Acredito em pouca coisa que venha escrita em loiça, dessa de pôr na parede.
Acredito mais no desempenho da laranja que apanho, que como e me mata a sede.
Acredito nas façanhas, muito menos nas patranhas de quem faz só porque sim.
Acredito nas crianças, no meu ventre são esperanças de um futuro sem fim.
Acredito na loucura de quem pede mais ternura e vira costas à guerra.
Acredito na fé dos outros que às vezes abrem poços só para encontrar mais terra.
Acredito no Caetano, no Zambujo que é meu mano, em todas as vozes calmas.
Acredito na poesia e também na aletria, em todos adoçantes de almas.
Acredito na minha mãe, ela que sofreu bem para que eu fosse como sou.
Crente nos frutos e flores, nos mais impossíveis amores, onde o Sol mais brilhar eu estou.
Eu estou Eu estou Eu estou Eu estou Eu estou
Letra: Celina da Piedade Música: Alex Gaspar Intérprete: Celina da Piedade (in CD “Sol”, Sons Vadios, 2016)
Eu ia não sei p’ra onde
[ Que Bonito Que Seria ]
Cantiga primeira:
Eu ia não sei p’ra onde, Encontrei não sei quem era: Encontrei o mês de Abril Procurando a Primavera.
Moda:
Que bonito que seria Se houvesse compreensão: Os homens não se matavam E davam-se como irmãos.
É tão linda a Liberdade, Até que chegou um dia; Se houvesse compreensão, Então que bonito que seria.
Cantiga segunda:
Não há bem que sempre dure Nem mal que não acabe; Mas há quem lute Pelo fim desta nossa Liberdade.
Moda:
Que bonito que seria Se houvesse compreensão: Os homens não se matavam E davam-se como irmãos.
É tão linda a Liberdade, Até que chegou um dia; Se houvesse compreensão, Então que bonito que seria.
Letra e música: Popular (Alentejo) Intérprete: Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in CD “O Círculo Que Leva a Lua”, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2003; Livro/2CD “Terra: Antologia 1972-2006”: CD 2, Associação de Cante Alentejano “Os Ganhões”, 2006) Primeira versão do Grupo Coral “Os Ganhões de Castro Verde” (in LP “Os Ganhões de Castro Verde”, Metro-Som, 1980, reed. Metro-Som, 1997)
É o amor
[ Juntos somos mais fortes ]
Intérprete: Amor Electro
Nunca sofri de raça
[ Sangue Bom ]
Nunca sofri de raça Minha pele é muito boa Tenho sangue mouro de Goa E sangue louro de Mombaça
Saiba o senhor Minha raça é meio-errante Num dia sou quase zulu No outro dia, xavante Mulato, preto-fulo
Saiba o senhor Saiba o senhor
Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça é superstição de gente mal arraçada
Saiba o senhor: eu não creio em raça, não, raça danada Raça é superstição de gente mal arraçada Eu não creio em raça, não
Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não
Eu sou o avesso da raça Minha alma é muito à toa Gosto d’amêijoas com jimboa A toda a mistura acho graça
Saiba o senhor Saiba o senhor
Minha raça é um jardim Num dia sou quase azul No outro, cor de marfim Sou Bissau e sou Cochim
Saiba o senhor Saiba o senhor
Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça é superstição de gente mal arraçada
Saiba o senhor: eu não creio em raça, não, raça danada Raça é superstição de gente mal arraçada Eu não creio em raça, não
Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Raça danada, eu não creio em raça, não Eu não creio em raça, não
(Raça dum cabrão!) Poema: José Eduardo Agualusa (Para o Caetano Veloso que quis um dia saber a minha raça) Música: João Afonso Lima Intérprete: João Afonso com António Afonso
São dois braços
[ Canção dos abraços ]
São dois braços, são dois braços Servem p’ra dar um abraço Assim como quatro braços Servem p’ra dar dois abraços
E assim por ai fora Até que quando for a hora Vão ser tantos os abraços Que não vão chegar os braços
Vão ser tantos os abraços Que não vão chegar os braços P’ra os abraços
Intérpete: Sérgio Godinho
Sérgio Godinho
Da peça de Sérgio Godinho Eu, tu, ele, nós, vós, eles
A azeitona por ser preta Ai, vai-se a moer ao lagar; Também eu por ser trigueira Ai, na terra me hei-de eu casar.
A oliveira pequenina Ai, que azeitona pode dar? Um baguinho, até dois Ai, até muito carregar.
Nós andamos na vindima, Ai, que lindos cachos que saem! Havemos de pendurá-los, Ai, todo o tempo sabem bem.
A azeitona por ser preta Ai, vai-se a moer ao lagar; Também eu por ser trigueira Ai, na terra me hei-de eu casar.
A oliveira pequenina Ai, que azeitona pode dar? Um baguinho, até dois Ai, até muito carregar.
Nós andamos na vindima, Ai, que lindos cachos que saem! Havemos de pendurá-los, Ai, todo o tempo sabem bem.
Letra e música: Tradicional (Outeiro, Sertã, Beira Baixa) Recolha: Armando Leça (1939-40) Intérprete: Ai! (in CD “Lavra, Boi, Lavra: Canções de Trabalho”, Ai!/Coruja do Mato, 2015)
Dezembro
[ O Cavador ]
Dezembro, noite, canta o galo… Rouco na treva canta o galo… Aldeão não durmas!… Vai chamá-lo, Miséria negra, vai chamá-lo!… — Oh, dor! oh, dor! oh, dor! — Bate-lhe à porta, é teu vassalo, Que traga a enxada, é teu vassalo, Fantasma negro, o cavador!
Vem roxa a estrela d’alvorada… Vem morta a estrela d’alvorada — Montanhas nuas sob a geada!… Hirtas, de bronze, sob a geada!… — Oh, dor! oh, dor! oh, dor! — Torvo, inclinado sobre a enxada, Rasga as montanhas com a enxada, Fantasma negro, o cavador!
Cavou, cavou desde que é dia… Cavou, cavou… Bateu meio-dia… De pé na encosta erma e bravia, Triste na encosta erma e bravia, — Oh, dor! oh, dor! oh, dor! — Largando a enxada, «Ave-Maria!…» Reza em silêncio… «Ave-Maria!…» Fantasma negro, o cavador!
Cavou cem montes… que é do trigo? Gerou seis bocas… que é do trigo? Bateu a Fome ao seu postigo… Bateu a Morte ao seu postigo… — Oh, dor! oh, dor! oh, dor! — «Que a paz de Deus seja comigo!… Que a paz de Deus seja comigo!…» Disse, expirando, o cavador!
Poema: Guerra Junqueiro (excerto adaptado) Música: Luís Cília Intérprete: Luís Cília (in LP “La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours – 2”, Moshé-Naïm, 1969; CD “La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours”, EMEN, 1996)
Ai, ó gentinha desta terra
[ Moda de Malhar ]
Ai, ó gentinha desta terra, Ai, venham ver a grande malha!
Umas ceifam, outras erguem E outras seguram… E outras seguram… E outras seguram a palha.
Ai, nosso amo anda agastado, Ai, é por ver o sol baixinho.
Estamos ao cimo da eira, Ai, venha a botelha… Ai, venha a botelha… Ai, venha a botelha do vinho!
Ai, lá baixo vem a raposa Ai, com seu rabo pelo chão,
Procurar aos lenhadores Se têm um carneiro… Se têm um carneiro… Se tem um carneiro ou não.
Nosso amo tem uma vaca, Ai, também tem um bezerrinho:
A vaca chama-se Andurra E o bezerro vem… E o bezerro vem… E o bezerro vem ao vinho.
Ai, já roubaram ao moleiro Ai, a filha pelo telhado:
Julgavam que era presunto Que estava depen… Que estava depen… Que estava dependurado.
Moda de Malhar Letra e música: Tradicional (Cedovim, Vila Nova de Foz Côa, Beira Alta) Intérprete: Ai!* (in CD “Lavra, Boi, Lavra: Canções de Trabalho”, Ai!/Coruja do Mato, 2015)
Amaduraram-se os cachos
[ Vindimeiro ]
Amaduraram-se os cachos torna o tempo da vindima bagos novos bagos novos arde-lhes o oiro em cima
vergam-se as vides pesadas bagos ciosos se animam vindimeiro vindimando vinho moço em velha vinha
Vindimeiro vindimado quem te vindima a ansiedade? cachos verdes quem tos dera para vindimares a saudade
tens mais sede de vindima do que tem a farta uva a sede de ser colhida se cai a primeira chuva
Como cachos para o lagar saltam os seios às vindimeiras bagos cheios bagos cheios de desejo e bebedeiras
anda a serpente da terra na dança das parras soltas vindimeiras vindimadas rebentam bagos na boca
Vindimeiro vindimado quem te vindima a ansiedade? cachos verdes quem tos dera para vindimares a saudade
tens mais sede de vindima do que tem a farta uva a sede de ser colhida se cai a primeira chuva
tens mais sede de vindima do que tem a farta uva a sede de ser colhida se cai a primeira chuva
Letra: Manuel Lima Brummon Música: Vítor Manuel Rodrigues Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Portugal Triste”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1980; CD “Tereza Tarouca”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 32, Movieplay, 1994; CD “Teresa Tarouca”, col. Clássicos da Renascença, vol. 15, Movieplay, 2000)
Ao meu ceifãozinho novo
Ao meu ceifãozinho novo Olha lá como ceifas Não cortes os meus dedos São penas que tu me dás.
Fui à ceifa do Porto Santo Fui à igrejinha dos profetas Olhei para o altar e vi O padre em cuecas.
Fui à ceifa ao Porto Santo À fama do bom ceifar Fui para amarrar as gavelas Puseram-me a respigar.
Fui à ceifa ao Porto Santo Com as cearas amarelas As moças me deram fitas Para amarrar as gavelas.
Fiz a cama na feiteira Travesseiro na giesta De que serve a cama boa Se o travesseiro não presta.
Meloteca, recursos musicais criativos para crianças, professores e educadores
Apanhámos este trigo
Apanhámos este trigo e colhemos a nossa aveia, falámos da nossa vida, deixámos a vida alheia.
Eu subi à ladeira, ó João canta comigo: És um botão de rosa, botão de cravo sou eu,
assobia cana verde, assobia de nó em nó, a falar com o meu amor, julgava que estava só.
Quando eu comecei a amar, foi numa segunda-feira, fui amando e fui gostando, amei a semana inteira!
Ó que lindo chapéu preto naquela cabeça vai, ó que lindo rapazinho era genro para ser de meu pai!
Passei à tua porta, pus a mão na fechadura, estavas dentro, não falaste, coração de pedra dura.
(Tradicional da Madeira, cantigas que se cantavam quando se apanhava o trigo.)
As lavadeiras
As lavadeiras sempre a lavar Muito ligeiras roupas a corar Ligeiras são com alegria, O ganha-pão de cada dia.
Sou vaidosa não me chames Faz favor de se calar Na ribeira de João Gomes, Minha roupa vou lavar.
Minha roupa estou lavando Com isso eu tenho alegria, Eu sou sempre lavadeira Ganho o pão de cada dia.
Tradicional da Madeira
Bela ceifeira
Bela ceifeira d’outrora Elas linda mesmo trigueira E quando eu te olho agora Nem pareces tu ceifeira
Nos teus tempos de moçoila Eras tu, ó linda cara A mais bonita papoila Que se via pela seara
Tinhas cabelos loirinhos Como espigas nos trigais Mas hoje são tão branquinhos Como linho ou talvez mais
Numa tarde de sol quente Em ceifa do Zé das Navas Eu atava alegremente O trigo que tu ceifavas
Eu já no fim de Junho Tu não te lembras, amiga Em que tu de foice em punho Me cantaste esta cantiga
Ao atares estas gavelas Agora as que ceifo aqui Repara que dentro delas Vão beijinhos para ti
Minha resposta, afinal Já não me recorda toda Sei que dia do Natal Foi a nossa bela boda
Passou o tempo, discordámos Era dia de Santo André À lareira conversávamos Sobre a vinda de um bebé
Eu desejava um menino Tu uma menina, e depois Por milagre divino Fomos brindados os dois
Essa menina, porém És mesmo o retrato teu O menino, sabe-lo bem, Esse não, esse é o meu
Nossa casa tão modesta Pequenina mas tão bela Tem sempre um ar de festa Paz e amor dentro dela
Anos, já lá vão setenta Sempre pobre, mas enfim Qualquer coisa me contenta Até quem me fala assim:
“Onde vai, de braço dado, Senhor Nuno com Ti Arriça?” Respondo, muito animando: “É domingo, vou à missa.”
Constantino José Abreu, “o Caipira”
Bóia, bóia, binha
Bóia, bóia, binha, que faz assim, assim. 1. Ora agora a costureira faz assim, assim, assim.
2. o alfaiate
3. o sapateiro
4. a brunideira
Santo Tirso, Douro Litoral
Corta, minha foice
[ Cantiga da Ceifa ]
Corta, minha foice, corta Ai, neste pão tão miudinho! Ai, quem houver de andar p’ra outrem Ai, há-de andar com cuidadinho!
Por cima se ceifa o pão, Ai, por baixo fica o restolho. Ai, menina não se ‘namore Ai, do rapaz que empisca o olho!
O rapaz do chapéu preto Ai, precisa a cara partida: Ai, por baixo do chapéu preto Ai, pisca o olho à rapariga.
Quem me dera já cá noite: Ai, o pão da ceia na mão, Ai, o dinheiro na algibeira, Ai, o amor no coração.
Corta, minha foice, corta Ai, neste pão tão miudinho! Ai, quem houver de andar p’ra outrem Ai, há-de andar com cuidadinho!
Letra e música: Tradicional (Fernão Joanes, Guarda, Beira Alta) Intérprete: Ai!* (in CD “Lavra, Boi, Lavra: Canções de Trabalho”, Ai!/Coruja do Mato, 2015) Outra versão com César Prata: César Prata – “Cantiga da Ceifa e Nome de Maria” (in CD “Futuras Instalações”, César Prata/RequeRec, 2014)
De onde vieste agora
[ Cantiga de apanhar o trigo ]
De onde vieste agora Boca cheia de alegria A tua cara merece Trinta beijos cada dia.
Da minha janela à tua Um saltinho de uma cobra Eu gostava de chamar Tua mãe por minha sogra.
Eu mandei buscar lá fora O que não há na Madeira, Uma cangalha de cornos Para te fincar na caveira.
Minha mãe para me casar Prometeu-me quanto tinha, Depois de me ver casada Deu-me uma agulha sem linha.
Trigo louro, trigo louro Trigo de palha amarela, De baixo do trigo loiro Namorei uma donzela.
Trigo loiro trigo loiro Trigo de palha dourada, Debaixo do trigo loiro Namorei uma casada.
Trigo loiro, trigo loiro Quem me dera a tua cor, Para andar nos calos santos Servir a Deus Nosso Senhor.
Deitei um limão correndo À tua porta parou, Quando o limão te quer bem Que fará quem o deitou.
Semeei no meu quintal O brio das raparigas, Nasceu-me uma rosa branca Cercada de margaridas.
Cantiguinhas que eu sabia Todas me têm esquecido, Agora me têm esquecido Na apanhadinha do trigo.
Minha mãe mandou-me à lenha Trouxe lenha de giesta, Minha mãe ficou contente Para cozer o pão da festa.
Tradicional da Madeira
E oh lera
[ Lerar o Gado ]
E oh lera, oh! Inda Lucinda, oh andas oh?! Diz-me onde andas com as ovelhas, Lá vou ter! E oh lera!
E oh lera, oh! Inda Zulmira, oh andas oh?! Ando noutra rua ali oer, Vem cá ter! E oh lera!
E oh lera, oh! Inda Lucinda, pois sim oer! Então vou lá ter, Guarda-me da tua merenda! E oh lera!
E oh lera, oh! Inda Zulmira, ohi, pois sim! E oh lera!
E oh lera, oh! Inda Lucinda, oheu, adeus! E oh lera!
Letra e música: Tradicional (Vouzela, Beira Alta) Intérprete: Ai! (in CD “Lavra, Boi, Lavra: Canções de Trabalho”, Ai!/Coruja do Mato, 2015)
Elas lavam
[ As lavadeiras ]
Elas lavam, elas lavam, Elas lavam sem parar.
Põe aqui o teu pezinho, põe aqui na brincadeira. Vamos ver as lavadeiras a lavarem na Ribeira.
Elas esfregam, elas esfregam, Elas esfregam sem parar. Elas torcem, elas torcem, Elas torcem sem parar.
Elas dobram, elas dobram, Elas dobram sem parar. Elas falam, elas falam, Elas falam sem parar.
Tradicional da Madeira
Ele não é empregado da aplicação
[ Escravo do Patrão ]
Autor: Luís Varatojo Intérprete: Luta Livre
Eu sou o Xico pastor
Eu sou o Xico pastor Minha vida é guardar gado Eu juro que tenho amor Às ovelhinhas que guardo
São todas de bom tamanho Lindas e bem arraçadas E das trezentas do rebanho Tenho oito baptizadas
É a Má e a Princesa A Churra e a Vaidosa A Manca, a Baronesa A Bonita e a Gulosa
A Cabresto, a mais gorducha Que traz o maior chocalho É vendida baratucha É machorra, vai para o talho
Um borrego temporão Que lá tenho com a lã vasta Eu direi ao meu patrão Para o deixar para casta
Meu ajuda vai à fonte Traz notícias da aldeia À noitinha vai ao monte Com o tarro buscar a ceia
Durmo no alto da serra Do São Miguel até Março São vistas da minha terra As fogueiras que ali faço
Deitado na minha choça Vejo em noites luarentas Lá no pino duma rocha As corujas agoirentas
E a raposa esperta Quer-me um borrego roubar Meu canito está alerta Não a deixa aproximar
Ao chegar o santo dia Eu fico cheio de alegria Olho o prado, é um jardim A minha flauta a tocar Passarinhos a cantar É tão bom viver assim
Constantino José Abreu, “o Caipira”
Eu sou o Zé da enxada
Eu sou o Zé da enxada Caminhando de madrugada Oiço a linda cotovia Voando alto sem a ver O seu canto quer dizer: “Vem aí um novo dia”
Ao passar junto ao silvado Abala o melro assustado Lá foge o espertalhão O rouxinol não se espanta Em vez de fugir canta A sua linda canção
Chego ao lugar destinado De pão como um bocado Sentado a descansar Nasce o sol e de repente Diz o manajeiro: “Ó gente, Nós temos de ir a trabalhar!”
Vou-me à enxada agarrar E então começo a cavar Com vontade e valentia Assim que chega o sol-posto Eu volto a casa com gosto Para junto da Maria
Chego, as boas-noites dou A seguir, lavar-me vou Já está na mesa a ceia Enquanto eu estou ceando A Maria está contando Novidades da aldeia
Esta vida para mim Espinhosa, mas enfim Mas vivo com alegria Tem sido e continua A enxada e a charrua Darem-me o pão de cada dia
Constantino José Abreu, “o Caipira”
Fui ao Douro à vindimas
Fui ao douro às vindimas, não achei que vindimar. Vindimaram-me as costelas. Olha o que lá fui ganhar!
Retira-te das janelas. Retira-te do balcão. Vem comigo p’ràs vindimas, amor do meu coração.
Fui ao douro às vindimas, pagaram-me a trinta réis. Vim pela feira do Pêso; empreguei-os em anéis.
Não se me dá que vindimem videirinha que eu podei. Não se me dá que outros logrem o que eu por gosto deixei.
Não se me dá que vindimem, nem também de vindimar. Só me dá das tristes noites que se passam no lagar.
Vindimas no Douro
Tradicional do Minho
Lavra, boi, lavra
Lavra, boi, lavra No chão da Portela! Repica, repica Na vaca amarela! Ei, boi a lavrar! Ei, boi!
Lavra, boi, lavra No chão do Vilar! Comer e beber E toca a virar! Ei, boi a lavrar! Ei, boi!
Lavra, boi, lavra! Não digas que não! Repica, repica, Rodinha no chão! Ei, boi a lavrar! Ei, boi!
Lavra, boi, lavra No chão da Portela! Repica, repica Na vaca amarela! Ei, boi a lavrar! Ei, boi!
Letra e música: Tradicional (São Martinho de Crasto, Ponte da Barca, Minho) Recolha: Gonçalo Sampaio (1890-1925, in “cancioneiro Popular Português”, de Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça, Lisboa: Círculo de Leitores, 1981 – p. 103) Intérprete: Ai!* (in CD “Lavra, Boi, Lavra: Canções de Trabalho”, Ai!/Coruja do Mato, 2015) Outra versão com César Prata: César Prata (in CD “Futuras Instalações”, César Prata/RequeRec, 2014)
Igreja Matriz de São Martinho de Crasto
Linda ceifeira
Linda ceifeira Loira e trigueira Gosto de ti Teu rosto, linda flor Encantador Outro não vi
Ao ver-te no mês de Junho De foice em punho Ceifando o trigo Dás alegria aos meus olhos Fazendo molhos Canto contigo
Com o chapéu desabado Rosto suado Sorrindo estás Mas tantas vezes ceifando Andas pensando No teu rapaz
À sombra da oliveira Linda ceifeira À sesta dormes Debaixo do sol ardente Ceifas contente O pão que comes
Constantino José Abreu, “o Caipira”
Meus Senhores
[Moda:]
Meus senhores, eu venho à praça Este meu corpo oferecer, Este meu corpo-carcaça De se comprar e vender!
De se comprar e vender Por bem se negociar, No negócio de render Sem ter nele nada a ganhar…
[ Cantiga: ]
É tempo de se ceifar Trigos, cevadas e fenos… Quem dá mais pelo meu suar? Quem dá mais ou quem dá menos?
Letra: Vicente Rodrigues (1910-1982) Música: Modas à Margem do Tempo Intérprete: Modas à Margem do Tempo (in CD “Cantarolices”, Associ’Arte, 2003)
Na ponte da viola
Na ponte da viola (bis), toda a gente passa lá (bis). Lavadeiras fazem assim, sapateiros fazem assim, caçadores fazem assim, camponeses fazem assim.
Lárálálá.
Não se me dá que vindimem
Não se me dá que vindimem Vinhas que eu já vindimei Não se me dá que outros logrem Ai amores que já rejeitei.
Fui um ano à vindima Pagaram-me a trinta réis Dei um vintém ao barqueiro Ai vim p’ra casa com dez réis.
Pela folha da videira Conheço eu a latada. Faço-me dasatendida Ai a mim não me escapa nada.
Eu estou debaixo da latada Nem à sombra nem ao sol. Estou ao pé do meu amor Ai não há regalo maior.
Letra e música: Popular (Monsanto, Beira Baixa) Recolha: Fernando Lopes Graça Intérprete: Né Ladeiras e Luís Represas Outras versões: Jorge Lomba (in CD “Jorge Lomba”, UPAV, 1990); Contrabando (in CD “Fresta”, 2000); Filipa Pais (in CD “À Porta do Mundo”, Vachier & Associados, 2003)
Numa terra distante
[ A Menina da Canastra ]
Numa terra distante Viviam tranquilos sem grande mudança Os campos eram campos O vinho macio, a água era mansa
E a menina da canastra Tanta neve e ela passa Pelo caminho mais longo Segue o cheiro da fumaça
Segue o carreiro do maninho Rosmaninho, avelãs, o cheiro a pão
Dia de animação, O espeto na mão, o bicho sebado Rezas e devoção, Bruxarias, magia, tudo está destinado
E a menina da canastra Tanta neve e ela passa Pelo caminho mais longo Segue o cheiro da fumaça
Segue, como a roca faz o fio, Segue a lua que ilumina a escuridão
O desejo desceu à terra De caravela por entre a serra
Um partiu e depois Emigraram mais dois para fugir à desgraça Do sustento que dá semear tanto pranto Lavrar o que embaraça
Mas a menina da canastra Tanta neve e ela passa Pelo caminho mais longo Segue o cheiro da fumaça
Segue o carreiro do maninho Rosmaninho, avelãs, o cheiro a pão
O desejo desceu à terra De caravela por entre a serra
Como a roca faz o fio Assim vai a sua dor E de fio-a-pavio Partem para mal menor
Caravela do desejo Traz-lhe do céu uma flor A canastra da menina Não tem pão, só tem suor
Como a roca faz o fio Assim vai a sua dor E de fio-a-pavio Partem para mal menor
Caravela do desejo Traz-lhe do céu uma flor A canastra da menina Não tem pão, só tem suor
Como a roca faz o fio Assim vai a sua dor E de fio-a-pavio Partem para mal menor
Caravela do desejo Traz-lhe do céu uma flor A canastra da menina Não tem pão, só tem suor
A menina…
Letra e música: André Cardoso Intérprete: A Presença das Formigas com Amélia Muge (in CD “Ciclorama”, A Presença das Formigas, 2011)
Ó Margarida moleira
1. Ó Margarida moleira, dá-me da tua farinha. Ai, ai, ai, que a quero peneirar ai, ai, ai, pela nova peneirinha.
2. Ó Margarida moleira, a tua farinha é boa; ai ai ai, se agora não tens moída ai, ai, ai, dá-me então da tua broa.
3. Ó Margarida moleira tens moinho de moer; ai, ai, ai, p’ra moer quem te quer bem, ai, ai, ai, não tens pouco que fazer.
4. Ó Margarida moleira, amostra-me o teu moinho; ai, ai, ai, quero ver se ele trabalha, ai, ai, ai, devagar ou ligeirinho.
Cabeceiras de Basto, Minho
O que é feito das mondadeiras?
O que é feito das mondadeiras Que no Verão eram ceifeiras E apanhavam a azeitona? Onde estão os passarinhos A cantar entre os raminhos, Nas árvores aqui da zona?
As rolas fazendo o ninho, Grandes bandos de estorninhos, Para nós são uma saudade; Até as lindas perdizes E as vaidosas codornizes São já uma raridade.
Já ninguém dorme nas eiras, Por modo as debulhadeiras Que ao trigo fazem tudo. As danças, ai que saudade Os bailes da Sociedade Quando chegava o Entrudo!
Dizem-nos, por brincadeira, Que esta terra hospitaleira Tem brilhantes tradições; Por todos é adorada, Por muitos é visitada E fica em seus corações.
Letra: José Correia Música: Armando Torrão Intérprete: Pedro Mestre (in CD “Campaniça do Despique”, Viola Campaniça Produções Culturais/Pedro Mestre, 2015) Outra versão de Pedro Mestre (in DVD “No CCB: Pedro Mestre & Convidados”, Pedro Mestre, 2017)
Ora bate, padeirinha
Ora bate, padeirinha, ora bate o pé no chão. Ora bate, padeirinha, amor do meu coração.
Fui à fonte p’ra te ver, fui ao rio p’ra te falar. Nem na fonte nem no rio nunca te pude encontrar.
Os moleiros deste açude
[ Canção de Açude – Poema em Cor ]
Os moleiros deste açude, os moleiros deste açude, Os moleiros deste açude, os moleiros deste açude…
Os moleiros deste açude adoram a virgem de branco Os moleiros deste açude adoram a virgem vermelha Os moleiros deste açude adoram a virgem de verde Os moleiros deste açude adoram a virgem de preto
Branco, vermelho, amarelo, preto Branco, verde, azul, preto
De sol a sol, a trabalhar Tanto suor e sem tempo para o limpar Tanta farinha na minha mão Bem moidinha vai formar um grande pão
Eu não pertenço a esta aldeia Vim para aqui p’ra fazer o meu pé-de-meia Ai este rio corre p’ró mar Tão fugidio não pára p’ra descansar
‘Tou tão cansado de labutar Ai esta nora que não pára de girar
Branco, vermelho, amarelo, preto Branco, verde, azul, preto
Letra: Rodrigo Crespo e Tânia Cardoso Música: Rodrigo Crespo Intérprete: Canto Ondo (in CD “Entre o Alto do Peito e as Campainhas da Garganta”, A Monda – Associação Cultural/Canto Ondo, 2016)
Primavera das Flores
[ A Primavera ]
Primavera das flores Como esta não há mais A Primavera vai e volta sempre A mocidade não volta mais.
Ai borda rica filha, borda, borda Ai borda rica filha, borda, bem Em casa rica filha todos bordam Refrão Borda o pai borda a filha borda a mãe E eu também.
Bordadeira madeirense
Quem quiser regar
[ Cantiga de Rega ]
Quem quiser regar que regue Ai cá lhe fica o regador
Palavra dada Eu tenho Ai esta noite Ao meu amor
A palavra É igual à água Que há no regador Rega todo este chão Conversador
E com palavras Nós vamos regando Este longe que então Faz o perto crescer E dar seu pão
Tradicional portuguesa e Amélia Muge / Tradicional
Raparigas camponesas
[ Raparigas Mondadeiras ]
Raparigas camponesas, Ao rigor do temporáli Não há vento que as queime Nem sol que lhes faça máli.
Ó ló, ai larilolela! Ó ló, ai lariloló!
Raparigas mondadeiras, Andai lá com cuidadinho, Que manda o nosso patrão! Mondai lá bem o triguinho!
Ó ló, ai larilolela! Ó ló, ai lariloló! Ó ló, ai larilolela! Ó ló, ai lariloló!
Raparigas mondadeiras, Vamos todas a cantári! Já lá vem nossa patroa A trazer-nos o jantári.
Ó ló, ai larilolela! Ó ló, ai lariloló! Ó ló, ai larilolela! Ó ló, ai lariloló!
Já lá vem a noite em baixo, Já lá vem nossa alegria; Tristeza p’ra o nosso amo, Que já se lhe acaba o dia.
Ó ló, ai larilolela! Ó ló, ai lariloló! Ó ló, ai larilolela! Ó ló, ai lariloló! Ó ló, ai larilolela! Ó ló, ai lariloló! Ó ló, ai larilolela! Ó ló, ai lariloló! Ó ló, ai larilolela! Ó ló, ai lariloló! Ó ló, ai larilolela! Ó ló, ai lariloló!
Letra e música: Tradicional (Penha Garcia, Idanha-a-Nova, Beira Baixa) Recolha: GEFAC (Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra) Intérprete: Brigada Victor Jara / voz solo de Catarina Moura (in Livro/11CD “Ó Brigada!: discografia Completa da Brigada Victor Jara – 40 Anos”: CD Extra, Tradisom, 2015)
Rema
Rema Rema que rema Que é bom remar Rema, lanchinha P’ró alto mar
Rema Rema que rema Que é bom remar Rema, lanchinha P’ró alto mar
Rema que rema No mar irado Gostar de ti É um triste fado
Rema que rema Na calmaria Senhor S. Pedro És o meu guia
Rema Rema que rema Que é bom remar Rema, lanchinha P’ró alto mar
Rema Rema que rema Que é bom remar Rema, lanchinha P’ró alto mar
Rema que rema Pelo mar fora Segure o leme Nossa Senhora
Rema que rema P’ró areal Se te não vejo Passo bem mal
Rema Rema que rema Que é bom remar Rema, lanchinha P’ró alto mar
Rema Rema que rema Que é bom remar Rema, lanchinha P’ró alto mar
Rema Rema que rema Que é bom remar Rema, lanchinha P’ró alto mar
Letra e música: Aníbal Raposo (2000-08-07) Intérprete: Aníbal Raposo (in CD “Rocha da Relva”, Aníbal Raposo/Global Point Music, 2013)
Senhora Dona Anica
1. Senhora Dona Anica, venha abaixo ao seu jardim. Venha ver as lavadeiras a fazer assim, assim.
2. Senhora Dona Anica, venha abaixo ao seu jardim. Venha ver as costureiras a fazer assim, assim.
3. Senhora Dona Anica, venha abaixo ao seu jardim. Venha ver os jardineiros a fazer assim, assim.
4. Senhora Dona Anica, venha abaixo ao seu jardim. Venha ver os sapateiros a fazer assim, assim.
5. Senhora Dona Anica, venha abaixo ao seu jardim. Venha ver as brunideiras a fazer assim, assim.
6. Senhora Dona Anica, venha abaixo ao seu jardim. Venha ver os carpinteiros a fazer assim, assim.
7. Senhora Dona Anica, venha abaixo ao seu jardim. Venha ver as cozinheiras a fazer assim, assim.
Stando la molinera
[ Molinera ]
Stando la molinera Sentadita en su molino… Passou por alla un soldado, olé! olé! Vengo de moler el trigo. Que vengo de moler, morena.
Que vengo de moler, morena, De los molinos de abajo… Dormí con la molinera, olé! olé! No me ha cobrado el trabajo. Que vengo de moler, morena.
Que vengo de moler, morena, De los molinos de arriba… Dormí con la molinera, olé! olé! No me ha cobrado la maquia. Que vengo de moler, morena.
Que vengo de moler, morena, De los molinos del frente… Dormí con la molinera, olé! olé! Se enteró toda la gente. Que vengo de moler, morena.
Que vengo de moler, morena, De los molinos azules… Dormí con la molinera, olé! olé! Sabado, domingo y lunes. Que vengo de moler, morena.
Letra e música: Tradicional (Trás-os-Montes) Intérprete: Ai! (in CD “Ai!”, Ai!/RequeRec, 2013)
Sua o martelo
[ Instrumentos de Trabalho ]
Sua o martelo nas mãos como soa uma navalha instrumentos de trabalho em dedos que nunca falham
Instrumentos de trabalho ou mortes de mão primeiro Cresce o tempo no trabalho de um martelo de ferreiro
Primeiro os mortos são peso (ferro no sangue não fere) Instrumentos de trabalho de um calor que não requer
Desespero não é palavra nem será nunca instrumento A mão recobra o metal de material nos dedos
Dado o trabalho transpira a fome de um operário instrumento de acidente na justiça de um salário
Semidesliza o arado que o camponês não acusa Ou comemora a semente com as mãos sem armadura
Movimento de calor nos músculos que se recusam Sol a sol de instrumentos ou mortes de qualquer cura
Sua o martelo nas mãos como soa uma navalha instrumentos de trabalho em dedos que nunca falham
Dado o trabalho transpira a fome de um operário instrumento de acidente na justiça de um salário
Semidesliza o arado que o camponês não acusa Ou comemora a semente com as mãos sem armadura
Poema: Maria Teresa Horta (adaptado) Música: Lindolfo Paiva Intérprete: Dialecto* (in CD “Aromas”, Dialecto/Cloudnoise, 2011)
Instrumentos de trabalho
(Maria Teresa Horta, in “Cronista Não É Recado”, Lisboa: Guimarães Editores, 1967; “Poesia Reunida”, pref. Maria João Reynaud, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2009 – p. 262-63)
Instrumentos de trabalho ou mortes de mão primeiro
Cresce o tempo no trabalho de um martelo de ferreiro
Primeiro os mortos são peso (ferro no sangue não fere)
Instrumentos de trabalho de um calor que não requer
Desespero não é palavra nem será nunca instrumento
A mão recobra o metal de material nos dedos
Dado o trabalho transpira a fome de um operário instrumento de acidente na justiça de um salário
Semidesliza o arado que o camponês não acusa
Ou comemora a semente com as mãos sem armadura
Movimento de calor nos músculos que se recusam
Sol a sol de instrumentos ou mortes de qualquer cura
Sua o martelo nas mãos como soa uma navalha instrumentos de trabalho em dedos que nunca falham
Ferreiro com martelo
Toda a vida fui pastor
1. Toda a vida fui pastor, toda a vida guardei gado. Tenho uma mágoa no peito, ai, ai, de me encostar ao cajado.
2. De me encostar ao cajado, lá pelos campos a rigor. Toda a vida guardei gado, ai ai! Toda a vida fui pastor.
3. Meu lírio roxo do campo, criado na Primavera, desejava amor saber, ai, ai, a tua intenção qual era.
4. A tua intenção qual era desejava amor saber. Meu lírio roxo do campo, ai, ai, quem te pudera colher.
Mel. trad. Alentejo
Trigo loiro
[ Cantiga de ceifa ]
Trigo loiro, trigo loiro, Ai! Quem me dera o teu valor! Que entrara no cálice de oiro Ai! Onde entra Nosso Senhor.
Trigo loiro, trigo loiro, Ai! Quem me dera o teu valor! Levara a cruz ao Calvário Ai! Como fez Nosso Senhor.
Trigo loiro, trigo loiro, Ai! Quem me dera o teu valor! Que entrara no cálice de oiro Ai! Onde entra Nosso Senhor.
Trigo loiro, trigo loiro, Ai! Quem me dera o teu valor! Levara a cruz ao Calvário Ai! Como fez Nosso Senhor.
Letra e música: Tradicional (Gonçalo, Guarda, Beira Alta) Intérprete: Ai! (in CD “Ai!”, Ai!/RequeRec, 2013) Outras versões com César Prata: Chuchurumel – “Canção da Ceifa” (in CD “No Castelo de Chuchurumel”, Chuchurumel/Luzlinar, 2005); Ai! (in CD “Lavra, Boi, Lavra: Canções de Trabalho”, Ai!/Coruja do Mato, 2015)
Vamos apanhar o trigo [ Este trigo ]
Vamos apanhar o trigo Vamos escolher da aveia Falamos na nossa vida Deixamos a vida alheia.
Este trigo está bom trigo Parece trigo de relva Calai a boca menina Deus do céu é que governa.
Nossa Senhora do Monte É madrinha de João Eu também sou afilhada Da Virgem da Conceição
Esta noite vai dar vento Também vai dar viração As rosas vão voar Não vai ficar nem um botão.
Este trigo está bom trigo As favas estão mais falidas Os olhos do meu amor É a flor das raparigas.
Tradicional da Madeira
Vamos apanhar o trigo [ Trigo louro ]
[ Trigo Louro ]
Vamos apanhar o trigo Vamos lhe escolher a veia Cuidamos da nossa vida Deixemos a vida alheia.
Trigo louro, trigo louro Empresta-me a tua cor Quero ir ao sacrário Oferecer a Nosso Senhor.
Trigo louro, trigo louro Trigo da folha amarela Debaixo do trigo louro Namorei uma donzela.
Trigo louro, trigo louro Trigo da folha estreita A apanhar o trigo louro Namorei uma sujeita.
Trigo louro, trigo louro Trigo da folha miúda Debaixo do trigo louro Namorei uma viúva.
Tradicional da Madeira
Vamos todos a cantar
[ As profissões ]
Vamos todos a cantar, estas nossas profissões, neste grupo que é alegre, com bailados e canções.
Eu aqui sou bordadeira, neste pano vou bordar, que o bordado da Madeira, é para se exportar.
Eu sou um agricultor, com a enxada na mão, é que a vida no campo, também é uma profissão.
Também vamos começar, aqui todos trabalhando, com amor a esta vida, alegres também cantando.
Eu também vou fiar linho, de estopa e de tomentos, e nesta história do linho, se passam muito tormentos.
Eu que debulho o milho, é o que eu vou fazer, isto é o comer do pobre, temos que o defender.
Todo o homem que trabalha, honra a pátria e aos seus, havendo comida em casa, todos dão graças a Deus.
Também eu vou fazer tricot, isto para me entreter, temos nós que trabalhar, para se poder viver.
Também vou apanhar erva, para os meus animais, esta foi a bela arte, que me deram os meus pais.
E todos nós trabalhámos, para se poder comer, e nós também cantamos, é para nos entreter.
Neste lugar sou ceifeira, do trigo que é o nosso pão, eu apanho muito sol, que é neste tempo de verão.
Eu também sou marceneiro, que é uma arte fina, sou eu que faço os móveis, desde a sala até às cozinhas.
Todas estas profissões, quem trabalha tem saúde, o trabalho vem dos velhos, e passa para a juventude.
Foi a ovelha que deu, esta lã que vou fiar, mas neste trabalho falta, é lavá-la e cardar.
Eu trabalho de pedreiro, é com areia e cimento, para fazer nossas casas, para se abrigar do tempo.
Tradicional da Madeira
Vi-te a trabalhar
[ Que Força É Essa? ]
Vi-te a trabalhar o dia inteiro, construir as cidades pr’a os outros, carregar pedras, desperdiçar muita força p’ra pouco dinheiro! Vi-te a trabalhar o dia inteiro, muita força p’ra pouco dinheiro!…
Que força é essa? Que força é essa que trazes nos braços, que só te serve para obedecer, que só te manda obedecer? Que força é essa, amigo? Que força é essa, amigo, que te põe de bem com outros e de mal contigo? Que força é essa, amigo? Que força é essa, amigo? Que força é essa, amigo?
Não me digas que não me compr’endes! Quando os dias se tornam azedos, não me digas que nunca sentiste uma força a crescer-te nos dedos e uma raiva a nascer-te nos dentes! Não me digas que não me compr’endes!…
Que força é essa? Que força é essa que trazes nos braços, que só te serve para obedecer, que só te manda obedecer? Que força é essa, amigo? Que força é essa, amigo, que te põe de bem com outros e de mal contigo? Que força é essa, amigo? Que força é essa, amigo? Que força é essa, amigo?
Vi-te a trabalhar o dia inteiro, construir as cidades pr’a os outros, carregar pedras, desperdiçar muita força p’ra pouco dinheiro! Vi-te a trabalhar o dia inteiro, muita força p’ra pouco dinheiro!…
Que força é essa? Que força é essa que trazes nos braços, que só te serve para obedecer, que só te manda obedecer? Que força é essa, amigo? Que força é essa, amigo, que te põe de bem com outros e de mal contigo? Que força é essa, amigo? Que força é essa, amigo? Que força é essa, amigo? Que força é essa, amigo? Que força é essa, amigo? Que força é essa, amigo? Que força é essa, amigo? Que força é essa, amigo? Que força é essa, amigo?
Letra e música: Sérgio Godinho (in LP “Os Sobreviventes”, Guilda da Música/Sassetti, 1972, reed. Philips/Polygram, 1990, Universal, 2001, 2019)
https://www.meloteca.com/wp-content/uploads/2020/05/pastor-alentejano-postal-antigo-quadrado.jpg400400António Ferreirahttps://www.meloteca.com/wp-content/uploads/2018/03/Logomarca-MELOTECA-300x86.jpgAntónio Ferreira2020-05-01 08:31:482023-05-02 12:38:50Canções de trabalho
Acordai! Acordai, homens que dormis a embalar a dor, a embalar a dor dos silêncios vis! Vinde no clamor das almas viris, arrancar a flor que dorme na raiz!
Acordai! Acordai, raios e tufões que dormis no ar, que dormis no ar e nas multidões! Vinde incendiar de astros e canções, as pedras e o mar o mundo e os corações…
Acordai! Acordai, de almas e de sóis, este mar sem cais, este mar sem cais, nem luz de faróis! E acordai, depois das lutas finais, os nossos heróis que dormem nos covais! Acordai!
Poema: José Gomes Ferreira Música: Fernando Lopes Graça
Meloteca, recursos musicais criativos para crianças, professores e educadores
Dá o Outono
[ As Balas ]
Dá o Outono as uvas e o vinho Dos olivais o azeite nos é dado Dá a cama e a mesa o verde pinho As balas deram sangue derramado
Dá a chuva o Inverno criador Às sementes dá sulcos o arado No lar a lenha em chama dá calor As balas deram sangue derramado
Dá a Primavera o campo colorido Glória e coroa do mundo renovado Aos corações dá o amor renascido As balas deram sangue derramado
Dá o sol as searas pelo Verão O fermento no trigo amassado No esbraseado forno cresce o pão As balas deram sangue derramado
Dá cada dia ao homem novo alento De conquistar o bem que lhe é negado Dá a conquista um puro sentimento As balas deram sangue derramado
De meditar, concluir, ir e fazer Dá sobre o mundo o homem atirado À paz de um mundo novo de viver As balas deram sangue derramado
Dá a certeza, o querer e o construir O que tanto nos negou o ódio armado Que a vida construir é destruir Balas que deram sangue derramado
Essas balas deram sangue derramado Só roubo e fome e o sangue derramado Só ruína e peste e o sangue derramado Só crime e morte e o sangue derramado
Poema: Manuel da Fonseca Música: Adriano Correia de Oliveira Intérprete: Cantaremos Adriano (in CD “Homenagem a Adriano Correia de Oliveira: 25 anos após a sua morte”, Musicart, 2007) Versão original: Adriano Correia de Oliveira (in “Que Nunca Mais”, Orfeu, 1975, reed. Movieplay, 1997; “Obra Completa”, Movieplay, 1994)
Dos que morreram sem saber porquê
[ Madrugada ]
Dos que morreram sem saber porquê Dos que teimaram em silêncio e frio Da força nascida do medo Da raiva à solta manhã cedo Fazem-se as margens do meu rio. Das cicatrizes do meu chão antigo E da memória do meu sangue em fogo Da escuridão a abrir em cor De braço dado e a arma flor Fazem-se as margens do meu povo Canta-se a gente que a si mesma se descobre E acordem luzes, arraiais Canta-se a terra que a si mesma se devolve Que o canto assim nunca é demais Em cada veia o sangue espera a vez Em cada fala se persegue o dia E assim se aprendem as marés Assim se cresce e ganha pé Rompe a canção que não havia Acordem luzes nos umbrais que a tarde cega Acordem vozes, arraiais Cantem despertos na manhã que a noite entrega Que o canto assim nunca é demais Cantem marés por essas praias de sargaços Acordem vozes, arraiais Corram descalços rente ao cais, abram abraços Que o canto assim nunca é demais O canto assim nunca é demais.
Texto e música: José Luís Tinoco Intérprete: Duarte Mendes
E depois do Adeus
E depois do Adeus Quis saber quem sou O que faço aqui Quem me abandonou De quem me esqueci Perguntei por mim Quis saber de nós Mas o mar Não me traz Tua voz. Em silêncio, amor Em tristeza e fim Eu te sinto, em flor Eu te sofro, em mim Eu te lembro, assim Partir é morrer Como amar É ganhar E perder. Tu vieste em flor Eu te desfolhei Tu te deste em amor Eu nada te dei Em teu corpo, amor Eu adormeci Morri nele E ao morrer Renasci. E depois do amor E depois de nós O dizer adeus O ficarmos sós Teu lugar a mais Tua ausência em mim Tua paz Que perdi Minha dor Que aprendi. De novo vieste em flor Te desfolhei… E depois do amor E depois de nós O adeus O ficarmos sós.
Letra: José Niza Música: José Calvário Intérprete: Paulo de Carvalho* (1974) (in CD “Vida”, Farol, 2006)
Este parte
[ Cantar de Emigração ]
Este parte, aquele parte e todos, todos se vão Galiza, ficas sem homens que possam cortar teu pão
Tens em troca órfãos e órfãs tens campos de solidão tens mães que não têm filhos, filhos que não têm pais
Coração que tens e sofre longas ausências mortais viúvas de vivos mortos que ninguém consolará
Este parte, aquele parte e todos, todos se vão Galiza, ficas sem homens que possam cortar teu pão
Poema: Rosalía de Castro; trad. José Niza Música: José Niza Intérprete: Adriano Correia de Oliveira* (in “Cantaremos”, Orfeu, 1970, reed. Movieplay, 1999; “Obra Completa”, Movieplay, 1994; “Vinte Anos de Canções”, Movieplay, 2001)
Grândola, vila morena
Grândola, vila morena Terra da fraternidade O povo é quem mais ordena Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade O povo é quem mais ordena Terra da fraternidade Grândola, vila morena
Em cada esquina um amigo Em cada rosto igualdade Grândola, vila morena Terra da fraternidade
Terra da fraternidade Grândola, vila morena Em cada rosto igualdade O povo é quem mais ordena
À sombra duma azinheira Que já não sabia a idade Jurei ter por companheira Grândola a tua vontade
Poema: José Afonso Música: José Afonso Intérprete: José Afonso, Cantigas do Maio, 1971
Lisboa adormeceu
[ Lisboa à Noite ]
Lisboa adormeceu, já se acenderam Mil velas nos altares das colinas. Guitarras, pouco a pouco, emudeceram Cerraram-se as janelas pequeninas.
Lisboa dorme um sono repousado, Nos braços voluptuosos do seu Tejo, Cobriu-a a colcha azul do céu estrelado E a brisa veio, a medo, dar-lhe um beijo.
Lisboa andou de lado em lado, Foi ver uma toirada, depois bailou, bebeu. Lisboa ouviu cantar o fado, Rompia a madrugada quando ela adormeceu.
Lisboa não parou a noite inteira, Boémia, estouvada, mas bairrista, Foi à sardinha assada, lá na feira, E à segunda sessão duma revista.
Dali p’ró Bairro Alto enfim galgou, No céu, a lua cheia refulgia, Ouviu cantar a Amália e então sonhou Qu’era saudade, aquela voz que ouvia.
Lisboa andou de lado em lado, Foi ver uma toirada, depois bailou, bebeu. Lisboa ouviu cantar o fado, Rompia a madrugada quando ela adormeceu.
Letra: Fernando Santos Música: Carlos Dias Intérprete: Milú (Maria de Lurdes de Almeida Lemos) (in CD “Milú: O Melhor dos Melhores”; vol. 16, Movieplay, 1994; CD “Melodias de Sempre: vol. 2”, Movieplay, 1995)
Não há machado que corte
[ Livre ]
Não há machado que corte a raiz ao pensamento: não há morte para o vento, não há morte.
Se ao morrer o coração morresse a luz que lhe é querida, sem razão seria a vida, sem razão.
Nada apaga a luz que vive num amor, num pensamento, porque é livre como o vento, porque é livre.
Não há machado que corte a raiz ao pensamento: não há morte para o vento, não há morte.
Se ao morrer o coração morresse a luz que lhe é querida, sem razão seria a vida, sem razão.
Nada apaga a luz que vive num amor, num pensamento, porque é livre como o vento, porque é livre.
Poema: Carlos de Oliveira (ligeiramente adaptado) Música: Manuel Freire Intérprete: Manuel Freire (in EP “Manuel Freire canta Manuel Freire”, Tagus, 1968; LP “Dedicatória”, Tecla, 1972, reed. Tecla, 1974; livro/CD “Manuel Freire”, col. Canto & Autores, vol. 09, Levoir/Público, 2014)
No céu cinzento
[ Vampiros ]
No céu cinzento sob o astro mudo Batendo as asas pela noite calada Vem em bandos com pés veludo Chupar o sangue fresco da manada
Se alguém se engana com seu ar sisudo E lhes franqueia as portas à chegada Eles comem tudo, Eles comem tudo Eles comem tudo e não deixam nada.
A toda a parte chegam os vampiros Poisam nos prédios poisam nas calçadas Trazem no ventre despojos antigos Mas nada os prende às vidas acabadas
São os mordomos do universo todo Senhores à força mandadores sem lei Enchem as tulhas bebem vinho novo Dançam a ronda no pinhal do rei
Eles comem tudo eles comem tudo Eles comem tudo e não deixam nada No chão do medo tombam os vencidos Ouvem-se os gritos na noite abafada
Jazem nos fossos vítimas dum credo E não se esgota o sangue da manada Se alguém se engana com seu ar sisudo E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo, eles comem tudo Eles comem tudo e não deixam nada
José Afonso
O Cantador
O cantador chegou de madrugada, venceu a noite pelas praias do mar; na sua voz teceu uma balada: amanhecer que havemos de cantar.
O cantador rasgou as nossas penas num canto moço que havemos de acender; na sua voz ergueu vilas morenas: Maio maduro que havemos de colher.
Ergueu cidades sem muros nem ameias, lançou sementes na terra de ninguém; cantou o sol, rompeu nossas cadeias, trouxe consigo outro amigo também.
O cantador chegou de madrugada, venceu a noite pelas praias do mar; na sua voz teceu uma balada: amanhecer que havemos de cantar.
O cantador rasgou as nossas penas num canto moço que havemos de acender; na sua voz ergueu vilas morenas: Maio maduro que havemos de colher.
Ergueu cidades sem muros nem ameias, lançou sementes na terra de ninguém; cantou o sol, rompeu nossas cadeias, trouxe consigo outro amigo também.
Letra e música: José Medeiros Arranjo: Paulo Borges e José Medeiros Intérprete: José Medeiros com Mariana Abrunheiro (in CD “Torna-Viagem”, Memórias/Fortes & Rangel, 2004)
O meu amor disse que vinha
[ Trova do Vento Que Passa n.º 2 ]
O meu amor disse que vinha quando a lua viesse A lua já acolá vem meu amor não aparece
Vi minha pátria na margem dos rios que vão pró mar como quem ama a viagem mas tem sempre de ficar
Vi florir os verdes ramos direitos e ao céu voltados E a quem gosta de ter amos vi sempre os ombros curvados
Se o verde trevo desfolhas pede notícias e diz ao trevo de quatro folhas que eu morro por meu país
Letra: Popular (1.ª quadra) e Manuel Alegre Música: Adriano Correia de Oliveira Intérprete: Adriano Correia de Oliveira (in “O Canto e as Armas”, Orfeu, 1969; reed. Movieplay, 1997; “Obra Completa”, Movieplay, 1994)
O teu silêncio de estanho
O teu silêncio de estanho Não alimenta a esperança De ver o mundo mudar, De haver alguma mudança. O teu silêncio de estanho…
O mundo ficou tão estranho Desde que tu te calaste; Tomara que abandonasses O teu silêncio de estanho! O mundo ficou tão estranho…
Foi num beco sem saída Que procuraste um abrigo, Onde encontraste guarida, Tua liberdade em perigo. Foi num beco sem saída…
Andas de cabeça baixa, Os olhos postos no chão; Toda a gente te rebaixa, E agora é tarde de mais, Esqueceste o teu irmão. Com os olhos postos no chão…
O desespero é tamanho, Já não se sente a fragrância Daquela força de antanho, Daquela antiga pujança. O desespero é tamanho…
Já não se sente a esperança, Desde que tu desististe, Desde que te demitiste, Baixaste os braços, caíste. Já não se sente a esperança…
Foste tu é que deixaste Aquele estranho a mandar; Calado, inerte ficaste, Teu destino abandonaste, Morreste sem se notar. Deixaste um estranho a mandar…
Liberdade, tem cuidado, que te matam! Tem cuidado, que te matam, Liberdade! Liberdade, tem cuidado, que te matam! Tem cuidado, que te matam, Liberdade! Liberdade, Liberdade, tem cuidado, que te matam! Tem cuidado, que te matam, Liberdade, tem cuidado! Liberdade, Liberdade, tem cuidado, que te matam! Tem cuidado, que te matam, Liberdade!…
Liberdade, tem cuidado! Tem cuidado, que te matam! Liberdade, tem cuidado! Tem cuidado, que te matam! Liberdade, tem cuidado! Tem cuidado, que te matam!
Andas de cabeça baixa. Baixaste os braços, caíste. Eles que decidam por ti.
Não queres saber do futuro, Eles decidem por ti, Andas perdido no escuro; E agora cobram-te o juro, «— Porquê? Eu já me esqueci!», Eles decidem por ti.
Mas quando quiseres matar O medo e a sua lembrança Já vai ser tarde de mais; Vais com certeza esbarrar No teu silêncio de estanho.
Vais com certeza esbarrar No teu silêncio de estanho. Vais com certeza sair Do teu silêncio de estanho. Vais com certeza sair Do teu silêncio de estanho. Vais com certeza sair Do teu silêncio de estanho… Vais com certeza sair Do teu silêncio de estanho… Vais com certeza sair…
Letra e música: Rodrigo Crespo Intérprete: Canto Ondo (in CD “Entre o Alto do Peito e as Campainhas da Garganta”, A Monda – Associação Cultural/Canto Ondo, 2016)
Pergunto ao vento
[ Trova do Vento Que Passa ]
Pergunto ao vento que passa notícias do meu país e o vento cala a desgraça o vento nada me diz.
Mas há sempre uma candeia dentro da própria desgraça há sempre alguém que semeia canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste em tempo de servidão há sempre alguém que resiste há sempre alguém que diz não.
Poema (excerto): Manuel Alegre Música: António Portugal Intérprete: Adriano Correia de Oliveira (in EP “Trova do Vento Que Passa”, Orfeu, 1963; “Obra Completa”, Movieplay, 1994)
Quando a corja topa
[ O Que Faz Falta ]
Quando a corja topa da janela O que faz falta Quando o pão que comes sabe a merda O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta O que faz falta O que faz falta é avisar a malta O que faz falta
Quando nunca a noite foi dormida O que faz falta Quando a raiva nunca foi vencida O que faz falta
O que faz falta é animar a malta O que faz falta O que faz falta é acordar a malta O que faz falta
Quando nunca a infância teve infância O que faz falta Quando sabes que vai haver dança O que faz falta
O que faz falta é animar a malta O que faz falta O que faz falta é empurrar a malta O que faz falta
Quando um cão te morde uma canela O que faz falta Quando à esquina há sempre uma cabeça O que faz falta
O que faz falta é animar a malta O que faz falta O que faz falta é empurrar a malta O que faz falta
Quando um homem dorme na valeta O que faz falta Quando dizem que isto é tudo treta O que faz falta
O que faz falta é agitar a malta O que faz falta O que faz falta é libertar a malta O que faz falta
Se o patrão não vai com duas loas O que faz falta Se o fascista conspira na sombra O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta O que faz falta O que faz falta é dar poder à malta O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta O que faz falta O que faz falta é avisar a malta O que faz falta
O que faz falta é acordar a malta O que faz falta O que faz falta é empurrar a malta O que faz falta
O que faz falta é agitar a malta O que faz falta O que faz falta é libertar a malta O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta O que faz falta O que faz falta é dar poder à malta O que faz falta
Letra e música: José Afonso Intérprete: José Afonso (in “Coro dos Tribunais”, Orfeu, 1974; reed. Movieplay, 1987, 1996)
Quero falar-te
[ Zeca ]
Quero falar-te e o coração, de comovido, perde as palavras que juntara para ti. Cantar-te sei e apenas isso faz sentido. Menino d’oiro, vem sentar-te aqui! Menino d’oiro, vem sentar-te aqui!
Por todo o ano é tempo de cantar janeiras. Mulher da erva, inda agora a vi passar. Por mar profundo, terra e todas as fronteiras venham mais cinco mil p’ra te saudar. Venham mais cinco mil p’ra te saudar.
Pode o Sol morrer de velho, pode o gelo arder também, mas a voz que de ti nasce já não morre com ninguém.
No céu cinzento, o astro mudo inda revela um bater de asas, o disfarce do seu pé. Bebem do sangue, comem tudo… olhai, cautela! O que faz falta já se sabe o que é. O que faz falta já se sabe o que é.
Junta-te a nós, ó bairro negro! vem, falua, p’la noite fora até que se erga o sol de Verão! Solta as amarras, sopra, ó vento! continua, que este homem não se foi embora, não! Que este homem não se foi embora, não!
Pode o Sol morrer de velho, pode o gelo arder também, mas a voz que de ti nasce já não morre com ninguém.
Letra: Hélia Correia Música: Janita Salomé Intérprete: Janita Salomé [in CD “Utopia: Vitorino e Janita Salomé cantam José Afonso (ao vivo)”, Virgin/EMI-VC, 2004]
Sempre tão constante
[ Liberdade ]
Sempre tão constante o pulsar da Liberdade ameaçada a cada instante, perseguida pela vaidade em que a mentira gera ambiguidade.
Hoje, tão desperta como nunca, a Humanidade é confrontada com a severa, insidiosa impunidade… e a indiferença esmaga a vontade.
Ferozmente silenciadas as Palavras necessárias às mudanças, tão contrárias às ideias instaladas…
Brilha, por entre as sombras rompe a Claridade insubmissa, a chama da Verdade.
Luta por encontrar um rumo, para cumprir-se imaculada a Dignidade, a insubmissa chama da Verdade.
Letra: Teresa Salgueiro Música: Teresa Salgueiro, Rui Lobato, Óscar Torres, Marlon Valente e Graciano Caldeira Intérprete: Teresa Salgueiro (in CD “O Horizonte”, Teresa Salgueiro/Lemon, 2016)
Somos filhos da madrugada
[ Canto Moço ]
Somos filhos da madrugada Pelas praias do mar nos vamos À procura de quem nos traga Verde oliva de flor no ramo Navegamos de vaga em vaga Não sabemos de dor nem mágoa Pelas praias do mar nos vamos À procura da manhã clara
Lá no cimo de uma montanha Acendemos uma fogueira Para não se apagar a chama Que dá vida na noite inteira Mensageira pomba chamada Companheira da madrugada Quando a noite vier que venha Lá no cimo de uma montanha
Onde o vento cortou amarras Largaremos p’la noite fora Onde há sempre uma boa estrela Noite e dia ao romper da aurora Vira a proa minha galera Que a vitória já não espera Fresca brisa moira encantada Vira a proa da minha barca
Letra e música: José Afonso Intérprete: José Afonso (in “Traz Outro Amigo Também”, Orfeu, 1970; reed. Movieplay, 1987) Outras versões: Teresa Silva Carvalho (in “Ó Rama, Ó Que Linda Rama”, Orfeu, 1977, reed. Movieplay, 1994); Vitorino e Janita Salomé (in CD “Utopia”, EMI-VC, 2004); Zé Eduardo Unit (in CD “A Jazzar no Zeca”, Clean Feed, 2004); Erva de Cheiro (in CD “Que Viva o Zeca”, Musicart, 2007)
Sonhei
[ O Madrugar de um Sonho ]
Sonhei… que já alta madrugada, Viera a Razão armada P’ra defender a Cidade; Olhei… e vi que este nosso Povo Levantara-se de novo Aos vivas à Liberdade.
Depois…, e já de janela aberta, Ouvi um bradar – “Alerta!” – E o eco, p’la rua fora, Gritou p’ra dizer com Razão pura Que uma era de tortura Terminava àquela hora!
Julguei ser um sonho, Mas foi realidade; E às vezes suponho Que não foi verdade!
Mas se alguém disser “Não há Liberdade!”, Eu posso morrer Mas não é verdade!
Saí… e vi uns homens libertos, Todos de braços abertos… Todos a pedir justiça! Alguns já de saúde perdida E com metade da vida Em prisões de luz mortiça.
Ouvi… milhões de palmas e brados; Trabalhadores e soldados Vivendo a mesma euforia; Senti… que havia um Portugal novo; Vi tão alegre o meu povo, Que até chorei de alegria!
Julguei ser um sonho, Mas foi realidade; E às vezes suponho Que não foi verdade!
Mas se alguém disser “Não há Liberdade!”, Eu posso morrer Mas não é verdade!
Mas se alguém disser “Não há Liberdade!”, Eu posso morrer Mas não é verdade!
Letra e música: Frederico de Brito Arranjo: Pedro Osório Intérprete: Carlos do Carmo* (in LP “Álbum”, Philips/Polygram, 1980, reed. Universal Music, 2003, Universal Music, Série ’50 Anos’, 2013)
Tejo que levas as águas
Tejo que levas as águas correndo de par em par lava a cidade de mágoas leva as mágoas para o mar
Lava-a de crimes espantos de roubos, fomes, terrores, lava a cidade de quantos do ódio fingem amores
Leva nas águas as grades de aço e silêncio forjadas deixa soltar-se a verdade das bocas amordaçadas
Lava bancos e empresas dos comedores de dinheiro que dos salários de tristeza arrecadam lucro inteiro
Lava palácios, vivendas casebres, bairros da lata leva negócios e rendas que a uns farta e a outros mata
Tejo que levas as águas correndo de par em par lava a cidade de mágoas leva as mágoas para o mar
Lava avenidas de vícios vielas de amores venais lava albergues e hospícios cadeias e hospitais
Poema: Manuel da Fonseca Música: Adriano Correia de Oliveira Intérprete: Cantaremos Adriano (in CD “Homenagem a Adriano Correia de Oliveira: 25 anos após a sua morte”, Musicart, 2007) Versão original: Adriano Correia de Oliveira (in “Que Nunca Mais”, Orfeu, 1975, reed. Movieplay, 1997; “Obra Completa”, Movieplay, 1994; “Vinte Anos de Canções”, Movieplay, 2001)
Venham mais cinco
Venham mais cinco Duma assentada Que eu pago já Do branco ou tinto Se o velho estica Eu fico por cá
Se tem má pinta Dá-lhe um apito E põe-no a andar De espada à cinta Já crê que é rei D’aquém e d’além-mar
Não me obriguem A vir para a rua gritar Que é já tempo D’embalar a trouxa e zarpar
A gente ajuda Havemos de ser mais Eu bem sei Mas há quem queira Deitar abaixo O que eu levantei
A bucha é dura Mais dura é a razão Que a sustém Só nesta rusga Não há lugar P’rós filhos da mãe
Não me obriguem A vir para a rua gritar Que é já tempo D’embalar a trouxa e zarpar
Bem me diziam Bem me avisavam Como era a lei Na minha terra Quem trepa No coqueiro é o rei
A bucha é dura Mais dura é a razão Que a sustém Só nesta rusga Não há lugar P’rós filhos da mãe
Não me obriguem A vir para a rua gritar Que é já tempo D’embalar a trouxa e zarpar
Letra e música: José Afonso Intérprete: Cristina Branco (in CD “Abril”, Universal Classics France, 2007) Versão original: José Afonso (in “Venham Mais Cinco”, Orfeu, 1973; reed. Movieplay, 1987, 1996) Outras versões: Miguel Salerno com sua Orquestra e Coros (in LP “E Depois do Adeus… e Outros Grandes Êxitos da Música Portuguesa”, Alvorada, 1974); A Turma (in EP “O Facho”, Discos Estúdio, 1975); Nana Sousa Dias (in “Ousadias”, Polydor/Polygram, 1986); Tubarões (in CD “Filhos da Madrugada Cantam José Afonso”, BMG Ariola, 1994); Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra (in CD “Em Cantos”, Movieplay, 1995); Incógnita (in CD “A Morte Saiu à Rua”, Virtual Records, 1995); Hi-Tech Ensemble (in CD “Memórias II: Versões Instrumentais”, CNM, 1995); Banda da Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense (in CD “Terra da Fraternidade”, C. M. de Grândola, 1999); Vozes da Terra (in CD “Tributos (ao Vivo)”, Música a Metro, 2003); Nem Truz Nem Muz (in CD “Ao Vivo”, InforArte, 2004); Mar Fora (in CD “Ao Vivo”, Mar Fora, 2004); Mário Laginha e Bernardo Sassetti (in CD “Grândolas”, MVM, 2004); Sons da Fala (in CD “Sons da Fala”, Som Livre, 2007); Milladoiro (in CD “A Quinta das Lágrimas”, Pai Música, Galiza, 2008); Grupo Vocal Canto Décimo (in CD “Conta-me Um Conto (Ao Vivo)”, Canto Décimo, 2008)
Viemos com o peso do passado
[ Liberdade ]
Viemos com o peso do passado e da semente Esperar tantos anos torna tudo mais urgente e a sede de uma espera só se estanca na torrente e a sede de uma espera só se estanca na torrente Vivemos tantos anos a falar pela calada Só se pode querer tudo quando não se teve nada Só quer a vida cheia quem teve a vida parada Só quer a vida cheia quem teve a vida parada Só há liberdade a sério quando houver A paz, o pão habitação saúde, educação Só há liberdade a sério quando houver Liberdade de mudar e decidir quando pertencer ao povo o que o povo produzir quando pertencer ao povo o que o povo produzir