Da sua mão sobe o ar ao infinito, de lá treme. A música, por um lado, vê-se; por outro, não se vê. Nada da música se improvisa por acaso. A música corre nas gargantas e pode ser tocada com um só dedo. A música mostra-se feia para os seus pares e bela para os seus ímpares. A música emudece, por vezes, os cantores e deixa-os a sós nos camarins à espera do amigo do carrasco. A música não é a mesma quando ouvida de longe ou quando ouvida de perto. A música não tem explicações a dar a si mesma: isso explica tudo. A música dá asas a quem voa: a quem tem asas para voar. A música faz aos poemas aquilo que os poemas quiseram fazer dela: render-se. E aos outros propõem: rendam-se! Tréguas e batalhas sem ordem de aviso.
A música é tamanha, cabe em qualquer medida.
A música referenda a liberdade? Sim ou não? A música depende dum botão da liberdade e desunha-se a mostrar os efeitos de num dedo a voz humana. A música faz orelhas moucas. A música não se esquece no silêncio: por isso, nos lembramos dela. Permanece em mais que um som. A música vai, por vezes, mais alto e duma torre afunda o eco no centro da terra. A música aguenta-se de pé, dorme sentada, dança e escorrega na cama. A música pausa e pausa, faz das malas a viagem mas se acena, já de longe… A música atira os seus poemas ao mar e recebe-os nas ondas do dia seguinte, nas garrafas outro povo. A música perdeu muitos bons poemas no vento contrário, quem sabe eram bons? A música é uma cópia duma cópia, de cara aberta vai ao fundo e vem à tona por respiração. A música é uma revolução de estilos, é do passarinho herdeira órfã. A música é órfã. Quando nasceu, os seus pais tinham morrido há pouco. É órfã.
A música é tamanha, cabe em qualquer medida.
A música esfrega os dedos em tudo o que der som. A música nunca teve, em si mesma, uma moral; pensa que não pensa e que não perdura. Diz-se que faz muito bem ouvi-la; alguém que pense e que perdure por ela. A música não tem barreiras, mas o amor por ela sim. A música prepara-se, destroçada mas vaidosa, para confessar tudo ao cair do sol. A música chora e ri ao mesmo tempo: uma criança por razões não exactamente compreensíveis. A música quer ser perfeita, sempre que por escolha é imperfeita. Por talento, dá-se a todas: a bondade, a presunção, ressentimento e, mais não fosse, a quatro tempos. A música de repente é a mesma nota repetida e outras vezes. A música mede-se com caneta e gravador. É maior e é menor. A música quando se encontra já lá está. A música nasceu antes de nós termos nascido com ela. A música segue a sua sombra e pela sombra é fácil, não há espelho. Ou é ritmo ou é pausa. Ambos dúbios mas reconhecíveis.
A música é tamanha, cabe em qualquer medida.
A música é feita à janela e aberta vê-se da rua. A música eriça-se ao menor vento, arranha-se a si mesma, ladra ao ar, risca a terra. Gosta mesmo. A música quando a chuva cai com barulho de entre as nuvens, vê-se o mar em dia de acalmia, o que não é explicável nem por norma nem por excepção dos deuses: digamos que são os sons em dia de ofertório. A música vai de rio e desagua: aquece a água doce, rebenta no mar salgado, larga os seus bichos no mar. A música tem duas mãos, é tocada com um só peito e um só dedo. Da música sobe o ar ao infinito. A música tem um só dedo e um só dedo. A música tem um só dedo e um só dedo. Nada da música se improvisa por acaso.
A música é tamanha, cabe em qualquer medida.
Letra e música: Sérgio Godinho Intérprete: Sérgio Godinho (in CD “Mútuo Consentimento”, Universal Music, 2011)
A Música
[ A Música Inventa o Lume ]
A música está coberta com um manto. E dessa névoa sai um uivo que poisa na água e inventa o lume.
É a voz das fragas e o riso, uma mulher que bate num cântaro para afastar os pássaros dos lagares. De uma cordilheira levanta-se um corvo. A planície, a seu lado, transforma-se num imenso rio onde nascem os limões e a tarde cai como se fosse um toldo de marfim.
A música está coberta com um manto. E dessa névoa sai um uivo que poisa na água e inventa o lume.
É a voz das fragas e o riso, uma mulher que bate num cântaro para afastar os pássaros dos lagares. De uma cordilheira levanta-se um corvo. A planície, a seu lado, transforma-se num imenso rio onde nascem os limões e a tarde cai como se fosse um toldo de marfim.
O lume arde nesta paisagem reencontrada e todos os objectos se viram de repente, em êxtase, anunciando o vinho.
O lume arde nesta paisagem reencontrada e todos os objectos se viram de repente, em êxtase, anunciando o vinho.
Poema: Jaime Rocha Música: Janita Salomé Intérprete: Janita Salomé (ao vivo no Estúdio 3 da Rádio e Televisão de Portugal, Lisboa) Versão original: Janita Salomé com Luanda Cozetti (in CD “Valsa dos Poetas”, Cantar ao Sol/Ponto Zurca, 2018)
Apoiou o arco suavemente
[ Bendita Música ]
Apoiou o arco suavemente sobre as cordas E atacou com toda a naturalidade Mi fá mi ré dó ré mi fá E uma a uma dissecou cada passagem Com preciso e afiado bisturi Fá sol fá mi ré dó ré mi
E espalhou aos quatro ventos os risos e os lamentos Era o sangue posto em pé Sol lá sol fá mi ré dó ré Aprisionado era um grilo que chamava a sua amada: Estou aqui! Fá ré si lá fá dó si lá sol sol lá si
Esquece tudo e vem comigo! Vibrava mágica a voz do músico Parindo música… Música bendita música: Lá dó si si lá sol lá
Em consequência de uma ousada pirueta Que o intérprete salvou com frialdade Mi fá mi ré dó ré mi fá Meu coração foi pelos ares como um cometa Pressentindo que andavas por ali Fá sol fá mi ré dó ré mi
E com a angústia e o talento do final do movimento Não te encontrava. Porquê? Sol lá sol fá mi ré dó ré E entre as cadeiras da segunda galeria, descobriu-te: Eras de mim! Fá ré si lá fá dó si lá sol sol lá si
Esquece tudo e vem comigo! Vibrava mágica a voz do músico Parindo música… Música bendita música: Lá dó si si lá sol lá
Letra e música: Fernando Tordo Arranjo: Josep Mas “Kitflus” Intérprete: Fernando Tordo (in CD “Peninsular”, Fernando Tordo, 1997)
Assim tão simples
[ Música, Música ]
Assim tão simples Tão luminosa Como mulher num dia doce Ai como rosa Assim tão simples Ainda nada Assim te vi e te abracei e fiz-me à estrada
Sem eu saber ali nascia E quem começa já não consegue parar Ali sentia, ali fervia E foi nela que aprendi a navegar
Música Eterna música Maldita música Sempre mulher Música Apassionata Só não te ama quem não sabe acontecer
Música De dia música À noite música Dentro de mim sem eu saber Música Íntima música De madrugada para melhor te conhecer
Música Amor e música Beleza e música Poesia de existir Música Insónia e música Não reconheço outra forma de viver
Como os teus lábios, como um corpo, como dança E a fantasia numa história de criança Assim me minto Assim resisto Pois este mundo de gravatas e favores Ai, de negócios e messias salvadores Ai, meus senhores Nós construímos muito mais que tudo isto
Nós fazemos Música Eterna música Maldita música Sempre mulher Música Apassionata Só não te ama quem não sabe acontecer
Música De dia música À noite música Dentro de mim sem eu saber Música Íntima música De madrugada para melhor te conhecer
Música Amor e música Beleza e música Poesia de existir Música Insónia e música Não reconheço outra forma de viver
Poema e música: Pedro Barroso Intérprete: Pedro Barroso Versão original: Pedro Barroso (in CD “Cantos da Paixão e da Revolta”, Ovação, 2012) Outra versão: Pedro Barroso (in CD/DVD “Memória do Futuro: Ao vivo no Rivoli”, Ovação, 2013)
Pedro Barroso
Músicos, Cravos e Rosas
É pela música que encantas os sentidos, apurados pelos sonhos mais antigos de entender a emoção e a alegria, provocado o coração, em agonia. Vais levado pelo vento, pelos sons do pensamento.
Cravos são livres, são bravos. Rosas são belas, são prosas.
É pelo som do mar no canto das sereias, que te vão contar compassos e colcheias, mas tu és o tempo forte e o agasalho. Tempo fraco não é sorte, é trabalho. Vais levado pelo vento, pelos sons do pensamento.
Cravos são livres, são bravos. Rosas são belas, são prosas.
Quem te compra cria garras de encantar. Vendes a alma? Essa não se pode comprar. Na viagem pelos sons desta braguesa ouço histórias de uma canção portuguesa. É uma luta contra o vento, não se vende o pensamento.
Cravos são livres, são bravos. Rosas são belas, são prosas.
Cravos e rosas.
Letra e música: José Barros Arranjo: José Barros Intérprete: José Barros e Navegante (in CD “À’Baladiça”, Tradisom, 2018)
https://www.meloteca.com/wp-content/uploads/2020/05/sergio-godinho-cantautor.jpg400400António Ferreirahttps://www.meloteca.com/wp-content/uploads/2018/03/Logomarca-MELOTECA-300x86.jpgAntónio Ferreira2020-05-11 22:10:472023-05-02 13:23:26Canções sobre Música
Acertando o passo ou nem tanto escorregavam do lamento ao canto; Sorrindo ao pisar e às estrelas as promessas ateavam alvas velas.
Ardentias do amor anunciadas vindouras dores eram semeadas; No céu, o néon, luzem pregões, desditas eram. Pintavam corações.
Bulia o baile, buliam as raparigas se levadas nas cantigas e repetidos o par.
Bulia o baile, buliam as raparigas se levadas nas cantigas e repetidos o par.
Eram olhares repetidos, eram perfumes sentidos misturados com o arfar.
Veredas de barro e de fel, aço entrançado, favos de mel, desejos jurados sem hesitar, barca dos sonhos a navegar.
As canções meladas ao ouvido eram cruzadas, no seu sentido; e os passos que davam a saber era o amor louco a acontecer.
Bulia o baile, buliam as raparigas se levadas nas cantigas e repetidos o par.
Bulia o baile, buliam as raparigas se levadas nas cantigas e repetidos o par.
Eram olhares repetidos, eram perfumes sentidos misturados com o arfar.
Letra e música: Lindolfo Paiva Intérprete: Dialecto* (in CD “Aromas”, Dialecto/Cloudnoise, 2011)
Canções de baile
Dança comigo
Dança comigo, morena Leveza de pena Esta dança breve Dança e rodopia Solta-me a alegria De quem nada deve
Acende-me a cara, o rosto Os lábios de mosto Riso de marfim Requebra a cintura Que és a criatura Nascida p’ra mim
Vamos, a dança é louca Dá-me a tua boca Que este beijo é meu Dança comigo, amada Que eu já estou na escada Que me leva ao céu
Ao som da concertina (Cinturinha fina Pele de cetim) Dança, meu amor Não sei doutra flor Que bem dance assim
Dança com fantasia No fim deste dia Que se vai embora No passo da vida Dancemos, querida Que é a nossa hora
Vamos, a dança é louca Dá-me a tua boca Que este beijo é meu Dança comigo, amada Que eu já estou na escada Que me leva ao céu
Vamos, a dança é louca Dá-me a tua boca Que este beijo é meu Dança comigo, amada Que eu já estou na escada Que me leva ao céu
Ah vamos, que a dança é louca Dá-me a tua boca Que este beijo é meu Dança comigo, amada Que eu já estou na escada Que me leva ao céu
Letra e música: Aníbal Raposo (2006-09-26) Intérprete: Aníbal Raposo (in CD “Rocha da Relva”, Aníbal Raposo/Global Point Music, 2013)
Dançava, dançar, dançou
[ Saias das Sete Saias ]
Dançava, dançar, dançou, Cantou e alegre cantava… Se a vida alegre voou A vida triste lhe paga; Dançava, dançar, dançou, Cantou e alegre cantava.
Sete saias rompia, Sete saias rompeu… Do nascer ao fim do dia Muitas saias conheceu; Sete saias rompia, Sete saias rompeu.
Diz o povo sem lamúrias Que a terra lhe paga em vida… Que a morte lhe tira os dias E só lhe dá a guarida; Diz o povo sem lamúrias Que a terra lhe paga em vida.
Sete saias rompia, Sete saias rompeu… Do nascer ao fim do dia Muitas saias conheceu; Sete saias rompia, Sete saias rompeu.
Quando as saias compridinhas No final da ceifa ou monda Eram todas mais curtinhas, Quase uma saia redonda… Quando as saias compridinhas Eram todas mais curtinhas.
Sete saias rompia, Sete saias rompeu… Do nascer ao fim do dia Muitas saias conheceu; Sete saias rompia, Sete saias rompeu.
Da terra se faz a história Que um povo diz a cantar… A terra só tem memória E tem muito p’ra contar; Da terra se faz a história Que um povo diz a cantar.
Sete saias rompia, Sete saias rompeu… Do nascer ao fim do dia Muitas saias conheceu; Sete saias rompia, Sete saias rompeu.
Letra e música: José Barros Arranjo: José Barros Intérprete: Navegante com Janita Salomé (in CD “Meu Bem, Meu Mal”, Tradisom, 2008)
Quantas voltas tem a dança
[ Se Ainda Der para Disfarçar ]
Quantas voltas tem a dança em tantas voltas contadas? Um segredo de criança escondido em mil gargalhadas Tantas mãos que foram dadas na ternura de um abraço Quantas vontades caladas na volta meiga de um passo
Quantas horas de viagem na alegria de te ver? Quanta falta de coragem, tanta coisa por dizer E acabamos a esconder, vá-se lá saber porquê Nestas coisas do querer os sinais são p’ra quem os lê
Dá-me uma dança, faz-me acreditar Uma lembrança p’ra eu levar Que eu tenho sempre vontade de voltar e te dizer Se ainda der p’ra disfarçar Ensina-me a dançar
Faz de conta que o poente acontece a qualquer hora Quando a noite se faz quente e um beijo se demora Já o frio se foi embora ao tocar da tua mão Que há-de ser de nós agora? Faz sentido: sim ou não?
Dá-me uma dança, faz-me acreditar Uma lembrança p’ra eu levar Que eu tenho sempre vontade de voltar e te dizer Se ainda der p’ra disfarçar Ensina-me a dançar
É a valsa do começo, é a vida a esvoaçar É a pele a soltar um arrepio É uma cor que eu não conheço, um sabor de acreditar Uma praia cor de um desafio
Dá-me uma dança, faz-me acreditar Uma lembrança p’ra eu levar Que eu tenho sempre vontade de voltar e te dizer Se ainda der p’ra disfarçar Ensina-me a dançar
Ensina-me a dançar Ensina-me a dançar Ensina-me a dançar
Letra e música: Sebastião Antunes Intérprete: Sebastião Antunes (in CD “Singular”, Sebastião Antunes & Quadrilha/Alain Vachier Music Editions, 2017) Versão original: Sebastião Antunes (in CD “Cá Dentro”, Vachier & Associados, 2009)
Sete saias da Nazaré
Sete portadas
[ Baile das Vozes ]
Sete portadas De pedra, E mais sete De madeira
Sete meninas Sentadas Outras sete Na ladeira
Foram lavar Suas vestes Toda a noite Noite inteira
Menina que olhos Esses que me Encantam De maneira
E neste baile Cruzado, Sete cruzes Se transformam,
Em redor Do seu amado Sete vénias Que se Formam…
Ficam Bailando Num pé E no outro Saltitando,
Cinco meninas Saíram E só duas Vão ficando!…
E se acordarem Os santos Num bailado De folia
Juntam-se as vozes À noite Bailam apenas De dia!…
Menina que dança E canta, E seu canto É noite fria!
E rodopia cantando, No seu baile De alegria!…
Letra: José Flávio Martins Música: José Flávio Martins e Rui Tinoco Intérprete: Frei Fado d’El Rei (in CD “Em Concerto”, Açor/Emiliano Toste, 2003)
Sorvem-me o sangue
[ Trocaram-me a Dança! ]
Sorvem-me o sangue, Deixam-me exangue, Ceifam-me a vida na terra prometida.
Tolhem-me a esperança, Trocam-me a dança, Solta-se o grito na raiva incontida.
Sorvem-me o sangue, Deixam-me exangue, Ceifam-me a vida na terra prometida.
Tolhem-me a esperança, Trocam-me a dança, Solta-se o grito na raiva incontida.
Na dança da vida com o passo trocado, Na dança das fitas estou no filme errado; Destroços de sonhos errantes na serra Espezinham-me a flor…, tenho a Primavera.
Cercam-me o tempo, Varrem-me o alento, Ferem-me o voo, a paixão e o sustento.
Lanço a semente, Rasgo o silêncio, Cerro a decência, declino ser inocente.
Na dança da vida com o passo trocado, Na dança das fitas estou no filme errado; Destroços de sonhos errantes na serra Espezinham-me a flor…, tenho a Primavera.
Cercam-me o tempo, Varrem-me o alento, Ferem-me o voo, a paixão e o sustento.
Letra e música: Álvaro M. B. Amaro Intérprete: Dialecto* (in CD “Aromas”, Dialecto/Cloudnoise, 2011)
Vai ao centro
[ Centro ao centro ]
Vai ao centro, vai ao meio! Agora vou andar Com meu amor em passeio; Agora é que eu vou andar Com meu amor em passeio.
Vá de roda, cantem todas Cada qual sua cantiga! Eu também cantarei… Eu também cantarei uma Que a mocidade me obriga.
Vá de roda, cantem todas Cada qual sua cantiga! Que eu também cantarei uma Que a mocidade me obriga.
Vai ao centro!…
Moda:
Vai de centro ao centro ao centro! Vai de centro ao centro ao meio! Agora é que eu vou andar Com meu amor em passeio.
Com meu amor em passeio, Com meu bem a passear, Vai de centro ao centro ao meio! Agora é que eu vou andar…
Cantiga:
Vá de roda, cantem todos Cada qual sua cantiga! Que eu também cantarei uma Que a mocidade me obriga.
Moda:
Vai de centro ao centro ao centro! Vai de centro ao centro ao meio! Agora é que eu vou andar Com meu amor em passeio.
Com meu amor em passeio, Com meu bem a passear, Vai de centro ao centro ao meio! Agora é que eu vou andar…
Moda:
Vai de centro ao centro ao centro! Vai de centro ao centro ao meio! Agora é que eu vou andar Com meu amor em passeio.
Com meu amor em passeio, Com meu bem a passear, Vai de centro ao centro ao meio! Agora é que eu vou andar…
Cantiga:
Minha mãe, p’ra m’eu casar, Ofereceu-me uma panela; Depois de me ver casada, Partiu-me a cara com ela.
Moda:
Vai de centro ao centro ao centro! Vai de centro ao centro ao meio! Agora é que eu vou andar om meu amor em passeio.
Com meu amor em passeio, Com meu bem a passear, Vai de centro ao centro ao meio! Agora é que eu vou… andar…
Centro ao Centro (dança de roda) Letra e música: Tradicional (Ourique / Castro Verde, Baixo Alentejo) Informantes: Grupo Coral e Etnográfico “As Papoilas do Corvo” (Aldeia do Corvo, Castro Verde), Manuel Bento (Aldeia Nova, Ourique) e Pedro Mestre (Sete, Castro Verde) Recolha: Lia Marchi (in “Caderno de Danças do Alentejo”, Associação Pédexumbo e Olaria Cultural, 2010 – p. 34-35) Intérprete: Aqui Há Baile (in CD “Caderno de Danças do Alentejo – adaptações”, Associação Pédexumbo/Caracol Secreto, 2013)
Vai de roda
Vai de roda, vai de roda, Vai de roda que é tão breve; Tenho uns amigos na roda, Tenho uns amigos na roda, Deixam a roda mais leve.
Vai de roda, vai de roda, Vai de roda alguns amores; Quantos mais amores na roda, Quantos mais amores na roda Mais te perseguem as dores.
Vai de roda, vai de roda, Vai de roda até ao fim; Já tentei fugir da roda, Já tentei fugir da roda Mas ela rodou por mim.
Vai de roda, vai de roda, Vai de roda sem parar; Quem nunca esteve na roda, Quem nunca esteve na roda Não pode a roda enganar.
Vai de roda, vai de roda, Vai de roda até ao fim; Já tentei fugir da roda, Já tentei fugir da roda Mas ela rodou por mim.
Vai de roda, vai de roda, Vai de roda sem parar; Quem nunca esteve na roda, Quem nunca esteve na roda Não pode a roda enganar.
Letra e música: Duarte (Outubro de 2010) Intérprete: Duarte, com Mara (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018) Versão original: Duarte (in CD “Sem Dor Nem Piedade”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2015)
Coragem é ter cabeça dura
sem contrair defesas veneráveis
paro, fico tolo, não quero viver
passa tudo quando estou ao pé de ti
e se ela quer só trocar transpiração
não posso dar a minha desprovida
em todo o suor vai um coração
que à partida há-de ter volta após a ida
sacrifica-se a memória e recalco o que passou
isto que aqui está é outra história e vou ser mais do que fui
o tribunal conclui que o réu está bom
heróis do mar
somos tão valentes
mas a paixão dá cabo da força
preciso de ti p’ra ficar perto de mim
passa tudo quando te distrais de ti
e se amanhã me apareceres à frente
com intenções e alma decotada
a transpiração fica cheia de razão
fim do filme, pôr-do-sol de mãos atadas
sacrifica-se a memória e recalco o que passou
isto que aqui está é outra história e vou ser mais do que fui
o tribunal conclui que o réu está bom
o mal que pode correr é inversamente proporcional
ao bem que te pode fazer, ao bem
compro uma matilha p’ra não teres medo de mim
dizes que estás desacreditada
e já não lês histórias da carochinha
tu julgas que não mas sou o teu João Ratão
e mulher podes escrever que vais ser minha
tu julgas que não mas sou o teu João Ratão
e mulher podes escrever que vais ser minha
sacrifica-se a memória e recalco o que passou
isto que aqui está é outra história e vou ser mais do que fui
o tribunal conclui…
o tribunal conclui que o réu está bom
Letra e música: Carlos Oliveira Martins Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)
Desenraizado
[ Fado ]
Desenraizado, não sei cantar fado nem sou popular
estou sempre ali perto dum país incerto a apanhar do ar
não sei ser de Alfama, não tenho saudade, eu nem sou daqui
então concentro de fora p’ra dentro a minha raiz
estás desgraçado, rapaz, oxalá não te percas
este país está dentro de ti
encadernado e usado com palavras certas
quem serás tu neste mundo se não és daqui?
beira mal plantado, cantinho encostado com sabor a nós
eu sou neste mundo Portugal profundo que já teve voz
se faço perguntas, se sou ou não fado, se ele já foi meu
passadas vitórias, vivo numa inglória, num país-museu
e tudo o que aqui resta sou só eu
estás desgraçado, rapaz, oxalá não te percas
este país esta dentro de ti
encaixotado e usado com palavras certas
quem serás tu neste mundo se não és daqui?
santificado é o fado de aceitar o fado de ser português
é um Bandarra, é Vieira, Pessoa que cheira a Pedro e Inês
ser Portugal é a sina, maldição divina de gente que crê
ser Portugal é a sina, maldição divina de gente que crê
Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: Caruma* com José Medeiros (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)
Estás armado em parvo
[ Minar a Liberdade ]
Estás armado em parvo mas está tudo bem
vou ali num instante desmembrar alguém
vícios separados do tutano
limpo o coração muito muito bem
energia dura sem pátria ou poluição
pura das entranhas mas fora da pele não
e eu não fui
chega-te p’ra lá, toma lá dá cá
vais-me abandonar e eu vou já atrás
sarilhos que metem aviões
e sexo são arranca-corações
não te vejo aqui mas está cheio de ti aqui
esgueiraste o veneno e tu pensas que eu não vi
mas não sou tão drogada assim
eu não fui
eu sei que tudo passa e que vem tudo outra vez
sou da tua raça mas em fraco e tu não vês
isto de ser gente um p’ró outro
mais valia sermos tortos
e amar tudo de uma vez
aí está ele a minar a liberdade
estraguei outra vez depressa de mais
vais-te alimentar de mim com vontade
sou bicho-de-conta por medo de mim
mas é que se não for às cegas não vou
se não for com trapos e malas não vou
e escuto um grande “não” quando sussurras que sim
o teu magnetismo explica tanto cinismo
e a ser alguém que sejas tu
eu não fui
eu sei que tudo passa e que vem tudo outra vez
sou da tua raça mas em fraco e tu não vês
isto de ser gente um p’ró outro
mais valia sermos tortos
e amar tudo de uma vez
aí está ele a minar a liberdade
aí está ele a minar a liberdade
aí está ele a minar a liberdade
aí está ele a minar a liberdade
estás armado em parvo mas está tudo bem
vou ali num instante desmembrar alguém
vícios separados do tutano
eu não fui
Letra e música: Carlos Oliveira Martins Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)
Quando dizes que a cerveja
[ Magnetismo em Riste ]
Quando dizes que a cerveja fez-te apaixonar por mim
foi por ela que deixaste de gostar de mim assim
que a boémia dá-me charme
que sou magnetismo em riste
que sou suor e sou carne
e sou ressaca de triste
ansioso e mal amado
estou de fora a ver-me a ser
sou assim encurralado
com bons modos a “des-ser”
catadupa em dissonante
por mais cantigas que cante
vou morrer sem mudar nada
dou-me armas e bagagens
dormente de encharcado
faço quatro mil viagens
e não vou p’ra nenhum lado
quero ser sem comprimidos
quero que sejas de mim
esperar mais é dar-me a morte
medicada pelo fim
canto de pupilas gastas
hipertenso cheio de sede
amanhã não me procures
amanhã não tenho rede
catadupa em dissonante
por mais cantigas que cante
vou morrer sem mudar nada
sei saltar de corpo em corpo
encarnado em ser melhor
sei ser um corpo no teu corpo
nasci a saber de cor
sou moldado a respirar
mando rajadas de sangue
e sai tudo disparado
e sai tão embriagado
vai montanha-russa abaixo
educado em pequenez
esfrego o pai-nosso do corpo
e sou puro duma vez
catadupa em dissonante
por mais cantigas que cante
vou morrer sem mudar nada
Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: Caruma* com José Medeiros (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)
Ri sozinho de paspalhice
[ Projecto Internacional ]
Ri sozinho de paspalhice, chorei de devagar e disse:
«Isto não devia acontecer
dizeres que me amas
e depois que em duas semanas não acontece amor»
quero a minha casa
os braços dos meus
senti-me pujante de burro
eu num canto a olhar p’ra nada
a soluçar em nada
voltaste atrás assim:
«I was blind»
isso é dum filme
«I could not see»
é cantiga dos U2
e dormimos com arrepios
de tanto drama espojados na nossa cama
a fazer de conta amor
não sei, acho que isto já se partiu
eu já não suspiro e suspirar é bom
estar apaixonado em Budapeste
e ficar a leste sozinho com a maior das penas de estar sozinho
mas já sei o que faço aqui
espero a hora de virar daqui
não sou o teu projecto internacional
isso é dum filme
“I could not see”
é cantiga dos U2
e dormimos com arrepios
de tanto drama espojados na nossa cama
a fazer de conta amor
Letra e música: Carlos Oliveira Martins Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)
Saltei p’ra ver
[ Boa Educação Imoral ]
Saltei p’ra ver
estou dentro de tão boa educação
emparedada de redondo
a arrastar a solidão de ser antigo
faça o favor de ser quem é
não tem de ser o que faz
faça o favor de usar juízo
desligar dispositivo e gostar mais de andar por cá
cansei de ser
borrego nesta imensa multidão
carecida de vontade
extremamente encarecida
há pão e vinho
santificado é o Senhor
que me santifica a bilha
chupa a teta e faz-me um filho
baptizados que hão-de vir têm a vida vencida
carcomido à nascença
e o teu Deus em contrapeso
que tapa o Sol com hóstias de mentol
boa educação imoral
não pode haver vontade em fabricar vontades, não
podia ser
tão bem encarrilhado em alemão
vida com chave na mão
empenhado até projeccionar a alma
suicidar a emoção
anti-anti-depressiva
bebo vinho a toda a hora
adormeço de vergonha a vontade de ser vida
carcomido à nascença
e o teu Deus em contrapeso
que tapa o Sol com hóstias de mentol
boa educação imoral
não pode haver vontade em fabricar vontades
não pode haver vontade em fabricar vontades
não pode haver vontade em fabricar vontades, não
Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)
Tenho dinheiro p’ra trinta caixões
[ Trinta Caixões ]
Tenho dinheiro p’ra trinta caixões e nem um é para mim
tenho dinheiro p’ra trinta caixões e são todos por ti
está descansada que vives mil anos
mas com calminha p’ra não causar danos
tenho dinheiro p’ra trinta caixões e são todos por ti
vou tratar do meu casulo
afastar a gente má
que há quem viva neste mundo
e há quem queira andar só por cá
aquele já é doutor
e apregoa falsidade
algemados gritam alto:
«Viva a nossa liberdade!»
mãe, ó da guarda, ele não me liga mais
mãe, estou à venda a quem me oferecer mais
tenho planos nesta vida de ter carro, casa e pão
se não for com este jovem, homem velho não diz “não”
gosto mais de mim assim
a saber que sei gostar
gosto ainda bem de ti
mas não sei pagar pr’amar
somos todos tão fofinhos
eu sem ti não sei viver
venha daí o corpinho
isso eu sei fazer render
está descansada, vives mil anos
mas com calminha, cuidado com os danos
dança-me o corridinho com sapato velho
ai que acumulas a vida com a sorte da morte que p’ra ti não vem
mãe, ó da guarda, ele não me liga mais
mãe, estou à venda a quem me oferecer mais
tenho planos nesta vida de ter carro, casa e pão
se não for com este jovem, homem velho não diz…
tenho dinheiro p’ra trinta caixões e é tudo p’ra mim
Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)
Troca-se o visto por dito
[ Visto por Dito ]
Troca-se o visto por dito
que cá na casa que fiz
gasta-se guito e imito
toda a gente a ser feliz
cada conta com seu conto
cada rei com seu carrasco
há polícia e Carnaval
para garantir o tasco
sapatinho no Natal
sandália o ano todo
o vento muda de Leste
e sou sempre eu que me lixo
carapaus e caviar
às vezes na mesma mesa
uns tostões, outros milhões
a cantar “A Portuguesa”
mandas na marca da minha sardinha
mas não mandas nada do que me vai cá na pinha
dizes p’ra ti: «sou tão inteligente!»
um dia destes ainda vais ouvir da gente
cantoria no Rossio, escanzelada a pontapé
a conversa vai madura na esquina do meu café
estremunhada acorda a banca, promessas de terror
amanhã colecta o fisco a gente a fazer amor
com tanta saliva fresca, com tanto sangue miúdo
sou da Jota não sei quê e já pareço graúdo
o sistema está assim bem montado em comité
tenho três paredes falsas com olho que tudo vê
mandas na marca da minha sardinha
mas não mandas nada do que me vai cá na pinha
dizes p’ra ti: «sou tão inteligente!»
um dia destes ainda vais ouvir da gente
ah que isto agora é um sonho mau
dissonância, arrastadeira, cantadeira, a maluqueira é tanta
que um dia vai tudo a pau
contam-se os mortos no fim
que a haver um fim vai ser com graça
que a desgraça não existe
que o que existe é ser feliz
mandas na marca da minha sardinha
mas não mandas nada do que me vai cá na pinha
dizes p’ra ti: «sou tão inteligente!»
um dia destes ainda vais ouvir…
um dia destes ainda vais ouvir…
um dia destes ainda vais ouvir da gente
Letra e música: Carlos Oliveira Martins Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)
Vivo como um chulo à consignação
[ Bêbado ]
Vivo como um chulo à consignação
vendo lixo rico – é a minha obsessão
sentaste-te em cima da alma
agora queres comprar-me com mais calma
chulas-me a saúde e eu perco-me doente
quero mais de ti além de só saliva quente
atrofio o teu caminho, nunca foi o nosso
dá-me p’ra virar daqui sempre que posso
tudo tem de ser como tem de ser
conheci-te a tempo de te esquecer tão bem
dá-me mais um copo, juro desta é que me vou
sei que é sempre o mesmo a esta hora mas eu vou
disse-lhe três vezes que sou torto, parvo e bêbado
o bêbado não precisa de amigos nem tu precisas dum bêbado
tira-me este cheiro a sol e vinho velho
é sempre nesta altura que me queres levar p’rá cama
faço contas para decidir quando te beijo
e estou sempre ali preso na lama
tudo tem de ser como tem de ser
conheci-te a tempo de te esquecer tão bem
dá-me mais um copo, juro desta é que me vou
sei que é sempre o mesmo a esta hora mas eu vou
disse-lhe três vezes que sou torto, parvo e bêbado
o bêbado não precisa de amigos nem tu precisas de mim
nem tu precisas de mim
tudo tem de ser como tem de ser
conheci-te a tempo de te esquecer tão bem
dá-me mais um copo, juro desta é que me vou
sei que é sempre o mesmo a esta hora mas eu vou
disse-lhe três vezes que sou torto, parvo e bêbado
o bêbado não precisa de amigos nem tu precisas dum bêb…
sai daqui e deixa-me cair que eu vou cair
não há mais conversa, porque estás a insistir?
disse quatro vezes que sou torto, parvo e bêbado
o bêbado não precisa de amigos nem tu precisas de mim
Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)
A lonjura é um degredo Sem grades para assaltar; Sem olhos, sem mãos, segredo, Boca calada de amar.
É mar que afunda a fragata, É cotovia sem voz; É um orvalho sem prata Letra sem rosto, sem foz.
É lágrima, é destempero, É tabuada aldrabada; Diário do desespero, Diário branco, sem nada.
Um chapéu cheio de traça, A sina contada à toa; A lonjura é uma desgraça, Não há dor que tanto doa.
Letra: Joaquim Sarmento Música: João Black (Fado Menor do Porto) Intérprete: Helena Sarmento Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)
A minha alma está doente
[ Confirmação ]
A minha alma está doente, Quiseram em vão curá-la E quantos ingenuamente Tentaram amortalhá-la!
Fizeram cerco e, no meio De toda aquela muralha, Eu (que sofria!) cantava… Não me servira a mortalha!
E à medida que o segredo Vinha em meus lábios poisar-se, | Embriagado, eu cantava… Não me servira o disfarce!
Mas, por fim, vendo, talvez, Que nenhum remédio havia Deram à minha surdez O nome de poesia…
Poema: Pedro Homem de Mello (ligeiramente adaptado) Música: Renato Varela (Fado Meia-Noite) Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Fado e Folclore”, RCA Victor, 1970)
CONFIRMAÇÃO
(Pedro Homem de Mello, in “Eu Hei-de Voltar um Dia”, Lisboa: Edições Ática, 1966, reimp. 1999 – p. 63)
A minha alma está doente, Quiseram em vão curá-la E quantos ingenuamente Tentaram amortalhá-la! Formaram cerco e, no meio De toda aquela muralha, Eu (que sofria!) cantava… Não me servira a mortalha! E à medida que o segredo Vinha em meus lábios poisar-se, Embriagado, eu cantava… Não me servira o disfarce! Mas, por fim, vendo, talvez, Que nenhum remédio havia Deram à minha surdez O nome de poesia…
À rapariga mais nova
[ Testamento ]
À rapariga mais nova Do bairro mais velho e escuro, Deixo meus brincos lavrados Em cristal límpido e puro.
E àquela virgem esquecida, Sonhando alto uma lenda, Deixo o meu vestido branco Todo tecido de renda.
E este meu rosário antigo, De contas da cor dos céus, Ofereço-o àquele amigo Que não acredita em Deus.
E os livros, rosários meus Das contas d’outro sofrer, São para os homens humildes Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos, Esses que são só de dor, E aqueles que são de esperança São para ti, meu amor.
P’ra que tu possas, um dia, Com passos feitos de lua, Oferecê-los às crianças Que encontrares em cada rua.
Poema: Alda Lara (adaptado) Música: Popular (Fado Menor) Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “O Riso Que me Deste”, RCA Victor, 1967; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978; 2LP “Álbum de Recordações”: LP 1, Polydor/PolyGram, 1985; CD “Temas de Ouro da Música Portuguesa”, Polydor/PolyGram, 1992; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006; CD “Tereza Tarouca”, col. Fado Alma Lusitana III, vol. 3, Levoir / Correio da Manhã, 2014)
TESTAMENTO
(Alda Lara, in “Poemas”, Sá da Bandeira, Angola: Imbondeiro, 1966, reed. Braga: APPACDM, 1997, 2005)
À prostituta mais nova do bairro mais velho e escuro, deixo os meus brincos, lavrados em cristal, límpido e puro… E àquela virgem esquecida, rapariga sem ternura sonhando algures uma lenda, deixo o meu vestido branco, o meu vestido de noiva, todo tecido de renda… Este meu rosário antigo ofereço-o àquele amigo que não acredita em Deus… E os livros, rosários meus das contas de outro sofrer, são para os homens humildes que nunca souberam ler. Quanto aos meus poemas loucos, esses, que são de dor sincera e desordenada… esses, que são de esperança, desesperada mas firme, deixo-os a ti, meu amor… Para que, na paz da hora, em que a minha alma venha beijar de longe os teus olhos, vás por essa noite fora, com passos feitos de lua, oferecê-los às crianças que encontrares em cada rua…
Caía a tarde
[ O Bêbado e a Equilibrista ]
Caía a tarde feito um viaduto E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos A lua, tal qual a dona de um bordel, Pedia a cada estrela fria um brilho de aluguel E nuvens, lá no mata-borrão do céu, Chupavam manchas torturadas, que sufoco! Louco, um bêbado com chapéu-côco Fazia irreverências mil p’rá noite do Brasil, meu Brasil Que sonha com a volta do irmão do Henfil Com tanta gente que partiu num rabo-de-foguete Chora a nossa pátria, mãe gentil Choram Marias e Clarices no solo do Brasil Mas sei que uma dor assim pungente Não há-de ser inutilmente a esperança Dança na corda bamba de sombrinha E em cada passo dessa linha pode se machucar Azar, a esperança equilibrista Sabe que o show de todo o artista tem que continuar
Letra: Aldir Blanc Música: João Bosco (a partir da música “Smile”, de Charles Chaplin, composta para a banda sonora do filme “Tempos Modernos”, 1936) Intérprete: Helena Sarmento* Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018) Versão original: João Bosco (in LP “Linha de Passe”, RCA Victor, 1979, reed. RCA, 2004) Outra versão: Elis Regina (in LP “Elis, Essa Mulher”, Warner Bros. Records, 1979, reed. Warner Music Brasil/WEA Music, 1989)
Ciganos
Ciganos! Vou cantar, não a beleza Dos vossos corações que não conheço. Mas esse busto de medalha e preço Que nem é carne vã, nem alma acesa!
Saúdo em vós o corpo, unicamente, Desumano e cruel como uma chama! Em vós, saúdo a graça omnipotente Do lírio que ainda flor por entre a lama.
A vossa vida não pertence ao rei. Não mutilaste estradas verdadeiras. Quem ama a liberdade odeia a lei Que deu à terra a foice das fronteiras.
E, enquanto o aroma e a brisa e até as almas Ficam irmãs das pérolas roubadas, As mãos dos homens que vos são negadas Tremem quando passais. Mas batem palmas.
As mãos dos homens que vos são negadas Tremem quando passais. Mas batem palmas.
Poema: Pedro Homem de Mello (excerto adaptado) Música: José Belo Marques (Fado Fora d’Horas) Intérprete: Tereza Tarouca* (in LP “Tereza Tarouca Canta Pedro Homem de Mello”, Edisom, 1989; CD “Teresa Tarouca”, col. Clássicos da Renascença, vol. 15, Movieplay, 2000; CD “Tereza Tarouca”, col. Fado Alma Lusitana III, vol. 3, Levoir / Correio da Manhã, 2014)
CIGANOS
(Pedro Homem de Mello, in “Miserere”, Porto, 1948; “Poesias Escolhidas”, col. Biblioteca de Autores Portugueses, Lisboa: IN-CM, 1983 – p. 110)
Ciganos! Vou cantar, não a beleza Dos vossos corações que não conheço. Mas esse busto de medalha e preço Que nem é carne vã, nem alma acesa! Saúdo em vós o corpo, unicamente, Desumano e cruel como o dum bicho! Em vós, saúdo a graça omnipotente Do lírio que ainda flor por entre o lixo. Eu vos saúdo, pela poesia, Que nasceu pura e não se acaba mais. E pelo ritmo ardente que inebria Meus olhos como fios que enlaçais! A vossa vida não pertence ao rei. Não mutilaste estradas verdadeiras. Quem ama a liberdade odeia a lei Que deu à terra a foice das fronteiras. E, enquanto o aroma e a brisa e até as almas Ficam irmãs das pérolas roubadas, As mãos dos homens que vos são negadas Tremem quando passais. Mas batem palmas.
Era um Redondo Vocábulo
Era um redondo vocábulo Uma soma agreste Revelavam-se ondas Em maninhos dedos Polpas seus cabelos Resíduos de lar Nos degraus de Laura A tinta caía No móvel vazio Convocando farpas Chamando o telefone Matando baratas A fúria crescia Clamando vingança Nos degraus de Laura No quarto das danças Na rua os meninos Brincavam e Laura Na sala de espera Inda o ar educa…
Era um redondo vocábulo Uma soma agreste Revelavam-se ondas Em maninhos dedos Polpas seus cabelos Resíduos de lar Nos degraus de Laura A tinta caía No móvel vazio Convocando farpas Chamando o telefone Matando baratas A fúria crescia Clamando vingança Nos degraus de Laura No quarto das danças Na rua os meninos Brincavam e Laura Na sala de espera Inda o ar educa…
Nos degraus de Laura No quarto das danças Nos degraus de Laura No quarto das danças
Letra e música: José Afonso Intérprete: Helena Sarmento Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)
Éramos três
[ A Rapariga das Violetas ]
Éramos três quando passou por nós quando passou por nós com o cesto das violetas. Disse a primeira: como vai cansada, e descalça, coitada, coitada! Disse a outra: tão suja e desgrenhada, olhem os pés sem cor, as unhas pretas!
Eu, a terceira… eu não disse nada, não disse nada, não disse nada. … Que lindas as violetas!
Poema: Fernanda de Castro (adaptado) Música: Manuel Lima Brummon Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Portugal Triste”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1980; CD “Tereza Tarouca”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 32, Movieplay, 1994; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006)
A rapariga das violetas
(Fernanda de Castro, in “Exílio”, Lisboa: Livraria Bertrand, 1952 – p. 93)
Éramos três quando passou por nós com o cesto das violetas. Disse a primeira: como vai cansada, e descalça, coitada! Disse a outra: tão suja e desgrenhada, olhem os pés sem cor, as unhas pretas!
Eu, a terceira… eu não disse nada. … Que lindas as violetas!
Fado
Ao passar pelo ribeiro Onde, às vezes, me debruço, Fitou-me alguém. Corpo inteiro, Curvado com um soluço!
Que palidez nesse rosto Sob o lençol do Luar! Tal e qual quem, ao Sol-Posto, Estivera a agonizar…
E aquelas pupilas baças Acaso seriam minhas? Meu amor, quando me enlaças, Porventura as adivinhas?
Deram-me, então, por conselho, Tirar de mim o sentido. Mas, depois, vendo-me ao espelho, Cuidei que tinha morrido!
Poema: Pedro Homem de Mello (ligeiramente adaptado) Música: José Marques do Amaral (Fado José Marques do Amaral) Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Fado e Folclore”, RCA Victor, 1970)
FADO
(Pedro Homem de Mello, in “As Perguntas Indiscretas”, Porto: Editorial Domingos Barreira, 1968; “Poesias Escolhidas”, col. Biblioteca de Autores Portugueses, Lisboa: IN-CM, 1983 – p. 295)
Ao passar pelo ribeiro Onde, às vezes, me debruço, Fitou-me alguém. Corpo inteiro, Curvado como um soluço!
Que palidez nesse rosto Sob o lençol do Luar! Tal e qual quem, ao Sol-Posto, Estivera a agonizar…
Aquelas pupilas baças Acaso seriam minhas? Meu amor, quando me enlaças, Porventura as adivinhas?
Deram-me, então, por conselho, Tirar de mim o sentido. Mas, depois, vendo-me ao espelho, Cuidei que tinha morrido!
Fica longe o sol que vi
[ Quadras da Minha Solidão ]
Fica longe o sol que vi aquecer meu corpo outrora… Como é breve o sol daqui! E como é longa esta hora!…
Donde estou vejo partir quem parte certo e feliz. Só eu fico. E sonho ir rumo ao sol do meu país…
Por isso as asas dormentes suspiram por outro céu. Mas ai delas! tão doentes não podem voar mais eu…
que comigo, preso a mim, tudo quanto sei de cor… Chamem-lhe nomes sem fim, por todos responde a dor.
E assim, no pulso dos dias, sinto chegar outro Outono… Passam as horas esguias, levando o meu abandono…
Poema: Alda Lara (excerto) Música: Jaime Santos (Fado da Bica) Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Fado e Folclore”, RCA Victor, 1970)
QUADRAS DA MINHA SOLIDÃO
(Alda Lara, in “Poemas”, Sá da Bandeira, Angola: Imbondeiro, 1966, reed. Braga: APPACDM, 1997, 2005)
Fica longe o sol que vi aquecer meu corpo outrora… Como é breve o sol daqui! E como é longa esta hora!…
Donde estou vejo partir quem parte certo e feliz. Só eu fico. E sonho ir rumo ao sol do meu país…
Por isso as asas dormentes suspiram por outro céu. Mas ai delas! tão doentes não podem voar mais eu…
que comigo, preso a mim, tudo quanto sei de cor… Chamem-lhe nomes sem fim, por todos responde a dor.
Mas dor de quê? dor de quem, se nada tenho a sofrer?… Saudade?… Amor?… Sei lá bem! É qualquer coisa a morrer…
E assim, no pulso dos dias, sinto chegar outro Outono… Passam as horas esguias, levando o meu abandono…
Lá vem num corcel
[ Trovas do Meu Povo ]
Lá vem num corcel o príncipe real vem saber dos favos vem medir o mel
vem ver os pastores pastarem o gado são seus os pastores e é seu todo o prado
Lá vem num cavalo o senhor regedor vem ver como cumprem as ordem do rei
pela terra alheia vem ver lavradores vê o que semeiam vem contar as flores
Lá vem num burrico o senhor abade vem pedir prás almas prás almas salvar
são suas as almas que o povo lhas deu partilha por todos a fé que perdeu
Lá vem todo o povo a pé no povoado de Cristo nos ombros à cruz arrancado
pois Cristo resiste não morre entre o povo porque em cada um há sempre um Cristo novo
La, la, la…
Letra: Manuel Lima Brummon Música: Luís Alexandre Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Portugal Triste”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1980; CD “Tereza Tarouca”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 32, Movieplay, 1994; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006)
Lavava no rio, lavava
Lavava no rio, lavava, Gelava-me o frio, gelava, Quando ia ao rio lavar! Passava fome, passava, Chorava também, chorava Ao ver minha mãe chorar!
Cantava também, cantava! Sonhava também, sonhava! E na minha fantasia Tais coisas fantasiava, Que esquecia que chorava, Que esquecia que sofria!
Já não vou ao rio lavar, Mas continuo a chorar! Já não sonho o que sonhava! Se já não lavo no rio, Porque me gela este frio Mais do que então me gelava?
Ai, minha mãe, minha mãe, Que saudades desse bem, Do mal que então conhecia! Dessa fome que eu passava, Do frio que nos gelava E da minha fantasia!
Já não temos fome, mãe, Mas já não temos também O desejo de a não ter! Já não sabemos sonhar, Já andamos a enganar O desejo de morrer!
Letra: Amália Rodrigues Música: José Fontes Rocha Intérprete: Joana Amendoeira (in CD “Amor Mais Perfeito: Tributo a José Fontes Rocha”, CNM, 2012) Versão original: Amália Rodrigues (in LP “Gostava de Ser Quem Era”, Valentim de Carvalho, 1980, reed. EMI-VC, 1995, Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007; “Amália 50 Anos”: CD “Amália Mais os Poetas Populares”, EMI-VC, 1989; 2CD “O Melhor de Amália”: vol. III – “Fado da Saudade”: CD 2, EMI-VC, 2003)
Meu país esperando
[ Portugal Triste ]
Meu país esperando na esquina do tempo de braços abertos a todo o momento vou seguindo sempre calculando os passos e se o que criei desfaço e refaço meus olhos despertos abrem-se para o mundo e eu caio em mim cada vez mais fundo
Meu país perdido na esquina do tempo triste Portugal tão pequeno e imenso pois eu te garanto, país, que este povo traz no coração sempre um amor novo
Não quero que pensem que já me perdi nem quero que julguem que fujo de mim tenho lucidez para poder viver eu sou vertical, não me hão-de torcer sempre fui mais forte quando me quiseram tornar serva ou fraca e nunca me venceram
Tenho a dimensão do que quero alcançar e nada que fiz tenho a lamentar pois para me encontrar ainda vos digo que nunca vendi meu cantar de amigo
Portugal que eu canto deixa a boca amarga mas eu estou bem firme, não estou derrotada
Letra e música: Manuel Lima Brummon Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Portugal Triste”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1980; CD “Tereza Tarouca”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 32, Movieplay, 1994; CD “Tereza Tarouca”, col. Fado Alma Lusitana III, vol. 3, Levoir / Correio da Manhã, 2014)
Mordi a Tua Mão
Mordi a tua mão, depois morri; Caí sobre o teu corpo inanimado: Que importa se estou preso ou se prendi! Quem morre assim não tem que ser julgado.
Mordi a tua mão, depois morri; Passei por um lugar que não tem nome, Que fica muito além do que sofri: Maior que a dor, que o mar, maior que a fome.
Beijei a tua mão, depois vivi; Deixei-me ali ficar de olhos fechados. Ainda perguntei: “Tu estás aqui?”; Depois dormi nos braços arranhados.
Letra: Duarte Música: Alfredo Duarte “Marceneiro” (Fado CUF) Intérprete: Duarte (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)
Nesse teu olhar magoado
[ Espero a Morte a Cantar ]
Nesse teu olhar magoado Vejo a cor dos olhos meus; Tem a dor um tom pisado Que é o tom dos olhos teus.
Sofro a dor por te querer Esquecendo que te perdi, Mas um dia quis te ver E louca d’amor fugi.
Nos meus olhos vivem ainda Saudades dum olhar teu; No meu peito vive infinda Essa dor que em ti viveu.
Hoje canto de amargura Já cansada de te amar, E vencida pela tortura Espero a morte a cantar.
Letra: Francisco Pessoa Música: Joaquim Campos (Fado Amora) Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Saudade, Silêncio e Sombra”, RCA Victor, 1964)
No silêncio do meu quarto
[ Um Fado para Fred Astaire ]
No silêncio do meu quarto… de incerteza Não vos sei dizer se morro… ou ressuscito; Faz-se noite quando parto… com tristeza E talvez peça socorro… mas não grito.
Quem diria que os teus pés… de bailarino Entrariam para a história… da saudade, E que meio de viés… por teu destino Brindarias à memória… que me invade?!
Quase toco a tua mão… presa ao ecrã, Mas tropeço nos meus passos… sem esperança; Não existe solidão… nem amanhã Quando danço nos teus braços… de criança.
Eu é que sou a menina,… mas não quero, E não vou mudar de idade… e ai de mim Se a memória só termina… e volta a zero Quando acabar a saudade… que é sem fim.
Letra: Tiago Torres da Silva Música: Popular e Alfredo Duarte “Marceneiro” (Fado Menor com Versículo) Intérprete: Cristina Nóbrega Versão discográfica de Cristina Nóbrega (in CD “Um Fado para Fred Astaire”, Watch & Listen, 2014) Versão original: Deolinda Rodrigues (inédita)
O Cristo inerte
[ Não Fui Eu ]
O Cristo inerte preso à cruz A luz da vela que O reduz À sombra triste na parede entrecortada
Dos lábios solta-se, indulgente A prece inútil do não-crente Entre palavras que por fim não dizem nada
Não fui eu, não fui eu Não deixei a porta aberta Não fui eu, não fui eu Ficou-me a casa deserta
Há como um fugidio rumor De passos no corredor Induzem na minh’alma a dor da esperança vã
Sinais do tempo a humedecer A voz que teima enrouquecer E o corpo dorido pela noite no divã
Não fui eu, não fui eu Não deixei a porta aberta Não fui eu, não fui eu Ficou-me a casa deserta
Como esta febre me destrói Perdido amor, quanto me dói Desceste em mim o cruel manto da tristeza
Em cada noite morro, amor E a solidão faz-me maior Mal amanhece e volta o medo que anoiteça
Não fui eu, não fui eu Não deixei a porta aberta Não fui eu, não fui eu Ficou-me a casa deserta
Letra e música: Jorge Fernando Intérprete: Rua da Lua (in CD “Rua da Lua”, Rua da Lua, 2016)
Por ti cheguei a amar o desumano
[ A Outra Face da Alegria ]
Por ti cheguei a amar o desumano e fiz da minha angústia amor total vi florir primaveras todo o ano nunca ninguém te amou com amor igual
Por ti bastava a sombra fugidia do teu olhar no meu insatisfeito e tudo o que não tinha pressentia como quem tem dois corações no peito
Por ti reinventei lindas palavras nas mãos tive oiro e estrelas só por ti e nada te bastou, nada aceitavas mas roubaste o melhor que havia em mim
Por ti gastei a face da alegria e andei morrendo um pouco em toda a parte embriagaste a luz de cada dia os dias mais belos da minha idade
Letra e música: Manuel Lima Brummon Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Portugal Triste”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1980; CD “Tereza Tarouca”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 32, Movieplay, 1994; CD “Tereza Tarouca”, col. Fado Alma Lusitana III, vol. 3, Levoir / Correio da Manhã, 2014)
Quem dorme à noite comigo?
[ Medo ]
Quem dorme à noite comigo? É meu segredo. Mas se insistirem lhes digo: O medo mora comigo, Mas só o medo, mas só o medo.
E cedo, porque me embala Num vai-e-vem de solidão, É com o silêncio que fala: Com voz que move onde estala E nos perturba a razão.
Gritar? Quem pode salvar-me Do que está dentro de mim? Gostava até de matar-me, Mas eu sei que ele há-de esperar-me Ao pé da ponte do fim.
Poema: Reinaldo Ferreira Música: Alain Oulman Intérprete: Júlio Resende com Amália Rodrigues (in CD “Amália por Júlio Resende”, Edições Valentim de Carvalho, 2013) Versão original: Amália Rodrigues (grav. 1966, CD “Segredo”, EMI-VC, 1997; 2CD “O Melhor de Amália: Vol. II – Tudo Isto É Fado”: CD 1, EMI-VC, 2000; Livro/4CD “O Melhor de Amália”: CD 3, Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007)
Talvez a solidão se torne um mito
[ Um Quê de Eternidade ]
Talvez a solidão se torne um mito pr’àqueles que se entregam à saudade, pois se uma tem um pouco de infinito a outra tem um quê de eternidade.
A solidão não sabe de quem gosta: por isso é que elas andam sempre juntas, porque uma é a pergunta sem resposta e a outra é a resposta sem perguntas.
Mas é com a saudade que me entendo, porque ela se apaixona só por quem descobre em cada verso que vai lendo que a solidão não gosta de ninguém.
Não sei porque é que vai baixando a voz, nem sei porque é que esconde o que revela, mas sei que se ela diz gostar de nós já não aceita que gostemos dela.
Letra: Tiago Torres da Silva Música: Raul Pereira (Fado Zé Grande) Intérprete: Cristina Nóbrega Versão original: Cristina Nóbrega (in CD “Um Fado para Fred Astaire”, Watch & Listen, 2014)
Um malmequer desfolhei
[ Malmequer Desfolhado ]
Um malmequer desfolhei, Nunca tal tivesse feito; Não sabia o que já sei, Tinha-te ainda no peito!
P’ra saber s’inda era meu O homem que eu tanto amei, Com os olhas fitos no céu Um malmequer desfolhei!
E da flor fui arrancando Esperanças que fora deito; E agora eu estou chorando… Nunca tal tivesse feito!
Julgando ter-te na vida E seres p’ra mim minha lei, Passava o tempo iludida… Não sabia o que já sei!
Sonhava meu coração, E agora sonho desfeito Vivendo da ilusão… Tinha-te ainda no peito!
Letra: D. António de Bragança Música: Francisco Viana (Fado Francisco Viana ou Fado Mouraria do Vianinha) Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Mouraria”, RCA Victor, 1963; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978)
Ai de mim que me perdi Pelos caminhos do tédio Perdi-me, cheguei aqui Agora não tem remédio
Ai de mim que me perdi Perdi-me no fim da estrada Ai de mim porque vivi A vida desencontrada
Tantos caminhos andados Não fui eu que os descobri Foram meus passos mal dados Que me trouxeram aqui
Perdida me acho da vida E a vida já me perdeu Ando na vida perdida Sem saber quem a viveu
Por mais que queira encontrar A razão do meu viver A razão de cá andar Não posso compreender
Que culpa tem o destino Dos caminhos que eu andei? Fui eu no meu desatino Que andei e não reparei
Perdida estou sem remédio Meu pecado e meu castigo Pecado é morrer de tédio Castigo é viver contigo
Por mais que queira encontrar A razão do meu viver A razão de cá andar Não posso compreender
Não posso compreender A razão de cá andar A razão do meu viver Não posso compreender
Poema: Amália Rodrigues (ligeiramente adaptado) Música: Amélia Muge Arranjo: José Mário Branco Intérprete: Amélia Muge (in CD “Amélia com Versos de Amália”, Amélia Muge/Leve Music, 2014)
Alguém que Deus já lá tem
[ Fado Malhoa ]
Alguém que Deus já lá tem Pintor consagrado Que foi bem grande e nos dói Já ser do passado Pintou numa tela Com arte e com vida A trova mais bela Da terra mais querida
Subiu a um quarto que viu à luz do petróleo E fez o mais português dos quadros a óleo Um Zé de samarra co’amante a seu lado Com os dedos agarra Percorre a guitarra e ali vê-se o fado
Faz rir a ideia de ouvir com os olhos, senhores Fará, mas não p’ra quem já o viu, mas em cores Há vozes de Alfama naquela pintura E a banza derrama canções de amargura
Dali vos digo que ouvi a voz que se esmera O som dum faia banal, cantando a Severa Aquilo é bairrista, aquilo é Lisboa Boémia e fadista Aquilo é da artista, aquilo é Malhoa
Letra: José Galhardo Música: Frederico Valério
Ando na vida à procura
[ Triste Sorte ]
Ando na vida à procura Duma noite menos escura Que traga luar do céu, Duma noite menos fria Em que não sinta agonia Dum dia a mais que morreu.
Vou cantando amargurado, Vou dum fado a outro fado Que fale dum fado meu: Meu destino assim cantado Jamais pode ser mudado Porque do fado sou eu.
Ser fadista é triste sorte Que nos faz pensar na morte E em tudo que em nós morreu, E andar na vida à procura Duma noite menos escura Que traga luar do céu.
Letra: João Ferreira-Rosa Música: Alfredo Duarte “Marceneiro” (Fado Cravo) Intérprete: Camané Versão discográfica anterior de Camané (in CD/DVD “Infinito Presente”, Warner Music, 2015)
Outras versões: Camané (in 2CD “Como Sempre… Como Dantes”: CD 1 – “Como Sempre: Ao Vivo em Palco”, EMI-VC, 2003); Camané (in 2CD “Como Sempre… Como Dantes”: CD 2 – “Como Dantes: Ao Vivo no Embuçado”, EMI-VC, 2003); Camané (in DVD “Ao Vivo no S. Luiz”, EMI, 2006); Camané (in CD/DVD “Ao Vivo no Coliseu: Sempre de Mim”, EMI, 2009; 2CD “Camané: O Melhor 1995-2013 (Edição Especial)”: CD 1, EMI, 2013)
Versão original: João Ferreira-Rosa (in EP “Embuçado”, Columbia/VC, 1965; CD “Embuçado” (compilação), EMI-VC, 1988, reed. Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007; 2CD “Ontem e Hoje”: CD 1, EMI-VC, 1996; CD “O Melhor de João Ferreira-Rosa”, Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008; CD “João Ferreira-Rosa: Essencial”, Edições Valentim de Carvalho/CNM, 2014)
Outras versões: João Ferreira-Rosa (in LP “Fado”, Imavox, 1978); João Ferreira-Rosa (in CD “No Wonder Bar do Casino Estoril”, Ovação, 2004)
Bendita esta forma de vida
[ Bendito Fado, Bendita Gente ]
Intérprete: Mafalda Arnauth
Chegaste a horas
[ Leva-me aos fados ]
Intérprete: Ana Moura
Convém que seja moderno
[ Que Fado É Esse, Afinal? ]
Convém que seja moderno, Ritmado sem critério E fácil de consumir; Que não deixe de imitar As modas que estão a dar, Que não ouse resistir.
Convém que não seja triste, Que se venda, que se lixe O valor do seu passado; Que se sirva ao desbarato Como um hambúrguer no prato, Produto pré-fabricado.
Convém que seja feliz, Não importa o que se diz Se agradar a toda a gente; Que a nada diga respeito, Seja a música um efeito E a palavra indiferente.
Convém que seja educado, Que se cante em qualquer lado, Popular, comercial. Mas quando o oiço cantar, Só me resta perguntar: Que Fado é esse, afinal?
Mas quando o oiço cantar, Só me resta perguntar: Que Fado é esse, afinal?
Letra: Duarte Música: José Mário Branco (Fado Gripe) Intérprete: Duarte (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)
Deixa Que te Cante um Fado
Deixa que te cante um fado, Ao menos de vez em quando! Deixa que te cante um fado Como quem reza chorando!
Deixa que te cante um fado Que me fale sempre em ti! Cantarei de olhos cerrados, Os olhos com que te vi.
Deixa que te cante um fado, Mesmo sem fé ou sem arte! Se nunca pude esquecer-te É que não posso deixar-te.
Deixa que te cante um fado! Todo o meu sonho está nisto: Que depois de o ter cantado Te lembres que ainda existo.
Poema: Pedro Homem de Mello Música: José Marques do Amaral (Fado José Marques do Amaral) Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Fados (Fado das Faias)”, RCA Victor, 1963; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978)
Descalço, venho dos confins da infância
[ Entrega ]
Descalço, venho dos confins da infância Que a minha infância ainda não morreu. Atrás de mim em face ainda há distância, Menino Deus, Jesus da minha infância, Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu!
Venho da estranha noite dos poetas, Noite em que o mundo nunca me entendeu. Vê, trago as mãos vazias dos poetas, Menino Deus, amigo dos poetas, Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu!
Feriu-me um dardo, ensanguentei as ruas Onde o demónio em vão me apareceu. Porque as estrelas todas eram suas, Menino irmão dos que erram pelas ruas, Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu!
Quem te ignorar ignora bem os que são tristes Ó meu irmão Jesus, triste como eu. Ó meu irmão, menino de olhos tristes, Nada mais tenho além dos olhos tristes Mas o que tenho, e nada tenho, é teu!
Poema: Pedro Homem de Mello Música: Carlos Gonçalves Intérprete: Ricardo Ribeiro Primeira versão discográfica de Ricardo Ribeiro (in CD “Largo da Memória”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2013) Versão original: Amália Rodrigues (in LP/CD “Obsessão”, EMI-VC, 1990, reed. Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)
Desdenharam-me, bem sei
[ Fado Lenitivo ]
Desdenharam-me, bem sei, Quando um dia comecei A cantar sofrida o fado; Não sabiam o motivo: É que o fado é lenitivo D’um coração torturado.
Ao ver de todo perdidas, As minhas esperanças mais queridas, Senti, fui talvez pisada; E era doce companhia Para a minha melancolia O chorar d’uma guitarra.
Amarguras e cansaços, A minha dor em pedaços Eu vou esquecendo a cantar; E nos queixumes do fado, Já nem sei se é um trinado Se a minh’alma a soluçar.
Sei que me ouves lamentando, As mágoas que vou cantando Só tu podes entender; Vou meu fado dedicar-te: Uma dor que se reparte Não custa tanto a sofrer.
Letra: Fernanda Santos Música: Helena Moreira Vieira Intérprete: Tânia Oleiro (in CD “Terços de Fado”, Museu do Fado Discos, 2016) Versão original: Maria do Rosário Bettencourt (in EP “Lenitivo”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1966; CD “Maria do Rosário Bettencourt”, col. Fados do Fado, vol. 41, Movieplay, 1998)
Desta luta constante
[ O fado que me traga ]
Desta luta constante O futuro é meu alento Numa roda gigante Tão gigante que pára o tempo
Uma volta sem regresso Até uma terra esquecida E na minha sorte tropeço Sozinha na madrugada perdida
O fado que me traga O que o tempo me levou A saudade que me abra O caminho do que sou O fado que me traga O que a saudade não deixou O sentido das palavras Que o tempo apagou
Uma lágrima no mar Perdida na voz do silêncio Aprisiona a ternura E adormece o meu encanto
Quando me sinto nua Não me quero ver mais ao espelho O destino não me quer tua Porque o amor morreu no desejo
O fado que me traga O que o tempo me levou A saudade que me abra O caminho do que sou O fado que me traga O que a saudade não deixou O sentido das palavras Que o tempo apagou
Letra: Samuel Lopes Música: Miguel Rebelo Intérprete: Ana Laíns (in CD “Sentidos”, Difference, 2006)
Deus pede
Conta e Tempo
Deus pede [hoje] estrita conta do meu tempo E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta; Mas como dar, sem tempo, tanta conta, Eu que gastei, sem conta, tanto tempo?
Para dar a minha conta feita a tempo O tempo me foi dado, e não fiz conta; Não quis, sobrando tempo, fazer conta, Hoje quero acertar conta e não há tempo.
Oh! vós, que tendes tempo sem ter conta, Não gasteis o vosso tempo em passa-tempo! Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta Pois aqueles que sem conta gastam tempo, Quando o tempo chegar de prestar conta, Chorarão, como eu, o não ter tempo!
Poema: Frei António das Chagas (António da Fonseca Soares, 1631-1682) Música: José Júlio Paiva (Fado Complementar) Intérprete: Camané (in CD “Infinito Presente”, Warner Music, 2015)
Dizem que o fado é saudade
[ O Sentir do Cantador ]
Dizem que o fado é saudade, Miséria, sofrer e dor… Mas o fado é, na verdade, O sentir do cantador.
Em cada palavra sua, Em cada verso cantado, O cantador insinua A tristeza do seu fado.
Não canta por simpatia, Não canta para viver: É que cantando alivia Um pouco do seu sofrer.
Tornando tão magoado O timbre da sua voz, Que o fado fica gravado Na alma de todos nós.
Letra: Maria Manuel Cid Música: Francisco José Marques (Fado Évora) Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Passeio à Mouraria”, RCA Victor, 1964; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978)
Então, até amanhã, meu dia triste
[ Último Poema ]
Então, até amanhã, meu dia triste, Na taverna da noite do meu fado, Onde canto o amor que não existe, Neste meu amanhã abandonado.
Grito dentro de mim a noite e o dia, Nesta hora do sonho mais profundo, Que regressa na voz da despedida Com que te vejo por estar no mundo.
Nas palavras amadas que perdi, O ontem que tu foste já me foge. “Então, até amanhã!”, disseste, e eu vi Que o amanhã não chega ao ontem de hoje.
“Então, até amanhã!”, disseste, e eu vi Que o amanhã não chega ao ontem de hoje.
Letra: Vasco de Lima Couto Música: Manuel Mendes Intérprete: Ricardo Ribeiro Primeira versão discográfica de Ricardo Ribeiro (in CD “Hoje É Assim, Amanhã Não Sei”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2016) Versão original: Beatriz da Conceição [ao vivo no Restaurante Típico Nónó, Lisboa
Era o amor
[ Verdes Anos ]
Era o amor que chegava e partia: estarmos os dois era um calor que arrefecia sem antes nem depois…
Era um segredo sem ninguém para ouvir: eram enganos e era um medo, a morte a rir nos nossos verdes anos…
Foi o tempo que secou a flor que ainda não era. Como o Outono chegou no lugar da Primavera!
Era o amor que chegava e partia: estarmos os dois era um calor que arrefecia sem antes nem depois…
Era um segredo sem ninguém para ouvir: eram enganos e era um medo, a morte a rir nos nossos verdes anos…
No nosso sangue corria um vento de sermos sós. Nascia a noite e era dia, e o dia acabava em nós…
Poema: Pedro Tamen (excerto) Música: Carlos Paredes (introdução de “Despertar”, in EP “Guitarradas Sob o Tema do Filme Verdes Anos”, Alvorada, 1964; CD “Carlos Paredes e Artur Paredes”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 36, Movieplay, 1994; CD “Os Verdes Anos de Carlos Paredes: As Primeiras Gravações a Solo 1962-1963”, Movieplay, 2003; Livro/4CD “O Mundo Segundo Carlos Paredes: Integral 1958-1993”: CD1 – “Despertar”, EMI-VC, 2003) Intérprete: Mariana Abrunheiro (in Livro/CD “Cantar Paredes”, Mariana Abrunheiro/BOCA – Palavras Que Alimentam, 2015) Versão original (canção): Teresa Paula Brito (in filme “Os Verdes Anos”, de Paulo Rocha, 1963) Outra versão de Teresa Paula Brito (in EP “Canções Para Fim de Noite”, Riso e Ritmo, 1968; CD “Teresa Paula Brito”, col. Clássicos da Renascença, vol. 61, Movieplay, 2000)
És Povo feito Mulher
[ Ai, Amália! ]
És Povo feito Mulher; A cantar és toda a gente que sabe aquilo que quer e diz aquilo que sente.
As tuas caras são tantas: mais de mil que Deus te deu… Com mil corações tu cantas e há mais mil dentro do teu.
Ai, Amália das mil caras e mais de mil corações! Ai, rio que nunca páras até à foz das canções!…
Nos ecos da tuz voz, nos silêncios que a torturam sofrem pedaços do nós, pedaços que se procuram.
Levantas a tua voz, o Fado nasce ao teu jeito! E sentimos todos nós que te cabemos no peito…
Ai, Amália das mil caras e mais de mil corações! Ai, rio que nunca paras até à foz das canções!…
Ai, Amália das mil caras e mais de mil corações! Ai, rio que nunca paras até à foz das canções!…
Letra: Luísa Bivar Música: João Braga Intérprete: João Braga (in LP “Do João Braga para a Amália”, Diapasão/Lamiré, 1984; CD “João Braga”, col. Fado Alma Lusitana, vol. 19, Levoir/Correio da Manhã, 2012)
Esta ilha que há em mim
[ A Ilha do Meu Fado ]
Esta ilha que há em mim E que em ilha me transforma Perdida num mar sem fim Perdida dentro de mim Tem da minha ilha a forma
Esta lava incandescente Derramada no meu peito Faz de mim um ser diferente Tenho do mar a semente Da saudade tenho o jeito
Trago no corpo a mornaça Das brumas e nevoeiros Há uma nuvem que ameaça Desfazer-se em aguaceiros Nestes meus olhos de garça
Neste beco sem saída Onde o meu coração mora Oiço sons da despedida Vejo sinais de partida Mas teimo em não ir embora
Letra: João Mendonça Letra: José Medeiros Intérprete: Dulce Pontes (in CDs “Caminhos”, Movieplay, 1996; “O Coração Tem Três Portas”, Ondeia Música, 2006)
Eu quero cantar palavras
[ Fado Não-Valentim ]
Eu quero cantar palavras De letras por inventar,
Quero outro fado, ó-laró-laró! Quero outro fado, ó-laró, meu bem!
Implacáveis como espadas, Tão profundas como o mar.
Quero outro fado, ó-laró-laró! Quero outro fado, ó-laró, meu bem!
As palavras por dizer Por dentro das que são ditas,
Quero outro fado, ó-laró-laró! Quero outro fado, ó-laró, meu bem!
Impossíveis a crescer Por fora das mais bonitas.
Quero outro fado, ó-laró-laró! Quero outro fado, ó-laró, meu bem!
Ditas todas devagar No silêncio mais sonante,
Quero outro fado, ó-laró-laró! Quero outro fado, ó-laró, meu bem!
Como um conto de encantar, Como a vaga mais distante.
Quero outro fado, ó-laró-laró! Quero outro fado, ó-laró, meu bem!
E quando para as cantar Elas se façam escrever,
Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!
As letras serão meus lábios, A tinta o meu sangue a arder.
Quero outro fado, ó-laró-laró! Quero outro fado, ó-laró, meu bem!
Dizer palavras de mel Até a voz ficar rouca.
Quero outro fado, ó-laró-laró! Quero outro fado, ó-laró, meu bem!
Gastar toda a minha pele Nos beijos da tua boca.
Quero outro fado, ó-laró-laró…, Nos beijos da tua boca.
Letra: João Gigante-Ferreira Música: Popular Intérprete: Helena Sarmento Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)
Eu sei que esperas por mim
[ Mais um Fado no Fado ]
Eu sei que esperas por mim, Como sempre, como dantes, Nos braços da madrugada; Eu sei que em nós não há fim, Somos eternos amantes Que não amaram mais nada.
Eu sei que me querem bem, Eu sei que há outros amores Para bordar no meu peito; Mas eu não vejo ninguém Porque não quero mais dores Nem mais bâton no meu leito.
Nem beijos que não são teus Nem perfumes duvidosos, Nem carícias perturbantes; E nem infernos, nem céus, Nem sol nos dias chuvosos, Porque ‘inda somos amantes.
Mas Deus quer mais sofrimento, Quer mais rugas no meu rosto E o meu corpo mais quebrado; [bis] Mais requintado tormento, Mais velhice, mais desgosto E mais um fado no fado.
Letra: Júlio de Sousa Música: Carlos da Maia (Fado Perseguição) Intérprete: Camané Outras versões: Camané (in CD “Pelo Dia Dentro”, EMI-VC, 2001; 2CD “Camané: O Melhor 1995-2013 (Edição Especial)”: CD 2, EMI, 2013); Camané (in 2CD “Como Sempre… Como Dantes”: CD 1 – “Como Sempre: Ao Vivo em Palco”, EMI-VC, 2003); Camané (in DVD “Ao Vivo no S. Luiz”, EMI, 2006) [ao vivo com Fábia Rebordão, 2008 / Gala 12 do programa “Operação Triunfo”; Camané (in CD/DVD “Ao Vivo no Coliseu: Sempre de Mim”, EMI, 2009). Versão original [?]: Rui David (com música de Alfredo Marceneiro – Fado Cravo) (in EP “Meu Amor, Minha Saudade”, FF/RR Discos, ?)
Eu sei que sou demais
Eu sei que sou demais na tua vida, Eu sei que nem me vês tão apagado, Apenas uma sombra indefinida, O resto de voz triste condenada. Eu sei que sou demais na tua vida, De tudo quanto fui não sou mais nada.
Ai quem me dera prender o teu futuro E uni-lo ao meu, assim tal maneira, Como hera verde se prende ao velho muro E ali fica p’la vida inteira!
Eu sei que estou a mais no teu caminho, Eu sei que nada tens p’ra me dar, E sei que nesta luta estou vencido Por outro amor que tens no meu lugar. Mas sei, amor, que eu, da tua vida, Ninguém jamais, ninguém pode apagar.
Ai quem me dera prender o teu futuro E uni-lo ao meu, assim tal maneira, Como hera verde se prende ao velho muro E ali fica p’la vida inteira!
Ai quem me dera prender o teu futuro E uni-lo ao meu, assim tal maneira, Como hera verde se prende ao velho muro E ali fica p’la vida inteira!
Letra e música: Joaquim Tavares Pimentel Intérprete: Ricardo Ribeiro Primeira versão discográfica de Ricardo Ribeiro (in CD “Hoje É Assim, Amanhã Não Sei”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2016) Versão original: Alice Maria (in EP “Primeiro Amor”, Estúdio/Mundusom, 1972?)
Eu uso um xaile bordado
[ Num Gesto Que se Adivinha ]
Eu uso um xaile bordado Porque os p’rigos que há no fado São bem maiores que os da vida; O xaile é como uma pele E quando me embrulho nele Sinto-me mais protegida.
Parece umas mãos de mãe: Sabem guiar-nos tão bem E sossegam tantos medos Que sempre que elas me tocam As franjas do xaile evocam A ternura dos seus dedos.
Num gesto que se adivinha O xaile é uma andorinha Num céu que eu mesma criei; Mas assim que o braço pára O xaile que antes voara Parece o manto de um rei.
E quando o corpo desiste Numa palavra mais triste, Num grito mais demorado, O xaile velho e sem franjas São asas de anjos ou anjas Que me aconchegam ao Fado.
O xaile velho e sem franjas São asas de anjos ou anjas Que me aconchegam ao Fado.
Letra: Tiago Torres da Silva Música: Armando Machado (Fado Maria Rita) Intérprete: Katia Guerreiro* (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)
Existe um fado
[ Não Existe Fado Antigo ]
Existe um fado, um só fado Que assenta na tradição; E p’ra ser bem cantado Só faz falta um coração.
Não é por pôr uma tuba, Acrescentar a bateria Que uma geração derruba O que antes se fazia.
Não quero a eternidade Nem os momentos de glória: Quero deixar na saudade Um pouco da minha história.
Não existe fado novo Como não há fado antigo: Ele é o grito que um povo Carrega sempre consigo.
Não existe fado novo Como não há fado antigo: Ele é o grito que um povo Carrega sempre consigo.
Letra: Tiago Torres da Silva Música: João do Carmo Noronha (Fado Pechincha) Intérprete: Celeste Rodrigues (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)
Foi assim
[ Lume ]
Foi assim: era costume… Tu vinhas pedir-me lume Ao balcão daquele bar E eu disse que não, primeiro; Depois, comprei um isqueiro E até voltei a fumar.
As noites que nós passámos! Quantos cigarros fumámos! Tanto lume que eu te dei! Um dia acordei com frio: Estava o cinzeiro vazio E nunca mais te encontrei.
Mas ontem, naquele bar De repente vi-te entrar, Foste direita ao balcão: Como era teu costume Vieste pedir-me lume Mas eu disse-te que não.
Se quando te foste embora Deitei o isqueiro fora, Que lume te posso eu dar? Pede a outro que te ajude! P’ra bem da minha saúde Eu já deixei de fumar.
Sem dormir, de madrugada Ouvi teus passos na escada, Vi da janela o teu carro; Debaixo do travesseiro Encontraste o meu isqueiro E acendeste-me o cigarro.
Letra: Manuela de Freitas Música: Armando Machado (Fado Santa Luzia) Intérprete: Camané (in CD “Infinito Presente”, Warner Music, 2015)
Já toda a gente sabe
[ Aos Sete Ventos ]
Já toda a gente sabe a novidade: o Fado, que nasceu na Mouraria, é Património da Humanidade e quebra mais fronteiras dia a dia.
Há quem tenha aprendido português p’ra entender de um modo mais profundo os fados que a ‘Amália Rodriguez’ cantava aos sete ventos pelo mundo.
‘Thank you’, ‘gracias’, ‘merci’ ou ‘arigato’ são formas de o fadista agradecer: quando ao chegar o fim de cada acto vê lágrimas nos rostos a escorrer.
Em Espanha, no Brasil ou no Japão o Fado é cada vez mais bem cantado; e porque ali se escuta um coração é Portugal que diz: “muito obrigado!”
Letra: Tiago Torres da Silva Música: Armando Machado (Fado Aracélia ou Fado Cunha e Silva) Intérprete: Cristina Branco (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)
Lavava no rio lavava
Lavava no rio lavava Gelava-me o frio gelava Quando ia ao rio lavar Passava fome passava Chorava também chorava Ao ver minha mãe chorar
Cantava também cantava Sonhava também sonhava E na minha fantasia Tais coisas fantasiava Que esquecia que chorava Que esquecia que sofria
Já não vou ao rio lavar Mas continuo a chorar Já não sonho o que sonhava Se já não lavo no rio Por que me gela este frio Mais do que então me gelava
Ai minha mãe, minha mãe Que saudades desse bem Do mal que então conhecia Dessa fome que eu passava Do frio que me gelava E da minha fantasia
Já não temos fome, mãe Mas já não temos também O desejo de a não ter Já não sabemos sonhar Já andamos a enganar O desejo de morrer
Letra: Amália Rodrigues Música: José Fontes Rocha Intérprete: Amália Rodrigues (in “Gostava de Ser Quem Era”, Columbia/VC, 1980, reed. EMI-VC, 1995; CD “O Melhor de Amália”, vol. III, EMI-VC, 2003)
Luas de prata gentia
[ Se ao menos houvesse um dia ]
Luas de prata gentia Nas asas de uma gazela E depois, do seu cansaço, Procurasse o teu regaço
No vão da tua janela Se ao menos houvesse um dia Versos de flor tão macia Nos ramos com as cerejas E depois, do seu Outono, Se dessem ao abandono Nos lábios, quando me beijas Se ao menos o mar trouxesse O que dizer e me esquece Nas crinas da tempestade As palavras litorais As razões iniciais Tudo o que não tem idade Se ao menos o teu olhar Desse por mim ao passar
Como um barco sem amarra Deste fado onde me deito Subia até ao teu peito Nas veias de uma guitarra
Letra: João Monge Música: Casimiro Ramos (Fado Três Bairros)
Intérprete: Camané (in CD “Esta Coisa da Alma”, EMI-VC, 2000)
Na ribeira deste rio
Na ribeira deste rio Ou na ribeira daquele Passam meus dias a fio Nada me impede, me impele Me dá calor ou dá frio
Vou vendo o que o rio faz Quando o rio não faz nada Vejo os rastros que ele traz Numa sequência arrastada Do que ficou para trás
Vou vendo e vou meditando Não bem no rio que passa Mas só no que estou pensando Porque o bem dele é que faça Eu não ver que vai passando
Vou na ribeira do rio Que está aqui ou ali E do seu curso me fio Porque se o vi ou não vi Ele passa e eu confio
Letra: Dori Caymmi, sobre poema de Fernando Pessoa Música: Dori Caymmi ? Intérprete: Paulo Bragança (in CD “Os Mistérios do Fado”, Polydor, 1996)
Na tua voz
[ Amália ]
Na tua voz há tudo o que não há, há tudo o que se diz e não se diz; Há os sítios da saudade em tua voz, o passado, o futuro, o nunca, o já; Há as sílabas da alma e há um país. Porque tu, mais que tu, és todos nós.
Na tua voz embarca-se e não mais, não mais senão o mar e a despedida. Há um rasto de naufrágio em tua voz, onde há navios a sair do cais, nessa voz por mil vozes repartida. Porque tu, mais que tu, és todos nós.
Há mar e mágoa, e a sombra de uma nau, a gaivota de O’Neill e o rio Tejo, saudade de saudade em tua voz, um eco de Camões e o escravo Jau, amor, ciúme, cinza e vão desejo. Porque tu, mais que tu, és todos nós.
Amor, ciúme, cinza e vão desejo. Porque tu, mais que tu, és todos nós.
Poema: Manuel Alegre Música: José Fontes Rocha Intérprete: João Braga (in CD “Fado Fado”, Ariola/BMG Portugal, 1997; CD “Fados Capitais”, Impreopa/A Capital, 2002)
Não Sou Fadista de Raça
Não sou fadista de raça, Não nasci no Capelão; Eu canto o fado que passa Nas asas da tradição!
Nunca usei negra chinela Nem vesti saia de lista; Nunca entrei numa viela Mas tenho raça fadista!
Tirei suspiros ao vento, Olhei um pouco o passado; Busquei do mar um lamento E fiz assim o meu fado.
É este fado famoso Que, em noites enluaradas, O Conde de Vimioso Tangia nas guitarradas.
Era fidalgo de raça E ficou na tradição Cantando o fado que passa Na Rua do Capelão.
Letra: Maria Teresa Cavazinni Música: Alfredo Duarte “Marceneiro” (Fado Bailarico) Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “O Riso Que me Deste”, RCA Victor, 1967; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978; 2LP “Álbum de Recordações”: LP 1, Polydor/PolyGram, 1985; CD “Temas de Ouro da Música Portuguesa”, Polydor/PolyGram, 1992; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006; CD “Tereza Tarouca”, col. Fado Alma Lusitana III, vol. 3, Levoir / Correio da Manhã, 2014)
Nesta terra soberana e fadista
[ No Sítio do Coração ]
Nesta terra soberana e fadista Concebido fruto da contradição Eu nasci independente e meio artista Navegante e poeta de ocasião Eu nasci independente, mar à vista Marinheiro e idealista de ocasião
Há quem diga que o futuro já está escrito E por isso não adianta o que eu fizer Outros dizem que isso não é mais que um mito Inventado por um príncipe qualquer
Canta! Ouve a guitarra que trina Acompanhando o lamento De tantas penas em vão! Sente O sentimento da gente Que já só tem desalento No sítio do coração!
Da janela do meu quarto vê-se o rio Branqueando as suas águas na maré Desaguando as suas mágoas num vazio Para quem foi tudo pouco nada é E ao olhar o seu reflexo tão vazio Alguém viu que ele finge que não vê
Canta! Ouve a guitarra que trina Acompanhando o lamento De tantas penas em vão! Sente O sentimento da gente Que já só tem desalento No sítio do coração!
Eu nasci independente e meio artista Navegante e poeta de ocasião
Canta! Ouve a guitarra que trina Acompanhando o lamento De tantas penas em vão! Sente O sentimento da gente Que já chegou o momento De ouvirmos outra canção!
Letra: J.J. Galvão (José João Oliveira Galvão) Música: Rui Filipe Reis Intérprete: Rosa Negra (in CD “Fado Mutante”, iPlay, 2011)
Nunca tive moeda de troca
[ Moeda de Troca ]
Nunca tive moeda de troca Para o que recebi da saudade Mas é só pelo que ela me toca Que tudo o que canto, é verdade É essa a moeda de troca Cantar o meu fado, para o dar à saudade.
Mas às vezes o fado acontece Sem que a gente entenda, O que fez E o fadista cansado agradece E chora baixinho, outra vez
Quero unir a minha às vossas almas Sem perder a saudade de vista Não me importa que me batam palmas Ou gritem à grande “Ahhh fadista!!” Quero ouvir o silêncio das almas Assim que o mistério do fado as conquista.
Letra: Tiago Torres da Silva Música: Manuel Graça Pereira Intérprete: Catarina Rocha
O Fado é triste
[ Fado do Contra ]
Perguntaste-me outro dia
[ Tudo Isto É Fado ]
Perguntaste-me outro dia Se eu sabia o que era o fado; Eu disse que não sabia, Tu ficaste admirado.
Sem saber o que dizia, Eu menti naquela hora E disse que não sabia, Mas vou-te dizer agora.
Se queres ser o meu senhor E teres-me sempre a teu lado, Não me fales só de amor: Fala-me também de fado.
A canção que é meu castigo Só nasceu p’ra me prender: O fado é tudo o que eu digo Mais o que eu não sei dizer.
Almas vencidas, Noites perdidas, Sombras bizarras; Na Mouraria Canta um rufia, Choram guitarras.
Amor, ciúme, Cinzas e lume, Dor e pecado: Tudo isto existe, Tudo isto é triste, Tudo isto é fado.
Se queres ser o meu senhor E teres-me sempre a teu lado, Não me fales só de amor: Fala-me também de fado.
A canção que é meu castigo Só nasceu p’ra me prender: O fado é tudo o que eu digo Mais o que eu não sei dizer.
Almas vencidas, Noites perdidas, Sombras bizarras; Na Mouraria Canta um rufia, Choram guitarras.
Amor, ciúme, Cinzas e lume, Dor e pecado: Tudo isto existe, Tudo isto é triste, Tudo isto é fado.
Letra: Aníbal Nazaré Música: Fernando Carvalho Intérprete: Rua da Lua Primeira versão de Rua da Lua (in CD “Rua da Lua”, Rua da Lua, 2016) Versão original: Amália Rodrigues (grav. 1952) (in CD “Abbey Road 1952”, EMI-VC, 1992, Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007)
Quando o fado era menino
[ Quando o Fado For Grande ]
Quando o Fado era menino Dizia: “quando eu for grande Hei-de inventar um destino Que meu coração comande.”
E percebeu que os poetas Eram quem, como as crianças, Abriam portas secretas Sem chaves nem alianças.
Ao entrar no universo Do poeta popular, Ele vai escrevendo um verso Que já nasce milenar.
E por saber que os adultos Podem voltar à infância, Não quer que os poetas cultos Se mantenham à distância.
Rouba um poema a Pessoa, Ao Ary pede uma glosa E uns versos sobre Lisboa Ao mestre Linhares Barbosa.
Se voltasse a ser menino Diria: “quando eu crescer Hei-de inventar um destino Num poema por escrever.”
Letra: Tiago Torres da Silva Música: Alberto Simões da Costa (Fado Torres do Mondego) Intérprete: Ricardo Ribeiro (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)
Se o fado é esta sina
[ É o Mar Que nos Ensina ]
Se o fado é esta sina que nos lava a alma, é o mar quem nos ensina quando nos devolve a calma.
Não aceitar pantomina, o que a sorte nos destina. Sem saber o que queremos, temos o que merecemos.
A vida assim não é um canto à dor. O fado é sina mas também amor.
Diziam que era um povo que não se governava, mas forte o coração não se deixava governar.
Somos terra de lavrar e sabemos o mar de cor, mas esta gente a cantar é bem capaz do melhor.
A vida assim não é um canto à dor. O fado é sina mas também amor.
E lá bem no fim do mundo, não se entendendo as palavras, sente-se a saudade eterna no trinado das guitarras.
Porque a razão não se entende nem se vê o fim ao mar, mas na voz ainda há quem pense ver o fado a marear.
A vida assim não é um canto à dor. O fado é sina mas também amor.
A vida assim não é um canto à dor. O fado é sina mas também amor.
Letra e música: José Barros Arranjo: José Barros e Mimmo Epifani Intérprete: José Barros e Navegante Versão original: José Barros e Navegante (in CD “À’Baladiça”, Tradisom, 2018)
Sou do Fado
[ Loucura ]
Intérprete: Ana Moura
Sou cavaleiro errante
[ Fado Mutante ]
Sou cavaleiro errante Deserto, imensidão E vou errando sempre buscando o Oriente Secreto no meu coração
Sou cavaleiro ausente Tão-só recordação E vou atrás do vento que vem de Levante E cheira a jasmim e açafrão
Um dia vou contar a minha história Talvez assim me prestes atenção Porque o que eu sou é parte da memória Que a gente tem guardada num caixão
Ai este fado mutante De lua emigrante De tempo liberto Ai esta sina minguante Às vezes tão longe As vezes tão perto
Tão longe, tão longe, tão perto…
Sou cavaleiro andante Herói de uma ficção E levo sempre a luz de uma estrela cadente Na palma da minha mão…
Um dia vou contar a minha história Talvez assim me prestes atenção Porque o que eu sou é parte da memória Que a gente tem guardada num caixão
Ai este fado mutante De lua emigrante De tempo liberto Ai esta sina minguante Às vezes tão longe Às vezes tão perto
Às vezes longe Às vezes perto Às vezes longe Às vezes perto Às vezes longe Às vezes perto Às vezes longe Às vezes perto
Letra: J.J. Galvão (José João Oliveira Galvão) Música: Rui Filipe Reis Intérprete: Rosa Negra (in CD “Fado Mutante”, iPlay, 2011)
Sou do fado
[ É Loucura ]
Sou do fado como sei, Vivo um poema cantado Dum fado que eu inventei. A falar não posso dar-me, Mas ponho a alma a cantar, E as almas sabem escutar-me.
Chorai, chorai, poetas do meu país Troncos da mesma raiz Da vida que nos juntou! E se vocês não estivessem a meu lado, Então… não havia fado Nem fadistas como eu sou.
Esta voz, tão dolorida, É culpa de todos vós, Poetas da minha vida. “É loucura!”, oiço dizer, Mas bendita esta loucura De cantar e de sofrer.
Chorai, chorai, poetas do meu país, Troncos da mesma raiz Da vida que nos juntou! E se vocês não estivessem a meu lado, Então… não havia fado Nem fadistas como eu sou.
E se vocês não estivessem a meu lado, Então… não havia fado Nem fadistas como eu sou.
Letra: Júlio de Sousa Música: Júlio de Sousa (Fado Loucura) Intérprete: Marta Pereira da Costa Versão original: Lucília do Carmo (in LP “Recordações”, Decca/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2008; 2LP/CD “O Melhor de Lucília do Carmo”, EMI-VC, 1990; CD “O Melhor de Lucília do Carmo”, Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)
Sou filho de um deus menor
[ Adeus, Até um Outro Dia ]
Sou filho de um deus menor E de um corrido maior Mas seja lá o que for Já nasci com esta dor
Cresci no fio da navalha Sei a cartilha de cor Num coração de canalha Mora um pobre pinga-amor
Ai mas que triste a triste vida em que vive um desgraçado Sempre a cavalo entre a desgraça e o fado malogrado
Muito boa noite, minhas senhoras, meus senhores! Desculpem lá o meu atraso, cheguei tarde mas cheguei E já que vim o melhor é eu cantar E só não canto melhor porque eu não sei
A minha sorte na vida Já adivinho qual é: Ser uma rosa enjeitada De que ninguém quer saber
Em tudo eu sou infeliz Mesmo até no meu cantar Põe-se a tremer a guitarra Antes de me acompanhar
Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela companhia No peito levo uma saudade, adeus, até um outro dia
Muito obrigado madames e cavalheiros Mostrem lá os mealheiros para eu me motivar E já que pedem vou-vos fazer a vontade Que eu só canto pelo gosto de cantar
Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela companhia No peito levo uma saudade, adeus, até um outro dia Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela… em tão bela companhia No peito levo… levo uma saudade, adeus, adeus, até um outro dia
Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela companhia No peito levo uma saudade, adeus, até um outro dia
Muito obrigado madames e cavalheiros Mostrem lá os mealheiros para eu me motivar E já que pedem vou-vos fazer a vontade Que eu só canto pelo gosto de cantar
Muito obrigado madames e cavalheiros Os aplausos servem sempre para eu me consolar E já que pedem vou-vos fazer a vontade Que eu só canto pelo gosto de cantar
Letra: J.J. Galvão (José João Oliveira Galvão) Música: Rui Filipe Reis Intérprete: Rosa Negra (in CD “Fado Mutante”, iPlay, 2011)
Temos pena, hoje não dá
[ Fado Abananado ]
Temos pena, hoje não dá estou fechada para balanço Temos pena, hoje não dá estou fechada para balanço querem fado, pois não há se não gostam como eu danço querem fado, pois não há se não gostam como eu danço”
Desculpe lá, turista Bater o nariz na porta A nossa fadista Está numa de ir embora Diz ela que não canta Se não for para dançar Falar, pouco adianta Pois responde a cantar:
Refrão
Desculpe lá, turista Também sinto aquilo que sente A ingrata fadista Acha que hoje isto é diferente “fruta cristalizada” Diz que é “só no bolo rei!” Já nos mandou à fava E canta por aí, que eu sei:
Refrão
Desculpe lá, turista Já tomámos providência É a sétima fadista Com esta exigência Querem abanar o fado E nós dizemos que não Mas o fado, abananado, Já só pega de abanão
Refrão
Pedro da Silva Martins Música: Manuel Graça Pereira Intérprete: Catarina Rocha
Toda a saudade é fingida
[ Covers ]
Toda a saudade é fingida, A tristeza disfarçada: Parecem já não ter vida, De fado não têm nada.
Já não são fados, são ‘covers’: Imitações desalmadas, Reproduções do destino Tantas vezes tão cantadas.
Esses que tentam viver Aquilo que outros viveram Acabam por se perder No tanto que não fizeram.
Vampiragem pós-moderna Da Lisboa dos turistas: Falam da velha taberna Mas querem ser futuristas.
Letra: Duarte Música: João do Carmo Noronha (Fado Pechincha) Intérprete: Duarte (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)
Verdes ondas branca flor
[ Fado Azul (Se Azul se Atreve) ]
Verdes ondas branca flor Cor-do-vento espuma breve Verdes ondas branco-em-flor Cor-do-vento espuma breve Qualquer cor a do Amor Beijo-azul p’ra quem se atreve Qualquer cor a do Amor Beijo-azul p’ra quem se entregue
Como barco rumo ao sul No meu corpo a maresia Como barco rumo ao sul No meu corpo a maresia À procura desse azul Que o teu corpo prometia Na procura desse azul Naveguei-te até ser dia
Tão constante foste vaga Tão ardente a maré-viva Tão constante foste vaga Tão ardente a maré-viva Tua proa que naufraga Nosso rasto de saliva Tua proa que em mim naufraga Nossas bocas à deriva
Este jeito de ser livre Na prisão da tua boca Este jeito de ser livre Na prisão da tua boca Sabe a tudo onde não estive Lucidez que me põe louca Sabe a tudo onde não estive Lucidez é coisa pouca
Somos chuva tão precisa Somos ventos do Magrebe Somos ecos da Galiza Somos tudo o que se perde Somos língua que desliza Como tudo o que se escreve Somos beijo desta brisa Beijo-azul se azul se atreve.
Letra: João Gigante-Ferreira Música: Francisco Viana (Fado Vianinha) Intérprete: Helena Sarmento Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)
Voar
[ Fado em Branco ]
Voar Sem culpa do mar Que nunca se deita Sentir A chuva a cair De vida insuspeita
Sofrer A dor de morrer Na dor imperfeita Sorrir Por dentro mentir Verdade perfeita
Assim é a vida De dor dividida Cerrada no peito Um barco à deriva Verdade fingida Doença sem leito
Eu bem que não queria Saber algum dia Que sempre serei O vento do norte Sem vida nem morte Sem crime nem lei
Amar De amor sufocar A boca na boca
Florir Ficar e partir De tanto ser pouca
Vender De graça o prazer Sentir como louca
Chorar Sem culpa do mar Do beijo e da boca
Assim é a vida De amor dividida Cerrada no peito Um barco à deriva Mentira fingida Doença sem leito
Eu bem que não queria Saber algum dia Que sempre serei O vento do norte Sem vida nem morte Sem crime nem lei
Eu bem que não queria Saber algum dia Que sempre serei O vento do norte Sem vida nem morte Sem crime nem lei
O verso da sorte Sem que isso me importe Saber que cheguei
Letra: João Gigante-Ferreira Música: Samuel Cabral e João Gigante-Ferreira Intérprete: Helena Sarmento Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)
A sono solto dormia há muito a cidade e eu procurava como louca rua em rua a tua sombra entre essas ruas da saudade onde uma noite sobre nós raiara a lua
Na minha grande amargura de águia perdida que começou com a tua ausência eu queria ser ao encontrar-te a perfumada flor da vida ou ser de novo uma alegria por viver
Mas fui tão pouco ao teu olhar desencantado e o nosso abraço uma tristeza tão profunda que entre o silêncio o amor com lágrimas quebrado abandonou-se nas estranhas mãos da lua
Ergueu-se ao longe a sinfonia das guitarras perdida a voz, quebrado o amor nada entendemos beijei-te a fronte e assim sem mágoa nem palavras serenamente unidos, meu amor, morremos
Letra: Manuel Lima Brummon Música: Bernardo Lino Teixeira (Fado Ginguinha) Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Portugal Triste”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1980; CD “Tereza Tarouca”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 32, Movieplay, 1994; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006)
Campaniça do despique
Campaniça do despique, Na venda e bailes de roda: Dedilhando o improviso Ou trauteando uma moda.
Na rua do velho monte, Com as moças a bailar Os passos simples duma dança E a viola a dedilhar.
Nas feiras e romarias, Na serra e no alambique, Na venda e bailes de roda: Campaniça do despique.
O tocador da viola É feio mas toca bem; Se não casar por a prenda, Formosura não a tem!
Campaniça do despique, Na venda e bailes de roda: Dedilhando o improviso, Ou trauteando uma moda.
Na rua do velho monte, Com as moças a bailar Os passos simples duma dança E a viola a dedilhar.
Nas feiras e romarias, Na serra e no alambique, Na venda e bailes de roda: Campaniça do despique.
Letra e música: Pedro Mestre Intérprete: Pedro Mestre (in CD “Campaniça do Despique”, Viola Campaniça Produções Culturais/Pedro Mestre, 2015) Outra versão de Pedro Mestre (in DVD “No CCB: Pedro Mestre & Convidados”, Pedro Mestre, 2017)
Roncos do Diabo
Com três paus faz-se um bordão, Com mais um faz-se um ponteiro: O Demo anima a função Encarnado num gaiteiro.
O Diabo já é velho Mas é grande folião: Na festa mete o bedelho P’ra animar a bailação.
P’ra aquecer o bailarico Abre a torneira ao tonel; O cura dá-lhe um fanico, Lá se vai o hidromel.
Essa bebida dos anjos Que agrada tanto ao Demónio Já tentou S. Cipriano, S. João e Santo António.
Santo António milagreiro Fez um pacto com o Demónio: O Diabo era gaiteiro E o santo tocava harmónio.
S. João tocava caixa Com dois paus de marmeleiro; Mas o delírio das moças Era a gaita do gaiteiro.
Guinchava como um leitão Quando se lhe puxa o rabo; Pela copa do bordão Jorravam roncos do Diabo.
Era a gaita do Demónio Que soava endiabrada, Afinava com o harmónio Mas não estava homologada.
Estava fora das medidas, Saía da convenção, Tinha veias no ponteiro E dois papos no bordão.
Criação de Belzebu, Diabólica magia: Nas voltas da contradança Quem dançava enlouquecia.
E nas voltas da loucura, As almas em desatino Saltavam de corpo em corpo Errando do seu destino.
O gaiteiro as reunia Como se junta um rebanho: Fê-las descer ao Inferno, No fogo tomaram banho.
E já os corpos em brasa Iam fazendo das suas, As vestes esfarrapadas Mostravam as carnes nuas.
Indulgencia absolutionem et remitionem peccatorum tribut ad nobis Dominum.
Com três paus faz-se um bordão, Com mais um faz-se um ponteiro: O Demo anima a função Encarnado num gaiteiro.
As fêmeas eram lascivas: Ondulantes de paixão, Corroídas p’lo desejo Contorciam-se no chão.
No terreiro da função Os corpos se confundiam: Seguidores de Belzebu Das almas santas se serviam.
Foram pela noite fora Perdidos no bacanal, Ao som desta banda louca Até ao Juízo Final.
Indulgencia absolutionem et remitionem peccatorum tribut ad nobis Dominum.
Letra e música: Carlos Guerreiro Arranjo: Carlos Guerreiro Intérprete: Gaiteiros de Lisboa Versão original: Gaiteiros de Lisboa (in CD “A História”, Uguru, 2017; CD “Bestiário”, Uguru, 2019)
Ó sino da minha aldeia
Ó sino da minha aldeia, Dolente na tarde calma, Cada tua badalada Soa dentro da minha alma.
E é tão lento o teu soar, Tão como triste da vida, Que já a primeira pancada Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto Quando passo, sempre errante, És para mim como um sonho, Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua, Vibrante no céu aberto, Sinto mais longe o passado, Sinto a saudade mais perto.
Por mais que me tanjas perto Quando passo, sempre errante, És para mim como um sonho, Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua, Vibrante no céu aberto, Sinto mais longe o passado, Sinto a saudade mais perto.
Letra: Fernando Pessoa (ligeiramente adaptado) Música: Uxía Senlle e Sérgio Tannus Arranjo: Quiné Teles Intérprete: Ela Vaz, com Rui Oliveira (in CD “Eu”, Micaela Vaz, 2017)
O tambor a tocar
[ O Primeiro Canto (dedicado a José Afonso) ]
O tambor a tocar sem parar, um lugar onde a gente se entrega, o suor do teu corpo a lavar a terra. O tambor a tocar sem parar, o batuque que o ar reverbera, o suor do teu rosto a lavrar a terra.
Logo de manhãzinha, subindo a ladeira já, já vai a caminho a Maria Faia…
Azinheiras de ardente paixão soltam folhas, suaves, na calma do teu fogo brilhando a escrever na alma.
Estas fontes da nossa utopia são sementes, são rostos sem véus, o teu sonho profundo a espreitar dos céus!
Logo de manhãzinha, subindo a ladeira já, já vai a caminho a Maria Faia, desenhando o peito moreno, um raminho de hortelã na frescura dos passos, a eterna paz do Poeta.
Uma pena ilumina o viver de outras penas de esperança perdida, o teu rosto sereno a cantar a vida.
Mil promessas de amor verdadeiro vão bordando o teu manto guerreiro, hoje e sempre serás o primeiro canto!
Ai, o meu amor era um pastor, o meu amor, ai, ninguém lhe conheceu a dor. Ai, o meu amor era um pastor Lusitano, ai, que mais ninguém lhe faça dano. Ai, o meu amor era um pastor verdadeiro, ai, o meu amor foi o primeiro.
Estas fontes da nossa utopia são sementes, são rostos sem véus, o teu sonho profundo a espreitar dos céus!
Mil promessas de amor verdadeiro vão bordando o teu manto guerreiro, hoje e sempre serás o primeiro canto!
Letra: João Mendonça, Dulce Pontes e António Pinheiro da Silva Música: Dulce Pontes e Leonardo Amuedo Intérprete: Dulce Pontes (in CD “O Primeiro Canto”, Polydor B.V. The Netherlands/Universal, 1999)
Quando uma guitarra trina
[ Guitarra ]
Quando uma guitarra trina Nas mãos de um bom tocador A própria guitarra ensina A cantar seja quem for
Eu quero que o meu caixão Tenha uma forma bizarra A forma de um coração A forma de uma guitarra
Guitarra, guitarra querida Eu venho chorar contigo Sinto mais suave a vida Quando tu choras comigo
Letra dos poetas do fado (Popular) Música: Pedro Ayres Magalhães e Rodrigo Leão Intérprete: Madredeus (in CD “Ainda”, EMI-VC, 1995)
As Tuas Mãos, Guitarrista
São tuas mãos, guitarrista, Que as cordas fazem vibrar, Que me fizeram fadista E não deixam que resista Ao desejo de cantar.
A guitarra quere-te tanto, Tem por ti tal afeição Que te deu consentimento P’ra desvendares o tormento Que guardo no coração.
Em teu peito tem guarida, Em tuas mãos seu penar; Se tu não lhe desses vida Ficava p’ra ali esquecida E não voltava a trinar.
E se a tens abandonado Não seria mais fadista; Mesmo que fosse cantado, Morria com ela o fado Sem tuas mãos, guitarrista.
Letra: Maria Manuel Cid Música: Joaquim Campos (Fado Tango) Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Passeio à Mouraria”, RCA Victor, 1964; 2LP “Álbum de Recordações”: LP 2, Polydor/PolyGram, 1985; CD “Temas de Ouro da Música Portuguesa”, Polydor/PolyGram, 1992)