Tag Archive for: fazer e pensar música

Roda de Samba, artista Caribé

PT Brasil

A performance musical é essencial no aprendizado da música, pois há um deslocamento da percepção e da ação de se fazer música e o que passa a ser relevante, o que se levanta e se alça como essencial é o gesto musical, como um gesto dionisíaco de indiferenciação da personalidade (des)integrando a subjetividade da pessoa e a objetividade do fenômeno na unidade do memorável.

Em cada um de nós, pode-se dizer, existem dois seres que, embora sejam inseparáveis – a não ser por abstração -, não deixam de ser distintos. Um é composto de todos os estados mentais que dizem respeito apenas a nós mesmos e aos acontecimentos da nossa vida pessoal: é o que poderia chamar de ser individual. O outro é um sistema de ideias, sentimentos e hábitos que exprimem em nós não a nossa personalidade, mas sim o grupo ou os grupos diferentes dos quais fazemos parte; tais como as crenças religiosas, as crenças e práticas morais, as tradições nacionais ou profissionais e as opiniões coletivas de todo tipo. Este conjunto forma o ser social. Constituir este ser em cada um de nós é o objetivo da educação

Durkheim

E concordando com esse pensamento Libâneo:

Num sentido mais amplo, a educação abrange o conjunto das influências do meio natural e social que afetam o desenvolvimento do homem na sua relação ativa com o meio social. (…) Os valores, os costumes, as ideias, a religião, a organização social, as leis, o sistema de governo, os movimentos sociais são forças que operam e condicionam a prática educativa.

José Carlos Libâneo


Portanto, se a educação tem objetivamente esse caráter formativo e constitutivo do ser social, depreende-se que isso deva acontecer continuamente e dialogicamente: “(…) este ser social não somente não se encontra já pronto na constituição primitiva do homem como também não resulta de um desenvolvimento espontâneo” (Emile Durkheim).

Buscamos compreender as possibilidades a partir das perspectivações da música dentro e fora do espaço escolar. Assumimos que as vivências dinâmicas da escuta do fenômeno musical não podem ser circunscritas ao ambiente escolar apenas.

A maior parte dos nossos conhecimentos adquirimo-los fora da escola. Os alunos realizam a maior parte de sua aprendizagem sem os, ou muitas vezes, apesar dos professores. Mais trágico ainda é o fato de que a maioria das pessoas recebe o ensino da escola, sem nunca ir à escola.

Ivan Illich

Se o currículo escolar avança para além de seus muros tornando-se uma cultura ex-escola, ou seja, até os que não passam pela escola são de algum modo escolarizados, devemos perguntar que currículo escolar é esse e como a música está presente nele.

Perrenoud identifica, como um dos três mecanismos responsáveis pelos sucessos e fracassos produzidos na escola, “(…) o currículo, em outras palavras, o caminho que desejamos que os alunos percorram”.

Há um diálogo urgente que nos convoca para pensar como as teorias do conhecimento que permeiam as concepções de escola recebem o aceno da música, que é sempre uma experiência fundadora de sentido para fazer saber e conhecer.

Premissa fundamental que procuramos colocar em prática: a música está na base de todo conhecimento humano. Se não há música, então, não há conhecimento possível, pois a música funda nossos modos de pensar, dizer e mostrar.

O aprendizado musical nos traz o saber fazer harmonizador, uma harmonia não como um recurso de condução de vozes, mas como composição, até mesmo as técnicas de harmonização das vozes são antes um mostrar-se originário da diferença, da compatibilização dos contrários, por isso harmônicos, sem exclusão de nenhuma parte, eis o princípio articulador da música e uma reflexão para conduzirmos dentro e fora da escola o fundamento harmônico em um currículo escolar segregador e, portanto, excludente, ou seja, desarmônico.

Harmonia é a possibilidade de con-verter em com-posição instâncias substantivas fenomênicas, instâncias substantivas que sejam e/ou façam o movimento em direção ao mostrar-se, significa: harmonizar é ser capaz de juntar concretamente no fim mas desde o princípio torná-las um todo, sem destruir nem diluir nem elidir sua di-ferença. Ao contrário, constituindo uma nova diferenciação, produzindo a diferença entendida como o seu caminho para o des-conhecido, para o que não era harmonizado e passa a ser.

Antonio Jardim

Um currículo escolar que não contemple a música está fadado ao fracasso, ao menos, desde a perspectiva de ensino e aprendizado do poético, ou ainda se considerarmos o que se aprende e ensina fora da escola e que em um “modelo curricular sem música” estaria também destinado a ser um currículo: recortado, aleijado, lacunar, sem um dos pilares, — senão o pilar central que rege o sentido de saber e conhecer — desde as culturais aborígenes, arcaicas e primevas: o que denominamos como música; a experiência singular do memorável presentado em nossas ações sensório-corpóreo-motoras.

A música não é o único caminho, mas é nosso caminho, que apontamos como possibilidade de perspectivação e reflexão do ambiente escolar pautado por um ensino conteudístico curricular desarmonizado da realidade social expericenciada pela própria comunidade escolar.

Perspectivando o aprender e ensinar música: experienciando e refletindo desde o subprojeto PIBID-Música da UFRJ, por Celso Garcia de Araújo Ramalho, Anderson Carmo de Carvalho, Camila Oliveira Querino PPG em Ciência da Literatura Rio de Janeiro – RJ Eliete Vasconcelos Gonçalves, in Educação: Políticas, Estrutura e Organização 10, Gabriela Rossetti Ferreira, org. Atena Editora 2019. [ Excerto ]

Roda de Samba, artista Caribé
Roda de Samba, artista Caribé
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Harmonia entre fazer e pensar música

PT Brasil

A metodologia do ensino da música confinada por séculos sob a alcunha dos “conservatórios” apresenta um conjunto de procedimentos que, por vezes, torna certas percepções menos possíveis, como o envolvimento corporal na vivência musical.

A disposição do sistema educacional tradicional organiza os alunos de forma a não haver contato físico, a conter o movimento corporal, a não haver movimento grupal, a conformar o corpo a movimentar apenas a cabeça e os olhos. O movimento restringe-se a cumprir funções tais como orientar o corpo em direção ao professor, à lousa, ao caderno, ao livro, ou ao celular, este último, um aparelho institucionalizado oficiosamente dentro da sala de aula.

Assim, num ambiente que propõe um aprendizado regrado e objetivado, o aprendizado musical é prejudicado por ter que se enquadrar às restrições impostas pela organização e disposição da sala de aula. Objetivar, funcionalizar, não faz parte da essência do que é música, esses procedimentos não contribuem nas avaliações que medem o nível de aprendizado musical dos alunos, nem nas provas de ingresso para instituições.

Apesar das dificuldades que enfrentamos na abordagem dos conteúdos musicais em sala de aula no Ensino Médio, sempre há um esforço em estabelecer um vínculo que provoque o interesse dos alunos. Uma das possibilidades é desenvolver o estímulo a partir do despertar da escuta, que para alguns alunos está relacionada ao caráter do som como fonte imediata de gozo ou deleite sonoro.

Estabelecido o vínculo com os alunos, o próximo passo é pensar em como desfuncionalizar a música e ir além de encerrá-la à esfera do entretenimento, buscando convalidar o espaço regular ou formal de ensino-aprendizagem do fenômeno musical como forma de conhecer o real, isto é, ser verdade, sem reduções representacionais.

O formato das “oficinas de música”, as ações que denominamos “Palco Aberto”, a crítica aos conteúdos e metodologias de abordagem nos livros didáticos de “Artes”, os debates entorno da música como cultura e não como objeto ou abstração e representação social, as possíveis interações da música com as outras disciplinas do currículo escolar, abrem perspectivações para investigarmos música além e aquém das reduções impostas pela regulação da representação antropológico-instrumental da técnica. Saber esperar o tempo musical como tempo para saber saborear o originário.

Saber investigar significa saber esperar, mesmo que seja durante toda uma vida. Numa época, porém, em que só é real o que vai de pressa e se pode pegar com ambas as mãos, tem-se a investigação por “alheada da realidade”, por algo que não vale a pena ter-se em conta de numerário. Mas o Essencializante não é o número e sim o tempo certo, i. é., o momento azado, a duração devida.

Heidegger, 1999

Perspectivando o aprender e ensinar música: experienciando e refletindo desde o subprojeto PIBID-Música da UFRJ, por Celso Garcia de Araújo Ramalho, Anderson Carmo de Carvalho, Camila Oliveira Querino PPG em Ciência da Literatura Rio de Janeiro – RJ Eliete Vasconcelos Gonçalves, in Educação: Políticas, Estrutura e Organização 10, Gabriela Rossetti Ferreira, org. Atena Editora 2019. [ Excerto ]

Jovem executante de marimba
Jovem executante de marimba
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