Daniela Pimenta, investigadora, créditos Paulo Pimenta

Daniela Coimbra

Investigadora

Daniela Coimbra (1971-2023) foi uma investigadora e pedagoga. Introduziu a disciplina de Psicologia da Música e criou aa disciplina opcional de Gestão da Carreira Artística na ESMAE (Escola Superior de Artes do Espetáculo, Porto). Era docente e membro do Conselho Geral do Instituto Politécnico do Porto. Dedicou muitos anos ao estudo – de instrumentos, mas sobretudo da Psicologia da Música – para perceber de que matéria são feitos instrumentistas e cantores. É autora e co-autora de vários estudos sobre Saúde e Bem-Estar dos Músicos.

A 4 de Agosto de 2015 deu uma entrevista ao Público, “Descobrir o outro lado da música”, conduzida por Ana Dias Cordeiro.

Um bom professor de música deve saber despertar e reconhecer o talento numa criança, diz Daniela Coimbra.

Fez o mestrado em Psicologia da Música na Universidade de Sheffield, Reino Unido. “o foco da sua investigação foi a memória dos pianistas, que são os músicos que mais tradição têm de tocar sem pauta.” Em seguida fez “o doutoramento, na mesma universidade, no centro de Inglaterra, na mesma altura em que a Guidhall School of Music & Drama de Londres procurava investigadores para um projecto de observação dos cantores de ópera e dos seus processos de avaliação.” Concluiu que:

“Além dos desempenhos técnico e artístico, o júri dava especial atenção à personalidade dos cantores.”

Daniela Coimbra prosseguiu “o doutoramento sobre o tema da personalidade dos músicos – criativos, abertos a novas experiências e persistentes. Seguiu-se um pós-doutoramento no Royal College of Music em Londres e na Universidade Católica em Lisboa.”

Viria a ser “professora e investigadora na área de Psicologia da Música, uma disciplina introduzida na Escola Superior de Música, Artes e Espectáculo (ESMAE) no Porto, com a sua chegada em 2009, quando até então o que existia era Psicologia da Educação. Este universo menos exposto da música já era estudado em Inglaterra. Em Portugal começou então a ser.

Desde a sua chegada a Portugal, diz, Daniela Coimbra entrava diariamente numa escola com 450 alunos que querem ser músicos. E mostrava-se optimista em 2015.

“Todos – ou quase todos – serão músicos. Apenas uma pequeníssima minoria será performer de elite e viverá só da música, mas depois de entrarem numa escola superior de música, muito poucos voltam atrás na escolha. Este é um longo percurso para um raro destino.

“Não há uma receita para todos os músicos. Também tem a ver com o corpo, com a mente de cada um.”

Serão precisas dez mil horas de estudo para uma pessoa se tornar um músico de alto desempenho, diz Daniela Coimbra. Dez mil horas, de solidão ou ao lado de um professor.

“Os músicos têm de ser pessoas capazes de estar nesta solidão, e capazes de gostar dessa solidão. Mas é preciso que eles próprios sejam persistentes e consigam lidar com o isolamento.” E exemplifica:

“Uma criança aos oito anos pode ter que estudar meia-hora por dia sozinha. Mas aos 18 anos, um músico profissional estuda cinco horas por dia. E estuda sozinho. É deste isolamento que pouco se fala.”

O controlo da ansiedade e uma capacidade superior de persistência e de foco no trabalho são outros dos traços da personalidade de um músico de excelência. Por fim, a criatividade e a abertura a novas experiências vão permitir a quem vive para a música ser dotado de inspiração.

Os músicos têm sempre “um elevado nível de criatividade” e, associado a isso, muita abertura para novas experiências. “É aí que eles se destacam das outras pessoas”, diz a professora. “Outros grupos – como actores, arquitectos ou filósofos – também poderão ter esse elevado grau de abertura a novas experiências, mas na verdade os músicos, e os cantores de ópera em especial, demonstram níveis significativos de abertura a novas experiências.”

Além desta “criatividade notória”, como diz a investigadora, “os músicos que conseguem ir mais longe são os mais conscienciosos”. E lembra uma frase de Picasso – “quando a inspiração vier, eu espero estar a trabalhar” – para explicar aquilo que se passa com os músicos. “Têm que trabalhar muito, mas têm também de ter essa inspiração, essa criatividade, que advém do trabalho, mas também da sua abertura a novas experiências.”

Ter ou não ter pauta é uma opção que se coloca a todos os instrumentistas mas a investigadora escolheu os pianistas por serem os músicos que mais escolhem tocar sem pauta em recitais. “Devem os alunos tocar com partitura ou sem partitura?” – A questão colocava-se de forma insistente em 1998 e durante algum tempo nos conservatórios de música, quando Daniela Coimbra estava em Inglaterra. Falava-se muito disso, recorda.

“Os músicos a Norte da Europa tocavam mais com partitura do que os do Sul da Europa, que optam por ter sempre as peças memorizadas. Tocar com partitura, por um lado, põe o músico mais confortável, porque tem ali uma segurança. Tocar sem partitura também o pode libertar mais em palco, e fazer com que se torne mais espontâneo mesmo que tenha um pequeno erro. Um pouco como um trapezista sem rede. Isso solta-o. O público, por vezes, também gosta disso.”

E acrescenta: “Primeiro, os músicos têm que organizar o material, e adquirir uma compreensão estrutural muito grande do que vão fazer. O truque para eles, e nesse sentido não são muito diferentes das outras pessoas, é organizarem o material de uma forma bastante eficaz para poderem incluir muita informação num nível pequeno.”

Daniela Coimbra chegou a outras conclusões sobre a memória: “Os membros que tocam já estão automatizados, processam muita informação. Para isso, têm que ganhar uma aquisição motora de todos os movimentos que vão fazer. Isso demora muito tempo, mas à medida que os vão automatizando, também os vão memorizando. Depois têm de recorrer a essa memória mecânico-motora, mas também à memória auditiva e também à memória visual. Têm que entender a estrutura toda da obra, dividi-la em partes, em frases, até chegarem novamente à nota.”

Porque a música exige milhares de horas de dedicação, a investigadora compara um músico a um atleta de alta competição. E pela prevalência “muito grande” de lesões físicas entre os músicos. Os violinistas, por exemplo: “Ninguém foi desenhado para estar, seis ou sete horas por dia, numa posição assimétrica, com um instrumento pesado e que exige muita coordenação auditiva, motora. Para o fazer, é preciso ser muito bom e trabalhar muito.”

Fonte: Público / Ana Dias Cordeiro / 4 de Agosto de 2015

Testemunhos

“Tivemos a honra e o privilégio de a receber como conferencista convidada numa edição do festival Gravíssimo na cidade de Alcobaça, falando sobre um dos temas que mais gostava: “Metodologias e estratégias para aumentar o rendimento ao nível da performance musical”. (Sérgio Carolino)

“uma das pessoas mais talentosas, inteligentes e amorosas que tive o prazer de encontrar na minha vida.” (Teresa Cascudo)

A professora Daniela Coimbra foi uma grande inspiração no meu percurso académico e artístico, como estudante da ESMAE, uma pessoa pela qual tinha muita admiração e carinho. Uma grande pedagoga e investigadora, cheia de positividade e vontade de ajudar, que se preocupava com os alunos e que os encorajava. (Luís Tonicher)

“Investigadora e professora da ESMAE, cujo talento, sensibilidade, entusiasmo e incansável capacidade de trabalho marcou a tantos alunos e colegas, partiu hoje depois de uma intensa luta contra uma doença implacável. Era também uma amiga maravilhosa, com uma boa disposição contagiante, que perdurará para sempre na minha memória. (Cristina Fernandes)

“Tristeza enorme em saber do falecimento de uma Mulher que deixou marca por onde passou, principalmente na ESMAE à qual era de todos, pela simpatia que espalhava, pela simplicidade com que tratava toda a gente… Mais que uma amiga em muitos momentos, foi a minha mentora numa das fases mais decisivas e complexas da minha vida, à qual demonstrava a positividade à qual lhe caracterizava, dizendo simplesmente: “não se preocupe, vai correr tudo bem”… (Valter Ponte)

“Há uns nove anos comecei a estudar o mestrado na ESMAE. Naquela altura já levava uns cinco anos dando aulas no Porto no mesmo centro. Quando comecei os meus estudos de mestrado, conheci uma professora que dava aulas de “metodologia da investigação”, uma das disciplinas fundamentais do mestrado em interpretação artística porquanto a investigação e a pesquisa fazem parte do trabalho teórico que conforma mais da metade deste ciclo de estudos universitários. Nesta cadeira, entendermos os passos a serem dados na pesquisa é fundamental para o estudo ser útil para outras pessoas quanto para um próprio. Tanto é assim que nesse processo deve haver sempre uma ética e um trabalho honesto por trás, não aceitando per se as publicações favoráveis mas contrastando também aquelas que não o forem. São muitos aspectos que me foram em parte ensinados por Pedro Silva, quem dirigiu a minha dissertação, e por Daniela Coimbra, quem fez parte fundamental do sucesso do meu trabalho, quanto de muitos outros apresentados no mestrado na ESMAE. A Daniela Coimbra foi professora de muitas pessoas que estudámos na ESMAE e, além de colega, porquanto os dois temos sido professores neste centro, uma pessoa amável e com quem sempre parei a conversar quando o tempo o permitiu.” (Xurxo Varela)

Atualização: 27 de agosto de 2023

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