Tag Archive for: música em canções

Sérgio Godinho

A música é tamanha

[ Mão na Música ]

A música é tamanha,
cabe em qualquer medida.

Da sua mão sobe o ar ao infinito, de lá treme. A música, por um lado, vê-se; por outro, não se vê. Nada da música se improvisa por acaso. A música corre nas gargantas e pode ser tocada com um só dedo. A música mostra-se feia para os seus pares e bela para os seus ímpares. A música emudece, por vezes, os cantores e deixa-os a sós nos camarins à espera do amigo do carrasco. A música não é a mesma quando ouvida de longe ou quando ouvida de perto. A música não tem explicações a dar a si mesma: isso explica tudo. A música dá asas a quem voa: a quem tem asas para voar. A música faz aos poemas aquilo que os poemas quiseram fazer dela: render-se. E aos outros propõem: rendam-se! Tréguas e batalhas sem ordem de aviso.

A música é tamanha,
cabe em qualquer medida.

A música referenda a liberdade? Sim ou não? A música depende dum botão da liberdade e desunha-se a mostrar os efeitos de num dedo a voz humana. A música faz orelhas moucas. A música não se esquece no silêncio: por isso, nos lembramos dela. Permanece em mais que um som. A música vai, por vezes, mais alto e duma torre afunda o eco no centro da terra. A música aguenta-se de pé, dorme sentada, dança e escorrega na cama. A música pausa e pausa, faz das malas a viagem mas se acena, já de longe… A música atira os seus poemas ao mar e recebe-os nas ondas do dia seguinte, nas garrafas outro povo. A música perdeu muitos bons poemas no vento contrário, quem sabe eram bons? A música é uma cópia duma cópia, de cara aberta vai ao fundo e vem à tona por respiração. A música é uma revolução de estilos, é do passarinho herdeira órfã. A música é órfã. Quando nasceu, os seus pais tinham morrido há pouco. É órfã.

A música é tamanha,
cabe em qualquer medida.

A música esfrega os dedos em tudo o que der som. A música nunca teve, em si mesma, uma moral; pensa que não pensa e que não perdura. Diz-se que faz muito bem ouvi-la; alguém que pense e que perdure por ela. A música não tem barreiras, mas o amor por ela sim. A música prepara-se, destroçada mas vaidosa, para confessar tudo ao cair do sol. A música chora e ri ao mesmo tempo: uma criança por razões não exactamente compreensíveis. A música quer ser perfeita, sempre que por escolha é imperfeita. Por talento, dá-se a todas: a bondade, a presunção, ressentimento e, mais não fosse, a quatro tempos. A música de repente é a mesma nota repetida e outras vezes. A música mede-se com caneta e gravador. É maior e é menor. A música quando se encontra já lá está. A música nasceu antes de nós termos nascido com ela. A música segue a sua sombra e pela sombra é fácil, não há espelho. Ou é ritmo ou é pausa. Ambos dúbios mas reconhecíveis.

A música é tamanha,
cabe em qualquer medida.

A música é feita à janela e aberta vê-se da rua. A música eriça-se ao menor vento, arranha-se a si mesma, ladra ao ar, risca a terra. Gosta mesmo. A música quando a chuva cai com barulho de entre as nuvens, vê-se o mar em dia de acalmia, o que não é explicável nem por norma nem por excepção dos deuses: digamos que são os sons em dia de ofertório. A música vai de rio e desagua: aquece a água doce, rebenta no mar salgado, larga os seus bichos no mar. A música tem duas mãos, é tocada com um só peito e um só dedo. Da música sobe o ar ao infinito. A música tem um só dedo e um só dedo. A música tem um só dedo e um só dedo. Nada da música se improvisa por acaso.

A música é tamanha,
cabe em qualquer medida.

Letra e música: Sérgio Godinho
Intérprete: Sérgio Godinho (in CD “Mútuo Consentimento”, Universal Music, 2011)

A Música

[ A Música Inventa o Lume ]

A música está coberta
com um manto. E dessa névoa
sai um uivo que poisa na água
e inventa o lume.

É a voz das fragas e o riso,
uma mulher que bate num cântaro
para afastar os pássaros dos lagares.
De uma cordilheira levanta-se
um corvo. A planície, a seu lado,
transforma-se num imenso rio onde
nascem os limões e a tarde cai
como se fosse um toldo de marfim.

A música está coberta
com um manto. E dessa névoa
sai um uivo que poisa na água
e inventa o lume.

É a voz das fragas e o riso,
uma mulher que bate num cântaro
para afastar os pássaros dos lagares.
De uma cordilheira levanta-se
um corvo. A planície, a seu lado,
transforma-se num imenso rio onde
nascem os limões e a tarde cai
como se fosse um toldo de marfim.

O lume arde nesta paisagem
reencontrada e todos os objectos
se viram de repente, em êxtase,
anunciando o vinho.

O lume arde nesta paisagem
reencontrada e todos os objectos
se viram de repente, em êxtase,
anunciando o vinho.

Poema: Jaime Rocha
Música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé (ao vivo no Estúdio 3 da Rádio e Televisão de Portugal, Lisboa)
Versão original: Janita Salomé com Luanda Cozetti (in CD “Valsa dos Poetas”, Cantar ao Sol/Ponto Zurca, 2018)

Apoiou o arco suavemente

[ Bendita Música ]

Apoiou o arco suavemente sobre as cordas
E atacou com toda a naturalidade
Mi fá mi ré dó ré mi fá
E uma a uma dissecou cada passagem
Com preciso e afiado bisturi
Fá sol fá mi ré dó ré mi

E espalhou aos quatro ventos os risos e os lamentos
Era o sangue posto em pé
Sol lá sol fá mi ré dó ré
Aprisionado era um grilo que chamava a sua amada:
Estou aqui!
Fá ré si lá fá dó si lá sol sol lá si

Esquece tudo e vem comigo!
Vibrava mágica a voz do músico
Parindo música…
Música bendita música:
Lá dó si si lá sol lá

Em consequência de uma ousada pirueta
Que o intérprete salvou com frialdade
Mi fá mi ré dó ré mi fá
Meu coração foi pelos ares como um cometa
Pressentindo que andavas por ali
Fá sol fá mi ré dó ré mi

E com a angústia e o talento do final do movimento
Não te encontrava. Porquê?
Sol lá sol fá mi ré dó ré
E entre as cadeiras da segunda galeria, descobriu-te:
Eras de mim!
Fá ré si lá fá dó si lá sol sol lá si

Esquece tudo e vem comigo!
Vibrava mágica a voz do músico
Parindo música…
Música bendita música:
Lá dó si si lá sol lá

Letra e música: Fernando Tordo
Arranjo: Josep Mas “Kitflus”
Intérprete: Fernando Tordo (in CD “Peninsular”, Fernando Tordo, 1997)

Assim tão simples

[ Música, Música ]

Assim tão simples
Tão luminosa
Como mulher num dia doce
Ai como rosa
Assim tão simples
Ainda nada
Assim te vi e te abracei e fiz-me à estrada

Sem eu saber ali nascia
E quem começa já não consegue parar
Ali sentia, ali fervia
E foi nela que aprendi a navegar

Música
Eterna música
Maldita música
Sempre mulher
Música
Apassionata
Só não te ama quem não sabe acontecer

Música
De dia música
À noite música
Dentro de mim sem eu saber
Música
Íntima música
De madrugada para melhor te conhecer

Música
Amor e música
Beleza e música
Poesia de existir
Música
Insónia e música
Não reconheço outra forma de viver

Como os teus lábios, como um corpo, como dança
E a fantasia numa história de criança
Assim me minto
Assim resisto
Pois este mundo de gravatas e favores
Ai, de negócios e messias salvadores
Ai, meus senhores
Nós construímos muito mais que tudo isto

Nós fazemos
Música
Eterna música
Maldita música
Sempre mulher
Música
Apassionata
Só não te ama quem não sabe acontecer

Música
De dia música
À noite música
Dentro de mim sem eu saber
Música
Íntima música
De madrugada para melhor te conhecer

Música
Amor e música
Beleza e música
Poesia de existir
Música
Insónia e música
Não reconheço outra forma de viver

Poema e música: Pedro Barroso
Intérprete: Pedro Barroso
Versão original: Pedro Barroso (in CD “Cantos da Paixão e da Revolta”, Ovação, 2012)
Outra versão: Pedro Barroso (in CD/DVD “Memória do Futuro: Ao vivo no Rivoli”, Ovação, 2013)

Pedro Barroso

Pedro Barroso

Músicos, Cravos e Rosas

É pela música
que encantas os sentidos,
apurados pelos sonhos
mais antigos
de entender a emoção
e a alegria,
provocado o coração,
em agonia.
Vais levado pelo vento,
pelos sons do pensamento.

Cravos
são livres, são bravos.
Rosas
são belas, são prosas.

É pelo som do mar
no canto das sereias,
que te vão contar
compassos e colcheias,
mas tu és o tempo forte
e o agasalho.
Tempo fraco não é sorte,
é trabalho.
Vais levado pelo vento,
pelos sons do pensamento.

Cravos
são livres, são bravos.
Rosas
são belas, são prosas.

Quem te compra
cria garras de encantar.
Vendes a alma?
Essa não se pode comprar.
Na viagem pelos sons
desta braguesa
ouço histórias
de uma canção portuguesa.
É uma luta contra o vento,
não se vende o pensamento.

Cravos
são livres, são bravos.
Rosas
são belas, são prosas.

Cravos e rosas.

Letra e música: José Barros
Arranjo: José Barros
Intérprete: José Barros e Navegante (in CD “À’Baladiça”, Tradisom, 2018)

José Barros e Navegante, À'Baladiça

José Barros e Navegante, À’Baladiça

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Danças e folias

Acertando o passo

[ Bulia o Baile ]

Acertando o passo ou nem tanto
escorregavam do lamento ao canto;
Sorrindo ao pisar e às estrelas
as promessas ateavam alvas velas.

Ardentias do amor anunciadas
vindouras dores eram semeadas;
No céu, o néon, luzem pregões,
desditas eram. Pintavam corações.

Bulia o baile,
buliam as raparigas
se levadas nas cantigas
e repetidos o par.

Bulia o baile,
buliam as raparigas
se levadas nas cantigas
e repetidos o par.

Eram olhares repetidos,
eram perfumes sentidos
misturados com o arfar.

Veredas de barro e de fel,
aço entrançado, favos de mel,
desejos jurados sem hesitar,
barca dos sonhos a navegar.

As canções meladas ao ouvido
eram cruzadas, no seu sentido;
e os passos que davam a saber
era o amor louco a acontecer.

Bulia o baile,
buliam as raparigas
se levadas nas cantigas
e repetidos o par.

Bulia o baile,
buliam as raparigas
se levadas nas cantigas
e repetidos o par.

Eram olhares repetidos,
eram perfumes sentidos
misturados com o arfar.

Letra e música: Lindolfo Paiva
Intérprete: Dialecto* (in CD “Aromas”, Dialecto/Cloudnoise, 2011)

Baile

Canções de baile

Dança comigo

Dança comigo, morena
Leveza de pena
Esta dança breve
Dança e rodopia
Solta-me a alegria
De quem nada deve

Acende-me a cara, o rosto
Os lábios de mosto
Riso de marfim
Requebra a cintura
Que és a criatura
Nascida p’ra mim

Vamos, a dança é louca
Dá-me a tua boca
Que este beijo é meu
Dança comigo, amada
Que eu já estou na escada
Que me leva ao céu

Ao som da concertina
(Cinturinha fina
Pele de cetim)
Dança, meu amor
Não sei doutra flor
Que bem dance assim

Dança com fantasia
No fim deste dia
Que se vai embora
No passo da vida
Dancemos, querida
Que é a nossa hora

Vamos, a dança é louca
Dá-me a tua boca
Que este beijo é meu
Dança comigo, amada
Que eu já estou na escada
Que me leva ao céu

Vamos, a dança é louca
Dá-me a tua boca
Que este beijo é meu
Dança comigo, amada
Que eu já estou na escada
Que me leva ao céu

Ah vamos, que a dança é louca
Dá-me a tua boca
Que este beijo é meu
Dança comigo, amada
Que eu já estou na escada
Que me leva ao céu

Letra e música: Aníbal Raposo (2006-09-26)
Intérprete: Aníbal Raposo (in CD “Rocha da Relva”, Aníbal Raposo/Global Point Music, 2013)

Dançava, dançar, dançou

[ Saias das Sete Saias ]

Dançava, dançar, dançou,
Cantou e alegre cantava…
Se a vida alegre voou
A vida triste lhe paga;
Dançava, dançar, dançou,
Cantou e alegre cantava.

Sete saias rompia,
Sete saias rompeu…
Do nascer ao fim do dia
Muitas saias conheceu;
Sete saias rompia,
Sete saias rompeu.

Diz o povo sem lamúrias
Que a terra lhe paga em vida…
Que a morte lhe tira os dias
E só lhe dá a guarida;
Diz o povo sem lamúrias
Que a terra lhe paga em vida.

Sete saias rompia,
Sete saias rompeu…
Do nascer ao fim do dia
Muitas saias conheceu;
Sete saias rompia,
Sete saias rompeu.

Quando as saias compridinhas
No final da ceifa ou monda
Eram todas mais curtinhas,
Quase uma saia redonda…
Quando as saias compridinhas
Eram todas mais curtinhas.

Sete saias rompia,
Sete saias rompeu…
Do nascer ao fim do dia
Muitas saias conheceu;
Sete saias rompia,
Sete saias rompeu.

Da terra se faz a história
Que um povo diz a cantar…
A terra só tem memória
E tem muito p’ra contar;
Da terra se faz a história
Que um povo diz a cantar.

Sete saias rompia,
Sete saias rompeu…
Do nascer ao fim do dia
Muitas saias conheceu;
Sete saias rompia,
Sete saias rompeu.

Letra e música: José Barros
Arranjo: José Barros
Intérprete: Navegante com Janita Salomé (in CD “Meu Bem, Meu Mal”, Tradisom, 2008)

Quantas voltas tem a dança

[ Se Ainda Der para Disfarçar ]

Quantas voltas tem a dança em tantas voltas contadas?
Um segredo de criança escondido em mil gargalhadas
Tantas mãos que foram dadas na ternura de um abraço
Quantas vontades caladas na volta meiga de um passo

Quantas horas de viagem na alegria de te ver?
Quanta falta de coragem, tanta coisa por dizer
E acabamos a esconder, vá-se lá saber porquê
Nestas coisas do querer os sinais são p’ra quem os lê

Dá-me uma dança, faz-me acreditar
Uma lembrança p’ra eu levar
Que eu tenho sempre vontade de voltar e te dizer
Se ainda der p’ra disfarçar
Ensina-me a dançar

Faz de conta que o poente acontece a qualquer hora
Quando a noite se faz quente e um beijo se demora
Já o frio se foi embora ao tocar da tua mão
Que há-de ser de nós agora? Faz sentido: sim ou não?

Dá-me uma dança, faz-me acreditar
Uma lembrança p’ra eu levar
Que eu tenho sempre vontade de voltar e te dizer
Se ainda der p’ra disfarçar
Ensina-me a dançar

É a valsa do começo, é a vida a esvoaçar
É a pele a soltar um arrepio
É uma cor que eu não conheço, um sabor de acreditar
Uma praia cor de um desafio

Dá-me uma dança, faz-me acreditar
Uma lembrança p’ra eu levar
Que eu tenho sempre vontade de voltar e te dizer
Se ainda der p’ra disfarçar
Ensina-me a dançar

Ensina-me a dançar
Ensina-me a dançar
Ensina-me a dançar

Letra e música: Sebastião Antunes
Intérprete: Sebastião Antunes (in CD “Singular”, Sebastião Antunes & Quadrilha/Alain Vachier Music Editions, 2017)
Versão original: Sebastião Antunes (in CD “Cá Dentro”, Vachier & Associados, 2009)

Danças e folias

Sete saias da Nazaré

Sete portadas

[ Baile das Vozes ]

Sete portadas
De pedra,
E mais sete
De madeira

Sete meninas
Sentadas
Outras sete
Na ladeira

Foram lavar
Suas vestes
Toda a noite
Noite inteira

Menina que olhos
Esses que me
Encantam
De maneira

E neste baile
Cruzado,
Sete cruzes
Se transformam,

Em redor
Do seu amado
Sete vénias
Que se
Formam…

Ficam
Bailando
Num pé
E no outro
Saltitando,

Cinco meninas
Saíram
E só duas
Vão ficando!…

E se acordarem
Os santos
Num bailado
De folia

Juntam-se as vozes
À noite
Bailam apenas
De dia!…

Menina que dança
E canta,
E seu canto
É noite fria!

E rodopia cantando,
No seu baile
De alegria!…

Letra: José Flávio Martins
Música: José Flávio Martins e Rui Tinoco
Intérprete: Frei Fado d’El Rei (in CD “Em Concerto”, Açor/Emiliano Toste, 2003)

Sorvem-me o sangue

[ Trocaram-me a Dança! ]

Sorvem-me o sangue,
Deixam-me exangue,
Ceifam-me a vida na terra prometida.

Tolhem-me a esperança,
Trocam-me a dança,
Solta-se o grito na raiva incontida.

Sorvem-me o sangue,
Deixam-me exangue,
Ceifam-me a vida na terra prometida.

Tolhem-me a esperança,
Trocam-me a dança,
Solta-se o grito na raiva incontida.

Na dança da vida com o passo trocado,
Na dança das fitas estou no filme errado;
Destroços de sonhos errantes na serra
Espezinham-me a flor…, tenho a Primavera.

Cercam-me o tempo,
Varrem-me o alento,
Ferem-me o voo, a paixão e o sustento.

Lanço a semente,
Rasgo o silêncio,
Cerro a decência, declino ser inocente.

Na dança da vida com o passo trocado,
Na dança das fitas estou no filme errado;
Destroços de sonhos errantes na serra
Espezinham-me a flor…, tenho a Primavera.

Cercam-me o tempo,
Varrem-me o alento,
Ferem-me o voo, a paixão e o sustento.

Letra e música: Álvaro M. B. Amaro
Intérprete: Dialecto* (in CD “Aromas”, Dialecto/Cloudnoise, 2011)

Vai ao centro

[ Centro ao centro ]

Vai ao centro, vai ao meio!
Agora vou andar
Com meu amor em passeio;
Agora é que eu vou andar
Com meu amor em passeio.

Vá de roda, cantem todas
Cada qual sua cantiga!
Eu também cantarei…
Eu também cantarei uma
Que a mocidade me obriga.

Vá de roda, cantem todas
Cada qual sua cantiga!
Que eu também cantarei uma
Que a mocidade me obriga.

Vai ao centro!…

Moda:

Vai de centro ao centro ao centro!
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou andar
Com meu amor em passeio.

Com meu amor em passeio,
Com meu bem a passear,
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou andar…

Cantiga:

Vá de roda, cantem todos
Cada qual sua cantiga!
Que eu também cantarei uma
Que a mocidade me obriga.

Moda:

Vai de centro ao centro ao centro!
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou andar
Com meu amor em passeio.

Com meu amor em passeio,
Com meu bem a passear,
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou andar…

Moda:

Vai de centro ao centro ao centro!
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou andar
Com meu amor em passeio.

Com meu amor em passeio,
Com meu bem a passear,
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou andar…

Cantiga:

Minha mãe, p’ra m’eu casar,
Ofereceu-me uma panela;
Depois de me ver casada,
Partiu-me a cara com ela.

Moda:

Vai de centro ao centro ao centro!
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou andar
om meu amor em passeio.

Com meu amor em passeio,
Com meu bem a passear,
Vai de centro ao centro ao meio!
Agora é que eu vou… andar…

Centro ao Centro (dança de roda)
Letra e música: Tradicional (Ourique / Castro Verde, Baixo Alentejo)
Informantes: Grupo Coral e Etnográfico “As Papoilas do Corvo” (Aldeia do Corvo, Castro Verde), Manuel Bento (Aldeia Nova, Ourique) e Pedro Mestre (Sete, Castro Verde)
Recolha: Lia Marchi (in “Caderno de Danças do Alentejo”, Associação Pédexumbo e Olaria Cultural, 2010 – p. 34-35)
Intérprete: Aqui Há Baile (in CD “Caderno de Danças do Alentejo – adaptações”, Associação Pédexumbo/Caracol Secreto, 2013)

Papoilas do Alentejo
Papoilas do Alentejo

Vai de roda

Vai de roda, vai de roda,
Vai de roda que é tão breve;
Tenho uns amigos na roda,
Tenho uns amigos na roda,
Deixam a roda mais leve.

Vai de roda, vai de roda,
Vai de roda alguns amores;
Quantos mais amores na roda,
Quantos mais amores na roda
Mais te perseguem as dores.

Vai de roda, vai de roda,
Vai de roda até ao fim;
Já tentei fugir da roda,
Já tentei fugir da roda
Mas ela rodou por mim.

Vai de roda, vai de roda,
Vai de roda sem parar;
Quem nunca esteve na roda,
Quem nunca esteve na roda
Não pode a roda enganar.

Vai de roda, vai de roda,
Vai de roda até ao fim;
Já tentei fugir da roda,
Já tentei fugir da roda
Mas ela rodou por mim.

Vai de roda, vai de roda,
Vai de roda sem parar;
Quem nunca esteve na roda,
Quem nunca esteve na roda
Não pode a roda enganar.

Letra e música: Duarte (Outubro de 2010)
Intérprete: Duarte, com Mara (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)
Versão original: Duarte (in CD “Sem Dor Nem Piedade”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2015)

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Caruma

Coragem

Coragem é ter cabeça dura
sem contrair defesas veneráveis
paro, fico tolo, não quero viver
passa tudo quando estou ao pé de ti
e se ela quer só trocar transpiração
não posso dar a minha desprovida
em todo o suor vai um coração
que à partida há-de ter volta após a ida
sacrifica-se a memória e recalco o que passou
isto que aqui está é outra história e vou ser mais do que fui
o tribunal conclui que o réu está bom
heróis do mar
somos tão valentes
mas a paixão dá cabo da força
preciso de ti p’ra ficar perto de mim
passa tudo quando te distrais de ti
e se amanhã me apareceres à frente
com intenções e alma decotada
a transpiração fica cheia de razão
fim do filme, pôr-do-sol de mãos atadas
sacrifica-se a memória e recalco o que passou
isto que aqui está é outra história e vou ser mais do que fui
o tribunal conclui que o réu está bom
o mal que pode correr é inversamente proporcional
ao bem que te pode fazer, ao bem
compro uma matilha p’ra não teres medo de mim
dizes que estás desacreditada
e já não lês histórias da carochinha
tu julgas que não mas sou o teu João Ratão
e mulher podes escrever que vais ser minha
tu julgas que não mas sou o teu João Ratão
e mulher podes escrever que vais ser minha
sacrifica-se a memória e recalco o que passou
isto que aqui está é outra história e vou ser mais do que fui
o tribunal conclui…
o tribunal conclui que o réu está bom

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Desenraizado

[ Fado ]

Desenraizado, não sei cantar fado nem sou popular
estou sempre ali perto dum país incerto a apanhar do ar
não sei ser de Alfama, não tenho saudade, eu nem sou daqui
então concentro de fora p’ra dentro a minha raiz
estás desgraçado, rapaz, oxalá não te percas
este país está dentro de ti
encadernado e usado com palavras certas
quem serás tu neste mundo se não és daqui?
beira mal plantado, cantinho encostado com sabor a nós
eu sou neste mundo Portugal profundo que já teve voz
se faço perguntas, se sou ou não fado, se ele já foi meu
passadas vitórias, vivo numa inglória, num país-museu
e tudo o que aqui resta sou só eu
estás desgraçado, rapaz, oxalá não te percas
este país esta dentro de ti
encaixotado e usado com palavras certas
quem serás tu neste mundo se não és daqui?
santificado é o fado de aceitar o fado de ser português
é um Bandarra, é Vieira, Pessoa que cheira a Pedro e Inês
ser Portugal é a sina, maldição divina de gente que crê
ser Portugal é a sina, maldição divina de gente que crê

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: Caruma* com José Medeiros (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Estás armado em parvo

[ Minar a Liberdade ]

Estás armado em parvo mas está tudo bem
vou ali num instante desmembrar alguém
vícios separados do tutano
limpo o coração muito muito bem
energia dura sem pátria ou poluição
pura das entranhas mas fora da pele não
e eu não fui
chega-te p’ra lá, toma lá dá cá
vais-me abandonar e eu vou já atrás
sarilhos que metem aviões
e sexo são arranca-corações
não te vejo aqui mas está cheio de ti aqui
esgueiraste o veneno e tu pensas que eu não vi
mas não sou tão drogada assim
eu não fui
eu sei que tudo passa e que vem tudo outra vez
sou da tua raça mas em fraco e tu não vês
isto de ser gente um p’ró outro
mais valia sermos tortos
e amar tudo de uma vez
aí está ele a minar a liberdade
estraguei outra vez depressa de mais
vais-te alimentar de mim com vontade
sou bicho-de-conta por medo de mim
mas é que se não for às cegas não vou
se não for com trapos e malas não vou
e escuto um grande “não” quando sussurras que sim
o teu magnetismo explica tanto cinismo
e a ser alguém que sejas tu
eu não fui
eu sei que tudo passa e que vem tudo outra vez
sou da tua raça mas em fraco e tu não vês
isto de ser gente um p’ró outro
mais valia sermos tortos
e amar tudo de uma vez
aí está ele a minar a liberdade
aí está ele a minar a liberdade
aí está ele a minar a liberdade
aí está ele a minar a liberdade
estás armado em parvo mas está tudo bem
vou ali num instante desmembrar alguém
vícios separados do tutano
eu não fui

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Quando dizes que a cerveja

[ Magnetismo em Riste ]

Quando dizes que a cerveja fez-te apaixonar por mim
foi por ela que deixaste de gostar de mim assim
que a boémia dá-me charme
que sou magnetismo em riste
que sou suor e sou carne
e sou ressaca de triste
ansioso e mal amado
estou de fora a ver-me a ser
sou assim encurralado
com bons modos a “des-ser”
catadupa em dissonante
por mais cantigas que cante
vou morrer sem mudar nada
dou-me armas e bagagens
dormente de encharcado
faço quatro mil viagens
e não vou p’ra nenhum lado
quero ser sem comprimidos
quero que sejas de mim
esperar mais é dar-me a morte
medicada pelo fim
canto de pupilas gastas
hipertenso cheio de sede
amanhã não me procures
amanhã não tenho rede
catadupa em dissonante
por mais cantigas que cante
vou morrer sem mudar nada
sei saltar de corpo em corpo
encarnado em ser melhor
sei ser um corpo no teu corpo
nasci a saber de cor
sou moldado a respirar
mando rajadas de sangue
e sai tudo disparado
e sai tão embriagado
vai montanha-russa abaixo
educado em pequenez
esfrego o pai-nosso do corpo
e sou puro duma vez
catadupa em dissonante
por mais cantigas que cante
vou morrer sem mudar nada

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: Caruma* com José Medeiros (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Ri sozinho de paspalhice

[ Projecto Internacional ]

Ri sozinho de paspalhice, chorei de devagar e disse:
«Isto não devia acontecer
dizeres que me amas
e depois que em duas semanas não acontece amor»
quero a minha casa
os braços dos meus
senti-me pujante de burro
eu num canto a olhar p’ra nada
a soluçar em nada
voltaste atrás assim:
«I was blind»
isso é dum filme
«I could not see»
é cantiga dos U2
e dormimos com arrepios
de tanto drama espojados na nossa cama
a fazer de conta amor
não sei, acho que isto já se partiu
eu já não suspiro e suspirar é bom
estar apaixonado em Budapeste
e ficar a leste sozinho com a maior das penas de estar sozinho
mas já sei o que faço aqui
espero a hora de virar daqui
não sou o teu projecto internacional
isso é dum filme
“I could not see”
é cantiga dos U2
e dormimos com arrepios
de tanto drama espojados na nossa cama
a fazer de conta amor

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Saltei p’ra ver

[ Boa Educação Imoral ]

Saltei p’ra ver
estou dentro de tão boa educação
emparedada de redondo
a arrastar a solidão de ser antigo
faça o favor de ser quem é
não tem de ser o que faz
faça o favor de usar juízo
desligar dispositivo e gostar mais de andar por cá
cansei de ser
borrego nesta imensa multidão
carecida de vontade
extremamente encarecida
há pão e vinho
santificado é o Senhor
que me santifica a bilha
chupa a teta e faz-me um filho
baptizados que hão-de vir têm a vida vencida
carcomido à nascença
e o teu Deus em contrapeso
que tapa o Sol com hóstias de mentol
boa educação imoral
não pode haver vontade em fabricar vontades, não
podia ser
tão bem encarrilhado em alemão
vida com chave na mão
empenhado até projeccionar a alma
suicidar a emoção
anti-anti-depressiva
bebo vinho a toda a hora
adormeço de vergonha a vontade de ser vida
carcomido à nascença
e o teu Deus em contrapeso
que tapa o Sol com hóstias de mentol
boa educação imoral
não pode haver vontade em fabricar vontades
não pode haver vontade em fabricar vontades
não pode haver vontade em fabricar vontades, não

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Tenho dinheiro p’ra trinta caixões

[ Trinta Caixões ]

Tenho dinheiro p’ra trinta caixões e nem um é para mim
tenho dinheiro p’ra trinta caixões e são todos por ti
está descansada que vives mil anos
mas com calminha p’ra não causar danos
tenho dinheiro p’ra trinta caixões e são todos por ti
vou tratar do meu casulo
afastar a gente má
que há quem viva neste mundo
e há quem queira andar só por cá
aquele já é doutor
e apregoa falsidade
algemados gritam alto:
«Viva a nossa liberdade!»
mãe, ó da guarda, ele não me liga mais
mãe, estou à venda a quem me oferecer mais
tenho planos nesta vida de ter carro, casa e pão
se não for com este jovem, homem velho não diz “não”
gosto mais de mim assim
a saber que sei gostar
gosto ainda bem de ti
mas não sei pagar pr’amar
somos todos tão fofinhos
eu sem ti não sei viver
venha daí o corpinho
isso eu sei fazer render
está descansada, vives mil anos
mas com calminha, cuidado com os danos
dança-me o corridinho com sapato velho
ai que acumulas a vida com a sorte da morte que p’ra ti não vem
mãe, ó da guarda, ele não me liga mais
mãe, estou à venda a quem me oferecer mais
tenho planos nesta vida de ter carro, casa e pão
se não for com este jovem, homem velho não diz…
tenho dinheiro p’ra trinta caixões e é tudo p’ra mim

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Troca-se o visto por dito

[ Visto por Dito ]

Troca-se o visto por dito
que cá na casa que fiz
gasta-se guito e imito
toda a gente a ser feliz
cada conta com seu conto
cada rei com seu carrasco
há polícia e Carnaval
para garantir o tasco
sapatinho no Natal
sandália o ano todo
o vento muda de Leste
e sou sempre eu que me lixo
carapaus e caviar
às vezes na mesma mesa
uns tostões, outros milhões
a cantar “A Portuguesa”
mandas na marca da minha sardinha
mas não mandas nada do que me vai cá na pinha
dizes p’ra ti: «sou tão inteligente!»
um dia destes ainda vais ouvir da gente
cantoria no Rossio, escanzelada a pontapé
a conversa vai madura na esquina do meu café
estremunhada acorda a banca, promessas de terror
amanhã colecta o fisco a gente a fazer amor
com tanta saliva fresca, com tanto sangue miúdo
sou da Jota não sei quê e já pareço graúdo
o sistema está assim bem montado em comité
tenho três paredes falsas com olho que tudo vê
mandas na marca da minha sardinha
mas não mandas nada do que me vai cá na pinha
dizes p’ra ti: «sou tão inteligente!»
um dia destes ainda vais ouvir da gente
ah que isto agora é um sonho mau
dissonância, arrastadeira, cantadeira, a maluqueira é tanta
que um dia vai tudo a pau
contam-se os mortos no fim
que a haver um fim vai ser com graça
que a desgraça não existe
que o que existe é ser feliz
mandas na marca da minha sardinha
mas não mandas nada do que me vai cá na pinha
dizes p’ra ti: «sou tão inteligente!»
um dia destes ainda vais ouvir…
um dia destes ainda vais ouvir…
um dia destes ainda vais ouvir da gente

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Vivo como um chulo à consignação

[ Bêbado ]

Vivo como um chulo à consignação
vendo lixo rico – é a minha obsessão
sentaste-te em cima da alma
agora queres comprar-me com mais calma
chulas-me a saúde e eu perco-me doente
quero mais de ti além de só saliva quente
atrofio o teu caminho, nunca foi o nosso
dá-me p’ra virar daqui sempre que posso
tudo tem de ser como tem de ser
conheci-te a tempo de te esquecer tão bem
dá-me mais um copo, juro desta é que me vou
sei que é sempre o mesmo a esta hora mas eu vou
disse-lhe três vezes que sou torto, parvo e bêbado
o bêbado não precisa de amigos nem tu precisas dum bêbado
tira-me este cheiro a sol e vinho velho
é sempre nesta altura que me queres levar p’rá cama
faço contas para decidir quando te beijo
e estou sempre ali preso na lama
tudo tem de ser como tem de ser
conheci-te a tempo de te esquecer tão bem
dá-me mais um copo, juro desta é que me vou
sei que é sempre o mesmo a esta hora mas eu vou
disse-lhe três vezes que sou torto, parvo e bêbado
o bêbado não precisa de amigos nem tu precisas de mim
nem tu precisas de mim
tudo tem de ser como tem de ser
conheci-te a tempo de te esquecer tão bem
dá-me mais um copo, juro desta é que me vou
sei que é sempre o mesmo a esta hora mas eu vou
disse-lhe três vezes que sou torto, parvo e bêbado
o bêbado não precisa de amigos nem tu precisas dum bêb…
sai daqui e deixa-me cair que eu vou cair
não há mais conversa, porque estás a insistir?
disse quatro vezes que sou torto, parvo e bêbado
o bêbado não precisa de amigos nem tu precisas de mim

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

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fadista Helena Sarmento

A lonjura é um degredo

[ Lonjura ]

A lonjura é um degredo
Sem grades para assaltar;
Sem olhos, sem mãos, segredo,
Boca calada de amar.

É mar que afunda a fragata,
É cotovia sem voz;
É um orvalho sem prata
Letra sem rosto, sem foz.

É lágrima, é destempero,
É tabuada aldrabada;
Diário do desespero,
Diário branco, sem nada.

Um chapéu cheio de traça,
A sina contada à toa;
A lonjura é uma desgraça,
Não há dor que tanto doa.

Letra: Joaquim Sarmento
Música: João Black (Fado Menor do Porto)
Intérprete: Helena Sarmento
Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)

A minha alma está doente

[ Confirmação ]

A minha alma está doente,
Quiseram em vão curá-la
E quantos ingenuamente
Tentaram amortalhá-la!

Fizeram cerco e, no meio
De toda aquela muralha,
Eu (que sofria!) cantava…
Não me servira a mortalha!

E à medida que o segredo
Vinha em meus lábios poisar-se, |
Embriagado, eu cantava…
Não me servira o disfarce!

Mas, por fim, vendo, talvez,
Que nenhum remédio havia
Deram à minha surdez
O nome de poesia…

Poema: Pedro Homem de Mello (ligeiramente adaptado)
Música: Renato Varela (Fado Meia-Noite)
Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Fado e Folclore”, RCA Victor, 1970)

CONFIRMAÇÃO

(Pedro Homem de Mello, in “Eu Hei-de Voltar um Dia”, Lisboa: Edições Ática, 1966, reimp. 1999 – p. 63)

A minha alma está doente,
Quiseram em vão curá-la
E quantos ingenuamente
Tentaram amortalhá-la!
Formaram cerco e, no meio
De toda aquela muralha,
Eu (que sofria!) cantava…
Não me servira a mortalha!
E à medida que o segredo
Vinha em meus lábios poisar-se,
Embriagado, eu cantava…
Não me servira o disfarce!
Mas, por fim, vendo, talvez,
Que nenhum remédio havia
Deram à minha surdez
O nome de poesia…

À rapariga mais nova

[ Testamento ]

À rapariga mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo meus brincos lavrados
Em cristal límpido e puro.

E àquela virgem esquecida,
Sonhando alto uma lenda,
Deixo o meu vestido branco
Todo tecido de renda.

E este meu rosário antigo,
De contas da cor dos céus,
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus.

E os livros, rosários meus
Das contas d’outro sofrer,
São para os homens humildes
Que nunca souberam ler.

Quanto aos meus poemas loucos,
Esses que são só de dor,
E aqueles que são de esperança
São para ti, meu amor.

P’ra que tu possas, um dia,
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua.

Poema: Alda Lara (adaptado)
Música: Popular (Fado Menor)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “O Riso Que me Deste”, RCA Victor, 1967; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978; 2LP “Álbum de Recordações”: LP 1, Polydor/PolyGram, 1985; CD “Temas de Ouro da Música Portuguesa”, Polydor/PolyGram, 1992; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006; CD “Tereza Tarouca”, col. Fado Alma Lusitana III, vol. 3, Levoir / Correio da Manhã, 2014)

TESTAMENTO

(Alda Lara, in “Poemas”, Sá da Bandeira, Angola: Imbondeiro, 1966, reed. Braga: APPACDM, 1997, 2005)

À prostituta mais nova
do bairro mais velho e escuro,
deixo os meus brincos, lavrados
em cristal, límpido e puro…
E àquela virgem esquecida,
rapariga sem ternura
sonhando algures uma lenda,
deixo o meu vestido branco,
o meu vestido de noiva,
todo tecido de renda…
Este meu rosário antigo
ofereço-o àquele amigo
que não acredita em Deus…
E os livros, rosários meus
das contas de outro sofrer,
são para os homens humildes
que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
esses, que são de dor
sincera e desordenada…
esses, que são de esperança,
desesperada mas firme,
deixo-os a ti, meu amor…
Para que, na paz da hora,
em que a minha alma venha
beijar de longe os teus olhos,
vás por essa noite fora,
com passos feitos de lua,
oferecê-los às crianças
que encontrares em cada rua…

Caía a tarde

[ O Bêbado e a Equilibrista ]

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos
A lua, tal qual a dona de um bordel,
Pedia a cada estrela fria um brilho de aluguel
E nuvens, lá no mata-borrão do céu,
Chupavam manchas torturadas, que sufoco!
Louco, um bêbado com chapéu-côco
Fazia irreverências mil p’rá noite do Brasil, meu Brasil
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu num rabo-de-foguete
Chora a nossa pátria, mãe gentil
Choram Marias e Clarices no solo do Brasil
Mas sei que uma dor assim pungente
Não há-de ser inutilmente a esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha pode se machucar
Azar, a esperança equilibrista
Sabe que o show de todo o artista tem que continuar

Letra: Aldir Blanc
Música: João Bosco (a partir da música “Smile”, de Charles Chaplin, composta para a banda sonora do filme “Tempos Modernos”, 1936)
Intérprete: Helena Sarmento*
Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)
Versão original: João Bosco (in LP “Linha de Passe”, RCA Victor, 1979, reed. RCA, 2004)
Outra versão: Elis Regina (in LP “Elis, Essa Mulher”, Warner Bros. Records, 1979, reed. Warner Music Brasil/WEA Music, 1989)

Ciganos

Ciganos! Vou cantar, não a beleza
Dos vossos corações que não conheço.
Mas esse busto de medalha e preço
Que nem é carne vã, nem alma acesa!

Saúdo em vós o corpo, unicamente,
Desumano e cruel como uma chama!
Em vós, saúdo a graça omnipotente
Do lírio que ainda flor por entre a lama.

A vossa vida não pertence ao rei.
Não mutilaste estradas verdadeiras.
Quem ama a liberdade odeia a lei
Que deu à terra a foice das fronteiras.

E, enquanto o aroma e a brisa e até as almas
Ficam irmãs das pérolas roubadas,
As mãos dos homens que vos são negadas
Tremem quando passais. Mas batem palmas.

As mãos dos homens que vos são negadas
Tremem quando passais. Mas batem palmas.

Poema: Pedro Homem de Mello (excerto adaptado)
Música: José Belo Marques (Fado Fora d’Horas)
Intérprete: Tereza Tarouca* (in LP “Tereza Tarouca Canta Pedro Homem de Mello”, Edisom, 1989; CD “Teresa Tarouca”, col. Clássicos da Renascença, vol. 15, Movieplay, 2000; CD “Tereza Tarouca”, col. Fado Alma Lusitana III, vol. 3, Levoir / Correio da Manhã, 2014)

CIGANOS

(Pedro Homem de Mello, in “Miserere”, Porto, 1948; “Poesias Escolhidas”, col. Biblioteca de Autores Portugueses, Lisboa: IN-CM, 1983 – p. 110)

Ciganos! Vou cantar, não a beleza
Dos vossos corações que não conheço.
Mas esse busto de medalha e preço
Que nem é carne vã, nem alma acesa!
Saúdo em vós o corpo, unicamente,
Desumano e cruel como o dum bicho!
Em vós, saúdo a graça omnipotente
Do lírio que ainda flor por entre o lixo.
Eu vos saúdo, pela poesia,
Que nasceu pura e não se acaba mais.
E pelo ritmo ardente que inebria
Meus olhos como fios que enlaçais!
A vossa vida não pertence ao rei.
Não mutilaste estradas verdadeiras.
Quem ama a liberdade odeia a lei
Que deu à terra a foice das fronteiras.
E, enquanto o aroma e a brisa e até as almas
Ficam irmãs das pérolas roubadas,
As mãos dos homens que vos são negadas
Tremem quando passais. Mas batem palmas.

Era um Redondo Vocábulo

Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar
Nos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio
Convocando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincavam e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa…

Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar
Nos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio
Convocando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincavam e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa…

Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Nos degraus de Laura
No quarto das danças

Letra e música: José Afonso
Intérprete: Helena Sarmento
Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)

Éramos três

[ A Rapariga das Violetas ]

Éramos três quando passou por nós
quando passou por nós
com o cesto das violetas.
Disse a primeira: como vai cansada,
e descalça, coitada, coitada!
Disse a outra: tão suja e desgrenhada,
olhem os pés sem cor, as unhas pretas!

Eu, a terceira… eu não disse nada,
não disse nada, não disse nada.
… Que lindas as violetas!

Poema: Fernanda de Castro (adaptado)
Música: Manuel Lima Brummon
Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Portugal Triste”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1980; CD “Tereza Tarouca”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 32, Movieplay, 1994; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006)

A rapariga das violetas

(Fernanda de Castro, in “Exílio”, Lisboa: Livraria Bertrand, 1952 – p. 93)

Éramos três quando passou por nós
com o cesto das violetas.
Disse a primeira: como vai cansada,
e descalça, coitada!
Disse a outra: tão suja e desgrenhada,
olhem os pés sem cor, as unhas pretas!

Eu, a terceira… eu não disse nada.
… Que lindas as violetas!

Fado

Ao passar pelo ribeiro
Onde, às vezes, me debruço,
Fitou-me alguém. Corpo inteiro,
Curvado com um soluço!

Que palidez nesse rosto
Sob o lençol do Luar!
Tal e qual quem, ao Sol-Posto,
Estivera a agonizar…

E aquelas pupilas baças
Acaso seriam minhas?
Meu amor, quando me enlaças,
Porventura as adivinhas?

Deram-me, então, por conselho,
Tirar de mim o sentido.
Mas, depois, vendo-me ao espelho,
Cuidei que tinha morrido!

Poema: Pedro Homem de Mello (ligeiramente adaptado)
Música: José Marques do Amaral (Fado José Marques do Amaral)
Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Fado e Folclore”, RCA Victor, 1970)

FADO

(Pedro Homem de Mello, in “As Perguntas Indiscretas”, Porto: Editorial Domingos Barreira, 1968; “Poesias Escolhidas”, col. Biblioteca de Autores Portugueses, Lisboa: IN-CM, 1983 – p. 295)

Ao passar pelo ribeiro
Onde, às vezes, me debruço,
Fitou-me alguém. Corpo inteiro,
Curvado como um soluço!

Que palidez nesse rosto
Sob o lençol do Luar!
Tal e qual quem, ao Sol-Posto,
Estivera a agonizar…

Aquelas pupilas baças
Acaso seriam minhas?
Meu amor, quando me enlaças,
Porventura as adivinhas?

Deram-me, então, por conselho,
Tirar de mim o sentido.
Mas, depois, vendo-me ao espelho,
Cuidei que tinha morrido!

Fica longe o sol que vi

[ Quadras da Minha Solidão ]

Fica longe o sol que vi
aquecer meu corpo outrora…
Como é breve o sol daqui!
E como é longa esta hora!…

Donde estou vejo partir
quem parte certo e feliz.
Só eu fico. E sonho ir
rumo ao sol do meu país…

Por isso as asas dormentes
suspiram por outro céu.
Mas ai delas! tão doentes
não podem voar mais eu…

que comigo, preso a mim,
tudo quanto sei de cor…
Chamem-lhe nomes sem fim,
por todos responde a dor.

E assim, no pulso dos dias,
sinto chegar outro Outono…
Passam as horas esguias,
levando o meu abandono…

Poema: Alda Lara (excerto)
Música: Jaime Santos (Fado da Bica)
Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Fado e Folclore”, RCA Victor, 1970)

QUADRAS DA MINHA SOLIDÃO

(Alda Lara, in “Poemas”, Sá da Bandeira, Angola: Imbondeiro, 1966, reed. Braga: APPACDM, 1997, 2005)

Fica longe o sol que vi
aquecer meu corpo outrora…
Como é breve o sol daqui!
E como é longa esta hora!…

Donde estou vejo partir
quem parte certo e feliz.
Só eu fico. E sonho ir
rumo ao sol do meu país…

Por isso as asas dormentes
suspiram por outro céu.
Mas ai delas! tão doentes
não podem voar mais eu…

que comigo, preso a mim,
tudo quanto sei de cor…
Chamem-lhe nomes sem fim,
por todos responde a dor.

Mas dor de quê? dor de quem,
se nada tenho a sofrer?…
Saudade?… Amor?… Sei lá bem!
É qualquer coisa a morrer…

E assim, no pulso dos dias,
sinto chegar outro Outono…
Passam as horas esguias,
levando o meu abandono…

Lá vem num corcel

[ Trovas do Meu Povo ]

Lá vem num corcel
o príncipe real
vem saber dos favos
vem medir o mel

vem ver os pastores
pastarem o gado
são seus os pastores
e é seu todo o prado

Lá vem num cavalo
o senhor regedor
vem ver como cumprem
as ordem do rei

pela terra alheia
vem ver lavradores
vê o que semeiam
vem contar as flores

Lá vem num burrico
o senhor abade
vem pedir prás almas
prás almas salvar

são suas as almas
que o povo lhas deu
partilha por todos
a fé que perdeu

Lá vem todo o povo
a pé no povoado
de Cristo nos ombros
à cruz arrancado

pois Cristo resiste
não morre entre o povo
porque em cada um
há sempre um Cristo novo

La, la, la…

Letra: Manuel Lima Brummon
Música: Luís Alexandre
Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Portugal Triste”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1980; CD “Tereza Tarouca”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 32, Movieplay, 1994; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006)

Lavava no rio, lavava

Lavava no rio, lavava,
Gelava-me o frio, gelava,
Quando ia ao rio lavar!
Passava fome, passava,
Chorava também, chorava
Ao ver minha mãe chorar!

Cantava também, cantava!
Sonhava também, sonhava!
E na minha fantasia
Tais coisas fantasiava,
Que esquecia que chorava,
Que esquecia que sofria!

Já não vou ao rio lavar,
Mas continuo a chorar!
Já não sonho o que sonhava!
Se já não lavo no rio,
Porque me gela este frio
Mais do que então me gelava?

Ai, minha mãe, minha mãe,
Que saudades desse bem,
Do mal que então conhecia!
Dessa fome que eu passava,
Do frio que nos gelava
E da minha fantasia!

Já não temos fome, mãe,
Mas já não temos também
O desejo de a não ter!
Já não sabemos sonhar,
Já andamos a enganar
O desejo de morrer!

Letra: Amália Rodrigues
Música: José Fontes Rocha
Intérprete: Joana Amendoeira (in CD “Amor Mais Perfeito: Tributo a José Fontes Rocha”, CNM, 2012)
Versão original: Amália Rodrigues (in LP “Gostava de Ser Quem Era”, Valentim de Carvalho, 1980, reed. EMI-VC, 1995, Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007; “Amália 50 Anos”: CD “Amália Mais os Poetas Populares”, EMI-VC, 1989; 2CD “O Melhor de Amália”: vol. III – “Fado da Saudade”: CD 2, EMI-VC, 2003)

Joana Amendoeira, Amor Mais Perfeito
Joana Amendoeira, Amor Mais Perfeito

Meu país esperando

[ Portugal Triste ]

Meu país esperando na esquina do tempo
de braços abertos a todo o momento
vou seguindo sempre calculando os passos
e se o que criei desfaço e refaço
meus olhos despertos abrem-se para o mundo
e eu caio em mim cada vez mais fundo

Meu país perdido na esquina do tempo
triste Portugal tão pequeno e imenso
pois eu te garanto, país, que este povo
traz no coração sempre um amor novo

Não quero que pensem que já me perdi
nem quero que julguem que fujo de mim
tenho lucidez para poder viver
eu sou vertical, não me hão-de torcer
sempre fui mais forte quando me quiseram
tornar serva ou fraca e nunca me venceram

Tenho a dimensão do que quero alcançar
e nada que fiz tenho a lamentar
pois para me encontrar ainda vos digo
que nunca vendi meu cantar de amigo

Portugal que eu canto deixa a boca amarga
mas eu estou bem firme, não estou derrotada

Letra e música: Manuel Lima Brummon
Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Portugal Triste”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1980; CD “Tereza Tarouca”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 32, Movieplay, 1994; CD “Tereza Tarouca”, col. Fado Alma Lusitana III, vol. 3, Levoir / Correio da Manhã, 2014)

Mordi a Tua Mão

Mordi a tua mão, depois morri;
Caí sobre o teu corpo inanimado:
Que importa se estou preso ou se prendi!
Quem morre assim não tem que ser julgado.

Mordi a tua mão, depois morri;
Passei por um lugar que não tem nome,
Que fica muito além do que sofri:
Maior que a dor, que o mar, maior que a fome.

Beijei a tua mão, depois vivi;
Deixei-me ali ficar de olhos fechados.
Ainda perguntei: “Tu estás aqui?”;
Depois dormi nos braços arranhados.

Letra: Duarte
Música: Alfredo Duarte “Marceneiro” (Fado CUF)
Intérprete: Duarte (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)

Nesse teu olhar magoado

[ Espero a Morte a Cantar ]

Nesse teu olhar magoado
Vejo a cor dos olhos meus;
Tem a dor um tom pisado
Que é o tom dos olhos teus.

Sofro a dor por te querer
Esquecendo que te perdi,
Mas um dia quis te ver
E louca d’amor fugi.

Nos meus olhos vivem ainda
Saudades dum olhar teu;
No meu peito vive infinda
Essa dor que em ti viveu.

Hoje canto de amargura
Já cansada de te amar,
E vencida pela tortura
Espero a morte a cantar.

Letra: Francisco Pessoa
Música: Joaquim Campos (Fado Amora)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Saudade, Silêncio e Sombra”, RCA Victor, 1964)

No silêncio do meu quarto

[ Um Fado para Fred Astaire ]

No silêncio do meu quarto… de incerteza
Não vos sei dizer se morro… ou ressuscito;
Faz-se noite quando parto… com tristeza
E talvez peça socorro… mas não grito.

Quem diria que os teus pés… de bailarino
Entrariam para a história… da saudade,
E que meio de viés… por teu destino
Brindarias à memória… que me invade?!

Quase toco a tua mão… presa ao ecrã,
Mas tropeço nos meus passos… sem esperança;
Não existe solidão… nem amanhã
Quando danço nos teus braços… de criança.

Eu é que sou a menina,… mas não quero,
E não vou mudar de idade… e ai de mim
Se a memória só termina… e volta a zero
Quando acabar a saudade… que é sem fim.

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Popular e Alfredo Duarte “Marceneiro” (Fado Menor com Versículo)
Intérprete: Cristina Nóbrega
Versão discográfica de Cristina Nóbrega (in CD “Um Fado para Fred Astaire”, Watch & Listen, 2014)
Versão original: Deolinda Rodrigues (inédita)

Deolinda Rodrigues fadista
Deolinda Rodrigues fadista

O Cristo inerte

[ Não Fui Eu ]

O Cristo inerte preso à cruz
A luz da vela que O reduz
À sombra triste na parede entrecortada

Dos lábios solta-se, indulgente
A prece inútil do não-crente
Entre palavras que por fim não dizem nada

Não fui eu, não fui eu
Não deixei a porta aberta
Não fui eu, não fui eu
Ficou-me a casa deserta

Há como um fugidio rumor
De passos no corredor
Induzem na minh’alma a dor da esperança vã

Sinais do tempo a humedecer
A voz que teima enrouquecer
E o corpo dorido pela noite no divã

Não fui eu, não fui eu
Não deixei a porta aberta
Não fui eu, não fui eu
Ficou-me a casa deserta

Como esta febre me destrói
Perdido amor, quanto me dói
Desceste em mim o cruel manto da tristeza

Em cada noite morro, amor
E a solidão faz-me maior
Mal amanhece e volta o medo que anoiteça

Não fui eu, não fui eu
Não deixei a porta aberta
Não fui eu, não fui eu
Ficou-me a casa deserta

Letra e música: Jorge Fernando
Intérprete: Rua da Lua (in CD “Rua da Lua”, Rua da Lua, 2016)

Por ti cheguei a amar o desumano

[ A Outra Face da Alegria ]

Por ti cheguei a amar o desumano
e fiz da minha angústia amor total
vi florir primaveras todo o ano
nunca ninguém te amou com amor igual

Por ti bastava a sombra fugidia
do teu olhar no meu insatisfeito
e tudo o que não tinha pressentia
como quem tem dois corações no peito

Por ti reinventei lindas palavras
nas mãos tive oiro e estrelas só por ti
e nada te bastou, nada aceitavas
mas roubaste o melhor que havia em mim

Por ti gastei a face da alegria
e andei morrendo um pouco em toda a parte
embriagaste a luz de cada dia
os dias mais belos da minha idade

Letra e música: Manuel Lima Brummon
Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Portugal Triste”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1980; CD “Tereza Tarouca”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 32, Movieplay, 1994; CD “Tereza Tarouca”, col. Fado Alma Lusitana III, vol. 3, Levoir / Correio da Manhã, 2014)

Quem dorme à noite comigo?

[ Medo ]

Quem dorme à noite comigo?
É meu segredo.
Mas se insistirem lhes digo:
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo.

E cedo, porque me embala
Num vai-e-vem de solidão,
É com o silêncio que fala:
Com voz que move onde estala
E nos perturba a razão.

Gritar? Quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim?
Gostava até de matar-me,
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.

Poema: Reinaldo Ferreira
Música: Alain Oulman
Intérprete: Júlio Resende com Amália Rodrigues (in CD “Amália por Júlio Resende”, Edições Valentim de Carvalho, 2013)
Versão original: Amália Rodrigues (grav. 1966, CD “Segredo”, EMI-VC, 1997; 2CD “O Melhor de Amália: Vol. II – Tudo Isto É Fado”: CD 1, EMI-VC, 2000; Livro/4CD “O Melhor de Amália”: CD 3, Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007)

Talvez a solidão se torne um mito

[ Um Quê de Eternidade ]

Talvez a solidão se torne um mito
pr’àqueles que se entregam à saudade,
pois se uma tem um pouco de infinito
a outra tem um quê de eternidade.

A solidão não sabe de quem gosta:
por isso é que elas andam sempre juntas,
porque uma é a pergunta sem resposta
e a outra é a resposta sem perguntas.

Mas é com a saudade que me entendo,
porque ela se apaixona só por quem
descobre em cada verso que vai lendo
que a solidão não gosta de ninguém.

Não sei porque é que vai baixando a voz,
nem sei porque é que esconde o que revela,
mas sei que se ela diz gostar de nós
já não aceita que gostemos dela.

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Raul Pereira (Fado Zé Grande)
Intérprete: Cristina Nóbrega
Versão original: Cristina Nóbrega (in CD “Um Fado para Fred Astaire”, Watch & Listen, 2014)

Cristina Nóbrega, Um fado para Fred Astaire
Cristina Nóbrega, Um fado para Fred Astaire

Um malmequer desfolhei

[ Malmequer Desfolhado ]

Um malmequer desfolhei,
Nunca tal tivesse feito;
Não sabia o que já sei,
Tinha-te ainda no peito!

P’ra saber s’inda era meu
O homem que eu tanto amei,
Com os olhas fitos no céu
Um malmequer desfolhei!

E da flor fui arrancando
Esperanças que fora deito;
E agora eu estou chorando…
Nunca tal tivesse feito!

Julgando ter-te na vida
E seres p’ra mim minha lei,
Passava o tempo iludida…
Não sabia o que já sei!

Sonhava meu coração,
E agora sonho desfeito
Vivendo da ilusão…
Tinha-te ainda no peito!

Letra: D. António de Bragança
Música: Francisco Viana (Fado Francisco Viana ou Fado Mouraria do Vianinha)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Mouraria”, RCA Victor, 1963; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978)

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fadista Lucília do Carmo

Ai de mim que me perdi

Ai de mim que me perdi
Pelos caminhos do tédio
Perdi-me, cheguei aqui
Agora não tem remédio

Ai de mim que me perdi
Perdi-me no fim da estrada
Ai de mim porque vivi
A vida desencontrada

Tantos caminhos andados
Não fui eu que os descobri
Foram meus passos mal dados
Que me trouxeram aqui

Perdida me acho da vida
E a vida já me perdeu
Ando na vida perdida
Sem saber quem a viveu

Por mais que queira encontrar
A razão do meu viver
A razão de cá andar
Não posso compreender

Que culpa tem o destino
Dos caminhos que eu andei?
Fui eu no meu desatino
Que andei e não reparei

Perdida estou sem remédio
Meu pecado e meu castigo
Pecado é morrer de tédio
Castigo é viver contigo

Por mais que queira encontrar
A razão do meu viver
A razão de cá andar
Não posso compreender

Não posso compreender
A razão de cá andar
A razão do meu viver
Não posso compreender

Poema: Amália Rodrigues (ligeiramente adaptado)
Música: Amélia Muge
Arranjo: José Mário Branco
Intérprete: Amélia Muge (in CD “Amélia com Versos de Amália”, Amélia Muge/Leve Music, 2014)

Alguém que Deus já lá tem

[ Fado Malhoa ]

Alguém que Deus já lá tem
Pintor consagrado
Que foi bem grande e nos dói
Já ser do passado
Pintou numa tela
Com arte e com vida
A trova mais bela
Da terra mais querida

Subiu a um quarto que viu à luz do petróleo
E fez o mais português dos quadros a óleo
Um Zé de samarra co’amante a seu lado
Com os dedos agarra
Percorre a guitarra e ali vê-se o fado

Faz rir a ideia de ouvir com os olhos, senhores
Fará, mas não p’ra quem já o viu, mas em cores
Há vozes de Alfama naquela pintura
E a banza derrama canções de amargura

Dali vos digo que ouvi a voz que se esmera
O som dum faia banal, cantando a Severa
Aquilo é bairrista, aquilo é Lisboa
Boémia e fadista
Aquilo é da artista, aquilo é Malhoa

Letra: José Galhardo
Música: Frederico Valério

Ando na vida à procura

[ Triste Sorte ]

Ando na vida à procura
Duma noite menos escura
Que traga luar do céu,
Duma noite menos fria
Em que não sinta agonia
Dum dia a mais que morreu.

Vou cantando amargurado,
Vou dum fado a outro fado
Que fale dum fado meu:
Meu destino assim cantado
Jamais pode ser mudado
Porque do fado sou eu.

Ser fadista é triste sorte
Que nos faz pensar na morte
E em tudo que em nós morreu,
E andar na vida à procura
Duma noite menos escura
Que traga luar do céu.

Letra: João Ferreira-Rosa
Música: Alfredo Duarte “Marceneiro” (Fado Cravo)
Intérprete: Camané
Versão discográfica anterior de Camané (in CD/DVD “Infinito Presente”, Warner Music, 2015)

Outras versões: Camané (in 2CD “Como Sempre… Como Dantes”: CD 1 – “Como Sempre: Ao Vivo em Palco”, EMI-VC, 2003); Camané (in 2CD “Como Sempre… Como Dantes”: CD 2 – “Como Dantes: Ao Vivo no Embuçado”, EMI-VC, 2003); Camané (in DVD “Ao Vivo no S. Luiz”, EMI, 2006); Camané (in CD/DVD “Ao Vivo no Coliseu: Sempre de Mim”, EMI, 2009; 2CD “Camané: O Melhor 1995-2013 (Edição Especial)”: CD 1, EMI, 2013)

Versão original: João Ferreira-Rosa (in EP “Embuçado”, Columbia/VC, 1965; CD “Embuçado” (compilação), EMI-VC, 1988, reed. Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007; 2CD “Ontem e Hoje”: CD 1, EMI-VC, 1996; CD “O Melhor de João Ferreira-Rosa”, Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008; CD “João Ferreira-Rosa: Essencial”, Edições Valentim de Carvalho/CNM, 2014)

Outras versões: João Ferreira-Rosa (in LP “Fado”, Imavox, 1978); João Ferreira-Rosa (in CD “No Wonder Bar do Casino Estoril”, Ovação, 2004)

Bendita esta forma de vida

[ Bendito Fado, Bendita Gente ]

Intérprete: Mafalda Arnauth

Chegaste a horas

[ Leva-me aos fados ]

Intérprete: Ana Moura

Convém que seja moderno

[ Que Fado É Esse, Afinal? ]

Convém que seja moderno,
Ritmado sem critério
E fácil de consumir;
Que não deixe de imitar
As modas que estão a dar,
Que não ouse resistir.

Convém que não seja triste,
Que se venda, que se lixe
O valor do seu passado;
Que se sirva ao desbarato
Como um hambúrguer no prato,
Produto pré-fabricado.

Convém que seja feliz,
Não importa o que se diz
Se agradar a toda a gente;
Que a nada diga respeito,
Seja a música um efeito
E a palavra indiferente.

Convém que seja educado,
Que se cante em qualquer lado,
Popular, comercial.
Mas quando o oiço cantar,
Só me resta perguntar:
Que Fado é esse, afinal?

Mas quando o oiço cantar,
Só me resta perguntar:
Que Fado é esse, afinal?

Letra: Duarte
Música: José Mário Branco (Fado Gripe)
Intérprete: Duarte (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)

Deixa Que te Cante um Fado

Deixa que te cante um fado,
Ao menos de vez em quando!
Deixa que te cante um fado
Como quem reza chorando!

Deixa que te cante um fado
Que me fale sempre em ti!
Cantarei de olhos cerrados,
Os olhos com que te vi.

Deixa que te cante um fado,
Mesmo sem fé ou sem arte!
Se nunca pude esquecer-te
É que não posso deixar-te.

Deixa que te cante um fado!
Todo o meu sonho está nisto:
Que depois de o ter cantado
Te lembres que ainda existo.

Poema: Pedro Homem de Mello
Música: José Marques do Amaral (Fado José Marques do Amaral)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Fados (Fado das Faias)”, RCA Victor, 1963; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978)

Descalço, venho dos confins da infância

[ Entrega ]

Descalço, venho dos confins da infância
Que a minha infância ainda não morreu.
Atrás de mim em face ainda há distância,
Menino Deus, Jesus da minha infância,
Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu!

Venho da estranha noite dos poetas,
Noite em que o mundo nunca me entendeu.
Vê, trago as mãos vazias dos poetas,
Menino Deus, amigo dos poetas,
Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu!

Feriu-me um dardo, ensanguentei as ruas
Onde o demónio em vão me apareceu.
Porque as estrelas todas eram suas,
Menino irmão dos que erram pelas ruas,
Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu!

Quem te ignorar ignora bem os que são tristes
Ó meu irmão Jesus, triste como eu.
Ó meu irmão, menino de olhos tristes,
Nada mais tenho além dos olhos tristes
Mas o que tenho, e nada tenho, é teu!

Poema: Pedro Homem de Mello
Música: Carlos Gonçalves
Intérprete: Ricardo Ribeiro
Primeira versão discográfica de Ricardo Ribeiro (in CD “Largo da Memória”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2013)
Versão original: Amália Rodrigues (in LP/CD “Obsessão”, EMI-VC, 1990, reed. Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)

Desdenharam-me, bem sei

[ Fado Lenitivo ]

Desdenharam-me, bem sei,
Quando um dia comecei
A cantar sofrida o fado;
Não sabiam o motivo:
É que o fado é lenitivo
D’um coração torturado.

Ao ver de todo perdidas,
As minhas esperanças mais queridas,
Senti, fui talvez pisada;
E era doce companhia
Para a minha melancolia
O chorar d’uma guitarra.

Amarguras e cansaços,
A minha dor em pedaços
Eu vou esquecendo a cantar;
E nos queixumes do fado,
Já nem sei se é um trinado
Se a minh’alma a soluçar.

Sei que me ouves lamentando,
As mágoas que vou cantando
Só tu podes entender;
Vou meu fado dedicar-te:
Uma dor que se reparte
Não custa tanto a sofrer.

Letra: Fernanda Santos
Música: Helena Moreira Vieira
Intérprete: Tânia Oleiro (in CD “Terços de Fado”, Museu do Fado Discos, 2016)
Versão original: Maria do Rosário Bettencourt (in EP “Lenitivo”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1966; CD “Maria do Rosário Bettencourt”, col. Fados do Fado, vol. 41, Movieplay, 1998)

Desta luta constante

[ O fado que me traga ]

Desta luta constante
O futuro é meu alento
Numa roda gigante
Tão gigante que pára o tempo

Uma volta sem regresso
Até uma terra esquecida
E na minha sorte tropeço
Sozinha na madrugada perdida

O fado que me traga
O que o tempo me levou
A saudade que me abra
O caminho do que sou
O fado que me traga
O que a saudade não deixou
O sentido das palavras
Que o tempo apagou

Uma lágrima no mar
Perdida na voz do silêncio
Aprisiona a ternura
E adormece o meu encanto

Quando me sinto nua
Não me quero ver mais ao espelho
O destino não me quer tua
Porque o amor morreu no desejo

O fado que me traga
O que o tempo me levou
A saudade que me abra
O caminho do que sou
O fado que me traga
O que a saudade não deixou
O sentido das palavras
Que o tempo apagou

Letra: Samuel Lopes
Música: Miguel Rebelo
Intérprete: Ana Laíns (in CD “Sentidos”, Difference, 2006)

Deus pede

Conta e Tempo

Deus pede [hoje] estrita conta do meu tempo
E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta;
Mas como dar, sem tempo, tanta conta,
Eu que gastei, sem conta, tanto tempo?

Para dar a minha conta feita a tempo
O tempo me foi dado, e não fiz conta;
Não quis, sobrando tempo, fazer conta,
Hoje quero acertar conta e não há tempo.

Oh! vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis o vosso tempo em passa-tempo!
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta
Pois aqueles que sem conta gastam tempo,
Quando o tempo chegar de prestar conta,
Chorarão, como eu, o não ter tempo!

Poema: Frei António das Chagas (António da Fonseca Soares, 1631-1682)
Música: José Júlio Paiva (Fado Complementar)
Intérprete: Camané (in CD “Infinito Presente”, Warner Music, 2015)

Dizem que o fado é saudade

[ O Sentir do Cantador ]

Dizem que o fado é saudade,
Miséria, sofrer e dor…
Mas o fado é, na verdade,
O sentir do cantador.

Em cada palavra sua,
Em cada verso cantado,
O cantador insinua
A tristeza do seu fado.

Não canta por simpatia,
Não canta para viver:
É que cantando alivia
Um pouco do seu sofrer.

Tornando tão magoado
O timbre da sua voz,
Que o fado fica gravado
Na alma de todos nós.

Letra: Maria Manuel Cid
Música: Francisco José Marques (Fado Évora)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Passeio à Mouraria”, RCA Victor, 1964; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978)

Então, até amanhã, meu dia triste

[ Último Poema ]

Então, até amanhã, meu dia triste,
Na taverna da noite do meu fado,
Onde canto o amor que não existe,
Neste meu amanhã abandonado.

Grito dentro de mim a noite e o dia,
Nesta hora do sonho mais profundo,
Que regressa na voz da despedida
Com que te vejo por estar no mundo.

Nas palavras amadas que perdi,
O ontem que tu foste já me foge.
“Então, até amanhã!”, disseste, e eu vi
Que o amanhã não chega ao ontem de hoje.

“Então, até amanhã!”, disseste, e eu vi
Que o amanhã não chega ao ontem de hoje.

Letra: Vasco de Lima Couto
Música: Manuel Mendes
Intérprete: Ricardo Ribeiro
Primeira versão discográfica de Ricardo Ribeiro (in CD “Hoje É Assim, Amanhã Não Sei”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2016)
Versão original: Beatriz da Conceição [ao vivo no Restaurante Típico Nónó, Lisboa

Era o amor

[ Verdes Anos ]

Era o amor
que chegava e partia:
estarmos os dois
era um calor
que arrefecia
sem antes nem depois…

Era um segredo
sem ninguém para ouvir:
eram enganos
e era um medo,
a morte a rir
nos nossos verdes anos…

Foi o tempo que secou
a flor que ainda não era.
Como o Outono chegou
no lugar da Primavera!

Era o amor
que chegava e partia:
estarmos os dois
era um calor
que arrefecia
sem antes nem depois…

Era um segredo
sem ninguém para ouvir:
eram enganos
e era um medo,
a morte a rir
nos nossos verdes anos…

No nosso sangue corria
um vento de sermos sós.
Nascia a noite e era dia,
e o dia acabava em nós…

Poema: Pedro Tamen (excerto)
Música: Carlos Paredes (introdução de “Despertar”, in EP “Guitarradas Sob o Tema do Filme Verdes Anos”, Alvorada, 1964; CD “Carlos Paredes e Artur Paredes”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 36, Movieplay, 1994; CD “Os Verdes Anos de Carlos Paredes: As Primeiras Gravações a Solo 1962-1963”, Movieplay, 2003; Livro/4CD “O Mundo Segundo Carlos Paredes: Integral 1958-1993”: CD1 – “Despertar”, EMI-VC, 2003)
Intérprete: Mariana Abrunheiro (in Livro/CD “Cantar Paredes”, Mariana Abrunheiro/BOCA – Palavras Que Alimentam, 2015)
Versão original (canção): Teresa Paula Brito (in filme “Os Verdes Anos”, de Paulo Rocha, 1963)
Outra versão de Teresa Paula Brito (in EP “Canções Para Fim de Noite”, Riso e Ritmo, 1968; CD “Teresa Paula Brito”, col. Clássicos da Renascença, vol. 61, Movieplay, 2000)

És Povo feito Mulher

[ Ai, Amália! ]

És Povo feito Mulher;
A cantar és toda a gente
que sabe aquilo que quer
e diz aquilo que sente.

As tuas caras são tantas:
mais de mil que Deus te deu…
Com mil corações tu cantas
e há mais mil dentro do teu.

Ai, Amália das mil caras
e mais de mil corações!
Ai, rio que nunca páras
até à foz das canções!…

Nos ecos da tuz voz,
nos silêncios que a torturam
sofrem pedaços do nós,
pedaços que se procuram.

Levantas a tua voz,
o Fado nasce ao teu jeito!
E sentimos todos nós
que te cabemos no peito…

Ai, Amália das mil caras
e mais de mil corações!
Ai, rio que nunca paras
até à foz das canções!…

Ai, Amália das mil caras
e mais de mil corações!
Ai, rio que nunca paras
até à foz das canções!…

Letra: Luísa Bivar
Música: João Braga
Intérprete: João Braga (in LP “Do João Braga para a Amália”, Diapasão/Lamiré, 1984; CD “João Braga”, col. Fado Alma Lusitana, vol. 19, Levoir/Correio da Manhã, 2012)

Esta ilha que há em mim

[ A Ilha do Meu Fado ]

Esta ilha que há em mim
E que em ilha me transforma
Perdida num mar sem fim
Perdida dentro de mim
Tem da minha ilha a forma

Esta lava incandescente
Derramada no meu peito
Faz de mim um ser diferente
Tenho do mar a semente
Da saudade tenho o jeito

Trago no corpo a mornaça
Das brumas e nevoeiros
Há uma nuvem que ameaça
Desfazer-se em aguaceiros
Nestes meus olhos de garça

Neste beco sem saída
Onde o meu coração mora
Oiço sons da despedida
Vejo sinais de partida
Mas teimo em não ir embora

Letra: João Mendonça
Letra: José Medeiros
Intérprete: Dulce Pontes (in CDs “Caminhos”, Movieplay, 1996; “O Coração Tem Três Portas”, Ondeia Música, 2006)

Eu quero cantar palavras

[ Fado Não-Valentim ]

Eu quero cantar palavras
De letras por inventar,

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Implacáveis como espadas,
Tão profundas como o mar.

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

As palavras por dizer
Por dentro das que são ditas,

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Impossíveis a crescer
Por fora das mais bonitas.

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Ditas todas devagar
No silêncio mais sonante,

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Como um conto de encantar,
Como a vaga mais distante.

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

E quando para as cantar
Elas se façam escrever,

Quero outro fado, ó-laró-laró!

Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

As letras serão meus lábios,
A tinta o meu sangue a arder.

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Dizer palavras de mel
Até a voz ficar rouca.

Quero outro fado, ó-laró-laró!
Quero outro fado, ó-laró, meu bem!

Gastar toda a minha pele
Nos beijos da tua boca.

Quero outro fado, ó-laró-laró…,
Nos beijos da tua boca.

Letra: João Gigante-Ferreira
Música: Popular
Intérprete: Helena Sarmento
Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)

Eu sei que esperas por mim

[ Mais um Fado no Fado ]

Eu sei que esperas por mim,
Como sempre, como dantes,
Nos braços da madrugada;
Eu sei que em nós não há fim,
Somos eternos amantes
Que não amaram mais nada.

Eu sei que me querem bem,
Eu sei que há outros amores
Para bordar no meu peito;
Mas eu não vejo ninguém
Porque não quero mais dores
Nem mais bâton no meu leito.

Nem beijos que não são teus
Nem perfumes duvidosos,
Nem carícias perturbantes;
E nem infernos, nem céus,
Nem sol nos dias chuvosos,
Porque ‘inda somos amantes.

Mas Deus quer mais sofrimento,
Quer mais rugas no meu rosto
E o meu corpo mais quebrado; [bis]
Mais requintado tormento,
Mais velhice, mais desgosto
E mais um fado no fado.

Letra: Júlio de Sousa
Música: Carlos da Maia (Fado Perseguição)
Intérprete: Camané
Outras versões: Camané (in CD “Pelo Dia Dentro”, EMI-VC, 2001; 2CD “Camané: O Melhor 1995-2013 (Edição Especial)”: CD 2, EMI, 2013); Camané (in 2CD “Como Sempre… Como Dantes”: CD 1 – “Como Sempre: Ao Vivo em Palco”, EMI-VC, 2003); Camané (in DVD “Ao Vivo no S. Luiz”, EMI, 2006) [ao vivo com Fábia Rebordão, 2008 / Gala 12 do programa “Operação Triunfo”; Camané (in CD/DVD “Ao Vivo no Coliseu: Sempre de Mim”, EMI, 2009). Versão original [?]: Rui David (com música de Alfredo Marceneiro – Fado Cravo) (in EP “Meu Amor, Minha Saudade”, FF/RR Discos, ?)

Eu sei que sou demais

Eu sei que sou demais na tua vida,
Eu sei que nem me vês tão apagado,
Apenas uma sombra indefinida,
O resto de voz triste condenada.
Eu sei que sou demais na tua vida,
De tudo quanto fui não sou mais nada.

Ai quem me dera prender o teu futuro
E uni-lo ao meu, assim tal maneira,
Como hera verde se prende ao velho muro
E ali fica p’la vida inteira!

Eu sei que estou a mais no teu caminho,
Eu sei que nada tens p’ra me dar,
E sei que nesta luta estou vencido
Por outro amor que tens no meu lugar.
Mas sei, amor, que eu, da tua vida,
Ninguém jamais, ninguém pode apagar.

Ai quem me dera prender o teu futuro
E uni-lo ao meu, assim tal maneira,
Como hera verde se prende ao velho muro
E ali fica p’la vida inteira!

Ai quem me dera prender o teu futuro
E uni-lo ao meu, assim tal maneira,
Como hera verde se prende ao velho muro
E ali fica p’la vida inteira!

Letra e música: Joaquim Tavares Pimentel
Intérprete: Ricardo Ribeiro
Primeira versão discográfica de Ricardo Ribeiro (in CD “Hoje É Assim, Amanhã Não Sei”, Ricardo Ribeiro/Parlophone/Warner Music, 2016)
Versão original: Alice Maria (in EP “Primeiro Amor”, Estúdio/Mundusom, 1972?)

Eu uso um xaile bordado

[ Num Gesto Que se Adivinha ]

Eu uso um xaile bordado
Porque os p’rigos que há no fado
São bem maiores que os da vida;
O xaile é como uma pele
E quando me embrulho nele
Sinto-me mais protegida.

Parece umas mãos de mãe:
Sabem guiar-nos tão bem
E sossegam tantos medos
Que sempre que elas me tocam
As franjas do xaile evocam
A ternura dos seus dedos.

Num gesto que se adivinha
O xaile é uma andorinha
Num céu que eu mesma criei;
Mas assim que o braço pára
O xaile que antes voara
Parece o manto de um rei.

E quando o corpo desiste
Numa palavra mais triste,
Num grito mais demorado,
O xaile velho e sem franjas
São asas de anjos ou anjas
Que me aconchegam ao Fado.

O xaile velho e sem franjas
São asas de anjos ou anjas
Que me aconchegam ao Fado.

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Armando Machado (Fado Maria Rita)
Intérprete: Katia Guerreiro* (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)

Existe um fado

[ Não Existe Fado Antigo ]

Existe um fado, um só fado
Que assenta na tradição;
E p’ra ser bem cantado
Só faz falta um coração.

Não é por pôr uma tuba,
Acrescentar a bateria
Que uma geração derruba
O que antes se fazia.

Não quero a eternidade
Nem os momentos de glória:
Quero deixar na saudade
Um pouco da minha história.

Não existe fado novo
Como não há fado antigo:
Ele é o grito que um povo
Carrega sempre consigo.

Não existe fado novo
Como não há fado antigo:
Ele é o grito que um povo
Carrega sempre consigo.

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: João do Carmo Noronha (Fado Pechincha)
Intérprete: Celeste Rodrigues (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)

Foi assim

[ Lume ]

Foi assim: era costume…
Tu vinhas pedir-me lume
Ao balcão daquele bar
E eu disse que não, primeiro;
Depois, comprei um isqueiro
E até voltei a fumar.

As noites que nós passámos!
Quantos cigarros fumámos!
Tanto lume que eu te dei!
Um dia acordei com frio:
Estava o cinzeiro vazio
E nunca mais te encontrei.

Mas ontem, naquele bar
De repente vi-te entrar,
Foste direita ao balcão:
Como era teu costume
Vieste pedir-me lume
Mas eu disse-te que não.

Se quando te foste embora
Deitei o isqueiro fora,
Que lume te posso eu dar?
Pede a outro que te ajude!
P’ra bem da minha saúde
Eu já deixei de fumar.

Sem dormir, de madrugada
Ouvi teus passos na escada,
Vi da janela o teu carro;
Debaixo do travesseiro
Encontraste o meu isqueiro
E acendeste-me o cigarro.

Letra: Manuela de Freitas
Música: Armando Machado (Fado Santa Luzia)
Intérprete: Camané (in CD “Infinito Presente”, Warner Music, 2015)

Já toda a gente sabe

[ Aos Sete Ventos ]

Já toda a gente sabe a novidade:
o Fado, que nasceu na Mouraria,
é Património da Humanidade
e quebra mais fronteiras dia a dia.

Há quem tenha aprendido português
p’ra entender de um modo mais profundo
os fados que a ‘Amália Rodriguez’
cantava aos sete ventos pelo mundo.

‘Thank you’, ‘gracias’, ‘merci’ ou ‘arigato’
são formas de o fadista agradecer:
quando ao chegar o fim de cada acto
vê lágrimas nos rostos a escorrer.

Em Espanha, no Brasil ou no Japão
o Fado é cada vez mais bem cantado;
e porque ali se escuta um coração
é Portugal que diz: “muito obrigado!”

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Armando Machado (Fado Aracélia ou Fado Cunha e Silva)
Intérprete: Cristina Branco (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)

Lavava no rio lavava

Lavava no rio lavava
Gelava-me o frio gelava
Quando ia ao rio lavar
Passava fome passava
Chorava também chorava
Ao ver minha mãe chorar

Cantava também cantava
Sonhava também sonhava
E na minha fantasia
Tais coisas fantasiava
Que esquecia que chorava
Que esquecia que sofria

Já não vou ao rio lavar
Mas continuo a chorar
Já não sonho o que sonhava
Se já não lavo no rio
Por que me gela este frio
Mais do que então me gelava

Ai minha mãe, minha mãe
Que saudades desse bem
Do mal que então conhecia
Dessa fome que eu passava
Do frio que me gelava
E da minha fantasia

Já não temos fome, mãe
Mas já não temos também
O desejo de a não ter
Já não sabemos sonhar
Já andamos a enganar
O desejo de morrer

Letra: Amália Rodrigues
Música: José Fontes Rocha
Intérprete: Amália Rodrigues (in “Gostava de Ser Quem Era”, Columbia/VC, 1980, reed. EMI-VC, 1995; CD “O Melhor de Amália”, vol. III, EMI-VC, 2003)

Luas de prata gentia

[ Se ao menos houvesse um dia ]

Luas de prata gentia
Nas asas de uma gazela
E depois, do seu cansaço,
Procurasse o teu regaço

No vão da tua janela
Se ao menos houvesse um dia
Versos de flor tão macia
Nos ramos com as cerejas
E depois, do seu Outono,
Se dessem ao abandono
Nos lábios, quando me beijas
Se ao menos o mar trouxesse
O que dizer e me esquece
Nas crinas da tempestade
As palavras litorais
As razões iniciais
Tudo o que não tem idade
Se ao menos o teu olhar
Desse por mim ao passar

Como um barco sem amarra
Deste fado onde me deito
Subia até ao teu peito
Nas veias de uma guitarra

Letra: João Monge
Música: Casimiro Ramos (Fado Três Bairros)

Intérprete: Camané (in CD “Esta Coisa da Alma”, EMI-VC, 2000)

Na ribeira deste rio

Na ribeira deste rio
Ou na ribeira daquele
Passam meus dias a fio
Nada me impede, me impele
Me dá calor ou dá frio

Vou vendo o que o rio faz
Quando o rio não faz nada
Vejo os rastros que ele traz
Numa sequência arrastada
Do que ficou para trás

Vou vendo e vou meditando
Não bem no rio que passa
Mas só no que estou pensando
Porque o bem dele é que faça
Eu não ver que vai passando

Vou na ribeira do rio
Que está aqui ou ali
E do seu curso me fio
Porque se o vi ou não vi
Ele passa e eu confio

Letra: Dori Caymmi, sobre poema de Fernando Pessoa
Música: Dori Caymmi ?
Intérprete: Paulo Bragança (in CD “Os Mistérios do Fado”, Polydor, 1996)

Na tua voz

[ Amália ]

Na tua voz há tudo o que não há,
há tudo o que se diz e não se diz;
Há os sítios da saudade em tua voz,
o passado, o futuro, o nunca, o já;
Há as sílabas da alma e há um país.
Porque tu, mais que tu, és todos nós.

Na tua voz embarca-se e não mais,
não mais senão o mar e a despedida.
Há um rasto de naufrágio em tua voz,
onde há navios a sair do cais,
nessa voz por mil vozes repartida.
Porque tu, mais que tu, és todos nós.

Há mar e mágoa, e a sombra de uma nau,
a gaivota de O’Neill e o rio Tejo,
saudade de saudade em tua voz,
um eco de Camões e o escravo Jau,
amor, ciúme, cinza e vão desejo.
Porque tu, mais que tu, és todos nós.

Amor, ciúme, cinza e vão desejo.
Porque tu, mais que tu, és todos nós.

Poema: Manuel Alegre
Música: José Fontes Rocha
Intérprete: João Braga (in CD “Fado Fado”, Ariola/BMG Portugal, 1997; CD “Fados Capitais”, Impreopa/A Capital, 2002)

Não Sou Fadista de Raça

Não sou fadista de raça,
Não nasci no Capelão;
Eu canto o fado que passa
Nas asas da tradição!

Nunca usei negra chinela
Nem vesti saia de lista;
Nunca entrei numa viela
Mas tenho raça fadista!

Tirei suspiros ao vento,
Olhei um pouco o passado;
Busquei do mar um lamento
E fiz assim o meu fado.

É este fado famoso
Que, em noites enluaradas,
O Conde de Vimioso
Tangia nas guitarradas.

Era fidalgo de raça
E ficou na tradição
Cantando o fado que passa
Na Rua do Capelão.

Letra: Maria Teresa Cavazinni
Música: Alfredo Duarte “Marceneiro” (Fado Bailarico)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “O Riso Que me Deste”, RCA Victor, 1967; LP “Os Melhores Fados de Tereza Tarouca”, RCA Camden, 1978; 2LP “Álbum de Recordações”: LP 1, Polydor/PolyGram, 1985; CD “Temas de Ouro da Música Portuguesa”, Polydor/PolyGram, 1992; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006; CD “Tereza Tarouca”, col. Fado Alma Lusitana III, vol. 3, Levoir / Correio da Manhã, 2014)

Nesta terra soberana e fadista

[ No Sítio do Coração ]

Nesta terra soberana e fadista
Concebido fruto da contradição
Eu nasci independente e meio artista
Navegante e poeta de ocasião
Eu nasci independente, mar à vista
Marinheiro e idealista de ocasião

Há quem diga que o futuro já está escrito
E por isso não adianta o que eu fizer
Outros dizem que isso não é mais que um mito
Inventado por um príncipe qualquer

Canta!
Ouve a guitarra que trina
Acompanhando o lamento
De tantas penas em vão!
Sente
O sentimento da gente
Que já só tem desalento
No sítio do coração!

Da janela do meu quarto vê-se o rio
Branqueando as suas águas na maré
Desaguando as suas mágoas num vazio
Para quem foi tudo pouco nada é
E ao olhar o seu reflexo tão vazio
Alguém viu que ele finge que não vê

Canta!
Ouve a guitarra que trina
Acompanhando o lamento
De tantas penas em vão!
Sente
O sentimento da gente
Que já só tem desalento
No sítio do coração!

Eu nasci independente e meio artista
Navegante e poeta de ocasião

Canta!
Ouve a guitarra que trina
Acompanhando o lamento
De tantas penas em vão!
Sente
O sentimento da gente
Que já chegou o momento
De ouvirmos outra canção!

Letra: J.J. Galvão (José João Oliveira Galvão)
Música: Rui Filipe Reis
Intérprete: Rosa Negra (in CD “Fado Mutante”, iPlay, 2011)

Nunca tive moeda de troca

[ Moeda de Troca ]

Nunca tive moeda de troca
Para o que recebi da saudade
Mas é só pelo que ela me toca
Que tudo o que canto, é verdade
É essa a moeda de troca
Cantar o meu fado, para o dar à saudade.

Mas às vezes o fado acontece
Sem que a gente entenda,
O que fez
E o fadista cansado agradece
E chora baixinho, outra vez

Quero unir a minha às vossas almas
Sem perder a saudade de vista
Não me importa que me batam palmas
Ou gritem à grande “Ahhh fadista!!”
Quero ouvir o silêncio das almas
Assim que o mistério do fado as conquista.

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Manuel Graça Pereira
Intérprete: Catarina Rocha

O Fado é triste

[ Fado do Contra ]

Perguntaste-me outro dia

[ Tudo Isto É Fado ]

Perguntaste-me outro dia
Se eu sabia o que era o fado;
Eu disse que não sabia,
Tu ficaste admirado.

Sem saber o que dizia,
Eu menti naquela hora
E disse que não sabia,
Mas vou-te dizer agora.

Se queres ser o meu senhor
E teres-me sempre a teu lado,
Não me fales só de amor:
Fala-me também de fado.

A canção que é meu castigo
Só nasceu p’ra me prender:
O fado é tudo o que eu digo
Mais o que eu não sei dizer.

Almas vencidas,
Noites perdidas,
Sombras bizarras;
Na Mouraria
Canta um rufia,
Choram guitarras.

Amor, ciúme,
Cinzas e lume,
Dor e pecado:
Tudo isto existe,
Tudo isto é triste,
Tudo isto é fado.

Se queres ser o meu senhor
E teres-me sempre a teu lado,
Não me fales só de amor:
Fala-me também de fado.

A canção que é meu castigo
Só nasceu p’ra me prender:
O fado é tudo o que eu digo
Mais o que eu não sei dizer.

Almas vencidas,
Noites perdidas,
Sombras bizarras;
Na Mouraria
Canta um rufia,
Choram guitarras.

Amor, ciúme,
Cinzas e lume,
Dor e pecado:
Tudo isto existe,
Tudo isto é triste,
Tudo isto é fado.

Letra: Aníbal Nazaré
Música: Fernando Carvalho
Intérprete: Rua da Lua
Primeira versão de Rua da Lua (in CD “Rua da Lua”, Rua da Lua, 2016)
Versão original: Amália Rodrigues (grav. 1952) (in CD “Abbey Road 1952”, EMI-VC, 1992, Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007)

Quando o fado era menino

[ Quando o Fado For Grande ]

Quando o Fado era menino
Dizia: “quando eu for grande
Hei-de inventar um destino
Que meu coração comande.”

E percebeu que os poetas
Eram quem, como as crianças,
Abriam portas secretas
Sem chaves nem alianças.

Ao entrar no universo
Do poeta popular,
Ele vai escrevendo um verso
Que já nasce milenar.

E por saber que os adultos
Podem voltar à infância,
Não quer que os poetas cultos
Se mantenham à distância.

Rouba um poema a Pessoa,
Ao Ary pede uma glosa
E uns versos sobre Lisboa
Ao mestre Linhares Barbosa.

Se voltasse a ser menino
Diria: “quando eu crescer
Hei-de inventar um destino
Num poema por escrever.”

Letra: Tiago Torres da Silva
Música: Alberto Simões da Costa (Fado Torres do Mondego)
Intérprete: Ricardo Ribeiro (in CD “Brincar aos Fados”, Farol Música, 2014)

Se o fado é esta sina

[ É o Mar Que nos Ensina ]

Se o fado é esta sina
que nos lava a alma,
é o mar quem nos ensina
quando nos devolve a calma.

Não aceitar pantomina,
o que a sorte nos destina.
Sem saber o que queremos,
temos o que merecemos.

A vida assim
não é um canto à dor.
O fado é sina
mas também amor.

Diziam que era um povo
que não se governava,
mas forte o coração
não se deixava governar.

Somos terra de lavrar
e sabemos o mar de cor,
mas esta gente a cantar
é bem capaz do melhor.

A vida assim
não é um canto à dor.
O fado é sina
mas também amor.

E lá bem no fim do mundo,
não se entendendo as palavras,
sente-se a saudade eterna
no trinado das guitarras.

Porque a razão não se entende
nem se vê o fim ao mar,
mas na voz ainda há quem pense
ver o fado a marear.

A vida assim
não é um canto à dor.
O fado é sina
mas também amor.

A vida assim
não é um canto à dor.
O fado é sina
mas também amor.

Letra e música: José Barros
Arranjo: José Barros e Mimmo Epifani
Intérprete: José Barros e Navegante
Versão original: José Barros e Navegante (in CD “À’Baladiça”, Tradisom, 2018)

Sou do Fado

[ Loucura ]

Intérprete: Ana Moura

Sou cavaleiro errante

[ Fado Mutante ]

Sou cavaleiro errante
Deserto, imensidão
E vou errando sempre buscando o Oriente
Secreto no meu coração

Sou cavaleiro ausente
Tão-só recordação
E vou atrás do vento que vem de Levante
E cheira a jasmim e açafrão

Um dia vou contar a minha história
Talvez assim me prestes atenção
Porque o que eu sou é parte da memória
Que a gente tem guardada num caixão

Ai este fado mutante
De lua emigrante
De tempo liberto
Ai esta sina minguante
Às vezes tão longe
As vezes tão perto

Tão longe, tão longe, tão perto…

Sou cavaleiro andante
Herói de uma ficção
E levo sempre a luz de uma estrela cadente
Na palma da minha mão…

Um dia vou contar a minha história
Talvez assim me prestes atenção
Porque o que eu sou é parte da memória
Que a gente tem guardada num caixão

Ai este fado mutante
De lua emigrante
De tempo liberto
Ai esta sina minguante
Às vezes tão longe
Às vezes tão perto

Tão longe, tão longe, tão perto…
Tão longe, tão longe, tão perto…
Tão longe, às vezes tão perto…
Tão longe, tão longe, tão perto…
Tão longe, tão longe, tão perto…
Tão longe, tão longe, tão perto…

Às vezes longe
Às vezes perto
Às vezes longe
Às vezes perto
Às vezes longe
Às vezes perto
Às vezes longe
Às vezes perto

Letra: J.J. Galvão (José João Oliveira Galvão)
Música: Rui Filipe Reis
Intérprete: Rosa Negra (in CD “Fado Mutante”, iPlay, 2011)

Sou do fado

[ É Loucura ]

Sou do fado como sei,
Vivo um poema cantado
Dum fado que eu inventei.
A falar não posso dar-me,
Mas ponho a alma a cantar,
E as almas sabem escutar-me.

Chorai, chorai, poetas do meu país
Troncos da mesma raiz
Da vida que nos juntou!
E se vocês não estivessem a meu lado,
Então… não havia fado
Nem fadistas como eu sou.

Esta voz, tão dolorida,
É culpa de todos vós,
Poetas da minha vida.
“É loucura!”, oiço dizer,
Mas bendita esta loucura
De cantar e de sofrer.

Chorai, chorai, poetas do meu país,
Troncos da mesma raiz
Da vida que nos juntou!
E se vocês não estivessem a meu lado,
Então… não havia fado
Nem fadistas como eu sou.

E se vocês não estivessem a meu lado,
Então… não havia fado
Nem fadistas como eu sou.

Letra: Júlio de Sousa
Música: Júlio de Sousa (Fado Loucura)
Intérprete: Marta Pereira da Costa
Versão original: Lucília do Carmo (in LP “Recordações”, Decca/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2008; 2LP/CD “O Melhor de Lucília do Carmo”, EMI-VC, 1990; CD “O Melhor de Lucília do Carmo”, Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)

fadista Lucília do Carmo
fadista Lucília do Carmo

Sou filho de um deus menor

[ Adeus, Até um Outro Dia ]

Sou filho de um deus menor
E de um corrido maior
Mas seja lá o que for
Já nasci com esta dor

Cresci no fio da navalha
Sei a cartilha de cor
Num coração de canalha
Mora um pobre pinga-amor

Ai mas que triste a triste vida em que vive um desgraçado
Sempre a cavalo entre a desgraça e o fado malogrado

Muito boa noite, minhas senhoras, meus senhores!
Desculpem lá o meu atraso, cheguei tarde mas cheguei
E já que vim o melhor é eu cantar
E só não canto melhor porque eu não sei

A minha sorte na vida
Já adivinho qual é:
Ser uma rosa enjeitada
De que ninguém quer saber

Em tudo eu sou infeliz
Mesmo até no meu cantar
Põe-se a tremer a guitarra
Antes de me acompanhar

Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela companhia
No peito levo uma saudade, adeus, até um outro dia

Muito obrigado madames e cavalheiros
Mostrem lá os mealheiros para eu me motivar
E já que pedem vou-vos fazer a vontade
Que eu só canto pelo gosto de cantar

Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela companhia
No peito levo uma saudade, adeus, até um outro dia
Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela… em tão bela companhia
No peito levo… levo uma saudade, adeus, adeus, até um outro dia

Vou-vos deixar depois de estar, ai, em tão bela companhia
No peito levo uma saudade, adeus, até um outro dia

Muito obrigado madames e cavalheiros
Mostrem lá os mealheiros para eu me motivar
E já que pedem vou-vos fazer a vontade
Que eu só canto pelo gosto de cantar

Muito obrigado madames e cavalheiros
Os aplausos servem sempre para eu me consolar
E já que pedem vou-vos fazer a vontade
Que eu só canto pelo gosto de cantar

Letra: J.J. Galvão (José João Oliveira Galvão)
Música: Rui Filipe Reis
Intérprete: Rosa Negra (in CD “Fado Mutante”, iPlay, 2011)

Temos pena, hoje não dá

[ Fado Abananado ]

Temos pena, hoje não dá
estou fechada para balanço
Temos pena, hoje não dá
estou fechada para balanço
querem fado, pois não há
se não gostam como eu danço
querem fado, pois não há
se não gostam como eu danço”

Desculpe lá, turista
Bater o nariz na porta
A nossa fadista
Está numa de ir embora
Diz ela que não canta
Se não for para dançar
Falar, pouco adianta
Pois responde a cantar:

Refrão

Desculpe lá, turista
Também sinto aquilo que sente
A ingrata fadista
Acha que hoje isto é diferente
“fruta cristalizada”
Diz que é “só no bolo rei!”
Já nos mandou à fava
E canta por aí, que eu sei:

Refrão

Desculpe lá, turista
Já tomámos providência
É a sétima fadista
Com esta exigência
Querem abanar o fado
E nós dizemos que não
Mas o fado, abananado,
Já só pega de abanão

Refrão

Pedro da Silva Martins
Música: Manuel Graça Pereira
Intérprete: Catarina Rocha

Toda a saudade é fingida

[ Covers ]

Toda a saudade é fingida,
A tristeza disfarçada:
Parecem já não ter vida,
De fado não têm nada.

Já não são fados, são ‘covers’:
Imitações desalmadas,
Reproduções do destino
Tantas vezes tão cantadas.

Esses que tentam viver
Aquilo que outros viveram
Acabam por se perder
No tanto que não fizeram.

Vampiragem pós-moderna
Da Lisboa dos turistas:
Falam da velha taberna
Mas querem ser futuristas.

Letra: Duarte
Música: João do Carmo Noronha (Fado Pechincha)
Intérprete: Duarte (in CD “Só a Cantar”, Duarte/Alain Vachier Music Editions, 2018)

Verdes ondas branca flor

[ Fado Azul (Se Azul se Atreve) ]

Verdes ondas branca flor
Cor-do-vento espuma breve
Verdes ondas branco-em-flor
Cor-do-vento espuma breve
Qualquer cor a do Amor
Beijo-azul p’ra quem se atreve
Qualquer cor a do Amor
Beijo-azul p’ra quem se entregue

Como barco rumo ao sul
No meu corpo a maresia
Como barco rumo ao sul
No meu corpo a maresia
À procura desse azul
Que o teu corpo prometia
Na procura desse azul
Naveguei-te até ser dia

Tão constante foste vaga
Tão ardente a maré-viva
Tão constante foste vaga
Tão ardente a maré-viva
Tua proa que naufraga
Nosso rasto de saliva
Tua proa que em mim naufraga
Nossas bocas à deriva

Este jeito de ser livre
Na prisão da tua boca
Este jeito de ser livre
Na prisão da tua boca
Sabe a tudo onde não estive
Lucidez que me põe louca
Sabe a tudo onde não estive
Lucidez é coisa pouca

Somos chuva tão precisa
Somos ventos do Magrebe
Somos ecos da Galiza
Somos tudo o que se perde
Somos língua que desliza
Como tudo o que se escreve
Somos beijo desta brisa
Beijo-azul se azul se atreve.

Letra: João Gigante-Ferreira
Música: Francisco Viana (Fado Vianinha)
Intérprete: Helena Sarmento
Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)

Voar

[ Fado em Branco ]

Voar
Sem culpa do mar
Que nunca se deita
Sentir
A chuva a cair
De vida insuspeita

Sofrer
A dor de morrer
Na dor imperfeita
Sorrir
Por dentro mentir
Verdade perfeita

Assim é a vida
De dor dividida
Cerrada no peito
Um barco à deriva
Verdade fingida
Doença sem leito

Eu bem que não queria
Saber algum dia
Que sempre serei
O vento do norte
Sem vida nem morte
Sem crime nem lei

Amar
De amor sufocar
A boca na boca

Florir
Ficar e partir
De tanto ser pouca

Vender
De graça o prazer
Sentir como louca

Chorar
Sem culpa do mar
Do beijo e da boca

Assim é a vida
De amor dividida
Cerrada no peito
Um barco à deriva
Mentira fingida
Doença sem leito

Eu bem que não queria
Saber algum dia
Que sempre serei
O vento do norte
Sem vida nem morte
Sem crime nem lei

Eu bem que não queria
Saber algum dia
Que sempre serei
O vento do norte
Sem vida nem morte
Sem crime nem lei

O verso da sorte
Sem que isso me importe
Saber que cheguei

Letra: João Gigante-Ferreira
Música: Samuel Cabral e João Gigante-Ferreira
Intérprete: Helena Sarmento
Versão original: Helena Sarmento (in CD “Lonjura”, Helena Sarmento, 2018)

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Teresa Tarouca

A sono solto dormia

[ Águias Perdidas ]

A sono solto dormia há muito a cidade
e eu procurava como louca rua em rua
a tua sombra entre essas ruas da saudade
onde uma noite sobre nós raiara a lua

Na minha grande amargura de águia perdida
que começou com a tua ausência eu queria ser
ao encontrar-te a perfumada flor da vida
ou ser de novo uma alegria por viver

Mas fui tão pouco ao teu olhar desencantado
e o nosso abraço uma tristeza tão profunda
que entre o silêncio o amor com lágrimas quebrado
abandonou-se nas estranhas mãos da lua

Ergueu-se ao longe a sinfonia das guitarras
perdida a voz, quebrado o amor nada entendemos
beijei-te a fronte e assim sem mágoa nem palavras
serenamente unidos, meu amor, morremos

Letra: Manuel Lima Brummon
Música: Bernardo Lino Teixeira (Fado Ginguinha)
Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Portugal Triste”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1980; CD “Tereza Tarouca”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 32, Movieplay, 1994; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006)

Teresa Tarouca
Teresa Tarouca

Campaniça do despique

Campaniça do despique,
Na venda e bailes de roda:
Dedilhando o improviso
Ou trauteando uma moda.

Na rua do velho monte,
Com as moças a bailar
Os passos simples duma dança
E a viola a dedilhar.

Nas feiras e romarias,
Na serra e no alambique,
Na venda e bailes de roda:
Campaniça do despique.

O tocador da viola
É feio mas toca bem;
Se não casar por a prenda,
Formosura não a tem!

Campaniça do despique,
Na venda e bailes de roda:
Dedilhando o improviso,
Ou trauteando uma moda.

Na rua do velho monte,
Com as moças a bailar
Os passos simples duma dança
E a viola a dedilhar.

Nas feiras e romarias,
Na serra e no alambique,
Na venda e bailes de roda:
Campaniça do despique.

Letra e música: Pedro Mestre
Intérprete: Pedro Mestre (in CD “Campaniça do Despique”, Viola Campaniça Produções Culturais/Pedro Mestre, 2015)
Outra versão de Pedro Mestre (in DVD “No CCB: Pedro Mestre & Convidados”, Pedro Mestre, 2017)

Roncos do Diabo

Com três paus faz-se um bordão,
Com mais um faz-se um ponteiro:
O Demo anima a função
Encarnado num gaiteiro.

O Diabo já é velho
Mas é grande folião:
Na festa mete o bedelho
P’ra animar a bailação.

P’ra aquecer o bailarico
Abre a torneira ao tonel;
O cura dá-lhe um fanico,
Lá se vai o hidromel.

Essa bebida dos anjos
Que agrada tanto ao Demónio
Já tentou S. Cipriano,
S. João e Santo António.

Santo António milagreiro
Fez um pacto com o Demónio:
O Diabo era gaiteiro
E o santo tocava harmónio.

S. João tocava caixa
Com dois paus de marmeleiro;
Mas o delírio das moças
Era a gaita do gaiteiro.

Guinchava como um leitão
Quando se lhe puxa o rabo;
Pela copa do bordão
Jorravam roncos do Diabo.

Era a gaita do Demónio
Que soava endiabrada,
Afinava com o harmónio
Mas não estava homologada.

Estava fora das medidas,
Saía da convenção,
Tinha veias no ponteiro
E dois papos no bordão.

Criação de Belzebu,
Diabólica magia:
Nas voltas da contradança
Quem dançava enlouquecia.

E nas voltas da loucura,
As almas em desatino
Saltavam de corpo em corpo
Errando do seu destino.

O gaiteiro as reunia
Como se junta um rebanho:
Fê-las descer ao Inferno,
No fogo tomaram banho.

E já os corpos em brasa
Iam fazendo das suas,
As vestes esfarrapadas
Mostravam as carnes nuas.

Indulgencia absolutionem
et remitionem peccatorum
tribut ad nobis Dominum.

Com três paus faz-se um bordão,
Com mais um faz-se um ponteiro:
O Demo anima a função
Encarnado num gaiteiro.

As fêmeas eram lascivas:
Ondulantes de paixão,
Corroídas p’lo desejo
Contorciam-se no chão.

No terreiro da função
Os corpos se confundiam:
Seguidores de Belzebu
Das almas santas se serviam.

Foram pela noite fora
Perdidos no bacanal,
Ao som desta banda louca
Até ao Juízo Final.

Indulgencia absolutionem
et remitionem peccatorum
tribut ad nobis Dominum.

Letra e música: Carlos Guerreiro
Arranjo: Carlos Guerreiro
Intérprete: Gaiteiros de Lisboa
Versão original: Gaiteiros de Lisboa (in CD “A História”, Uguru, 2017; CD “Bestiário”, Uguru, 2019)

Gaiteiros de Lisboa, Roncos do Diabo
Gaiteiros de Lisboa, Roncos do Diabo

Ó sino da minha aldeia

Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

Letra: Fernando Pessoa (ligeiramente adaptado)
Música: Uxía Senlle e Sérgio Tannus
Arranjo: Quiné Teles
Intérprete: Ela Vaz, com Rui Oliveira (in CD “Eu”, Micaela Vaz, 2017)

O tambor a tocar

[ O Primeiro Canto (dedicado a José Afonso) ]

O tambor a tocar sem parar,
um lugar onde a gente se entrega,
o suor do teu corpo a lavar a terra.
O tambor a tocar sem parar,
o batuque que o ar reverbera,
o suor do teu rosto a lavrar a terra.

Logo de manhãzinha, subindo a ladeira já,
já vai a caminho a Maria Faia…

Azinheiras de ardente paixão
soltam folhas, suaves, na calma
do teu fogo brilhando a escrever na alma.

Estas fontes da nossa utopia
são sementes, são rostos sem véus,
o teu sonho profundo a espreitar dos céus!

Logo de manhãzinha, subindo a ladeira já,
já vai a caminho a Maria Faia,
desenhando o peito moreno, um raminho de hortelã
na frescura dos passos, a eterna paz do Poeta.

Uma pena ilumina o viver
de outras penas de esperança perdida,
o teu rosto sereno a cantar a vida.

Mil promessas de amor verdadeiro
vão bordando o teu manto guerreiro,
hoje e sempre serás o primeiro canto!

Ai, o meu amor era um pastor, o meu amor,
ai, ninguém lhe conheceu a dor.
Ai, o meu amor era um pastor Lusitano,
ai, que mais ninguém lhe faça dano.
Ai, o meu amor era um pastor verdadeiro,
ai, o meu amor foi o primeiro.

Estas fontes da nossa utopia
são sementes, são rostos sem véus,
o teu sonho profundo a espreitar dos céus!

Mil promessas de amor verdadeiro
vão bordando o teu manto guerreiro,
hoje e sempre serás o primeiro canto!

Letra: João Mendonça, Dulce Pontes e António Pinheiro da Silva
Música: Dulce Pontes e Leonardo Amuedo
Intérprete: Dulce Pontes (in CD “O Primeiro Canto”, Polydor B.V. The Netherlands/Universal, 1999)

Quando uma guitarra trina

[ Guitarra ]

Quando uma guitarra trina
Nas mãos de um bom tocador
A própria guitarra ensina
A cantar seja quem for

Eu quero que o meu caixão
Tenha uma forma bizarra
A forma de um coração
A forma de uma guitarra

Guitarra, guitarra querida
Eu venho chorar contigo
Sinto mais suave a vida
Quando tu choras comigo

Letra dos poetas do fado (Popular)
Música: Pedro Ayres Magalhães e Rodrigo Leão
Intérprete: Madredeus (in CD “Ainda”, EMI-VC, 1995)

As Tuas Mãos, Guitarrista

São tuas mãos, guitarrista,
Que as cordas fazem vibrar,
Que me fizeram fadista
E não deixam que resista
Ao desejo de cantar.

A guitarra quere-te tanto,
Tem por ti tal afeição
Que te deu consentimento
P’ra desvendares o tormento
Que guardo no coração.

Em teu peito tem guarida,
Em tuas mãos seu penar;
Se tu não lhe desses vida
Ficava p’ra ali esquecida
E não voltava a trinar.

 

E se a tens abandonado
Não seria mais fadista;
Mesmo que fosse cantado,
Morria com ela o fado
Sem tuas mãos, guitarrista.

Letra: Maria Manuel Cid
Música: Joaquim Campos (Fado Tango)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Passeio à Mouraria”, RCA Victor, 1964; 2LP “Álbum de Recordações”: LP 2, Polydor/PolyGram, 1985; CD “Temas de Ouro da Música Portuguesa”, Polydor/PolyGram, 1992)

Teresa Tarouca
fadista Teresa Tarouca
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