NOVA MÚSICA PORTUGUESA IMPROVISADA

por Jorge Lima Barreto

Num pequeno parêntesis e confirmada a tendência multicultural, a desterritorialização e o transnacionalismo da nova música improvisada, podemos – apenas pela referência ao passaporte – declinar alguns nomes nacionais, tendo sempre em conta que a capilaridade estilística e o intercâmbio são apanágio desta acção musical.

Podemos, por ordem cronológica e desde os finais da década de 1960, com a criação da Associação da Música Conceptual por Jorge Lima Barreto e Carlos Zíngaro, até à hodierna e debutante cooperativa Granular, alinhar algumas figuras relevantes da música portuguesa, artistas com carreiras comprometidas no projecto da improvisação contemporânea, num sector do experimental; todos foram de certa maneira polinstrumentistas: sopro, corda, percussão, vocalismo; ou com inclinações electroacústicas, concretistas e, recentemente, informáticas, lap top, manipulação do computador tido com instrumento musical e invenções de computer music; interarte & multimedia; auto-produtores e engenheiros do seu próprio som; relacionaram improvisação musical com interacções artísticas e tecnológicas. (e.g. improvisação marchetada nas composições em Constança Capdeville, a mais atenta ao fenómeno improvisacional, Jorge Peixinho, Cândido Lima, António Sousa Dias, António Pinho Vargas, Vitor Rua, Miguel Azguime, e.a.). Num carácter idiomático da música portuguesa, o guitarrista Carlos Paredes é facile princeps da improvisação, à qual se dedicou generosamente.

Soslaiemos algumas discursividades improvisadas por intérpretes classicistas (e.g. João Pedro Oliveira, órgão; António Victorino D’Almeida, piano; Pedro Carneiro, percussão; José Machado, violino, e.a.); devaneios de conspícua qualidade pop/rock com inúmeros proclamados heróis; ou improvisadores parajazzísticos em interlúdios de improvisação total, do solo ao pequeno conjunto, aquando declinaram momentaneamente a ortodoxia do jazz, i.e. os que viveram em profundidade a ousadia do discurso sem restrições em situação de registo fonográfico ou em concerto no âmbito da improvisação (e.g. os contrabaixistas Jean Saheb Sarbib, Zé Eduardo, Carlos Barretto, Carlos Bica; os sopradores Rão Kyao, Carlos Martins, Rui Azul, Laurent Filipe; os pianistas António Pinho Vargas, Mário Laginha, Manuel Guimarães, o poliartista Bernardo Sassetti, Pedro Burmester, e.a.; a vocalista Maria João; os guitarristas José Peixoto, refinado; ou, afins da multipista do rock, como Filipe Mendes, Flak, Joel Xavier, e.a.; os bateristas/ percussionistas Mário Barreiros, Acácio Salero, José Salgueiro, e.a.).

Importantes improvisadores portugueses aqueles que conheceram mais internacionalizações, em interacções qualitativas e quantitativas e participaram em realizações de decisão e intervenção originais como compositores/intérpretes, arautos de agrupamentos heterónimos, mesmo em criações inéditas e consideradas pela História da Música Contemporânea. (e.g. o mirífico C. Zíngaro, violino, arranjo, electronics, computação, primus inter pares; Zíngaro foi um dos propaladores da pósmodernidade e, na sua carreira apocalíptica, considerou as mais diversas acções, interarte, multimedia e cibernética; Jorge Lima Barreto, piano, teclados & ready made, multiface; o Plexus, ensemble poliscópico dirigido pelo Zingaro; a Anar Band, radicalismo e performarte, coordenada pelo autor; Carlos Bexegas, indómito e prospectivo em flauta & electronics; Emanuel Dimas de Melo Pimenta, informática, sound design; Melo Pimenta consagrou-se a nível internacional pelo seu posicionamento cageano, pela recherche em música virtual, numa notável actividade poética multimedia e em coordenações informáticas; interarte, instalação ambiental, arquitectónica; Telectu, duo semafórico, tapeçaria de experiências, heterofonia, poliestilistismo; Vítor Rua, carismático in situ, guitarra, improvisaçãoe struturada, arranjo, computação, electronics, interarte e multimedia; apresentou o Vidya Ensemble com caracter antológico; Sei Miguel, trompete, aventurou-se no arranjo dum ritual quase esotérico em seitas heterónimas, mítico, de actividade sui generis; Miguel Azguime, percussão, electronics, computação, ou como mentor do Miso Ensemble, topologia paralela da actividade notória de animador duma nova música contemporânea; Tozé Ferreira, infomúsica, teorizador; Nuno Rebelo, guitarra e miscelânea tecnoinstrumental e situacionismos funcionalizados; Nuno Canavarro, “technokitsch”; a tendência emblemática de Paulo Curado; a work in progress de Rodrigo Amado, verve e retrospecção nos sopros dos Lisbon Improvisation Players; o trombone da passional Fala Mariam, cumplice do mistério, e o do plurívoco Eduardo Lala; o ilustre David Maranha, construtivismo, conceptualismo, dobro, instalação e heterofonia; Rafael Toral, guitarra, electronics, computação, panóplia de controladores digitais, protótipos, theremin, projecto space program, technobricoleur, criador de vulto; Ernesto Rodrigues, veterano imaginativo em viola e conduçao orquestral; Marco Franco, irénico na bateria; o distintíssimo Manuel Mota, epígono dum novo subjectivismo, guitarra, excelente figuralismo, o sublime e a elegância, especialidade fingerpicking; o construtivismo instrumental multimedia de Adriana Sá; o laboratório rizomático Vitriol, com o protagonismo do eminente Paulo Raposo, incontornável pensador da diferença, e.a.).

Podemos levantar en passant outras significativas figuras solísticas, grupais, incidências organigramaticais e técnicas: (e.g.; Moeda Noise; D.W. Art; António Duarte, electronics; Osso Exótico; Luís Desirat, Bruno Pedroso, bateria; guitarristas como Paulo C. Martins, o insinuante Gonçalo Falcão, António Chaparreiro, Filipe Bonito.; o residente Ulrich Mitzlaff, Rute Praça, Guilherme Rodrigues, violoncelo; João Paulo, piano; Paulo Galão, clarinete; Margarida Garcia, Miguel Leiria Pereira, Jorge Serigado, Pedro Gonçalves, contrabaixo; Karlheinz Andrade & Kromleqs; Américo Rodrigues, voz e processamento, teatro musical, dinamização cultural e interarte; Bernardo Devlin, vocalismos; os percussionistas como o experimentado e introspectivo José Oliveira em “traps”, ou o morato César Burago, Monsieur Trinité; no âmbito decorrente da informática: guitarra e ciber-bricolage de Emídio Buchinho; o incontornável pensador da diferença, Paulo Raposo; Miguel Cabral, jogo de tape); o “info-free” de Vitor Joaquim, Carlos Santos, Nuno Tudela; e/ou o lap top de, André Gonçalves, Rui Leitão, Miguel Sá, Ian Ferreira; Nuno Moita; quase todos desdobrando-se em polimórficas acções em electronics, video, interacção em tempo real, processing, video music, computação em live electronic e/ou multimedia) etc…

Houve e há inúmeros textos avulsos sobre a matéria em publicações periódicos, revistas, catálogos, livros, blogs; n.b. o incansável e meritório trabalho do prosélito jornalista/ crítico/operador cultural Rui Eduardo Paes; esboça-se um círculo de editoras discográficas dedicadas à especialidade; organizaram-se festivais ou eventos de nível internacional, (donde sobressai a persona maior de Rui Neves) exclusivamente dedicados à nova improvisação, os quais estimularam esta liberdade estética dos músicos portugueses.

Não podemos descurar as acções interartísticas constantes do vademecum dos músicos improvisadores – esta seita sempre foi resgatada por outras artes (e.g. dança, teatro, vídeoarte, performarte, cinema, instalação, escultura, ambiências e outras funcionalizações por qualquer motivo cultural); houve poliartistas arroláveis que apostaram no protagonismo da música improvisada; consideremos aqui também inserida a categoria do “não-músico” como um assumido e radiante estigma neo-neodadaísta. (e.g. Ernesto de Sousa, Puzzle, António Palolo, Rui Órfão, Manoel Barbosa, Carlos Gordilho, Luís Bragança Gil, Projecto/Progestos, António Olaio, Francisco Tropa; Pedro Tudela este com atitudes música/performance/instalação; bricolage de José Eduardo da Rocha, Sérgio Pelágio, René Bertholo; a marginália de Paulo Eno & Objectos Perdidos; discursos desviados de No Noise Reduction, João Paulo Feliciano, Albrecht Loops; João Ricardo; na coreografia de Olga Roriz, João Fiadeiro (teorisador da improvisação na coreografia), Vera Mantero (vocalise), Paula Massano, Clara Andermat, João Galante, João Samões, Francisco Camacho; imbrógilo interarte/multimedia, com José Nuno da Câmara Pereira, Alberto Lopes, Edgar Pera, António Jorge Gonçalves, Hugo Barbosa, Samuel Jerónimo, Hugo Olim, Joana Vasconcelos, e.a. que inserem o conceito de música improvisada em coreografia, performarte, instalação, cenografia, etc.). Alguns poetas e declamadores líricos e /ou concretistas trabalharam em interacção coma improvisação musical (e.g. Ernesto M. Melo e Castro, João Perry, Eugénio de Andrade, Fernando Aguiar, Ana Hatherly, e.a.).

De qualquer maneira está vivo um círculo artístico português devotado à nova improvisação musical.

Carlos Zíngaro

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