compositor João-Heitor Rigaud

João-Heitor Rigaud

ENTREVISTA

Começou em casa a sua descoberta da arte dos sons?

Sim. Enquanto estava em gestação, a minha Mãe estudava piano de manhã à noite e pouco depois do meu nascimento retomou o estudo. Quase se poderia dizer que o gosto pela música, no meu caso, é um trauma gestacional. Seria uma ingenuidade fazer tal afirmação, porém, poucos dias depois de nascer comecei a ouvir música em doses maciças e sempre com muito gosto, cada vez com mais gosto, desenvolvendo insaciável curiosidade e gosto pela pesquisa.

A sua mãe e fundadora do Conservatório de Braga teve uma influência muito grande na sua vida musical?

Teve, sim.

Para a Música, quem foi Adelina Caravana Rigaud?

Alguém que experimentou e, depois, observou, amarguradíssima, os péssimos resultados da sua experiência. Lutou por travá-los, mas foi em vão, o que agravou bastante o desencorajamento.

Além de pedagoga, a sua mãe foi poetisa…

Poetisa, propriamente, talvez não. Escreveu poesia para sublimar a amargura, para a qual já tinha pouca força.

Ainda jovem estudou piano, violino, durante 11 anos com Alberto Gaio Lima, e depois flauta, mas acabou por se focar no piano…

Isso não é bem assim. Em 1980, atirei tudo ao ar e fui para Genebra para ser chefe de orquestra e o piano, em que já não punha as mãos há dez anos, foi um instrumento que me obrigaram a tocar sem querer saber se eu jamais me tivera dedicado ao seu estudo. Calei-me, para não ser posto na rua, e toquei. Qual não foi o meu espanto quando me apercebi de que a facilidade que eu tinha em criança estava intacta. Até hoje, para mim, o piano é apenas uma ferramenta de trabalho.

Durante 7 anos foi aluno de Fernando Corrêa de Oliveira. Fale-nos deste compositor e pedagogo.

O prof. Corrêa de Oliveira teve o mérito de me abrir as portas da aprendizagem a partir da obra de Koechlin, Dubois, Gedalge, d’Indy e Rimsky-Korsakov. O grande problema é que não me deixava pensar…

O que o levou a ir estudar na Suiça?

O gosto pela música para orquestra e o fascínio pelos instrumentos.

Que professores foram mais marcantes na sua vida artística?

Pierre Wissmer, Claude Viala, Charles Held e Michel Corboz (não necessariamente por esta ordem).

Que música ouvia na sua juventude?

Tudo o que conseguisse apanhar, quer me agradasse, quer não. Tanto pela fruição, como pela curiosidade.

Quando começou a florescer o seu lado de compositor?

Em 1 de Abril de 1979 (curioso dia!). De repente. Por mero acaso, devido a um afectuoso “piparote” que me deu a namorada. Porém, só pensei em ser compositor no ano seguinte, em Genebra, depois de o Director do Conservatório Superior de Música me ter mandado para a Classe de Wissmer. Chocámos. Berrámos. Ficámos Amigos… e eu comecei a interessar-me por aquilo. A grandeza humana, às vezes, dá resultados destes.

Qual foi o primeiro momento em que se lembra de ter tido consciência de que a música era fundamental para si?

Pelas minhas contas e atendendo ao cenário, foi em 1959, quando tentei, debalde, abrir a porta da sala onde a minha Mãe estava a tocar, lá em casa, um r/c dto. da Rua Barbosa du Bocage, cá no Porto. Deitei-me no chão e fiquei a ouvir, espreitando por baixo da porta.

A tradição cristã tem alguma influência na sua vida e obra?

Influência, não. O Cristianismo faz parte da cunhagem da minha personalidade, mas eu sou autónomo. Desde que nasci, penso e ajo por mim mesmo, sou inteiramente responsável por aquilo que faço e nunca tive qualquer sentimento ou necessidade de pertença fosse a que tribo fosse, o que me levou, na infância e adolescência, a violentos confrontos com professores (no ensino superior, a minha autonomia foi sempre muito bem-vista). Portanto, a tradição cristã, sendo uma referência importante, não influencia a condução da minha vida nem tem qualquer tipo de papel na minha obra artística ou científica.

Que entidades destaca pelo seu contributo musical nos últimos 35 anos em Portugal?

Não destaco nenhuma.

Quais lhe parecem as maiores dificuldades e vantagens que se colocam aos compositores portugueses na atualidade?

Não há dificuldades nem vantagens em relação às épocas passadas, nem em relação aos outros países. Quem é livre e tiver vontade cria música, quem não é livre não cria música (nem coisa nenhuma) ainda que queira. Note que uma coisa é ser livre e outra é estar em liberdade.

Além de compositor, é professor e investigador. Gostaria de exercer uma das atividades em exclusivo, ou sente-se realizado com as três?

Não me sinto minimamente realizado no Ensino que, felizmente, está a acabar porque estou a chegar à idade da reforma. Sinto-me realizado quer como historiador, quer como músico, e não tenho qualquer intenção de parar nenhuma destas duas actividades profissionais.

Qual considera ter sido, até à data, o momento mais alto da sua carreira?

Quando o meu labor foi homenageado pela Universidade do Porto. Nesse estranho dia tive a sensação de ter acordado para a responsabilidade que o meu passado acarretava e para as expectativas geradas. Foi pesado mas estimulante, para o Homem, para o Artista e para o Cientista (não necessariamente por esta ordem). Parece que vale a pena ser livre!

Qual foi a maior deceção musical na sua vida?

Não cultivo expectativas sobre aquilo que não conheço, por isso nunca tive decepções musicais, só as tive com pessoas.

Quais os compositores da história da música que mais o marcam e inspiram?

Todos?… Nenhum em especial?…

Quais os compositores que ouve mais?

Depende daquilo que estiver a trabalhar e da circunstância do momento. Em termos gerais, não há compositores cuja obra eu frequente com mais assiduidade.

O que pensa do ensino da música em Portugal?

Penso que tem evoluído muito, embora nem sempre no melhor sentido e por isso, apesar do potencial existente, ainda está tão aquém da realidade de outros países.

Doutorou-se em História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto com investigação sobre João Arroyo. Que importância local e nacional teve este portuense?

Enquanto viveu, João Arroyo teve uma enorme importância nacional a nível político, como Deputado e Ministro, o que fez com que se tivesse tornado o português mais conhecido em Portugal e no estrangeiro. Depois caiu no esquecimento e actualmente está a tornar-se internacionalmente relevante pela atenção que tem sido dada à sua obra jurídica e artística. Dou um exemplo: quando há alguns anos, na biblioteca do Congresso, em Washington, requeri o exemplar do Estudo Segundo sobre a Sucessão Legitimária, de Arroyo, obra jurídica extremamente técnica publicada em 1885, fui informado que teria de esperar porque o volume estava na mão de um leitor!

Sendo especialista em História da Música no Porto, o que acha do contributo musical da cidade no século XXI?

A especialização que fiz foi em História Contemporânea e a minha área de interesse é o estudo da Cultura e da Mentalidade. Tenho, de facto, estudado muito os portuenses por ser eu próprio um deles, por nascimento e tradição, tendo aqui vivido quase toda a vida. Em termos gerais, o Porto foi uma cidade que teve papel muito relevante no Portugal oitocentista, tendo declinado rapidamente no século XX, tendência que começou a ser revertida na última década do século passado. A música tem acompanhado a evolução da cidade; porém, ainda está longe de ter a relevância que já teve.

O que é que a música lhe dá?
Qualidade de vida.

Em três adjetivos, como se caracteriza a si mesmo?
Persistente. Curioso. Leal. (não necessariamente por esta ordem)

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