro de 1988) permite fazer uma ideia do labor até então desenvolvido.
Pode dizer-se, porventura, que o encerramento do BML, publicação de referência, em setembro de 2006 (nº 162), foi um dos primeiros efeitos da dolorosa enfermidade que o vitimou. No BML se revelou também uma faceta literária que poucos conhecem, com a redação e reformulação de inúmeros textos para as composições musicais litúrgicas do Boletim. O hino da Liturgia das Horas do Natal – «Nasceu o Verbo eterno sem começo…» – é um exemplo que se pode CITAR, nascido da meditação das homilias patrísticas.
Outros campos em que se destacou foi o serviço ao Coro da Sé Catedral do Porto que com a sua vice presidência viveu tempos de brilho e excelência.
E não esqueçamos o seu magistério no curso diocesano de música litúrgica – posteriormente na Escola Diocesana de Música Litúrgica – que marcou positivamente gerações de alunos que hoje servem as sua comunidades na nossa Diocese.
Dois factos marcaram nova etapa neste curriculum de serviço à Igreja: em 1 de novembro de 1983 o Cón. Ferreira dos Santos tomou posse como Reitor da Igreja da Lapa e os dois sacerdotes que com ele integravam o SDML foram associados à Reitoria. O Padre Amorim dedicou-se intensamente à pastoral desta importante Igreja da cidade do Porto, destacando-se a sua atividade no setor da catequese e na presidência das missas com crianças em que emergiu o seu carisma.
Mas as demais atividades do SDML não abrandaram, antes pelo contrário, com todo o movimento que culminará em 19 de outubro de 1985 com a inauguração do Grande Órgão de Tubos da Catedral do Porto.
Segundo facto: em 23 de maio de 1989 é criado o Secretariado Diocesano de Liturgia que estando em continuidade do SDML (integra o seu efetivo sacerdotal), alarga imensamente o seu campo de ação que passa a incluir toda a Pastoral Litúrgica com a formação dos vários ministérios e serviços litúrgicos, a incorporação na Comissão Diocesana de Infraestruturas, a problemática da arte sacra e do património cultural da Igreja…
Assistimos nestes anos a um multiplicar-se extraordinário da atividade do Padre Amorim: no BML, na VP, na Escola Diocesana de Ministérios Litúrgicos (alargamento do «antigo» Curso de Música da Torre da Marca), na formação e acompanhamento dos Ministros Extraordinários da Comunhão. Ele é elemento fulcral nas atividades de organização, programação e secretariado.
Como não lembrar o grande Jubileu dos Coros no Ano 2000 ou a Assembleia Diocesana de Coros em 24 de novembro de 2002?
E ainda sobrou generosidade e disponibilidade ao Padre Amorim para acompanhar o Padre Ferreira dos Santos no biénio de 2005-2007 como comissário na Santa Casa da Misericórdia do Porto.
É a partir deste período que o Padre Amorim se foca cada vez mais nas tarefas do Inventário do Património cultural da Diocese, com genuíno interesse e autêntica paixão. Infelizmente – embora então ninguém o pudesse imaginar –, começou também a manifestar-se, de forma gradual e progressiva, a enfermidade que primeiro o veio a limitar e, por fim, a incapacitar.
Um último apontamento: desde finais de 1999 e até 2014 o Padre Amorim foi presença assídua na última página da Voz Portucalense. Perto de metade dos artigos publicados sob a sigla SDL foram da sua autoria ou coautoria. Sobretudo, mas não em exclusivo nem de forma exclusiva, quando o tema era a música ou a arte sacra. A ele devem os leitores um precioso quanto abnegado e discreto serviço contínuo de formação litúrgica e pastoral.
Damos graças a Deus pela sua vida tão generosa e eucaristicamente oferecida em holocausto. É bom e belo consagrar esta vida mortal à beleza do louvor ao Deus de toda a Verdade, de todo o Bem e de toda a Beleza, ao Deus Amor, Comunhão trinitária, Pai, Filho e Espírito Santo, que nos criou e salvou para sermos eterna e jubilosamente felizes. Amem. Aleluia.
P. João Peixoto
Testemunhos
“O meu tio era um homem rico e profundo. Fez muito e deu respaldo a que outros fizessem muito mais. Viveu profundamente o chamamento que recebeu como pastor e tinha uma profunda crença na força da arte na promoção do ser humano e no processo complexo da fé.” (Eugénio Amorim, compositor, organista, maestro e professor)
“A sua dedicação à comunidade e o seu amor pela música e pela liturgia enriqueceram as celebrações e tocaram profundamente todos os que tiveram o privilégio de o conhecer. O seu apoio incansável e a sua paixão pela arte coral serão lembrados com carinho e gratidão.” (Coro Polifónico da Lapa)