Tania Achot
Pianista . Pedagoga
Tânia Achot (1937-2022) nasceu em Teerão (Irão) no seio de uma família de origem arménia. Começou os estudos de piano aos 8 anos em Teerão. Aos 14 anos mudou-se para França, onde estudou no Conservatório de Paris com Lazare Lévy, Jacques Fevrier e Nadia Boulanger e, em Moscovo, sob a direção de Jakov Zak. Na Polónia teve aulas com Henryk Sztompka.
A sua carreira ficou marcada pelo 3º Prémio no Concurso Chopin de Varsóvia no mesmo ano em que Pollini venceu o certame, sendo desde então uma intérprete de referência do compositor polaco e do grande repertório romântico.
Ao longo da sua carreira, atuou como recitalista em vários países; e, como concertista, trabalhou com maestros como Léon Fleischer, Michel Corboz, David Zinman, Piero Bellugi, Muhai Tang, Stanislav Skrowaczewski, entre outros. Como intérprete de música de câmara apresentou-se ao lado de Alberto Lisy, Sequeira Costa, Karine Georgian.
Apesar do pendor romântico do seu repertório, nas suas atuações no Teatro de São Carlos, Tania Achot privilegiou o universo clássico vienense: em 1970 apresentou-se como solista do Concerto n.º 4 de Beethoven e regressou em 1991 num recital inteiramente dedicado a Mozart (Sonata em Dó Maior, K. 330, Fantasia em Dó menor K.475, Sonata em Dó Maior, K. 457).
Entre as suas participações em concursos Chopin, participou na ARD International Music Competition em Munique, onde obteve uma menção honrosa (1956). Na Music Performance Competition em Genebra, chegou às meias-finais (1958), e na Long-Thibaud Competition em Paris (1959), alcançou o 6º lugar.
Tania Achot colocava ao serviço de uma técnica perfeita, uma sensibilidade e uma capacidade emotiva autênticas e de grande intensidade.
Quando se radicou em Portugal, pelo casamento com Sequeira Costa, ambos viriam a formar uma dupla pedagógica que em muitos aspectos revolucionou o ensino do Piano em Portugal, com paradigmas de rigor e exigência que eram até então pouco comuns no panorama dos conservatórios portugueses. Entre os primeiros alunos que passaram por esta experiência de formação com os dois Mestres contam-se Paulo Santiago, José João Gomes dos Santos, Carla Seixas, Nuno Vieira de Almeida, António Toscano e muitos, muitos mais. E a partir do estabelecimento da Escola Superior de Música, onde integrou desde o primeiro momento o corpo docente, continuou a formar jovens pianistas de gerações sucessivas até à sua aposentação. Era uma intérprete de temperamento explosivo, que se identificava sobretudo com o grande reportório pianístico romântico – lembro-me em particular dos Prelúdios e dos Concertos de Chopin, do Segundo Concerto de Saint-Saens, ou ainda das Suites para dois Pianos de Rachmaninov, gravadas com Sequeira Costa. (Rui Vieira Nery)
Beethoven, Chopin, Schumann, Scriabin, Rachmaninoff estão entre os compositores mais presentes nos seus programas, sem no entanto deixar de prestar a atenção outros universos, como a contemporaneidade de Pierre Boulez e de António Pinho Vargas, de quem interpretou “Mirrors”, no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian.
Na Madeira, Tania Achot atuou também por diversas vezes no âmbito do Festival de Música da Madeira.
Na sua discografia destaca-se Música A Dois Pianos (1982), com Sequeira Costa, e obras de Rachmaninoff, Chostakovitch e Prokofieff, assim como a gravação de Noturnos, Mazurcas e dos Prelúdios op.28, de Chopin, na Deutsche Grammophon, no contexto de uma edição dedicada ao Concurso Chopin de Varsóvia.
TESTEMUNHOS
Aires Pinheiro
Tive o prazer de assistir a alguns cursos de aperfeiçoamento que ministrou, em Vila do Conde, onde pude testemunhar a visão de uma verdadeira Artista, que se alicerçava na sua enorme inteligência e na sua cultura, de um nível absolutamente Superior. Deixou um legado vivo, constituído pelos muitos alunos que formou na Escola Superior de Música de Lisboa. (Aires Pinheiro)
António Pinho Vargas
Que memórias guardo de tantas conversas intensas, sublimes, memoráveis, de tantos concertos extraordinários. [Tocou a minha peça “Mirrors” no Grande Auditório da Gulbenkian e que honra e alegria me deu! Tocou porque quis tocar. Com ela não podia ser de outra maneira. Refiro isso porque aconteceu e não se esquece. Já nos conhecíamos há muitos anos] Fica a incrível memória de todo o vivido, na escola, na sua casa, nas salas de concertos, enfim, onde foi acontecendo ao longo do tempo. E aconteceu muitas vezes! Outros farão melhor o seu merecido e necessário elogio. Uma figura ímpar! (António Pinho Vargas)
Christopher Bochmann
Uma grande perda! Uma senhora carismática e muito generosa. Guardarei para sempre as recordações dos concertos que ela tocou com a Orquestra Juvenil….. e também as suas interrupções das minhas aulas de composição para fazer perguntas sobre a primeira Sonata de Boulez! (Christopher Bochmann)
Frederico Lourenço
Aquilo que mais lhe agradeço foi o milagre que ela conseguiu operar na minha personalidade: quando comecei a ser aluno dela (Abril de 1980), eu era um rapaz de 16 anos diletante e preguiçoso, incapaz de me forçar a fazer qualquer coisa que me desse trabalho (como estudar piano a sério; ou aprender a falar alemão sem erros). Adorava ser brilhante em duas ou três disciplinas académicas que não exigiam estudo ou esforço; e, em todas as outras, esforçava-me só o mínimo para passar. As minhas paixões eram ópera, cinema e ler livros que se liam sem aborrecimento. A minha atitude em relação a tudo era essencialmente a de um guloso do prazer, apático e passivo. A Tania Achot mudou isso tudo. (Frederico Lourenço)
Nuno Vieira de Almeida
A Tania foi uma das pessoas que contaram, e muito, para o nascimento de uma consciência colectiva do que é a arte de tocar piano. A ligação entre um trabalho manual ou até mesmo físico e uma realidade artística dada pela obra é a função de todos os músicos. Mas essa realidade nem sempre passava, há uns anos atrás, pois as palavras sensibilidade, talento, inspiração, toda uma “tralha” romântica, toldavam a realidade nua e crua da profissão artística.
Sem querer falar de mim, sinto que isso é inevitável na homenagem que lhe quero prestar e ela merece a 100%. A Tania foi a minha professora durante muitos anos. Apesar de não estar nessa altura no ensino oficial, são conhecidas as pegas dela e do seu marido Sequeira Costa contra o ensino ministrado no Conservatório Nacional, foi com ela que conclui o meu exame do curso superior de piano nessa instituição.
Essa labor árduo e essa consciência da importância de uma técnica pianística foi ela quem me transmitiu. A preocupação constante com o som e a qualidade deste eram um dos seus maiores cavalos de batalha. Não é possível expressar o que quer que seja sem as ferramentas próprias.
Mas o entusiasmo artístico, a apreciação da obra, assim como a apreciação de alguns intérpretes foi igualmente obra sua. José Manuel Beirão, numa fase de iniciação, e depois Tania Achot foram os responsáveis pela minha formação pianística e também por uma certa maneira de ver e apreciar a música.
Para além disso a Tania era uma fulgurante pianista, os seus recitais a solo e a dois pianos com o Sequeira Costa na Gulbenkian estão para sempre gravados na minha memória. A sua graça inimitável quando “descobria” uma obra e me falava sobre ela, exemplificando-a ao piano no estúdio H do edifício Castil, são outra grata memória que tenho dela. Lembro-me do seu entusiasmo a falar-me do segundo caderno do Cravo Bem Temperado de Bach e da sua demonstração por A mais B de que os prelúdios e fugas desse caderno ainda conseguiam superar os do caderno 1, lembro-me do seu entusiasmo a falar-me da Sexta Sinfonia de Mahler que não conhecia e tinha ouvido no dia anterior – sentou-se ao piano e de cor tocou 3 ou 4 acordes que eram indubitavelmente dessa obra.
Lembro-me também do seu “mau feitio” que podia ser difícil mas que era, para mim pelo menos, digamos que “contornável” e estava ligado a um sentido de humor único. Dou um exemplo:
quando gravámos as Bodas de Stravinski, uma obra para 4 pianos, percussão, coro e solistas vocais, eu fazia par com ela. A uma certa altura num dos ensaios na Aula Magna, dei por mim a discutir com ela qualquer coisa relacionada com a obra; a discussão era obviamente amigável mas não deixava de ser uma discussão. A Tania reparou entretanto que um homem, provavelmente da equipa técnica, nos observava atentamente e diz-lhe para esclarecer: “Olhe que este senhor não é meu namorado!”
Passaram-se bastantes anos, depois da sua reforma, em que deixei de a ver, apesar de ir sabendo dela pela família e alguns amigos. Voltei a encontrá-la no lar onde também está a minha mãe. A princípio, talvez por causa da máscara, não me reconheceu mas eu afastei-me e tirei-a. Disse logo o meu nome. No dia seguinte voltámos a ver-nos e aí, já mais segura de si, vira-se para mim depois de voltar a dizer o meu nome com apelido e tudo e pergunta-me (e isto era típico Tania):
– O que é que estás a estudar agora?
– Tania, estou a trabalhar uma sonata de Beethoven e uma obra de Strauss
(olha para mim com um ar desconfiado e dispara:)
– Do Johann Strauss ?
– Não Tania, do Richard (Strauss)
(fica logo com ar mais sossegado e diz-me: )
– Ah, está bem
Era assim a Tania, única e inimitável. Uma personalidade entre mil. Uma memória para sempre! (Nuno Vieira de Almeida)
Biografia publicada na Meloteca a 07 de janeiro de 2022