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Grande órgão da Basílica de Fátima (antigo)

MÚSICA EM FÁTIMA NO SÉC. XX

por António José Ferreira

INTRODUÇÃO

Ainda antes de as Aparições serem declaradas dignas de crédito pelo Bispo de Leiria, a 13 de Outubro de 1930, Fátima e a música tinham já juntos um percurso inevitável, por motivos antropológicos, pedagógicos e pastorais. Os primeiros reitores tiveram de estruturar a prática musical, seleccionando, promovendo novos cânticos, editando manuais, pensando no projecto do órgão.

A centralidade do Santuário viria a ter consequências nas manifestações musicais do âmbito eclesial, contribuindo para certo estilo de canto litúrgico em Portugal. As visitas da Imagem Peregrina, a partir de 1940, a realização de congressos católicos em Fátima nos anos 50, a organização do culto para responder à crescente vinda de peregrinos portugueses e estrangeiros originaram um repertório musical próprio, com o contributo de numerosos compositores.

Neste processo, Fátima não podia ignorar a legislação canónica em vigor que considera(va) a música (especialmente o canto) insubstituível nas celebrações litúrgicas da Eucaristia, do Ofício Divino, das devoções e peregrinações a santuários. Todavia, dois documentos (com pontos comuns e perspectivas eclesiológicas diversas) marcaram a música em Fátima, como, aliás em todo o mundo católico: o Motu Proprio de Pio X, “Tra le Sollecitudini“, de 1903, e o capítulo sobre música da Constituição Conciliar “Sacrosanctum Concilium“, de 1963. O primeiro valorizava especialmente o gregoriano e a polifonia clássica, o coro e o órgão de tubos; o segundo valorizava, acima de tudo, a participação “actuosa” da assembleia, num contexto orgânico de diferentes serviços, sem depreciar o papel do coro, do regente, do solista e do organista.

Realçada nas peregrinações aniversárias pela massa das vozes e pelo carácter mediático do acontecimento, a música realiza no Santuário tarefas quotidianas nas celebrações litúrgicas e, desde há quase uma década, no Terço do Rosário transmitido pela Rádio Renascença.

I. JÚLIA D’ALMENDRA

Um dos factos mais importantes da Música Sacra em Portugal e em Fátima, no século XX, são as Semanas Gregorianas, que persistem, sob a direcção de Idalete Giga. Foram concebidas e iniciadas por Júlia d’Almendra (n. 1904 – m. 1992), trinta e três anos depois das Aparições, 47 anos após o Motu Proprio de Pio X sobre música sacra “Tra le Sollecitudini“, 13 anos antes da constituição litúrgica “Sacrosanctum Concilium“.

Na Solenidade de Cristo Rei de 1949, a musicóloga que deixara o violino para se interessar pela música da Idade Média e do Renascimento, revelou ao Prelado de Leiria a ideia de fazer de Fátima o centro do Movimento Gregoriano em Portugal, criando as Semanas de Estudos Gregorianos destinadas a todas as dioceses. «Um dia, quando regressava de Trás-os-Montes, onde passara umas férias, a fim de seguir para Paris a completar o meu último ano, passei, sem o esperar, em Fátima, e ocorreu-me de súbito a ideia de ali começar as Semanas Gregorianas em Portugal. Tão bem compreendida fui pelo Sr. Bispo de Leiria, então S. Ex.cia Rev. D. José Alves Correia da Silva, que a 1ª Semana se realizou logo no ano seguinte, nas férias da Páscoa de 1950, com a presença do director do Instituto Gregoriano de Paris, o ilustre Prof. Auguste Le Guennant que, no Conservatório Nacional, proferiu uma lição que marcou, pode dizer-se, a data dum verdadeiro movimento gregoriano, para leigos e religiosos, em Portugal» (ALMENDRA, O 10º aniversário, 7).

O Prelado, que ficara intimamente ligado aos fenómenos de Fátima, à bênção do carrilhão, ao envio dos padres António Gregório e Carlos Silva para o Instituto Pontifício de Música Sacra, ficou também associado ao Movimento Gregoriano em Portugal. A “I Semana Portuguesa de Formação Gregoriana e Litúrgica”, que tinha o alto patrocínio do Cardeal Patriarca, do Bispo de Leiria, do Instituto Francês de Lisboa e do Conservatório Nacional de Música, contou Auguste Le Guennant, do Instituto Gregoriano de Paris, o ilustre liturgista beneditino Tomás Gonçalinho de Oliveira, Luís Rodrigues, compositor e reitor da Lapa, no Porto e Manuel Ferreira de Faria, de Braga, entre os seus formadores. Ainda em Fátima, no ano de 1950, após a I Semana, o Bispo assistiu a uma reunião em que se lançou a “Liga dos Amigos do Canto Gregoriano”.

Já debilitado em termos de saúde, chegou a presidir em cadeira de rodas a missas de encerramento de “semanas de formação gregoriana”. Viria a falecer em 1957, mas os bispos que lhe sucederam na Diocese, designadamente D. João Pereira Venâncio (que foi professor de Música, director da “Schola Cantorum” do Seminário diocesano de Leiria e da Sé), apoiaram o projecto das semanas gregorianas. Com formadores de renome internacional como D. Joseph Gajard, Jos Lennards, Ferdinand Haberl, Johannes Overath, Jacques Chailley (n. 1910 – m. 1999), Antoine Sibertin-Blanc e, entre os portugueses, Frederico de Freitas (n. 1902 – m. 1980), Manuel Faria (n. 1916 – m. 1983), José Augusto Alegria (n. 1917 – m. 2004), Mário Brás, ensinaram e fomentaram a prática do canto gregoriano, prepararam directores de coro e cantores, deram aos organistas aperfeiçoamento técnico e facultaram preparação musical e pedagógica. Por esta via, foram ouvidos em concerto, tanto em Fátima como em Lisboa, organistas como Édouard Souberbielle, Gaston Litaize (n. 1909 – m. 1991) e Jean Guillou (n. 1930), uma das figuras mais proeminentes da música contemporânea francesa.

Num país atrasado em comunicações e transportes, numa fase de estagnação da actividade organística, Júlia d’Almendra contribuiu para o ressurgimento do órgão de tubos. Noticiadas pelo “Diário de Notícias” e o “Novidades”, católico, e outros jornais, as semanas tiveram um alcance que ultrapassa em muito a estatística dos participantes.

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II. COMPOSITORES

Na produção litúrgica e devocional, uma década após as Aparições, foram surgindo obras dedicadas a Nossa Senhora de Fátima, cânticos de peregrinação, hinos e missas. Entre os autores, contam-se Tomás Borba (n. 1867 – m. 1950), José Angerri, Eduardo da Fonseca, Luís Gonzaga Mariz, SJ, Josué Trocado, Jacinto Martins, SJ, João C. Lima Torres, Inacio Aldassoro, SSCC, Berta Alves de Sousa (n. 1916 – m. 1997), Luís Rodrigues, Mário Brás, Armando Leça, Manuel Faria.

César Morais (n. 1922), autor de um conhecido concerto para violoncelo e orquestra gravado e uma suite para arcos gravadas com a Orquestra Clássica do Porto, escreveu, além de muitas outras obras sacras, uma “Missa de Nossa Senhora de Fátima”.

Joaquim dos Santos fez a orquestração da missa homónima de Manuel Faria, para coro e órgão, cuja estreia em versão orquestral aconteceu em Braga (1984), com a Orquestra do Porto e o Coro da Sé Catedral do Porto sob a direcção de Günter Arglebe. O próprio Padre J. G. dos Santos compôs uma “Missa em Honra de Nossa Senhora de Fátima” para duas vozes iguais, cuja partitura foi publicada em 1971. O Padre Jacinto Martins, S.J., notável compositor religioso dentro dos Jesuítas, escreveu várias composições musicais sobre Fátima, que editou em Barcelona (“Senhora de brancura imaculada” e “Ao meio dia”, entre outros). Alguns cânticos aparecem nos primeiros hinários de Fátima.

Em meados do século XX, D. José Alves Correia da Silva enviou Carlos da Silva (n. 1928-), ordenado presbítero em 1951, para o Instituto Pontifício de Música Sacra, na linha das recomendações do Magistério Universal. Nascido em Minde, próximo de Fátima, educado num ambiente familiar com tradições musicais, o Padre Carlos da Silva, estudou Canto Gregoriano, Órgão e Piano em Roma. Regressado a Portugal, foi, a partir de 1955, professor de Música, Canto Coral e História, de centenas de jovens candidatos ao sacerdócio, durante três décadas, no Seminário diocesano de Leiria. Além disso, em 1957, passou a dirigir o Serviço de Música do Santuário e as grandes assembleias de peregrinos. Neste contexto se enquadram a composição de cerca de 50 cânticos marianos e o peso das suas composições litúrgicas e devocionais no repertório litúrgico-devocional de Fátima (cerca de 30%).

Melodista por formação e missão, o Pe. Carlos da Silva compôs geralmente para uma voz, com o objectivo de fomentar a participação da assembleia. Carlos Silva procura valorizar e amplificar o texto – daí o uso frequente de compassos mistos 2/4 e 3/4. Pelo uso da repetição e da imitação, com frases melódicas fluentes e equilibradas, potencia a participação colectiva. O refrão é, por vezes, estruturado em ABA (“A minha alma glorifica o Senhor”, “Feliz és tu, porque acreditaste”) ou ABCA (“Ó verdadeiro Corpo do Senhor”). Oriundo de uma freguesia com grandes tradições etnográficas e musicais, inspira-se na música de raiz popular, mas também no canto gregoriano. Cerca de 25% das suas melodias têm características modais e 75% uma base tonal. Em resposta a encomendas pontuais do Santuário, António Cartageno compôs “Totus tuus, Maria”, “Hino dos Pastorinhos”, (expressamente para a Beatificação em Maio de 2000, pelo Papa João Paulo II,) e “Venite adoremus Dominum”.

Na música erudita, a produção musical dedicada ou inspirada em Fátima é quase nula. Catorze anos depois das Aparições, foi executado no Teatro Nacional de São Carlos a oratória “Fátima” de Rui Coelho (n. 1892 – m. 1986), autor de várias óperas, sinfonias e sonatas. Composto sobre poema de Afonso Lopes Vieira (que também escreveu o texto do “Ave de Fátima”), a obra foi, nessa data, dirigida pelo próprio compositor. Em 1933, a obra foi executada com êxito no Teatro Guarany, Baía, no âmbito do I Congresso Eucarístico do Brasil, por 150 músicos, incluindo coros e orquestra. A direcção esteve a cargo do jesuíta Padre Luís Gonzaga Mariz, organizador do “Devocionário Musical” (1927, 1930). Pela primeira vez em Fátima, no Centro Pastoral Paulo VI e no âmbito do Congresso “Fenomenologia e Teologia das Aparições“, a obra foi apresentada a 10 de Outubro de 1997, com a participação dos coros do Santuário de Fátima, Paroquial de Alburitel, Chorus Auris, Gaudia Vitae, Choral Phydellius e da Orquestra ARTAVE, sob a direcção do Cónego António Ferreira dos Santos.

A influência de Fátima na música, pela via devocional dos autores e intérpretes, é visível em alguns casos, tanto em Portugal como no estrangeiro, sendo significativa a canção “The Miracle of the Rosary“, cantada por Elvis Presley, escrita em 1960 pelo amigo Lee Denson (música e texto). O “rei do rock” pertencia à Igreja Evangélica Baptista, mas o seu amigo Lee Danson era casado com uma devota de Fátima. Nos anos 80, esta canção (que foi fora abençoada pelo Papa Paulo VI), foi cantada por Lee no Santuário de Fátima e no Carmelo de Coimbra, na presença da Irmã Lúcia.

III. REPERTÓRIO

As primeiras composições utilizadas em Fátima foram cânticos marianos conhecidos e adaptações de de Lourdes. O “Manual do Peregrino da Fátima“, reduzido em termos de repertório, aconteceu em 1926 e esgotou-se rapidamente.

As sucessivas edições, que foram incorporando novos cânticos, valorizavam mais a devoção (ao Coração de Jesus, ao Santíssimo Sacramento, a Nossa Senhora) do que a Liturgia, em Latim, e o tempo litúrgico. Nele, podemos encontrar “clássicos” da liturgia e da música sacra, como “O Salutaris”, “Pange Língua”, “Adoro Te devote”, “Lauda Jerusalém”, “Tantum Ergo”, ou “Te Deum laudamus”, “Salve Regina”. Em, português, “Hóstia santa, manso cordeiro”, “Ó anjos cantai comigo” (o cântico preferido de Jacinta Marto), “Santos Anjos e Arcanjos”, “Queremos Deus”, o “Ave de Fátima”, “Sobre os braços da Azinheira”, “Salve nobre padroeira”, “Virgem pura”, aparecem na edição de 1926. O repertório cresceria com “Bendizemos o teu nome”, “Senhora nossa”, e o “Adeus final” (“Ó Virgem do Rosário”) que hoje conhecemos.

O “Guia do Peregrino de Fátima”, (3ª edição, 1997), além das orações e informações úteis aos peregrinos e organizadores de peregrinações, valoriza a Liturgia das Horas e reflecte as mudanças introduzidas pelo II Concílio do Vaticano. Carácter litúrgico reflecte especialmente

o hinário “Canta, Povo de Deus” (1999), edição preparada pelo Padre Artur de Oliveira, para a Eucaristia e Ofício Divino. A inclusão de cânticos latinos e da Missa “De Angelis“, em continuidade com as anteriores edições musicais do Santuário, reflecte o carácter universal da Igreja e de Fátima, permitindo uma participação mais efectiva num contexto multilingue.

Na composição devocional, os cânticos mais conhecidos apresentam uma escrita homofónica claramente tonal, com utilização preponderante do modo maior. A melodia é pontualmente enriquecida por notas de passagem cromáticas e a duplicação à terceira. O compasso predominante é o quaternário 4/4 (“Sobre os braços da azinheira”, “Virgem pura”, “Salve nobre padroeira”, “Bendizemos o teu nome”), sendo caso mais raro o compasso ternário (“Ave de Fátima” e “Senhora nossa, Senhora minha”). Os esquemas rítmicos regulares facilitam a memorização. De modo a permitir a participação, o andamento, por vezes indicado na partitura, é lento, e o carácter marcial.

Tratando-se de cânticos a uma voz, para grandes massas populares, os cânticos não descem para um registo muito grave nem atingem um registo demasiado agudo. O seu âmbito não ultrapassa em muito a 8ª Dó-Dó, atingindo por vezes o Mi e excepcionalmente o Fá. Há contornos melódicos que se repetem; as frases são geralmente curtas, de acordo com a estrutura simples da poesia popular, em redondilha maior ou menor. Além da conjunção melódica, observa-se a predominância do intervalo de terceira, tanto maior como menor, sobre os outros intervalos que, exceptuando os aumentados, os diminutos e os de sétima, também são, por vezes, utilizados.

Fazendo a distinção entre cânticos litúrgicos (para a missa e outros sacramentos e liturgia das horas) e os cânticos devocionais (destinados a formas de oração mais livres), deve referir-se que os repertórios anteriores ao Concílio tinham características acentuadamente populares e devocionais; a partir do Concílio, o repertório ganha um forte pendor litúrgico, inspirado na tradição bíblica e no canto gregoriano sem rejeitar a influência do canto popular (Manuel Luís, Manuel Faria, Manuel Simões, Carlos Silva, António Cartageno, António Azevedo Oliveira, António Ferreira dos Santos).

Na produção musical pós-conciliar para Fátima, há uma predominância de linhas melódicas baseadas em segundas e pequenos saltos, na linha da influência gregoriana, compassos mistos 2/4 e 3/4, de acordo com os textos essencialmente bíblicos. O canto deixou o carácter nacionalista, o complexo de povo “escolhido”, a identificação da igreja com o estado (“não se chame português / quem cristão de fé não for”) para assumir um carácter mais cosmopolita e ecuménico.

Com o Padre Pedro Ferreira, OCD, a director do Secretariado Nacional de Liturgia, com o trabalho de Augusto Frade e António Cartageno, as edições do SNL prestam um importante serviço à música litúrgica em Portugal, com cânticos para a Liturgia das Horas, para a Eucaristia, Salmos Responsoriais, Guiões do ENPL, cânticos Instrumentados para Banda, cânticos para crianças, colectâneas de autor (Carlos Silva e Ferreira dos Santos). Fátima tornou-se também o centro das edições musicais eclesiásticas e a “biblioteca” onde mais facilmente se podem adquirir, assumindo um papel que fora, de algum modo, desempenhado pela Tipografia Editorial Franciscana, em Braga, até aos anos 70.

No que se refere a registos de Fátima, o Padre João Caniço, SJ, preparou em Lisboa, em 1981, a gravação de uma cassete para as Missões da Consolata, intitulada “Cânticos de Fátima”, que teve várias edições. Em 1995, foi gravado um CD intitulado “Fátima. cânticos. Lieder. Songs”, pelo Coro do Carmo de Beja sob a direcção de António Cartageno e Jaime Branco ao órgão, pela etiqueta Weto (Alemanha). O registo inclui “A treze de Maio”, “Senhora nossa, Senhora minha”, “Senhora, um dia descestes”, “Bendizemos o teu nome”, Sobre os braços da azinheira”, Senhora, nós vos louvamos”, “O Santíssima”, “Adeus de Fátima”.

A 12 de Outubro de 2004, foi apresentado à comunicação social o CD “Cânticos Marianos do Santuário de Fátima”, o primeiro editado pelo Santuário. Num projecto que teve a colaboração de Ismael Hernandez e Nicolas Roger, a edição contou com as vozes do Coro do Santuário, sob a direcção do Padre Artur de Oliveira, director do Coro e do Serviço de Música do Santuário. O registo inclui 14 cânticos emblemáticos de Fátima, os anteriormente referidos e “Avé Maria”, “Hino dos Pastorinhos”, “Ave, o Theotokos”, “Mater Ecclesiae”, “Magnificat”.

III. INSTRUMENTOS E ACTIVIDADE ORGANÍSTICA

Constituído por 62 sinos, dos quais o maior pesa três toneladas e o badalo 90 quilos, fundidos e temperados pelo bracarense José Gonçalves Coutinho, foi benzido em 1948 o carrilhão de Fátima, fruto das ofertas de muitos fiéis de todo o País.

Na linha das orientações universais da Igreja, o Padre António de Oliveira Gregório (n. 1925 – m. 1986), foi ordenado presbítero em 1948 e em 1950 partiu para o Instituto Pontifício de Música Sacra, onde concluiu a licenciatura em Canto Gregoriano e o Curso de Órgão (1956). Em Pádua, fez um estágio na firma “Fratelli Ruffatti”. Regressado de Roma, foi capelão, organista oficial e responsável pela Música no Santuário entre 1956-1986.

Num contexto de influência italiana, foi construído e montado pela “Famiglia Artigiana Fratelli Ruffatti”, em 1952, um grande órgão de tubos na Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, inaugurado por Filipe Rosa de Carvalho. O Órgão, apresentado na “Voz da Fátima” com grandes elogios às dimensões, qualidade estética e tecnologia, com 152 registos, cerca de 12000 tubos (o maior com onze metros e o menor com nove milímetros), ficou aquém do que se esperava em termos de rendimento. Numa basílica com demasiada reverberação, o órgão dispôs de três consolas distintas: a original, na tribuna, outra no recinto e outra no altar em que se encontra o sepulcro de Jacinta Marto.

Pela descoordenação causada, com a construção dos órgãos do Recinto e da Capelinha, acabou por ficar apenas a consola do coro alto, com cinco teclados e pedaleira. No mesmo espaço, em 1962, juntaram-se ao grande órgão e recitativo três corpos do grande órgão (positivo, eco e solo) que se encontravam no altar-mor, por detrás do trono do Santíssimo. Foram construídos novos tubos, a mecânica foi remodelada, a fachada tornou-se um belíssimo elemento decorativo, mas em 5 décadas o órgão apresentou muitos problemas que se prendem com o sistema electro-pneumático de transmissão, a pouca qualidade de certos materiais e a própria falta de manutenção.

Em 1985/1986, mais dois órgãos Ruffatti foram colocados, um na galeria fechada do Recinto e outro na Capela das Aparições. A capacidade sonora, as condições atmosféricas adversas (com acentuadas amplitudes térmicas) e o sistema de transmissão, electro-pneumático como o da Basílica, acabaram por ditar o fim dos órgãos ligados à presença do Padre António de Oliveira Gregório. Ismael Hernandez, organista sub-titular desde Abril de 1991, frequentou algumas Semanas Gregorianas, onde teve como professor de Direcção Coral Gregoriana Jos Lennards. Concluíu os Cursos Gerais de Canto Gregoriano e de Órgão no Centro de Estudos Gregorianos (actual Instituto Gregoriano de Lisboa), tendo tido como professores Júlia d’Almendra e Antoine Sibertin-Blanc e Joaquim Oliveira Bragança (Liturgia).

A aquisição de novos órgãos, já no séc. XXI, está associada a Nicolas Roger, organista francês nascido em Paris em 1952. No Consevatório de Paris, concluíu os estudos de Harmonia e Contraponto com os professores J. Lequien e P. Lantier e obteve o 1° Prémio de Estudos Superiores de Órgão no Conservatório Nacional de Angers sob a orientação do Professor André Isoir. Em França, foi titular do Órgão da Igreja Saint Martin – Saint Laurent e professor de Órgão no Conservatório Nacional de Orsay. Casado com uma portuguesa, Nicolas Roger instalou-se entre nós em 1997. Iniciou as funções de organista titular do Santuário a 1 de Fevereiro de 1998, começando em 1999 a dar aulas no Curso de Órgão do Santuário. Trabalhou no projecto dos novos órgãos, continuando a actividade concertística em Portugal e outros países da Europa.

Em 2001, o Boletim Informativo do Santuário tornava pública a decisão de substituir os órgãos do Recinto e da Capelinha das Aparições. Para a construção do órgão da Capela das Aparições foi escolhido o projecto Gerhard Grenzing, de Barcelona. O órgão foi concebido para o acompanhamento litúrgico, embora possa executar peças sacras no âmbito celebrativo. Limitado pelo espaço disponível, possui 12 registos, com dois manuais e pedaleira.

O órgão do Recinto, de Yves Koenig (Estrasburgo), totalmente mecânico, dispõe de 20 registos, repartidos por dois manuais e pedaleira. Foi concebido em primeiro lugar para as celebrações dominicais com acompanhamento de coro, desde a Páscoa à Festa de Todos os Santos e às peregrinações aniversárias, mas também para a classe de órgão da Escola de Música do Santuário. O órgão pode executar também muito repertório organístico. A sala do coro foi ampliada e melhorada em termos acústicos e técnicos, tendo capacidade para cem cantores.

Em 2003, chegou, além de um órgão para estudo de dois registos, um órgão de 13 registos para o coro da Basílica, junto à capela-mor, também do organeiro Gerhard Grenzing. Os concertos dominicais promovidos pelo Serviço de Música Sacra e realizados pelo organista titular e duas audições anuais públicas pelos alunos da Escola de Órgão de Tubos do Santuário de Fátima assumem cada vez mais um papel importante no diálogo do Santuário com a cultura, na fidelidade ao Magistério da Igreja, para além dos valores espirituais que promovem.

Sintomático do interesse que a Reitoria do Santuário reconhece à música e ao órgão de tubos foi o Congresso “O Órgão e a Liturgia Hoje” (20-22 de Novembro de 2003). Este Congresso nasceu de interrogações práticas, acústicas e económicas suscitadas pela perspectiva do órgão a construir na futura Igreja da Santíssima Trindade com capacidade para 9000 pessoas sentadas e na perspectiva de substituição do grande órgão da Basílica. A Comissão científica era constituída por João Peixoto Luís Silva, liturgistas, José González Uriol, organista, e Ruy Vieira Néry, musicólogo, sob a presidência de António Ferreira dos Santos.

O Congresso, que passou despercebido à Comunicação Social, contabilizou, incluindo conferencistas, convidados e participantes, 145 pessoas (organeiros, organólogos, musicólogos, directores de coro, organistas, compositores, liturgistas, professores). Entre os conferencistas, contam-se reconhecidos especialistas nacionais como Rui Vieira Nery (n. 1957) e José Maria Pedrosa Cardoso (n. 1942) e, no plano internacional, Franz Joseph Stoiber (n. 1959), Valentino Miserachs Grau (n. 1943), Johann Trummer, Fréderic Blanc, Felice Rainoldi (n. 1935), Klemens Schnorr (n. 1949), Sérgio Dias (n. 1960), David Eben (n. 1965), Andrzej Chorosinsky (n. 1949), Gerhard Grenzing. Em concerto, participaram o Coro da Sé Catedral do Porto e António Esteireiro, (dirigidos por Eugénio Amorim), João Vaz e Rui Paiva (n. 1961) aos órgãos de Mafra, Grupo Vocal Ançã-ble, dirigido pelo Padre Pedro Miranda, Coro Gregoriano de Lisboa, dirigido por Maria Helena Pires de Matos, Coro de Santa Maria de Belém, dir. Fernando Pinto e Coro Gulbenkian, dirigido por Fernando Eldoro.

V. CURSOS E ENCONTROS

Acessos rápidos desde o Alto Minho como desde o Algarve, aliados às boas condições logísticas, tornaram Fátima ainda mais central. A diversidade de encontros realizados conferem ao Santuário de Fátima maior importância musical litúrgica e, ao mesmo tempo, uma responsabilidade acrescida.

A partir de 1975, o Encontro Nacional de Pastoral Litúrgica deu formação pastoral litúrgica e musical, promoveu a musicalização de textos da Liturgia das Horas e da celebração eucarística. Embora não seja especificamente musical, pela prática litúrgica em que a música tem um lugar destacado, o Encontro Nacional de Pastoral Litúrgica desempenha um papel relevante na educação litúrgico-musical das assembleias cristãs de Portugal. De 87 participantes, dos quais 53 eram padres, em 1975, até 1540, dos quais 1202 leigos, em 2004, o ENPL regista já o número de 29510 presenças de padres, consagrados e leigos empenhados na Pastoral Litúrgico-musical das comunidades cristãs, de norte a sul do País.

Pela prática musical que os acompanha, os cursos de animadores vocacionais, encontros de religiosos, peregrinações de movimentos e associações católicos, jornadas catequéticas, festivais da canção juvenil, “semanas” diversas (missionárias, bíblicas, de pastoral social) contribuem para a troca de experiências musicais e litúrgicas. A música (cânticos, acompanhamento de órgão, concertos corais e organísticos) é ouvida por grande número de pessoas que vão assimilando certo estilo de canto.

Sedeado em Fátima, o Serviço Nacional de Música Sacra, organismo que se insere no Secretariado Nacional de Liturgia, é presidido pelo Cónego António Ferreira dos Santos. Tem como objectivos o fomento da música sacra e litúrgica nas dioceses e comunidades cristãs em geral, a formação litúrgico-musical e a publicação de música.

O Curso de Música Litúrgica (1991-1994, 1995-1998, 2003-2006) tem desempenhado um papel importante na formação de organistas e directores de coro litúrgicos, sendo a aquisição de novos e melhores órgãos benéfica também nesse sentido. Frequentaram o curso António Esteireiro, Emanuel Pacheco e Filipe Veríssimo, Fernando Pinto, entre outros. Para alguns alunos, este contacto foi o estímulo a frequentarem o ensino superior nesta área.

Na fase de arranque, o Curso teve o importante contributo dos alemães Otmar Faulstich, Hubert Velten e Franz Joseph Stoiber. Entre os formadores portugueses, contam-se António Cartageno, António Azevedo Oliveira, Fernando Valente, António Mário Costa, Eugénio Amorim, Paulo Alvim, José Paulo Antunes, Emanuel Pacheco, Filipe Veríssimo e António Esteireiro.

Em Fátima, são recebidos coros oriundos de diversos países e regiões, com interpretações de música sacra na Basílica ou animação de eucaristias. Com apoio do Santuário e organização do SNMS, a I Jornada Nacional de Grupos Corais Litúrgicos (1990), o I Encontro Nacional de Pequenos Cantores (1992), o Jubileu dos Músicos (2000), o Encontro de Compositores de Música Litúrgica (2005) representam trabalho prévio com coros e músicos, mas também questões e novos desafios a aprofundar nas dioceses.

CONCLUSÃO

Se Júlia d’Almendra terá sido a primeira pessoa a aperceber-se, de forma consequente, da centralidade que Fátima podia ocupar em termos de Música na Igreja, os bispos, reitores, superiores religiosos e músicos foram criando e descobrindo condições para o encontro com a música litúrgica, a que não é alheia a centralidade geográfica, religiosa e social do Santuário.

Entre os reitores, Monsenhor Luciano Guerra (1973-) fica especialmente ligado à evolução da Música no Santuário, contribuindo com a sua parte na evolução da Música litúrgica ao longo de mais três décadas. Actualmente, a Secção de Música Sacra, enquadrada no Serviço de Pastoral Litúrgica, tem 5 sectores: Pessoas (responsável, organistas, coros, solistas), Programação (selecção e programação diária), Publicações (para uso interno e uso público), Acolhimento (música ambiente, concertos), Formação (Música, Órgão Litúrgico).

Superando opções nefastas em termos de património organístico, os desafios são grandes para o século XXI no sentido de melhorar a qualidade da execução litúrgica, a oferta de concertos espirituais, promoção da grande música sacra, diálogo com a música contemporânea.

Para o programa dos 90 anos das Aparições, em 2006/2007, foram encomendados um novo “Hino aos pastorinhos”, a Paulo Lameiro, uma oratória à Santíssima Trindade para a inauguração da nova Basílica, ao Cónego António Ferreira dos Santos, e outra sobre as Aparições de Fátima, ao Padre Cartageno. No âmbito de outras manifestações culturais, foi igualmente previsto um Festival da Canção sobre os Pastorinhos e um bailado.

Sendo a música praticada na Igreja um importante meio de formação/deformação, espera-se que Fátima assuma cada vez melhor um serviço de qualidade musical, sem substituir as dioceses, mas estimulando o seu desenvolvimento.

FONTES

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BORDA, M. F. – Adeus. Cântico para o fim de Maio. Braga, 1951.

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FARIA, M. F. – Cântico para a coroação da Nossa Senhora de Fátima Rainha de Portugal. Braga: Missões Franciscanas, 1946;

FARIA, M. F. – Cântico para o Cinquentenário das Aparições de Fátima. Braga, 1967;

FARIA, M. F., Saudação a Nossa Senhora de Fátima Peregrina do Minho. Braga 1951;

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Manual do Peregrino de Fátima. Lisboa: União Gráfica, 1926, 1ª ed;

Manual do Peregrino de Fátima. Fátima: Edição do Santuário de Fátima 1950, 7 ed.;

OLIVEIRA, A. R., org. – Canta, povo de Deus. Fátima: Santuário de Fátima, 1999.

OLIVEIRA, A. R., org. – Guia do Peregrino de Fátima. cânticos. Santuário de Fátima, 1998.

RAPOSO, M. J. – Angelus de Fátima. Cânone a 4 vozes. Porto: Ed. do Autor 1951;

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Peregrinação Nacional das Crianças a Fátima. Secretariado Nacional da Cruzada Eucarística . Braga, 1962;

Oração do Anjo diante do SS.mo Sacramento. Basílica do Santuário. Fátima, 1990;

SANTOS, J. G. – Missa em honra de Nossa Senhora de Fátima (2. v. i.). Braga: Comissão Bracarense de Música Sacra;

SILVA, Carlos – Orar Cantando. Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia 2001.

TORRES, L. – Carrilhão de Fátima. Às mulheres de Portugal às quais se deve a iniciativa do novo Carrilhão para a Basílica de Fátima. Barcelos: Edição do Autor, 1945;

TORRES, L. – Ecos da romagem das juventudes católicas à Cova da Iria (13 de Maio de 1946 ). Braga: Edição do Autor, 1946;

TROCADO, J. F. – Hino Popular a Nossa Senhora de Fátima. Braga: Missões Franciscanas, 1948;

BIBLIOGRAFIA

ALMENDRA, J. – O 10º aniversário do Centro de Estudos Gregorianos, Canto Gregoriano, ano 6, nº 26, 1963, 7.

FERREIRA, A. J. – A Igreja e a Música, in A Igreja e a Cultura Contemporânea em Portugal, coord. Natália Correia Guedes e Manuel Braga da Cruz. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa 2001, 2 ed;

ID. – Música e celebração: Magistério Pontifício do século XX. Vila Fria: Meloteca 2001;

ID. – Músicas na Igreja: Magistério das Congregações Romanas. Vila Fria: Meloteca 2001;

Versão longa de artigo publicado na Enciclopédia de Fátima. Lisboa: Principia 2007.

António José Ferreira

Grande órgão da Basílica de Fátima (antigo)

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Presépio da Madre de Deus. Séc. XVIII. Museu Nacional do Azulejo, Lisboa

Adeste Fideles: quem é o autor?

por Rui Vieira Nery

Todos os anos, mais ou menos por esta altura, há uma alma patriótica que desenterra não se sabe bem de onde, com a melhor das intenções o disparate musicológico absoluto da atribuição do conhecido hino de Natal “Adeste fideles” ao nosso Rei D. João IV, o que desperta logo uma corrente interminável de “likes” de orgulho nacional.

Tocador de violino. Machado de Castro. Séc. XVIII. Basílica da Estrela, Lisboa

Tocador de violino. Machado de Castro. Séc. XVIII. Basílica da Estrela, Lisboa

Ano sim, ano não, a irritação profissional pela perpetuação desta atoarda faz-me tentar desmentir como posso o boato (tanto mais que a figura de D. João IV, sobre quem trabalho há quase quarenta anos, nos deve merecer a todos o maior respeito pelo seu papel inimitável de protector da Música e dos músicos portugueses do seu tempo, e não precisa para tal desta atribuição abusiva de paternidade musical).

Aqui fica, pois, mais uma vez, o devido esclarecimento, embora sabendo que estarei provavelmente a pregar no deserto, porque a mística do mito tem sempre mais força do que qualquer argumento racional.

  1. O “Adeste fideles” é uma obra composta em harmonia funcional inteiramente tonal, com acompanhamento de baixo contínuo, num estilo absolutamente incompatível com a prática musical do tempo de D. João IV, que morreu em 1656. Atribui-lo ao nosso Rei ou a qualquer compositor europeu da sua geração seria sensivelmente o mesmo disparate do que dizer que Bach poderia ter escrito da “Nona Sinfonia” de Beethoven ou que Brahms poderia ter sido o autor da “Sagração da Primavera”…
    2) Como se isto não bastasse, o próprio texto “Adeste fideles” não consta de quaisquer livros litúrgicos antes do século XVIII, até à sua edição por John Francis Wade no início da década de 1740, embora possa ter sido baseado, remotamente, num texto medieval. Estes dois argumentos deveriam ser suficientes para qualquer pessoa que saiba alguma coisa de Música do século XVII. Mas deve referir-se ainda que:
  2. É absolutamente falso que existam em Vila Viçosa quaisquer manuscritos do início do século XVII – ou de qualquer outro período, por sinal, até pelo menos meados do século XX – com esta obra. Trata-se de uma invenção surrealista de quem escreveu o artigo “Adeste fideles” da Wikipedia portuguesa.
  3. Nenhuma das várias fontes contemporâneas de D. João IV que enumeram detalhadamente as suas composições refere que ele tenha composto qualquer “Adeste fideles” (o que em qualquer caso não poderia ter feito porque o texto ainda não existia). E mesmo quando no final do século XVIII começou a haver a moda de atribuir arbitrariamente ao Rei obras anónimas, como o “Crux fidelis” ou o “Adjuva nos”, nunca o “Adeste fideles” foi sequer incluído nestas falsas atribuições.
    De onde nasceu então o mito da atribuição a D. João IV? É simples:
  4. Ao “Adeste fideles” foi dado o nome de “Portuguese Hymn” em várias publicações inglesas porque esta composição era cantada na capela da Embaixada de Portugal em Londres, que até à legalização do culto católico em Inglaterra, com a promulgação do Roman Catholic Relief Act de 1829, era um dos únicos locais em que ele podia ser celebrado em território britânico. Vincent Novello (1781–1861), que foi a partir de 1797 Mestre de Capela e Organista da Capela Portuguesa, publicou em 1811 uma colectânea intitulada A Collection of Sacred Music, as Performed at the Royal Portuguese Chapel in London que teve depois grande influência na constituição de um repertório católico inglês, e como “Adeste fideles” estava nela incluído passou a ser conhecido como o “Hino Português” e assim se foi divulgando no mundo católico internacional. Mais tarde seria incluído, numa versão “pseudo-gregoriana”, no próprio “Liber Usualis” editado na sequência da reforma litúrgica de Pio X, no início do século XX.
  5. A atribuição da obra a D. João IV é, pois, uma fantasia romântica sem qualquer fundamento, cuja origem é hoje impossível de datar com precisão, mas que não é sustentada por nenhum – absolutamente nenhum – dos autores que estudaram a vida e obra de D. João IV, de Joaquim de Vasconcelos e Ernesto Vieira a Mário de Sampaio Ribeiro e Luís de Freitas Branco, o que sugere que tenha surgido já em meados do século XX.
    Quem é então o autor do “Adeste fideles”?
  6. Não sabemos, pura e simplesmente, mas a natureza da própria música indica que não poderá ter sido composto antes do último quarto do século XVII e mais provavelmente já em inícios do século XVIII. Vincent Novello, quando publica o seu arranjo da obra, atribui-a a John Reading, organista do Winchester College que morreu em 1692, mas a primeira versão escrita que se conhece é de John Francis Wade (1711 – 1786), e sendo Reading protestante e Wade um católico assumido, que se exilou inclusive no Continente por lealdade à causa do Pretendente Stuart, seria mais natural que a Capela da Embaixada Portuguesa adoptasse uma obra sua do que uma da composição de um anglicano.

Rui Vieira Nery (artigo publicado no Facebook)

Presépio da Madre de Deus. Séc. XVIII. Museu Nacional do Azulejo, Lisboa

Presépio da Madre de Deus. Séc. XVIII. Museu Nacional do Azulejo, Lisboa

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Rilhafoles

A Música e a Missão

Música na Casa Mãe da Congregação da Missão

Convento de Rilhafoles

O Convento de Rilhafoles, depois Hospital de Rilhafoles e desde 1911 Hospital Miguel Bombarda GOB, pertenceu primeiramente à Congregação da Missão de São Vicente de Paulo e foi fundado por autorização pontifícia (Breve de 10 de Setembro de 1717) e do Cardeal-Patriarca D. Tomás de Almeida (alvará de 4 de Janeiro de 1717).

Também era designado por: Casa Mãe da Congregação da Missão, Casa da Congregação da Missão em Rilhafoles, Casa de São João e São Paulo, Casa de Rilhafoles.

Rilhafoles

Rilhafoles

Festas de Beatificação de S. Vicente de Paulo

A 27 de Setembro de 1727 tinha o Papa Bento XIII publicado um decreto que declarava a heroicidade das virtudes praticadas pelo Servo de Deus Vicente de Paulo.

A 14 de Julho de 1729 mandou publicar e expedir o Breve de Beatificação, ao qual se seguiu, a 13 de Agosto, outro que permitia a recitação do Ofício e a celebração da missa do Bem-aventurado no dia 27 de Setembro, aniversário da sua morte. Este favor era concedido à terra natal de Vicente de Paulo, às freguesias de Paris onde ele estabelecera as suas obras, e aos membros e casas da Congregação da Missão, bem como aos seus convictores e seminaristas.

Era autorizada outrossim, naquele ano, sob rito duples maior, a solenidade da Beatificação em dia autorizado pelo ordinário, mas não anterior à celebração da mesma solenidade em S. Pedro de Roma, onde devia realizar-se a 21 de Agosto. Podia fazer-se essa festa em todas as igrejas às quais fora concedida a missa e o ofício.

O Breve gratulatório ‘Si gloria hominis ex honore Patris’, mandado por Bento XIII, em 29 de Agosto de 1729, ao P.e Bonnet, Superior Geral, ao mesmo tempo que felicitava a Congregação, exortava-a a renovar-se no espírito do Beato Fundador.

Apesar de estar sozinho com o irmão, o P.e Joffreu não quis deixar de comemorar, como lhe fosse possível, o fausto acontecimento, e no dia 26 de Setembro de 1729 comunicou a Sua Majestade a intenção de celebrar no dia seguinte, em Rilhafoles, a missa do novo Bem-aventurado.

O rei, após um instante de surpresa, respondeu: “Bem, meu Padre, quero que essa missa seja solene. Há-de, pois, ser cantada, e cantadas serão também as vésperas. E eu mesmo quero assistir.”

Surpreendido com tal determinação, tomada assim de improviso, o P.e Joffreu opôs as suas dificuldades, agradecendo a Sua Majestade, mas alegando que lhe parecia impossível.

“Ora adeus! – diz do lado o Cardeal da Mota, que se encontrava presente – Com esses impossíveis é que Sua Majestade sabe fazer milagres!”

Tratou-se pois, imediatamente, de ornar o melhor possível a capela dos Padres da Missão, enquanto o rei dava por seu lado as suas ordens. Tudo se fez solenemente, como se projectara, e mais ainda.

Desde a alvorada do dia 27 foram rezadas várias missas, houve primeiras vésperas, missa solene, segundas vésperas e matinas cantadas. A tudo assistiu D. João V, mesmo às matinas, apesar de entrarem bastante pela noite adiante.

A missa foi celebrada e as Vésperas presididas por Mons. Ferreira, arcediago de Santa Cristina, e mais tarde dignitário da catedral. Às matinas oficiou o P.e Ambrósio Viedma, padre da diocese de Valença e músico da Patriarcal, que trouxe consigo a orquestra da mesma. Mais tarde foi este digno eclesiástico um dos convictores de Rilhafoles, e muito concorreu para a fundação de um asilo de órfãos.

Entre a assistência, além de Sua Majestade, figuraram algumas pessoas de distinção, e os religiosos capuchos do vizinho convento de Santo António. Da casa real, foram também, de manhã, o Príncipe D. José, e de tarde, a Rainha, a Princesa e a Infanta D. Francisca, bem como Sua Eminência o Cardeal da Mota, e o Sr. Patriarca.

O facto teve bastante notoriedade para ser assinalado, com relevo, pela ‘Gazeta de Lisboa’, o jornal da época, nos seus números de 29 de Setembro e de 6 de Outubro seguinte.

Não faltaram também, segundo o costume das grandes festas públicas, demonstrações de regozijo popular, estando à noite a casa da Missão brilhantemente iluminada.

As notícias que temos só nos falam em um dia de festa. Ter-se-á feito tríduo no ano seguinte, ao comemorar o aniversário desta data? Também não achamos vestígio desse tríduo nos apontamentos de que dispomos, mas no segundo volume dos Sermões de Rafael Bluteau encontram-se três panegíricos do Beato Vicente de Paulo com indicação de serem para as festas da sua Beatificação (61); é claro que estas não podiam ser as de 1729, pois a improvisação de tais festas não podia dar tempo a preparar qualquer panegírico, nem dele se faz menção no relato bastante pormenorizado que ainda temos.

É de notar que no exórdio do primeiro desses panegíricos, o P.e Bluteau refere uma circunstância pessoal que merece ser recordada:

“Perdoai, meu Santo – exclama ele – a confiança com que aceitei a honra de orador e panegirista da vossa glória neste tríduo da solenidade da vossa Beatificação”.

“Há mais de setenta anos que na cidade de Paris, na vossa casa de S. Lázaro, recebi, de joelhos, a vossa santa bênção, e no mesmo tempo vos vi lançado aos meus pés (humilhação excessiva) de que fiquei tão admirado e confuso que emudeci”.

“Mas quis Deus que se reservassem as palavras para estes dias em que já não vos considero, como naquele tempo, pela vossa veneranda canície, candidato da Eternidade, mas devotamente vos venero vestido do paludamento da glória sempiterna, possuidor da bem-aventurança”.

“Quando na vossa presença me prostrei em terra eu era de muito tenra idade, etc.”

Como quer que seja desse tríduo, é certo que o rei D. João V não deixou mais de ir, todos os anos, assistir em Rilhafoles à festa do dia 27 de Setembro, e ainda não deixou de se apresentar nessa data no ano de 1737, no ano da canonização, quando a Santa Sé acabava de fixar no dia 19 de Julho a festa litúrgica do Santo Fundador. Era particular a devoção que o rei tinha ao grande Santo da Caridade.

As festas da Beatificação foram um motivo de espiritual conforto para o P.e Joffreu, mas nem por isso modificaram a situação que tanto o fazia sofrer. A correspondência com o Visitador da Província de Roma, P.e della Torre, e por esse meio a comunicação com a sua família religiosa, era um lenitivo precioso na sua soledade, mas esse mesmo lhe foi tirado quando, após conflitos surgidos entre Lisboa e Roma, se consumou o corte das relações diplomáticas.

P.e BRÁULIO GUIMARÃES, Apontamentos para a História da Província Portuguesa da Congregação da Missão – Volume 1 – páginas 149 a 152.

Festas da canonização de S. Vicente de Paulo

Foi em 16 de Junho de 1737 que foi publicada a Bula de Clemente XII que inscrevia na lista dos Santos o nome glorioso do Beato Vicente de Paulo.

Tanto os seus filhos de Lisboa como o rei D. João V pensaram, desde logo em comemorar com solenidades condignas um tão jubiloso facto. Pensou-se primeiro em fazê-lo no mês de Outubro. Mas para que houvesse mais tempo para a devida preparação, o rei determinou que ficassem as festas para depois da Páscoa de 1738.

Por ser pequena e não estar concluída de todo a igreja de Rilhafoles, aventou-se a hipótese de se fazer a festa num templo mais amplo, chegando a indicar-se como mais próxima, a igreja do vizinho convento de S. António dos Capuchos.

O P. e Joffreu, insurgiu-se. Pequena a igreja? Mas mais pequeno era, antes dela, o oratório doméstico, e isso não impediu que nele se realizassem com esplendor, e com a presença de Sua Majestade, as festas da Beatificação.

O rei compreendeu, e condescendeu com o desejo do Padre a quem não queria desagradar. Ficou assente que as festas se fariam na igreja de Rilhafoles.

Uma primeira preparação para as festas foi a publicação, a expensas do rei, de uma Vida de S. Vicente de Paulo e das Regras Comuns da Congregação da Missão.

A ‘Vida de S. Vicente’ foi traduzida do espanhol, de Fr. João do SS. mo Sacramento, por D. José Barbosa, Teatino, LX 1738 fol. gr. – XX, 612 pág.

É uma bela edição, em óptimo papel, impressão nitidíssima, e gravuras de Debrie (retrato de S. Vicente a vinhetas).

Das “Regras” fizeram-se duas edições: uma in 8º, outra in 12º. São belos exemplares, com um prólogo que é, em latim, o resumo da Vida de S. Vicente, e com Bulas, em apêndice, que se não encontram na edição de Paris.

Delas se fez uma tiragem numerosa. O P.e Manuel José Vieira pôde dizer, hiperbolicamente, que se se conservassem todos os exemplares, havia com que dar um a cada membro da Congregação, mesmo que esta subsistisse até ao fim dos séculos!… Apesar disso, infelizmente, até para bibliotecas é hoje difícil encontrar algum.

Notaremos que, se a Vida de S. Vicente apareceu em 1738, um mês antes das festas, as Regras só apareceram cinco anos depois. Compreende-se facilmente que assim fosse, por ser a primeira publicação destinada ao público, com o fim de tornar conhecido o Santo, e a segunda, reservada à Comunidade, que quase não existia ainda em Portugal.

Para preparar mais directamente a festa, que seria um oitavário a começar no dia 19 de Julho, com a festa litúrgica de S. Vicente, foi ornada sumptuosamente a nova igreja da casa, que veio substituir, no mesmo lugar amplificado, a antiga e pequena capela da quinta de José de Melo, tornada primeiro oratório da Comunidade. O rei ofereceu, para a circunstância, uma rica lâmpada de prata, do valor de 500$000 reis, e ricas ornamentações deram ao interior do templo a majestade e beleza que convém às grandes solenidades.

As festas começaram no dia 18, que era uma quinta-feira, sendo cantadas as primeiras vésperas de S. Vicente com a assistência do rei, do príncipe herdeiro D. José, de D. Pedro, esposo da augusta D. Maria, e dos infantes D. António e D. Manuel.

Na casa ainda se conservou por muito tempo, datado de 14 de Julho e destinado ao príncipe D. José, um programa com indicação pormenorizada de todas as solenidades do oitavário.

No mesmo dia as segundas vésperas foram presididas pelo Deão da Igreja Patriarcal.

No dia 19, que era o da festa litúrgica e primeiro do oitavário, houve missa pontifical celebrada pelo Sr. Patriarca, ficando por isso para a função da tarde o panegírico do Santo, que foi pregado, com notável brilho, pelo nosso comensal, o distinto orador D. Mariano Gavila, já nosso conhecido.

Nesse dia, como em um outro da oitava, assistiu também a rainha, que habitualmente estava impedida por ter de ficar em Belém a velar a princesa sua filha que se encontrava doente.

Os outros dias da oitava foram repartidos entre as diferentes comunidades religiosas da cidade, das quais cada uma, no seu dia, fornecia, por via de regra, oficiante e pregador.

O segundo dia, 20, coube aos Padres Jesuítas, sendo pregador um Padre da Companhia, do Colégio de Évora, que veio propositadamente a Lisboa para esse fim, havendo no entanto missa pontifical em que celebrou um cónego da Sé.

O terceiro dia, 21, foi atribuído aos Cónegos Regulares da Divina Providência; foi ainda um cónego da Sé que oficiou à missa, mas o pregador foi o Cónego Regular D. José Barbosa cujo discurso foi impresso, e se conservava na biblioteca de Rilhafoles.

No quarto dia, 22, reservado aos Dominicanos, oficiou um religioso da Ordem, e pregou Fr. Manuel Coelho, antigo Reitor do Colégio de Coimbra, Prior do Convento de Lisboa, Provincial da sua Ordem e Deputado do Santo Ofício, em Lisboa.

O quinto dia, 23, coube aos Religiosos Agostinhos, celebrando um deles e pregando Fr. António da Piedade, antigo Prior do Convento da Graça, de Santarém, e autor do livro intitulado “Meio Dia Agustiniano”.

No sexto dia, 24, que pertenceu aos Trinitários, dos quais um celebrou a missa, foi pregador Fr. Manuel de São Tomás, que viria a morrer sob as ruínas do terremoto de 1755. O seu discurso, impresso, conservava-se no Convento da Trindade, e pereceu no incêndio que o devorou então.

O sétimo dia, 25, foi atribuído aos Carmelitas, que forneceram celebrante da missa e pregador do dia, que foi o antigo Provincial da Ordem, Fr. Filipe de Santa Teresa.

No dia 26, oitavo dia, houve, ofício pontifical em que celebrou um cónego da Patriarcal, sendo pregador um padre do Convento de Santo António da Convalescença, dos religiosos da Província de Santo António aos quais cabia esse dia.

Os religiosos de cada instituto assistiam às solenidades no dia que a esse instituto estava reservado.

Os três ofícios pontificais celebrados por cónegos durante este oitavário, foram-no em virtude de um privilégio concedido à Igreja Patriarcal por Clemente XI na Bula ‘In supremo’, de Novembro de 1716, recorrendo-se ao Cabido da Sé por terem coro particular nesses dias as ordens designadas para oficiar neles.

Todos os dias do oitavário, assistiram regularmente o rei e os príncipes, que vinham de manhã e ficavam para a tarde, passando na casa todo o dia. Todos os dias também eram os músicos da Patriarcal que vinham com as suas harmonias, contribuir para o esplendor e beleza dos actos litúrgicos.

O rei D. João V tomou à sua conta todas as despesas com as solenidades, querendo que nada faltasse à sua pompa e magnificência.

As festas terminaram no dia 26 com uma solene procissão em que foram conduzidas triunfalmente a imagem e as relíquias de S. Vicente de Paulo, com a assistência de todas as comunidades religiosas já referidas e do clero secular das freguesias da Pena, Socorro e S. José. Saindo do pátio de Rilhafoles dirigiu-se para a avenida, percorrendo o campo de Sant’Ana para regressar pela Rua da Cruz da Carreira.

À noite houve iluminações gerais dos conventos que tinham tomado parte nas festas, associando-se igualmente o dos Padres de S. Filipe Néri. A casa de Rilhafoles, naturalmente, não podia ficar atrás nestas demonstrações festivas, sendo magnífica a sua Iluminação.

O cronista faz notar que também o refeitório participou da festa, sendo a mesa servida naquelas dias com a profusão e magnificência que traduzia a régia generosidade. Cada dia tomavam parte nas refeições os religiosos que nesse dia tinham oficiado. Quiseram escusar-se os Jesuítas por não costumarem comer fora de casa, mas obrigou-os o rei, pondo à porta guardas que os não deixaram sair.

Tudo decorreu com a ordem, com esplendor, com a beleza e majestade que se podia desejar, para glória de Deus e do seu humilde servo Vicente de Paulo. Compreenda-se que ficasse consolado, e imensamente grato ao rei, o digno filho de S. Vicente que era o P.e Joffreu; mas consolação maior e motivo de gratidão mais viva, havia ele ainda de ter com um facto que havia de ser o mais apetecível fruto das festas que acabavam de celebrar-se.”

P.e BRÁULIO GUIMARÃES, Apontamentos para a História da Província Portuguesa da Congregação da Missão – Volume 1 – páginas 160 a 163)

Merecem destaque as diversas actuações da Orquestra da Patriarcal na Igreja da Casa-Mãe da Congregação da Missão, de Rilhafoles, certamente devido ao apoio do monarca à instituição. Já durante das festas da beatificação de S. Vicente de Paulo, em 1727, a sua música marcou presença.

Mas aquando das magníficas comemorações da canonização, em Julho de 1737, a recentemente construída Igreja acolheu oito dias consecutivos de uma das melhores Orquestras de música barroca da Europa, fundada e aperfeiçoada por D. João V e que rivalizava com a Orquestra do Vaticano.

Note-se que a Orquestra da Patriarcal, além da ser uma orquestra barroca alargada, dispunha de cantores para dois ou mais coros, a quatro vozes cada, e de solistas de elevadíssimo virtuosismo, alguns deles castratti italianos, e que o seu reportório, de influência italiana mas com características da tradição polifónica portuguesa, era constituído maioritariamente por obras de compositores portugueses do mais alto nível europeu, alguns dos quais haviam estudado em Roma, enquanto bolseiros do rei, como António Teixeira, Francisco António de Almeida e João Rodrigues Esteves, também músicos, e que, pelo menos os dois últimos, foram dirigentes e professores nessa orquestra e escola.

Nesses oito dias, na presença de D. João V, um melómano sabedor que não iria ouvir obras em repetição, decorreu na Igreja da Congregação da Missão em Rilhafoles, o que podemos considerar um prolongado Festival de música sacra barroca portuguesa, sabendo-se que no último dia das comemorações, após a procissão já referida, estas encerraram com um Te Deum, perante a assistência de muitos fiéis.

Um festival da mais sofisticada música europeia da época, com obras decerto muito variadas, desde as cantatas até aos monumentais Te Deum (um destes Te Deum, de António Teixeira, que sobreviveu ao terramoto de 1755, além de orquestra instrumental alargada, inclui 4 coros a 4 vozes cada, e 8 solistas).

Embora ainda hoje não se conheçam em pormenor o conjunto das actuações e digressões da Orquestra da Patriarcal, podemos afirmar que os espectáculos de Julho de 1738, na Casa-Mãe da Congregação da Missão, constituíram um acontecimento raro e de grande nível artístico, na história da música barroca portuguesa.

No Arquivo de Música da Biblioteca Nacional de Lisboa, encontram-se diversas obras dedicadas a S. Vicente de Paulo, que a seguir elencamos, com anotações dos serviços desse arquivo:

1- Novena de S. Vicente de Paulo, música manuscrita da autoria de António Leal Moreira, 1817.

2 – Responsórios de S. Vicente de Paulo. Manuscrito, para coro a quatro vozes e órgão, com partes para solista, Lisboa, 1835, Frei José Marques e Silva, entre 1800 e 1837, dedicado ao Conde do Redondo.

3 – Hymno das primeiras vésperas de S. Vicente de Paulo, manuscrito autógrafo, Frei José Marques e Silva, entre 1800 e 1837.

4 – Hymno das Matinas de S. Vicente de Paulo, manuscrito autógrafo, Frei José Marques e Silva, entre 1800 e 1837, oferecida e dedicada ao Conde do Redondo.

5 – Missa de S. Vicente de Paulo, anónimo, entre 1800 e 1850.

6 – Mottetos de S. Vicente de Paulo, autor desconhecido, entre 1830 e 1870, em 5 partes.

7 – Hymno de Laudes de S. Vicente de Paulo, para coro a 4 vozes, Frei José Marques e Silva, entre 1800 e 1837.

A existência destas partituras (e outras que possivelmente se guardem noutro local ou que foram destruídas em 1834), indicia que a música na Casa de Rilhafoles desempenhava papel de relevo, atingindo um nível que é lícito considerar alto, em Portugal.

Com efeito, estas obras musicais foram criadas, muito possivelmente, para as Casas da Congregação e em louvor de S. Vicente de Paulo, e por compositores bem reconhecidos da época, como António Leal Moreira (1758-1819), suplantado talvez só por Marcos Portugal, e como Marques da Silva (1780-1837).

O facto de algumas pautas (que não sabemos serem um de vários originais), conterem dedicatórias ou a indicação de serem oferecidas ao Conde do Redondo, um amigo da instituição, não invalida aquela interpretação, sendo ainda de colocar a hipótese de terem sido encomendadas e custeadas pelo Conde para utilização litúrgica nas Igrejas da Congregação da Missão, em especial na de Rilhafoles.

Cf: Bráulio Guimarães, Ob. Cit., Vol. I, p. 165.

O Dr. Vitor Freire, último Director do Hospital Miguel Bombarda e que pertence a uma Comissão de Preservação do Hospital Miguel Bombarda, a qual tem tentado que não seja destruído e se apague a memória quer da Congregação, quer de todo o património histórico daquela casa (museu, capela, balneários).

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Adácio Pestana, trompista e compositor

A Fundação Calouste Gulbenkian: o papel do seu Serviço de Música no âmbito do apoio às bandas

Bruno Madureira

Desde os seus primeiros anos de existência, em meados da década de 1950, até meados da década de 90, que a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) apoiou direta ou indiretamente bandas de música amadoras, quer através da concessão de subsídios e instrumentos, quer no âmbito da formação de elementos e promoção do trabalho artístico destes agrupamentos musicais.

Apoiado, em grande medida, nos relatórios de contas da FCG, este artigo pretende analisar e dar a conhecer o contributo da FCG, em particular do seu Serviço de Música, às bandas de música amadoras ao longo de cerca de quatro décadas.

Podemos considerar relevante a contribuição desta instituição para a manutenção e desenvolvimento de muitos destes agrupamentos, não só ao nível dos apoios monetários e materiais, mas também no que diz respeito à formação de maestros e executantes, e ainda à promoção destes agrupamentos musicais.

O papel da FCG foi ainda mais valioso se tivermos em conta que a maioria desses apoios foi efetuada num período particularmente crítico para as bandas de música. Contudo merece também realce a discrepância entre os apoios monetários atribuídos a esses agrupamentos amadores – em média apenas cerca de cinco por cento do total dos subsídios atribuídos – e aqueles que eram dirigidos a outros agrupamentos, projetos ou atividades.

A Fundação Calouste Gulbenkian: o papel do seu Serviço de Música no âmbito do apoio às bandas de música (1955-1995), por Bruno Madureira, ERAS 2014.

Leia AQUI o artigo completo.

Adácio Pestana, trompista e compositor
Adácio Pestana, trompista e compositor
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