IMPROVISAÇÃO POP ROCK
por Jorge Lima Barreto (1949-2011)
A improvisação está presente no figuralismo do rock, e de forma espectacular; no rock, uma tipologia musical contemporânea, embora espartilhado por um convencionalismo estreito, dá-se azo a improvisações formidáveis, correlatas da electroacústica, da espacialização, da projecção do som, independentemente da sua inserção na cenografia multimedia tipificada; a contar desde os finais da década de 1960 podemos CITAR rasgos improvisatórios e de solipsismo lunático.
Esta ilação apresenta-se contraditória – de dentro do formalismo esquálido do rock (linear, horizontal, de ritmo metronómico) são expelidas improvisações feéricas, bombásticas, abstractas, exclusivas do rock pelo seu design acústico.
O solo improvisado é o brasão do rock clássico ao progressive; considerando essas explanações exibicionistas, principalmente da parte dos solistas de guitarra eléctrica e dos bateristas, submetidas a conspectos harmónicos lapidares e ritmos propulsivos binários e estabilizadores.
O estilo improvisatório do rock é epigonal pelos elementos que articula; apresenta um tema, um motivo, uma frase, um som ou uma nota e une-os em múltiplas sensações a um outro motivo, frase, som ou nota.
Quanto mais adstrito à composição, seja ela de teor ligeiro como em Bruce Springsteen, ou complexa e afim da música clássica experimental, menos possibilidades são dadas à improvisação.
O improviso é uma vibração interior, secreta, íntima, conduz o fluxo sonoro a outra singularidade musical, onde se começa o irrecomeçável.
Tais formas discursivas, prenhes de possibilidades, são variações imediatas, não definidas previamente pela composição temática.
As formas instrumentais interceptam-se concretizando um sistema de signos dependente da evidência intuitiva e sensorial. A multiplicidade de sons parasitários, escórias, ruidos, que se desenvolve nessa relação empresta à matéria improvisada uma natureza cósmica; os elementos musicais (palavras, onomatopeias, ruidos, melodias, esboços harmónicos, sínteses atonais, objectos sonoros) sobrecarregam o pensamento que procura progressivamente libertar-se deles numa significação rítmica martelada e vertiginosa.
As imagens sonoras surgem em catadupa, precárias, fantasistas, com um valor ritual evocado a cada instante com gradações sucessivas, paroxísticas/repousantes/variáveis/constantes, produzindo matérias eléctricas como um fundo (background).
Na improvisação do rock todos os elementos se submetem a termos de relação e potência. As leis gerais dos solos expressam-se superficialmente, a única lei em vigor é a de transgressão; transgressão ao movimento tonal, à modalidade usada, à linearidade textural tímbrica, ao movimento rítmico, ao carácter imitativo das sequências; essa perversão é operada por técnicas particulares: feed-back, distorções, vibrações, dissonâncias, ecos, roturas, raspagens, experimentações concretistas, variações de humor, frases vocais líricas e insinuantes, recorrência e rasgo de perplexidade da imaginação.
Jimi Hendrix, sirva de exemplo maior, recorreu ao feed-back colocando a guitarra à frente das colunas e elevando o volume da amplificação ao máximo; certa vez comprou dois pequenos amplificadores e introduziu-os num balde de água, subiu o volume e o efeito foi cataclísmico.
O rock radicaliza o experimentalismo e a esquizofrenia (não raro intensificada pela droga) como categorias reais da matéria sonora apresentada como inovação constante; aprofunda obsessões, interdita a escolha de vias consequentes, reclama-se do irracionalismo, convida a excessos suicidas, suspende o pensamento na vontade irrealizada; entra em delírio, torna-se agressivo, encadeia sintagmas, solta obscenidades, mima volúpias, agride a sacralidade do artista, estigmatiza o próprio meio de construção musical – na provocação máxima, Hendrix partiu a guitarra e jogou-a como último despojo; da alucinação para o público.
O rock é possessão, ironiza o circuito criador da improvisação, institui o saber anárquico na ordem de contingências em que prosseguem os solos monumentais.
Evoca tudo o que empiricamente adquiriu, emerge o expressivo do inconsciente, deixa-se guiar pelo gesto; é o gesto paróxico e alienado que orienta o solo; o corpo, na repetição do acto temático já ficou marcado; o drama do esvaziamento interior, a extroversão da omnisciência do solista que partiu do nada.
O rock é, tout court, uma arte vocal sobre um discurso estereótipo instrumental.
A “voz”, no momento da improvisação é um elemento primordial, em que o aparelho bucal numa função trivializada imita a guitarra eléctrica, o instrumento mais importante.
A voz é expressa na sua graça natural ou trabalhada com certo requinte enfático e tímbrico. O elemento vocal depende do teor poético, é hiper-semântico; o seu lado improvisatório é sub specie do instrumental, uma vez que a canção (tune, tema, melodia) se impõe categoricamente decidida.
O cantor trabalha com “intonemas” que são as subidas, as descidas, as ondulações da voz, que estabelecem a qualidade da dicção.
Nenhuma teoria musical pode explicar ou prever a inventio melódica duma canção – pode estipular um princípio harmónico, uma estrutura rítmica, uma fluxo espectral, mas jamais o delinear duma melodia – embora circunscrita por elementos da tradição oral ou da ratio fixada num mass medium, tem algo ligado ao inatismo, à súbita imaginação lírica, à trouvaille, mesmo ao acaso…
Os pequenos motivos vocais estão no rock próximos do discurso proclamatório, do slogan, e a libertação de técnicas vocais é resultado do idioleto (a expressão pessoal).
A poética pode ser escapista como na telenovela – questões passionais e seus derivados neo-realistas, numa sempiterna actualização – políticos, rurais, desportivos, ambientais, focalizando as preocupações do cidadão comum no seu quotidiano, hoje no big brother…
Normalmente os poemas na música pop/rock são estruturados em função de determinados ritmos binários e procuram dizer algo (mesmo que se trate da maior trivialidade), são assim alegadamente semânticos, embora dirigidos para um auditório muito específico.
Na canção pop, considerada genericamente, o texto e a música estão aderentes ao conceito, as notas musicais seguem as sílabas, os motivos melódicos estão relacionados com os grupos de palavras, as frases musicais seguem as frases verbais, donde uma restrição ao elemento improvisado.
O poder do banal da canção (uma melodia de fácil memoração, song, canto de pássaro assobiável por qualquer um, tune, um fluxo grácil de notas, canção temática) estende-se ao todo social, como empan, ou seja qualquer fenómeno recente que vem fresco á nossa memória e logo se extingue, coisa que admite uma nanoimprovisação a qual distinguirá as execuções repetidas do repertório pessoal.
A estrutura global da canção pop mantém a linearidade e a teleologia da canção medieval: initium, movere et terminus.
A canção antifónica (chamada-resposta) está bem representada em “My Generation ”dos Who, com minúcias de improvisação; a tensão-repouso típica situa-se na alternância entre o narrativo e o lírico. Dylan rendilhou a duplicidade do verso e refrão com exíguos improvisos.
As vozes incantatórias para um auditório rejubilante de Robert Plant, Bob White (Canned Heat), Ozzy Osborne (Black Sabbath), Lenny Kravitz, Mick Hucknall (Simply Red); Freddie Mercury (Queen).
A voz de Nico, vinda lá de muito longe, dum regime tóxico-reincidente, simboliza a psicopatia do rock; Nico trabalhou padrões fonéticos conectados com a psicose, como na “Teoria do Orgasmo” de Wilhelm Reich.
Promoveu-se o estilo maneirista e epigonal dos cantores rock num ambíguo vórtice conceptual (Neil Young, P. J. Harvey, Beth Gibbons, Kurt Cobain, Suzanne Vega, Axel Rose, Eddie Vadder), Joni Mitchell, James Taylor, Tim Buckley, Liam Gallagher, Johnny Rotten, Jonathan Richman, Blondie, Elvis Costello, Peter Gabriel, Brian Ferry, Edward Ka-Spel, Blixa Bargeld, Ian Dury, Scott Walker, David Bowie, em “Low”, faz inflexões não melódicas sobre uma só nota (exercício da dita música monotónica).
No rock as vozes são situadas num artifício tecnológico, expandidas para as multidões em concerto, para os milhões de telespectadores e radiouvintes; vozes escutadas em todo o planeta.
A voz no rock pode ser natural e idioletal mas é na maioria dos casos processada eléctrica ou ciberneticamente.
A própria parafernália do rock dilatada pelo amplificador e exibidora de grandes intensidades sonoras torna o músico de rock dependente do microfone.
O timbre/grão natural prevalece como fonte destas adjectivações técnicas e estruturais da pop.
A qualidade vocal no pop/rock é idioletal (só há uma Joan Baez, inimitável) e os fraseado, acentuação, alteração de ritmo, conceito de tempo, maneira de exprimir as consoantes ou as vogais, a inflexão na nota (pitch), o deslize entre certas notas – são elementos que, entre outros, podem fundamentar um estilo vocal.
Os vocalismos correspondem à multiplicidade dos estilos de rock (do punk ao techno)em extravagantes enredos psicotécnicos.
No art rock, a poesia pode ser assemântica, não pretender significar qualquer coisa, vai ao encontro de tendências da poesia contemporânea concreta, fonética; aparentemente não há rock sem voz, salvaguardando as tendências instrumentais do rock planante ou do techno; de Mayall a Clapton, de Hendrix a Zappa, quase todos os titulares de grupos de rock foram cantores para além da função de lead guitarists, bateristas (e.g. Robert Wyatt), teclistas (e.g. Ronald Fagen), sopradores (e.g. Ian Anderson).
Os vocalismos do rock foram inicialmente dependentes dos rhythm-and-blues, mas muitas outras influências convergem para a formação da voz no rock – o bel canto e Diamanda Galás, o sprachgesang (canto/fala) e Laurie Anderson, o talk show e Jim Morrison.
O semafórico Elvis Presley, Donovan, David Crosby, Mama Cass dos Mamas and Papas; Zappa em “Lemme take you to the Beach ”experimenta o canto yodel, forma popular dos Alpes – a alternância dos registos vocais grave e agudo; usa a modulação sobre as vogais preferentemente às frases; Roger Daltrey e os Who, Peter Gabriel e os Genesis, David Thomas e os Pére Ubu, Alan Vega e os Suicide, Roger Hodgson e os Supertramp; Alice Cooper, Klaus Basquiz dos Magma, Nina Hagen, e.a.; concretizam um princípio de identidade solística e/ou colectiva inscrevendo no fluxo taxativo improvisações inabituais; Don McLean ficou célebre pelas suas longas canções, misto de falatório, anedota, provocação, chiste, segundo dizia “a música que me leve para onde ela quiser” (e.g. “american pie”)
Certas tessituras vocais são implantadas como moda, como um maneirismo (e.g. Gary Numan na Tubway Army, David Sylvian nos Japan, Howard Devoto nos Magazine, correspondendo a uma tipicidade vocal da cold wave).
Diamanda Galás em “Divine Punishment” tem vocais concretistas e apoteóticos, litanias baseadas em leituras oblíquas do Novo Testamento sobre um plasma electroacústico que arrasta para o fantástico. Galás é uma das mais ousadas experimentalistas do rock vocal.
Dagmar Krause serve de álibi, institui pequenos acidentes rítmicos e combina uma diversificada conotação de timbres elementares aplicados a tecnologias e/ou efeitos de estúdio.
Os comentários, os anúncios, os interlúdios falados dos antigos DJs originaram o discurso toasting improvisado na rádio – esta morfologia projectou-se no rap e no hip hop e era libertinagem na improvisação verbal e musical.
O hip hop cristalizou diversos estereótipos vocais improvisados; o rap prodigalizou-se em todos os cantos do mundo e foi vertido para as línguas autóctones numa forma estreita de canção temática rimada, repetida ad lib, com variações improvisadas.
Na canção pop, segundo Simon Frith (Frith: 35), as palavras são signos da voz.
É um discurso feito de clichés, familiar, investe no banal e na força afectiva até ao extremo do patois, como no rap, tem o sentido de conversa íntima e banal, donde a permanente queda no irrisório e no simples.
Nos blues de Chicago, dava-se preferência vocal à respiração num tempo longo de garganta aberta, sensualidade e melisma.
A técnica vocal falseto ganhou um admirável sentido poético em “The Tracks of my Tears” (1967) de Smokey Robinson e foi um marco decisivo na pop dentre outras das suas obras pungentes de lirismo.
Poesia ecumenista e ecléctica que pode escapar-se amiúdas vezes para o gongorismo (Adrian Bellow), a declamação psicótica (William Burroughs, Allen Ginsberg), a poesia fonética (David Byrne em “I Zimbra“) ou a poesia concreta (Laurie Anderson). A canção em Patti Smith é um tributo à sensualidade da voz, uma correspondência esquizofrénica entre o poema e o fluxo musical.
O cantor trabalha com intonemas que são as subidas, as descidas, as ondulações da voz, que estabelecem a qualidade onomatopeica da dicção.
Os pequenos motivos vocais estão no rock próximos do discurso falado e a sobreposição de técnicas vocais são resultado do idioleto (a expressão pessoal, como a Amália que tinha “a voz que Deus lhe deu”…).
Apesar do impositivo do poema previamente escrito, o vocalista pode improvisar livremente criando poemas espontâneos como na poesia automática dos surrealistas.
O scating, i.e., a produção das mesmas notas no instrumento e na voz, caracterizam uma técnica vocal/guitarrística do rock, exacerbada por Peter Frampton.
Alguns dos grandes cantores de rock são especialistas do vibrato, do melisma (estrutura fonética correspondente e coincidente com as notas musicais); do grito (Diamanda Galás, Blixa Bargeld, Mike Patton); falseto (Klaus Nomi, Ron Mael); do trilho e arremedos docanto gutural tuva – mas o que marca a profunda identidade dum cantor de rock é o seu timbre natural.
Mick Jagger em “Their Satanic Majesties Request”, com os Rolling Stones, usa eufemismos vocais como soprar, aspirar, gemer junto ao micro.
A aliança entre cantores com diferentes tessitura ou registo tem dado ao rock admiráveis obras onde brilha o improviso dialogal, que funcionam por duplas ou tutti coerentes (e.g. Steely Dan: Ronald Fagen e Walter Brecker; Deep Purple: Ian Gillan e Ritchie Blackmore ou Jon Lord; The Band: Robbie Robertson e Rick Danko; Incredible String Band: Robbie Williams e Mike Heron; Fletwood Mac: Mick Fleetwood e Christine McVie ; e.a.), de tal forma que estas ligações criam por excelência uma figura de discurso (e.g. a relação Tony Banks-Peter Gabriel nos Genesis iniciais); as vozes harmonizadas dos irmãos Russell e Ron Mael dão uma cor especial e futurista aos Sparks.
A hipercomercialização e o stardom sistem produzem das mais famosas vozes entre a pop, o rock e a light music, de Elvis a Sinatra, de Michael Jackson a Madonna…
A voz, alterada como os instrumentos, nada indica salvo o absurdo da sua própria deslocação discursiva; os concertos dos Suicide, dos Einsturzende Neubauten ou dos Sonic Youth, são improvisações feitas de despojos, detritos, ruídos, melodias arremedadas, o canto é um fantasma no caos do discurso musical.
Alteradores electrónicos de voz como o vocoder caracterizariam a tendência do canção pósmoderna (e.g. Peggy Lee, Annette Peacock, Wendy Carlos, Laurie Anderson, e.a.).
Eno emancipou a estética techno pop, que viria a transformar tecnologicamente os tratamentos vocais; Eno fechava-se em estúdios e fazia experiências diversas com gravadores, velocidades, sobreposições de estereótipos da soul music, da pop e do rock.
Nos Beach Boys o tutti vocal é distribuído por solos, duos, trios, quartetos, ou em extensões corais simuladas no tape.
Bowie, Hammill e Eno multiplicaram as vozes no tape criando texturas corais artificiais e influenciaram todo o rock de vanguarda.
O valor musical e poético da improvisação no rock está pois nesta inserção de várias realidades: a do punk, que valoriza a transgressão e o drop-out, a drogadicção e o nihilismo da classe média, e o novo subjectivismo da arte contemporânea, seduzido pelo erotismo do acto criativo, como num retrato de Mapplethorpe.
O rigor da escrita musical para voz no rock tem o seu mais importante compositor em Zappa: as suas composições para voz (canto, Sprechgesang, fala) são apanágio do teatro musical, uma corrente da música contemporânea que trabalha com os sons instrumentais e vocais como signos duma acção dramática, que se improvisa surpreendentemente.
Na “popereta” (opereta pop ou ópera rock) dos Who (“Tommy”), ou dos Queen (“A Night at the Opera”) trabalharam-se empirica e escandalosamente morfologias da grande ópera, com licenciosas improvisações.
Músicos pop pósmodernistas (e.g. Glass, Nyman, Sakamoto, Bryars), figuras da composição alegadamente operática actual, onde surgem fulgores intermitentes da improvisação.
Generalizando, a poesia pop rock prefere o verso em rima.
Do reggae ao rap ao hip hop a rima marca o acento tónico da expressão improvisada.
O timbre idioletal, o grão da voz magnifica a aura duma canção.
A mestria da improvisação vocal está na metamorfose de estilo, registo vocal, tonalidade, dramatização, um labirinto de técnicas vocais e expressões poéticas.
O rock é essencialmente uma música lírica e podemos avaliar esta asserção a três níveis: afectivo – palavras com expressão que emergem da melodia; narrativo – versos que contam uma história; gestual – palavras na sua exclusiva sonoridade onde a voz tende a ser um instrumento (Frith: 22)
A “guitarra eléctrica”, o instrumento privilegiado do pop rock, é dinâmica, só condicionável por sistemas de improvisação hiper-conotativos.
Keith Rowe abriu, nos anos de 1960, os horizontes do art rock na guitarra; Syd Barrett iniciou no rock diversos experimentalismos; teorizou o psicadelismo da guitarra abrindo duplamente as portas para os improvisadores “planantes” e do acid rock.
A improvisação era o brasão dos diversos estilos guitarrísticos da História do rock.
Hank Garland foi o epítome do “Nashville sound”; Carl Perkins representou o estilo rockabilly; Doc Watson foi o responsável pelo revivalismo do blues grass; os solos imrovisados denotadamente country eram estruturados sobre encadeamentos de acordes como nos virtuosos do rock, tais como Eric Clapton, Mike Bloomfield e Jimmy Page, Pete Townshend, Jeff Beck; Duane Allman, Alvin Lee, Yngwie Malmsteen, e outros cometas dum céu inebriante dedicaram-se a enredos abstraccionistas, o alusivo psicadelismo.
Carlos Santana marca uma vertente decisiva dos ritmos e das melodias centro-americanas, lançando o movimento do “rock latino”.
As clássicas estrelas da electric guitar continuaram dando demonstrações espectaculares de invenção e improvisação: Jerry Garcia (Grateful Dead); Dave Mason (Traffic); Peter Drake (notável na steel guitar) ; Rory Gallagher; George Harrison; Tony Iommi (Black Sabbath); Ted Nugent; o mítico Richie Blackmoore (Deep Purple), Peter Green (Fleetwood Mac); Robbie Robertson (Band); Brian Jones e Keith Richards (Rolling Stones); Poison Ivy (Cramps) ; Steve Ray Vaughn; Zoot Horn Rollo (Magic Band); Robin Trower; Michael Karoli (Can); Phil Manzanera (Roxy Music); The Edge (U2); Angus Young (AC/DC), Jorma Kaukonen (Hot tuna); Steve Gaines (Lynyrd Skynyrd); Peter Frampton e Eddie Van Halen apareceram como mitos do hard rock, actualizados em Steve Vai e Joe Satriani e por uma legião nos anos ulteriores como marcas de estilo.
Lou Reed, Brian Eno, David Bowie, Iggy Pop, e.a., emprestam ao carcácter solístico uma poética noisy.
Do contrabaixo acústico dos primórdios do rock’n’roll passou-se à “guitarra baixo eléctctrica”, o qual estabeleceu solos alternados com a guitarra solo ou lead guitar.
A guitarra baixo beneficia duma fortíssima amplificação e marca uma pontuação rítmica nos graves; pressupostamente correlativa do bombo da bateria, tem a essencial função de descrever pulsações, cadências extravagantes, ritmos impressivos (suspensões, síncopes, apogiaturas).
No grupo de Bill Halley, o baixo tocava-se com técnica slap que consiste em esticar a corda e largá-la contra o corpo do instrumento, típico do contrabaixo no rockabilly e depois moeda corrente no funk. Chas Chandler manifestou-se, como o baixista clássico do rock, com grandes repercussões nos émulos do heavy metal. John Alec Entwhistle (Who) e Jim Fielder dos Blood, Sweat and Tears, eminentemente melódicos e tocando fora do tempo apresentaram um discurso tamisado e de valor idioletal nos anos 1970. Jack Casady, dos Jefferson Airplane, incluiu uma sonoridade psicótica aliada a um fraseado melódico e rítmico incisivo.
Foram imprescindíveis os contrapontos simplistas de Paul McCartney, Tim Bogert, Felix Paparaldi ou Greg Lake, que se evidenciaram como habilidosos improvisadores e construtores de texturas rítmicas.
Com Jack Bruce, a guitarra baixo pôde assumir um papel solístico antes reservado à guitarra solo, alardeando fenomenologias psicotrópicas.
Sid Vicious partilhou do conceito art noise com os Sex Pistols. Aston Barrett é o epítome dum estilo rasta percussivo; Sting revela-se em pulsações hiperdinâmicas com os Police, tocando em metade do tempo metronómico do resto da banda, á boa maneira do reggae.
No virtuosismo da guitarra baixo, o rock foi subsidiado pelo jazz, mas teve alguns improvisadores que, em inaudito espartaquismo, afirmaram um estilo próprio para o bass do rock.
Jaco Pastorius, do jazz rock, revolucionou os conceitos melódicos e rítmicos do baixo ao recorrer ao fretless (guitarra sem trastes); Jaco estigmatiza as suas soberbas improvisações com um jogo invulgar de glissandos, o que viria a influenciar inúmeros improvisadores baixistas afins do jazz rock. Bill Laswell instaurou um regime experimentalista e art rock; Elliott Sharp e Fred Frith são também baixistas de vanguarda pelo florilégio de experimentações originais com o instrumento; Greg Cohen, que pontificou entre outros ao lado de John Zorn, Lou Reed ou Tom Waits, é um revivalista do swing, com trabalhos notáveis quer no baixo eléctrico, quer no contrabaixo, perfumado pelo rock.
No rock, e desde os anos 1980 em diante, os baixistas e os guitarristas solo realizaram inovações no campo da improvisação; pela insistente requisição de novas tecnologias instrumentais, as fábricas de aparelhos electrónicos foram pródigas ao produzir novidades digitais, como o synth bass, as centenas de alteradores de timbre, sintetizadores rítmicos, orquestrais, caracterizadores dos movimentos techno e hip hop.
No house (hip hop) recorreu-se à exacerbação da “bass line” de forma apoteótica, especialmente reivindicado pelo drum’n’bass do último quartel do segundo milénio.
Tony Levin celebrizou-se nos King Crimson pelo uso do instrumento Chapman stick, um cordofone sem caixa de ressonância, misto de solo e de baixo que permite fazer linhas melódicas resultantes de técnicas especiais de dedos (tapping).
A guitarra electrónica, de corpo compacto, é um tipo de controlador digital de corda; paradoxalmente o seu som, a sua textura tímbrica, pode ser o de qualquer instrumento programado no módulo sintetizador, normalmente com um design típico de pedaleira.
Todavia, os modelos de primeira gama têm uma abóbada tímbrica distinta, uma sonoridade singular. Allan Holdsworth notabilizou-se na singular Synthaxe. John McLaughin, Edgar Froese, Adrian Bellow, Christian Doran, Andy Summers, Phil Manzanera, e.a. adoptaram esporadicamente a guitarra electrónica.
No que respeita ao “teclado”, e como pudemos apreciar, a técnica pianística do rock tem raízes nos blues, jazz e fundamentalmente no boogie woogie; assim, o fraseado era inicial e normalmente bluesy. Jerry Lee Lewis como improvisador desenvolveu um conceito ritmicamente estratificado dos rhythm-and-blues no teclado.
Os teclados evoluíram de forma piramidal desde o piano acústico ao eléctrico, do órgão eléctrico ao sintetizador, do mellotron ao sampler, até ao controlador digital mother keyboard.
Os improvisadores no rock de teclado são na generalidade politeclistas, acumulam funções diversas no piano, no cravo, no órgão e genéricamente manipulam o sintetizador ou outros teclados analógicos e digitais.
Os grandes mestres do teclado, fundamentalmente pianistas, perspectivaram vastos horizontes ao órgão eléctrico ou ao electrónico, que é habitualmente portátil, sendo o Hammond o eleito.
Organistas e teclistas como Al Kooper, Dr. John, Booker T., Alan Price, Mike Ratledge, Brian Auger, Rick Laird, George Duke, num estilo extrovertido, decalcado de certo mainstream gospelizado ou soul, são oráculos retrospectivos dos teclistas improvisadores pop.
Keith Emerson e Rick Wakeman, inventores de artifícios, exploração de paisagens tímbricas nos sintetizadores e no órgão; estes músicos maneiristas estabeleceram um fraseado/colagem; são o modelo do politeclismo electrónico do rock moderno, com sucedâneos em Patrick Moraz ou Irwin Schmidt.
O solista de sintetizador ou doutro teclado electrónico lida com as teclas e o painel, o seu gesto é metáfora andróide, misto de intuição e manipulação tecnológica electrónica.
O estilo hiperexpressivo e emocional dos primeiros politeclistas do rock foi reiterado nas concepções labirínticas da posmodernidade e foi paulatinamente cedendo a um discurso tecnológico informático, computacional, com novos tipos de teclado híbrido.
A “bateria” no rock beneficiou do desenvolvimento que este instrumento teve no jazz, e sobrepuja todos os outros naipes ou elementos de percussão, estes normalmente de caracter decorativo e propulsivo.
Pode ser um conjunto simples de bombo, tarola, prato e címbalo, num rock primitivista (rockabilly, Ringo Starr, punk) ou apresentar-se em gigantescas combinações de elementos percussivos (Phil Collins) ou desmontada em módulos electroacústicos (Chris Cutler) ou ainda totalmente electroacústica com parafernália electrónica analógica e digital (e.g. Bill Brufford que adoptou um sistema múltiplo: acústico e electrónico, loops e sequências – invenção textural, polirrítmica e tímbrica).
Todos grandes bateristas improvisadores da história do rock substantificaram rolamentos permanentes, cortes brutais com breaks empolgantes, síncopes radicais, fogo de artifício de metronomias quadradas ou espatifadas (e.g. Bobby Colomby, Billy Mundi, Paul Humphrey, Ron Selico, Keith Moon, Charlie Watts, John Bonham, Jim Capaldi, Ginger Baker, Fred Maher, e.a.).
Christian Vander (mentor dos Magma) é um artista maldito, o seu carisma é relativo á concepção vulcânica do instrumento.
Muitos bateristas do jazz rock decidiram outro grau de virtuosismo (e.g. Billy Cobham, Anthony Williams de “Lifetime” ou os vanguardistas Joey Baron, Tony Oxley, Jaki Liebezeit, Bobby Previte, Fred Studder, e.a.
Os fenomenais companheiros de Zappa, como Ainsley Dunbar, Dave Sammuels, Vinnie Colaiuta, Terry Bozzio, e.a., num intrincado regime de cadências e síncopes, introduziram o conceito rítmico stravinskiano no rock. O percussionista David VanTieghem é destacado executante na polinstrumentação: caixas de ritmos, bloco chinês, garrafas, vidros, crótalos, guizos, traps.
A hibridação informática e computacional, as parafernálias analógicas e digitais (e.g. caixa de ritmos, music box, controlador digital de percussão, workstation, sampler, e.a.).
O uso de pastilhas sobre a mesa onde se instalam idiofones e objectos musicais fazem parte do estilo da pop experimental.
O baterista Anton Fier é emblemático das novas tendências no art rock; Fred Frith foi revolucionário neste contexto. Este músico informalista (guitarra, polinstrumentação) é um executante exponencial – com o grupo Massacre (Frith/Laswell/Maher) insinuou a síncope do rock na nova música improvisada. Henry Kaiser em “ Noise Guitar it´s a Wonderful Life ” reafirmou uma estética pioneira da “noise music”.
O termo noise music declinou para o rebarbativo nos apocalípticos Art of Noise, Glenn Branca, Elliott Sharp, Eugene Chadbourn, Rhys Chatham, e.a.
Os Sonic Youth gozam dum enorme culto entre os admiradores de art rock e as suas obras são acções sobre o ruído e a miscelânea electroacústica.
No rock torna-se muito difícil apreciar os seus melhores improvisadores solistas de sopro ; esta secção está fortemente estandardizada em naipes pela composição e pelo arranjo nos timbres e nas figuras.
As secção orquestral de sopros no rock é dividida trivialmente em “madeiras” e “metais”, sendo estes os mais usados.
Os solos de trompete ou saxofone ou trombone ou flauta e seus congéneres são episódicos e difícilmente substituem a hegemonia da guitarra eléctrica ou dos teclados.
É evidente que o fraseado destes instrumentistas remonta ao rhythm and blues e ao jazz – o saxofonista King Curtis é, pelo seu fraseado, uma figura semafórica.
Grandes saxofonistas de jazz e da free music tiveram contactos com o rock – caso cimeiro de Sonny Rollins+os Rolling Stones em “Tatoo You”; Branford Marsalis com Sting, Charles Lloyd com os Beach Boys ou Evan Parker com Scott Walker.
Muitos saxofonistas relevantes surgiram nos anos 1980 (e.g. James Chance, aliás James White, figura da new wave orientou-se num estilo harmolódico proposto por Ornette Coleman).
John Lurie ou John Zorn (sopros diversos) especializaram-se num jazz/art rock, num terreno da nova música onde se revelaram também Dick Heckstall-Smith, Peter Gordon, Elliott Sharp, Elton Dean, Michael Brecker,Tim Berne, Iaian Ballamy, David Sanborn, Steve Markus, Sonny Fortune, Andy McKay, Dana Colley do Morphine, entre tantos improvisadores que abordaram gramáticas do rock nos saxofones.
É celebre a secção de sopros dos Rare Earth e a brass section nos Blood, Sweat and Tears, nos Chicago Transit Authority, com impressivas texturas improvisadas, e.a.
Zappa, desde os Mothers of Invention aos Hot Rats e às suas diversas orquestras, incluído secções de sopro feéricas (o trompetista Sal Marquez, os saxofonistas Dave Coronada, Bunk Gardner, Jim Motorhead Sherwood, Paul Carman, Marty Kristall, Tony Rotella, Ernie Watts, e.a.). Na Magic Band do Captain Beefheart figuram misteriosos músicos de sopro como o clarinetista The Mascara Snake.
A “harmónica de bôca” diatónica é usada nos blues pelos seus efeitos expressivos nas notas sopradas e aspiradas. Sobretudo Sonny Terry, Sonny Boy Williamson, Little Walter, Junior Parker, entre outros supracitados, foram inspiradores de todo o rock.
Vinda dos blues, a harmónica de boca teve inúmeros cultores nos blues grass e no folk rock desde Bob Dylan a Magic Dick da J. Geils Band.
Entre os demais notabilizou-se o estilo cross harping consiste no uso da harmónica tocada numa oitava abaixo da que regula os instrumentos.
Os trompetistas improvisadores Don Cherry, Randy Brecker, Mark Isham, Lew Sollof, Jac Berrocal e Toshinori Kondo (IMA), incorrearm inúmeras vezes no meio do rock.
Django Bates em “Earthworks ” mostrou-se um mestre de trompa.
Gary Thomas faz parte dos epígonos de um novo estilo de trombone para o jazz rock.
Os polinstrumentistas Ian Underwood, Mike Altschul, Andrew White, Van Morrison, Robert Wyatt, Steven Brown (Tuxedomoon), surgiram situados em zonas criativas desviadas, são dos mais nobres exemplos entre os músicos de sopro do pop rock experimental.
O “musicologema” é a unidade dum sistema lógico musical e vamos procurar observar alguns desses elementos na morfologia geral da improvisação do rock.
O princípio fundamental da estrutura do rock é a composição temática, uma frase cantabile, uma invenção lírica; o logos do pop rock é a “melodia”.
A especificidade desta escrita melódica está profundamente arreigada à concepção romântica do lied, com métricas e cadências regulares e uso da escala diatónica.
A melodia pode ser de perfil indiferentemente euro, afro ou asiática; o “ritmo” é sincopado, alusivamente africanizado e binário na batida com fortes referências jazzísticas; a harmonia é surripiada ao classicismo tonal europeu, normalmente tocada na escala de “dó maior”.
O rock mainstream, espécie de metagramática de todo o rock, permanece música tonal, expressivista, repetitiva nos módulos melódicos, adstrita ao conceito de canção, sobre um batimento rolado (rolling beat).
Se excluirmos algumas partituras complexas de Zappa, a notação do rock raramente observa os acontecimentos de forma total para a execução.
Há apenas esboços de composição e a partitura cifrada limita-se à descrição da linha melódica e de alguma métrica; a forma da canção é o princípio da composição do rock; trata-se dum enunciado melódico, harmónico com um punhado de acordes, sendo a sua métrica prescrita ou sugerida.
A improvisação é um factor de maior importância no rock, a repetição de figuras melódicas é permanente e a rítmica binária de base mantém-se quase inalterada durante a criação da obra.
É claro que na techno pop ou em certo art rock encontramos múltiplos processos de improvisação, analógicos ou digitais e, no período do rock sinfónico os acontecimentos sonoros dentro dum tema eram minuciosamente estipulados, a sua variação de intrincado e restritivo enredo.
Na teoria de Cutler a composição do rock tende a ser colectiva já que os novos meios de produção (instrumentação electrónica, gravação, play back) estabelecem uma elisão da composição, da produção e da performance; é a improvisação que se liberta dos temas e realiza fenómenos híbridos, laminados ou palimpsestos (Cutler: 34).
A “distorção” até à absurdidade é um elemento primordial da composição heavy metal onde a mais banal melodia é um maneirismo triturado por brutal gestualização.
A “secção rítmica” está presente em quase todas as situações pop rock, é constituída por bateria, guitarra baixo, e guitarra rítmica (admitindo situações extensivas de percussão, caixa de ritmos como a exponencial Drumatix, teclados acústico e electrónico, controladores digitais de sopro, cordas, tecla percussão, sampler, gira-discos, computador, e.a.).
A secção rítmica estabelece uma relação infraestrutural da pulsação de base.
A rítmica binária (sobre dois tempos) é estipulada por uma racionalização básica dos seus elementos polirrítmicos e pelo jogo simplista de tempos duplos.
Sobre este fluxo binário realizam-se os discursos improvisados de primeiro nível da guitarra solo, do vocalismo ou doutras fontes instrumentais privilegiadas.
A bateria a second guitar e a guitarra baixo constituem, no rock mainstream, a secção rítmica por excelência, sobre padrões ritmos fixados mas sempre aliterados pelo improviso.
Na semiologia do rock, um complexo orgânico de sons electrónicos e acústicos é propulsado pela violência rítmica, que implica em cada beat a emanação fenomenal breaks.
A “colagem” é o elemento estruturante de toda a pop art. A colagem é a articulação de elementos disjuntivos e desmembrados; elo de uma união entre diversas relações musicais, unificação aparente de mundos separados. A colagem é um labirinto sonoro; magnificada pelos Beatles tornou-se caleidoscópica e é fundamental no art rock.
O play back depauperou a técnica musical, e nesta sua infantilização estiolou a verdade artística do rock. Gravando em estúdios sofisticados, num método de execução por tentativas e erros, filtragens, correcções, depurações, metamorfoses sónicas, e.a., chegava-se a um resultado considerado optimal, possível de atingir em perfomance ao vivo.
A técnica do scratch inaugurou-se sob o beneplácito de Cage (e.g. “imaginary landscape n.º 1”, 1939) – afinal a manipulação do disco-objecto, jogando com os seus movimentos, iludindo o tempo fixado. Algumas subtipologias, do reggae ao rap, do hip hop ao jungle, desenvolveram este sistema peculiar desde os anos de 1960.
No scratch, o gira-discos tornou-se um instrumento musical e o seu manipulador é o DJ (disc jockey). A técnica do scratch preconiza a escolha de vários discos que servem como matéria prima e são manipulados em acelerando, retardando, súbito staccato; tocados de trás para a frente, numa profusidade extraordinária de técnicas de manipulação dos gira-discos.
Um dos primeiros criadores de hip hop teria sido Grandmaster Flash que trabalhava várias velocidades do gira-discos mantendo o beat constante enquanto improvisava e falava cantando (toasting).
Segmentos, velocidades, alterações do tempo (acelerar, retardar, suster, e.a.) são signos desta arte experimental que se alimenta de despojos, detritos, estilhaços de obras de arte.
Da mesa do gira-discos (empiricamente organizada com dois pratos) com a manipulação dos vários discos, 33 ou 45 r/m, passou-se à mesa digital que controla CDs.
Na cena do rock neste fim de século revelaram-se virtuosos do sound system (e.g. Howie B., DJ Spooky), uma plêiade de executantes que podemos arrumar sem cerimónia no âmbito da Nova Música Improvisada.
Frank Zappa, guitarrista, orquestrador e eminente compositor, devotou-se em algumas das suas prolíficas e inigualáveis actividades a vários aspectos da improvisação, sobretudo pelo levantamento histórico de fórmulas para o improviso e propondo outras pistas aos executantes (e.g. experimentos iniciáticos com Bunk Gardner, Don Preston, Buell Neildlinger; “the torture never stops” de “Stage vol. 5”; ”shut up’n play yer guitar”, e.a.); a sua concepção improvisatória reflectiu-se especialmente no Captain Beefheart e, controversamente, em Henry Cow, e.a.).
Sob a égide da pop art, especialmente pela acção poliartística de Andy Warhol, criaram-se algumas obras de teor improvisado, abstractas, experimentalistas, também apelidadadas de art rock (e.g. “sister ray” dos Velvet Underground, um empreendimento de John Cale; “metal machine music” de Lou Reed; o épico de ficção científica dos Magma; o estilo “gótico” dos Bauhaus; certos situacionismos de J. Lennon/ Plastic Ono Band; atitudes com projecção no art rock de Throbbing Gristle; Gist; Sonic Youth em “daydream nation”, e.a.).
No kraut rock ou rock planante, normalmente de edição germânica, e sucedâneos, desenharam-se grandes paisagens improvisadas sobre fluxos monótonos e maquínicos, num princípio da hipnose do ritmo contínuo (e.g. Klaus Schultze, Tangerine Dream, Edgar Froese, Kraftwerk, Richard Pinhas, Neu, La Dusseldorf, Peter Baumann, Konrad Schnitzler, Manuel Gottsching, e.a.).
Depois, desde os anos 1980, com o sistema midi e a digitalização, a nova improvisação de cariz pop rock estilhaçou-se num âmbito pósmoderno com divagações poliscópicas, amálgama e concocção de delírios líricos, de variegados subestilo e subgénero tecnológicos, numa expressão massificadora do Zeitgeist (avanço cultural no mundo).
Constelação de propostas de certo modo insólitas donde sairiam movimentos insulares e progressistas da novíssima música improvisada e da electronic live a culminar na massificação da “música electrónica” (termo usurpador popular e jornalístico para a música que recorre sobretudo ao laptop, entre outras parafernálias digitais e informáticas, actualizado no epifenómeno tecnocrático duma proclamada música improvisada “acousmatic”).
Durante a sua História do pop rock e subtipologias satélites, vingaram agrupamentos míticos, fogos de artifico de improvisação desabrida a libertar-se da quadratura do circulo da temática.
Num inventário de figuras da História do pop/rock, para além de muitos agrupamentos já citados podemos nominar e classificar:
Funky: Supremes, Sly and the Family Stone, Temptations
Rock-and-roll: Bill Haley and his Comets; os agrupamentos de Chuck Berry, Little Richard, Buddy Holly, Jerry Lee Lewis, Carl Perkins, Gene Vincent, Eddie Cochran, Bo Diddley.
Geração Beat/mainstream: as bandas de Bob Dylan, Janis Joplin; The Doors, Jimi Hendrix Experience, The Who, Grateful Dead, Joe Cocker, Iron Butterfly, Creedence Clearwater, The Grateful Dead, Buffalo Springfield, The Byrds, The Mamas and Papas, Creedence Clearwater Revival, Jefferson Airplane, Butterfield Bules Band, Quicksilver Messenger Service, Electric Light Orchestra, Loving Spoonful, Buffalo Springfield; Crosby, Still, Nash and Young, Bad Seeds
Invasão Inglesa: Beatles, Rolling Stones, The Who, The Who, The Kinks, The Pretty Things, Humble Pie, Procol Harum, Kinks, Yes, Led Zepelin, Emerson Lake and Palmer; Rock progressive: Pink Floyd, o Alan Parsons Project, King Crimson, Gentle Giant, Moody Blues Yes, Genesis e Jethro Tull, Renaissance, Moody Blues
Heavy metal: Jimi Hendrix Experience, Cream, Scorpions, Rush, Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple, Iron Maiden, Grun Funk Railroad, Yeardbirds, T-Rex, Kiss, Alice Cooper, Queen, Judas Priest, Def Leppard, Motorhead, Saxon, MC5, Van Halen, Venom, Sepultura, Helloween, Whitesnake, Grand Funk Railroad, Blue Cheer, Aerosmith, Guns ‘n Roses
Punk: New York Dolls, Ramones, Sex Pistols, The Clash
New wave: Police, Jam, Billy Idol, Joe Jackson, Pretenders, Talking Heads, Cars, Devo, B-52, Blondie
Grunge: Mudhoney, Melvins, Tad, Soudgarden, Nirvana, Pearl Jam
Britpop: Blur, Oasis, Rain, Radiohead, Pavement, Stroke
Garage rock: The Troggs, The Shangri-Las
Glam rock: New York Dolls, Gary Glitter, T-Rex, David Bowie, Roxy Music, Slade, Heart
Punk rock: Iggy Pop & The Stooges, The Troggs, Sex Pistols, The Clash, Television, Ramones, Bad Religion
Hard rock: Poison, Bon Jovi, Mötley Crüe, Guns n’ Roses, Mr. Big, Skid Row, Quiet Riot, Twisted Sister
New wave: B-52´s, Talking Heads, The Police, Duran Duran, Gang of Four, B´52, The Cure, New Order, The Smiths, Simply Red, Portisheead, Red Hot Chilli Peppers
Art rock: This Heat, Cabaret Voltaire, Cars, New Yorl Dolls, Faust, Cockney Rebel, Residents Television, Coil, Young Gods, Gist, Young Marble Giants, Echo and Bunniman; Rip Rig and Panic Henry Cow, Biota
Thrash metal: Megadeth, Slayer, Sodom, Anthrax, Pantera, Sepultura
Death metal: Death, Morbid Angel, Cannibal Corpse, Carcass, Napalm Death
Gothic: Joy DivisionThe Cure, Bauhaus, Sisters of Mercy, Siouxsie & The Banshees
Hardcore: Dead Kennedys, Discharge, Exploited
Britpop: Pulp, Suede, The Stone Roses, Supergrass
Grunge: Nirvana, Pearl Jam, Alice in Chains, Soundgarden, Mudhoney
Neo-Psicadelismo: Smashing Pumpkins, Cake, Black Crowes, R.E.M.
Funk metal: Red Hot Chili Peppers, Living Colour, Faith No More, Rage Against the Machine.
Prog Metal: Angra, Stratovarius, Nightwish, Dream Theater, Blind Guardian, Rhapsody e Evanescence
Indie-Rock: Radiohead, Pixies, The Strokes, White Stripes, Coldplay, Travis e Belle & Sebastian
New metal: Run DMC, Korn, Green Day, Blink-182, NOFX e Offspring Static-x, Limp Bizkit, Adema e Slipknot, Poppy poppy-punk: Blink-182, Minor Threat
Rock alternativo: Murphy’s Law, Sheer Terror, Agnostic Front, Black Flag, Dead Kennedys, The Smiths, Melvins, Sonic Youth The Modern Age The Strokes, The Vines, Yeah Yeah Yeahs, Interpol e Libertines Franz Ferdinand, Kaizer Chiefs, The Rakes, Bloc Party, Test Icicles, Arctic, Monkeys, The Rapture
Em suma, no pop rock há apenas uma relativa congruência da técnica musical e essa congruência é dada pelo regime de realização áudio, o que implica o produtor, o engenheiro de som e as suas qualificadas equipas de sound design.
Podemos conotar alguns caveat nos valores intencionais relativamente ao improviso no rock: “tecnológico”, o som dos sintetizadores exprime a ciência e o futuro; “retórico”, onde se transmite a ironia, a autoridade ou mesmo o paradoxo; “emotivo”, confessional, extasiante ou apaixonado; “ideológico”, política, droga e outros derivados da alienação. (Middleton: 87); inferir alguns valores duma sociologia da improvisação no rock: “comunicativos”, a sua parte compreensível; “rituais”, que dizem respeito ao comportamento; “técnicos”, que insinuam a virtuosidade, os códigos, os estilos; “eróticos”, que são concomitantes à sexualidade; “políticos”, que remetem para a problemática social – estas são algumas das estratégias de participação do rock. (Frith. 56).
A História da dance music traça-se dos eléctricos rhythm and blues ao etno reggae ao funk ao disco ao rap ao hip hop.
Talvez não seja despropositado considerar o rock como música de dança no sentido em que provoca uma resposta corporal do auditório; maxime na expressão da gíria “abanar o capacete” que distingue desde logo o amador do rock de qualquer outro; no entanto o termo dança usado na tipologia da dance music vai mais longe porque alberga o sentido próprio dum lugar – a pista de dança (e.g. iconicidade: gesto, mímica, movimento, bater das mãos, pose, passo, salto, solo, relação dual ou colectiva, sensualidade luxuriante, etc.).
Na sua versão pop, o rap tornou-se um sector de intervenção directa sobre os acontecimentos, novos passos de dança, gesticulatória emblemática, fashion, ritual de rua, contextos fonéticos da gíria local.
Anteriormente ao termo dance culture, inseparável do movimento Hip Hop e da moda do ecstasy e do graffiti, houve formas de dança popular determinantes para o seu devir.
Os seus meios estéticos são o motivo, a fuga, a frase reiterada, a polifonia, a agógica, a textura tímbric, o conceito falsamente recuperado de basso continuo, uma designação instrumental bizarra (e.g. o sound sistem, o deck de dois gira-discos, megafone que pode ser um gadget de plástico com efeitos surpreendentes, a mesa de mistura, o sampler ,o sintetizador, a parafernália electroacústica, e.a.); luminotecnia, automatismo, repetição, hipnose, trip; o desenho espectral do som, a manipulação empírica de bens electrónicos e informáticos; a música em anel electronicamente processada; aprofecia e profanação, elevação e meditação, cleptofonia; gozo, orgasmo; analepse, a antecipação dum mundo pós holocausto; poética do absurdo vivida numa realidade virtual; transubstanciação vocal, metamorfose das emoções; loquacidade inconformada, palavra maquínica/palavra andróide, opereta cyberpunk; bailado apocalíptico; enredo transmentale distópico.
A dance culture viu surgir novos personagens musicais como o Disc Jockey (DJ), artista que manipula o vinil, e o Mestre de Cerimónia (MC) arauto da sessão; congeminadores dum regime extraordinário de produção através de misturas (remix) e remostras de obras musicais prévias em banda magnética, sampler (arte da “sampladélia”) ou outro tipo de dispositivo digital (e.g. os mestres hip hop, Grooverider, A Guy Called Gerald, Alex Reece, Tricky; DJ iIlvibe, DJ Mutamassik em cenas de fusão).
No fim do século passado, os ritmos mesclaram-se, as correntes como o funk, o disco, o hip hop e o jungle, hibridaram-se nas mesas de mistura, no scratch, na interacção computacional.
O auditório dançarino segue a lógica estrutural da composição multimedia e interarte: alvorada de luzes e plasma sonoro abstracto, pulsação vital que se vai acumulando num ritmo binário visceral persuasivo e reincidente; pode ser rápido ou lento e de acordo com o índice de bpm, que marca os tempos fortes por minuto a sua ratio; cânticos astrais e vociferações do quotidiano sobrepostas; pó de estrelas cadentes, escapismo voraz drogadicto; orgia esubverção; gesticulações, dança impromptu imaginada por cada um; a tribo e os núcleos colectivos adoptam o passo ou o gesto e assim se vão instituindo os rituais da dance culture, uma improvisação globalizada.
O rock estabelece com o público uma tendência ao uníssono social, por isso mesmo é uma música integrativa; ou todos cantam, ou há interlocução cantor/público, ou diálogo directo com perguntas e respostas impregnadas de humor e auto-afirmação.
Jorge Lima Barreto
2009