CONCERTOS NAS IGREJAS

Secretariado Diocesano de Liturgia do Porto

REFLEXÕES SOBRE OS CONCERTOS NAS IGREJAS (I)

A primeira observação é que as igrejas não são auditórios ou simples espaços públicos polivalentes e, sem o consentimento e aprovação do Bispo diocesano, não poderão ser utilizados como tais (nas condições impostas pelo direito – can. 1210) ou reduzidos a uma tal situação (can. 1212, 1222).

As igrejas não foram edificadas para serem lugares de espectáculos de teatro, de música ou salão de festas. Destinam-se exclusivamente ao culto divino, ao exercício da piedade e da religião. Tal finalidade caracteriza a natureza das igrejas e é inseparável da sua valência cultural. Esta disposição do Código de Direito Canónico ficou salvaguardada na actual Concordata de 18 de Maio de 2004 e por isso obriga a todos, Estado, Igreja e Sociedade civil.

Em todos os lugares de culto católico (mesmo os que estão sujeitos à tutela do Estado), a autoridade eclesiástica exerce livremente os seus poderes e funções (can. 1213; Concordata de 2004, nomeadamente art. 7, 22, 23 e 24). Neste sentido, é despropositada e não produz efeito, de acordo com o que prescreve a Concordata, qualquer resolução do Estado (ministério, autarquia ou instituto estatal), para a realização de concertos ou quaisquer outros eventos, nos edifícios religiosos e seus anexos. Nestes e noutros assuntos está em questão o compromisso do Estado de reconhecer e garantir à Igreja católica a sua missão própria e o exercício dela, proteger os lugares de culto na sua especificidade e finalidade e os eclesiásticos no exercício do seu ministério, independentemente do dever da Igreja assumir o compromisso de ter em conta outros altos valores culturais de interesse nacional, em colaboração honrosa com o Estado. Assim, mesmo nas igrejas que são propriedade do Estado, mas estão afectadas ao culto, é ao Bispo diocesano que compete exclusivamente autorizar outras actividades que estão para além do culto, nomeadamente os Concertos. Qualquer costume que se tenha introduzido ultimamente de atribuir competências a outras entidades, nomeadamente do Estado, para regular o uso das igrejas, deve considerar-se desajustado e inepto e, por conseguinte, nulo.

“A República Portuguesa reconhece à Igreja Católica o direito de exercer a sua missão apostólica e garante o exercício público e livre das suas actividades, nomeadamente as de culto, magistério e ministério, bem como a jurisdição em matéria eclesiástica. A República Portuguesa assegura nos termos do direito português, as medidas necessárias à protecção dos lugares de culto e dos eclesiásticos no exercício do seu ministério e bem assim para evitar o uso ilegítimo de práticas ou meios católicos. Os imóveis que, nos termos do artigo VI da Concordata de 7 de Maio de 1940, estavam ou tenham sido classificados como «monumentos nacionais» ou como de «interesse público» continuam com afectação permanente ao serviço da Igreja. Ao Estado cabe a sua conservação, reparação e restauro de harmonia com plano estabelecido de acordo com a autoridade eclesiástica, para evitar perturbações no serviço religioso; à Igreja incumbe a sua guarda e regime interno, designadamente no que respeita ao horário de visitas, na direcção das quais poderá intervir um funcionário nomeado pelo Estado. A República Portuguesa reconhece que a finalidade própria dos bens eclesiásticos deve ser salvaguardada pelo direito português, sem prejuízo da necessidade de a conciliar com outras finalidades decorrentes da sua natureza cultural, com respeito pelo princípio da cooperação.” (Concordata, art.2, 7, 22, 23)

Um dos aspectos importantes a considerar é, sem dúvida, o carácter cultural e pastoral dos concertos nas igrejas. Quando hoje se fala de cultura já não é (infelizmente!) naquele sentido profundo a que estávamos acostumados (era então timbre falar de alta cultura), que nos legou, ao País e à Igreja, um património espantoso, na arquitectura, na pintura, na escultura, na talha, no azulejo, etc. e na música. Hoje, com elevada frequência, confunde-se cultura com animação, compreendida num sentido impróprio e superficial de mero movimento ou exercício, não de alma. Ora juntar este movimento com o património é porventura a maior desconsideração e desrespeito pelo património, uma verdadeira aberração. Hoje, pondo a nu o baixo nível cultural que teimamos não ver e reconhecer, estão um pouco na moda os concertos, como aliás tudo o diga respeito a património cultural, a rotas, a programas e projectos, jornadas, jogos medievais e outras pantominas que divertem mal o povo, mas recebem fundos, sem critério, controle e sem futuro, e que, previsivelmente, nunca chegarão a vingar, isto é, a transformar as mentalidades, a elevar a cultura, porque embaraçadas em meandros que nada têm a ver com a genuína cultura. O descaramento de fazer cultura deste modo é pungente, uma verdadeira dor de alma, uma imposturice do nosso tempo. Hoje chama-se concerto a tudo (até ao rock.). Antes era-se mais modesto, chama-se recital, audição. O nível cultural dos organizadores é, por vezes, tão baixo que marcam para as igrejas audições de fado, tangos, valsas, cavatinas brejeiras, etc., sem se aperceberem como o monumento estremece de nojo. Além disso, é frequente serem instituições e associações exteriores (ou estranhas) à Igreja a promoverem os concertos nas igrejas, porque vêem nelas apenas monumentos de interesse (porventura, exóticos), com boa acústica e entendem que seriam mais bem empregues como auditórios, do que para as finalidade que a sua natureza lhes confere. Há, em tudo isto, um descontrole, uma deficiência de conceito, prejudicial ao próprio património, que importa corrigir. A Igreja tem, pois, uma palavra a dizer!

S. D. L. Porto, inVoz Portucalense, 21 de Setembro 2005

PORQUE HÃO-DE OS CONCERTOS SER EM IGREJAS (II)

A cultura (sem adjectivos supérfluos de alta ou popular), num sentido de aperfeiçoamento do agir e da sensibilidade, ou, como entende a Gaudium et Spes “todas as coisas por meio das quais o homem apura e desenvolve as múltiplas capacidades do seu espírito e do seu corpo”, interessa à Igreja. Tal concepção implica movimento, exercício, desenvolvimento do homem todo e da comunidade. E, neste contexto, a dimensão religiosa cristã tem um papel de relevo. O património herdado é um testemunho disso mesmo, pode e deve ser um estímulo para a criação, como bem advoga a Igreja. E o seu uso não deve ser deixado ao acaso, mas reclama que obedeça a critérios de qualidade, de excelência (para aí se aponta!) quer nas celebrações litúrgicas (aqui faz-se o que se pode, mas julgamos que se pode fazer melhor), mas sobretudo nos Concertos. Neste sentido, não deveriam ser permitidos Concertos nas igrejas que não respondessem àquele grau de qualidade indiscutível. Por um lado, a cultura nas igrejas deve começar pelas celebrações litúrgicas. Por outro, a “animação” dos espaços sagrados não se faz com ruído (seja visual, seja auditivo). A sobriedade, o silêncio, a limpeza, o arranjo, em suma, o zelo com que são tratados tais espaços devolver-lhes-ão a sua primeira e mais eloquente linguagem.

Noutra vertente, falta à pastoral uma ideia ou um projecto para este tipo de actividade (o Concerto), do máximo interesse para a formação cultural e espiritual do povo. Os concertos nas igrejas deveriam, por isso, fazer parte dos planos de pastoral das Paróquias e das Vigararias, a fim de se enquadrarem numa acção ampla e com profundidade, com objectivos pedagógicos quer ao nível cultural, cultual e catequético. Tal atitude pastoral viria certamente corrigir um certo desvio e até desrespeito para com os lugares sagrados, transformados, frequentemente, em meros auditórios, para serem o que são, lugares onde permanece viva a transmissão da Palavra de Deus e a eloquência do Mistério de Cristo, quer na Arquitectura, Pintura, Escultura, Música, etc., etc. Isto é outra coisa! As paróquias e outras comunidades deveriam tomar as iniciativas da organização dos Concertos e de tudo quanto diz respeito à música, quer na Celebração, quer fora da Celebração. Desenvolveram-se hoje aqueles grupos parasitas, outrora vivendo dos casamentos, hoje promovendo concertos, enquanto que nas Celebrações litúrgicas, em alguns casos, a música continua a ser uma lástima. Este fenómeno musical é mais amplo (os Coros hoje têm dificuldades de sobreviver e estes grupos ad hoc proliferam.), mas faz-se sentir aqui, com a gravidade que é apoiado nesciamente, directa ou indirectamente, por instituições públicas. A pastoral implica também este saber antecipar-se a uma clientela recente, bem informada e ágil quanto à obtenção fundos e que se oferece com generosidade (aparentemente!) e se sente com autoridade para determinar o que se há-de fazer nas nossas igrejas, em nome da cultura.

Desde longa data, provavelmente desde o séc. XVI, com um intuito catequético ou de piedade, estabeleceu-se o costume de realizar nas igrejas o “Concerto espiritual”. Deste modo e desta forma a Igreja formava os fiéis na Sagrada Escritura e na doutrina católica, com salmos, hinos, cantatas, oratórias, com a apresentação de personagens e feitos bíblicos, da história de Jesus (Paixões), da Virgem e dos Santos, criava uma disposição interior de profunda contrição e acção de graças, de louvor e de alegria que animava a vida quotidiana do fiel, das famílias e de toda a comunidade. O “Concerto espiritual” foi pois a máxima expressão cultural religiosa e uma das máximas expressões musicais (particularmente, a Oratória). A temática e o ritmo eram estabelecidos pelo tempo litúrgico. Era impensável entoar um Requiem no Natal, um Aleluia na Quaresma, um Te Deum no dia 2 de Novembro, um Salmo penitencial no domingo, e assim por diante. Havia cultura. O que acontece hoje é de pasmar! Deixamos de ser cultos. Isto não se pode permitir nas nossas igrejas. Os concertos espirituais tinham em vista preparar e ajudar os fiéis a viver os mistérios celebrados ao longo do ano litúrgico. Deste modo, surgiam como uma preparação e/ou um complemento da liturgia, sobretudo nas celebrações mais festivas, a par da eloquente oratória sacra e dos pios exercícios ou das representações sacras (algumas com música – como as inúmeras paixões). Assim se fazia a catequese, assim o povo aprendia a Bíblia.

No tempo de Vivaldi, Corelli, Händel, Bach, etc. eram frequentes estes concertos espirituais nas igrejas, para além dos outros concertos ou das óperas nos teatros e nos arraiais. De certa forma as coisas estavam equilibradas, porque eram tempos áureos de genuína cultura! Isso hoje perdeu-se. As bandas já não querem os Coretos e preferem levar o Guilherme Tell para dentro da igreja, até com o apoio do senhor Presidente da Junta e a resignação do senhor Abade. Não faltará muito que o Rancho, com dançares e cantares, reclame esse espaço. O que tem piada é que se diga, depois disto tudo, que a Igreja nem é Culta, nem gosta de Música, nem quer Concertos!

S.D.L. Porto, Voz Portucalense, 28 de Setembro 2005

PORQUE HÃO-DE OS CONCERTOS SER EM IGREJAS (III)

É verdade que a Igreja tinha Escolas de música, ao menos nas Catedrais, Mosteiros e Igrejas maiores e continua a tê-las em alguns países, porque compreendeu sempre quanto as artes são essenciais para elevar o homem e aproximá-lo dos mistérios da Vida, de Deus. A música, e as artes em geral, sempre tiveram, por isso, um papel importante na actividade pastoral, não apenas cultual, mas também catequética da Igreja. Paulo VI chegou mesmo a ver no artista um necessário complemento do sacerdote (“Se ajuda dos artistas visse a faltar-nos, o ministério sacerdotal perderia segurança”, cf. Diálogos com Paulo VI, J. Guitton).

Ficamos tristes, porque espiritualmente pobres, quando nas nossas igrejas, com facilidade e pusilanimidade, se admitem artefactos de feira, quando os livros e manuais, porventura com a boa intenção de serem acessíveis, são simplesmente corriqueiros e de mau gosto, e os cartazes, dísticos querem ser tão explicativos que afinal ferem o pouco de sensibilidade que ainda existe e que será sempre a riqueza dos simples, etc. E a música? Apreciamos a boa música, a mais profunda, em nossa opinião, a música sacra. Desejamos ouvi-la em Concerto, numa igreja, sem dúvida, é o lugar dela! Mas, sempre que possível, preferiríamos que fosse na celebração litúrgica para que foi feita, a qual, concitando todas as artes, como expressão sublime ao serviço do Espírito que actua na Igreja, faz da Liturgia a Arte suma, a mais acabada manifestação do Mistério.

Causa-nos espanto e, (porque não dizer!), mágoa que se programem para as igrejas concertos de música sacra, mesmo e sobretudo aos domingos, e a música na Missa dominical não tenha nível, fique tão descuidada, seja tão vulgar, ao nível do lugar comum a que o consumismo nos reduz, enfim, como agora se diz, “pimba”. Quem tenha um pouco de sensibilidade (já nem dizemos Fé!) não pode aceitar este contra-senso, esta aberração. E como é possível integrar uma acção do género em Jornadas de Património? Então, deveríamos interrogar-nos todos: de que Património se trata? O que está em causa? Para que se fez tal monumento? Como se mostra tal arquitectura, tal escultura, pintura, música, etc. com conversas de guias ou apresentadores ou deixando que eles (os monumentos e as obras de arte.) nos falem, sim com a sua linguagem própria, genuína?! Respeitar as igrejas naquilo que elas são e significam é que é respeitar o património!

As responsabilidades são grandes, as possibilidades são poucas, os sacerdotes não abundam, esgotam-se, a falta de saúde e a idade de muitos já não lhes permite grandes voos. Mas, apesar de tudo, julgamos que algo será possível, com alguma orientação, bom senso, muita honestidade e grande generosidade. Tudo começa pela limpeza, o arranjo, a conservação, o diálogo com os responsáveis (a começar por nada se fazer sem o conhecimento e consentimento do Bispo diocesano) e com as pessoas e agentes de garantida competência. Alguém dizia que a pressa é inimiga da perfeição. Ora, tem sido ela que tem desfigurado e destruído muitas igrejas. Mas também é verdade que, na nossa diocese, se vem fazendo, em muitos casos, um grande esforço de formação musical das crianças e dos jovens. E isto é verdadeira cultura (não show fácil!…) nem sempre justamente reconhecida, nem sequer pelas autoridades locais.

Mas se o voluntariado é precioso, o voluntarismo não chega. Também hoje precisamos de contratar professores, músicos, artistas a quem é preciso pagar, porque precisam de viver. E este é um problema de administração. Recorrer a apoios para a cultura (previstos até em programas europeus), a mecenato, incluir nos orçamentos paroquiais as despesas com a formação, mentalizar todos, particularmente Comissões de festas para o sentido pastoral da utilização do dinheiro, etc. Foi assim que aconteceu no passado, e que permitiu que a Igreja pudesse contratar artistas, apresentando hoje um património musical único. Assim se foi criando um repertório não apenas para a liturgia, mas também para a catequese e para a cultura religiosa, missas, Te Deum’s, Motetes, Cantatas, Oratórias, e era executado pelos melhores músicos, formados nas suas escolas (da Igreja) ou contratando-os. Eram outros tempos, pensarão alguns! Outros, a seu jeito, dirão: revivalismo. Não. A Igreja não cuida da sua cultura de barato. Aliás, a formação dos músicos e do povo na arte musical era cuidada, com esmero, particularmente, à volta dos mosteiros e das catedrais. A Igreja percebeu, como gostava de dizer Santo Ambrósio, que não há nada melhor que o Canto (a Música) para inculcar, sustentar e defender a Fé. Mas o que dizia da Música, pode e deve entender-se também da Arte sacra.

S. D. L. Porto, in Voz Portucalense, 19 Outubro 2005

PORQUE HÃO-DE OS CONCERTOS SER EM IGREJAS (IV)

É verdadeira a afirmação de que a Igreja sempre deu um grande apreço às artes e à música, em particular, não por diletantismo (hoje tão divulgado, como “emblema”) ou necessidade de se mostrar, mas por estima, exigência e convicção própria, da mensagem a veicular e a divulgar. Esta é, pois, uma mais valia da mesma Igreja, hoje, e também de uma sociedade, em crise cultural que, mais uma vez, pode encontrar na Igreja (se for o caso!) o rumo do futuro e do sentido. Por tudo isto, é a instituição com o melhor património artístico, hoje cobiçado, frequentemente por quem é incapaz de adequadamente o gerir. Embora aqui ou ali possa parecer que não, a Igreja sabe muito bem como pode educar, formar, conduzir, porque o princípio da incarnação é permanente e actuante nela. É sempre uma grande tristeza quando a cultura da Igreja cai em mãos inábeis, adulteradas ou fúteis! Adeus cultura!

Muitos gostam de fazer figura, mas não têm estatura. Às vezes, até são ridículos!… Este património da Igreja é não apenas uma acumulação de sabedoria, de diálogo, de cooperação, mas também de muita paciência e de uma grande gestão de quem sabe ir além, de quem se habitua a perscrutar para além do horizonte! Esta cultura já não existe?! Então, o que é que existe de cultura? O usa e deita fora?!… Não pode ser. Nesse caso, o que se divulga não pode corresponder à realidade. A realidade sempre foi o que é, mesmo que envolvida por ignorantes que falam doutras coisas. Porque falam eles?! “Nada disseram, porque sabiam: uma coisa assim não é dizível. Por isso se tinham tornado pintores: pois muitas coisas há que não são dizíveis” (Uma associação nascida duma necessidade imperiosa, de Histórias do Bom Deus, de Rainer Maria Rilke).

“O reconhecimento das dificuldades objectivas não impede (o Cardeal Ratzinger) de defender apaixonadamente não apenas a música, mas a arte cristã em geral e a sua função de reveladora da verdade: «A única, a verdadeira apologia do cristianismo pode-se reduzir a dois argumentos: os santos que a Igreja produziu e a arte que germinou no seu seio. O Senhor torna-se crível pela magnificência da santidade e da arte que explodem dentro da comunidade crente, mais do que pelas astutas escapatórias que a apologética elaborou para justificar os lados obscuros de que abundam, infelizmente, os acontecimentos humanos da Igreja. Se a Igreja, portanto, deve continuar a converter, a humanizar o mundo, como pode, na sua liturgia, renunciar à beleza, que é unida de modo inseparável ao amor e, ao mesmo tempo, ao esplendor da Ressurreição? Não, os cristãos não se devem contentar facilmente, devem continuar fazendo da sua Igreja o lar do belo, portanto do verdadeiro, sem o que o mundo se torna o primeiro círculo do inferno». (Diálogos sobre a Fé, Cardeal Ratzinger e Vittorio Messori, cap. IX).

Estamos pois no cerne da questão: que música, que arte para a Igreja? As dificuldades são grandes, por isso, as tarefas são maiores. Queremos música e arte de qualidade, isto é, verdadeiras, não plágio, réplica, ou reprodução mecânica (entenda-se!… não de feira, de loja “dos trezentos” [1,50 €], “quinquilharia de santuário”), etc. Mas se lutamos por expurgar da liturgia o que é indigno do culto divino, porque falso ou inautêntico, a que propósito iríamos admiti-lo em Concerto? Será que o bom senso já não funciona?! Ah! Mas aquela Escola, este Hospital, o Lar da terceira idade, aquela Associação de bem-fazer, quer fazer uma festa. Muito bem. Façam pois a melhor festa que forem capazes, mas não na igreja, mesmo que chamem a isso um Concerto! Na Igreja, só a Festa de Deus, sobretudo na Liturgia (Eucaristia, por excelência), e, precedente ou consequentemente, o Concerto espiritual, devidamente enquadrado, num nível de excelência! Doutro modo, não faz falta ou só perturba o silêncio de ouro!

Este aspecto que agora abordamos, é da máxima importância, porquanto não é fácil fazer compreender o que, mesmo do ponto de vista cultural, está em jogo. E se, neste capítulo, algumas autoridades diocesanas são apontadas a dedo, são-no, frequentemente, injustamente, porque reagiram estritamente, em muitos casos, contra um parasitismo cultural que invadiu, nos últimos anos, as nossas igrejas e a que importa dizer: basta! Neste caso, qualquer excepção, confirma a regra. De facto, sob a capa de cultura, há a uma proliferação de concertos do mais baixo nível, quer do ponto de vista de repertório, quer do ponto de vista de execução e interpretação, quer do ponto de vista de oportunidade cultural e pastoral e do mais deplorável sentido estético. Hoje bate-se palmas a tudo, apoia-se o que não presta, estamos num acesso de inversão cultural. A consequência é que não se pode permitir que as igrejas se tornem salões de festas, auditórios, salas de espectáculo, porque são e devem ser respeitadas como casas de Deus, abertas a quem queira aceitar o convite que Deus dirige, indiscriminadamente, a vir à Sua festa.

S. D. L. Porto, in Voz Portucalense, 02 Novembro 2005

PORQUE HÃO-DE OS CONCERTOS SER EM IGREJAS (V)

Em 5 de Novembro de 1987, a Sagrada Congregação para o Culto Divino, analisando os diversos motivos pelos quais as igrejas são procuradas para espectáculos musicais, respondendo a uma galopante apetência do público pelo interesse da música ao vivo, estabeleceu alguns critérios muito objectivos que podem ajudar a estabelecer as condições para aceitar ou recusar os Concertos nas igrejas.

Sem dúvida que os agentes culturais poderão invocar algumas qualidades das igrejas, como o espaço, a acústica, a estética, etc., que são reais e, por isso, serão apetecíveis para o efeito, mas não são objectivamente suficientes. E os referidos agentes se forem cultos perceberão facilmente que nem qualquer música, seja erudita ou seja popular, é condizente com o espaço em questão. A pressão que muitas vezes é feita para “forçar as portas das igrejas” tem outras explicações não mencionadas ou abonáveis.

Por outro lado, a Igreja possui um riquíssimo património musical, grande parte do qual já não é executável nas acções litúrgicas. E, contudo, o lugar desse património são as próprias igrejas. É legítimo inferir-se a qualidade da execução, como condição, por respeito não só pelo lugar, mas também pelo próprio património musical.

A referida carta não faz muito mais que traduzir os cânones 1210 e 1213 que dizem que nas igrejas se proíbe tudo quanto não está em consonância com a santidade do lugar e que a autoridade eclesiástica exerce nelas livremente os seus poderes e as suas funções, explicando que o preceituado é uma consequência decorrente da própria natureza e finalidade das igrejas. Aliás estes cânones foram assumidos pela recente Concordata (artº 7º).

Foi, partindo destes princípios, e apoiando-se numa praxe já usada e difundida, que se estabeleceram normas concretas, a fim de ajudar a autoridade eclesiástica a decidir. Resumimos e adaptamos à nossa situação, no esforço de corresponder às circunstâncias de tempo e lugar, concluindo, desse modo, de forma directa e prática.

1. Nas igrejas devem ouvir-se aquelas composições musicais para o culto divino e para a piedade popular que a tradição nos legou (tesouro musical da Igreja) e que os compositores contemporâneos acrescentam e que sejam aceites nesse tesouro musical. “Não é legítimo programar numa igreja a execução de uma música que não é de inspiração religiosa, e que foi composta para ser interpretada em contextos profanos determinados, quer se trate de música clássica, quer de música contemporânea, de alto nível ou de carácter popular” (Carta, nº 8).

2. As igrejas não são auditórios, por isso a música que nelas se apresenta deverá ter um sentido e uma finalidade pastoral: criar ambiente de beleza, oração e meditação, acentuar o carácter do tempo litúrgico, preparar as festas e solenidades litúrgicas, favorecer a abertura à Palavra divina e aos Mistérios da Fé, conservar vivo e divulgar o património musical da Igreja e promover a inspiração dos artistas e a criação de um novo património, etc.

3. Numa pastoral moderna, a dimensão cultural e a sua vertente estética deve ser tida muito em conta, pois que essa é uma boa tradição da Igreja, por um lado, e, por outro, vivemos num tempo que se tornou muito sensível a essa dimensão. Desse modo, a Igreja pode transmitir melhor o Evangelho e a Boa Nova pode ser mais facilmente acolhida por muitos que até nem frequentam muito as igrejas. Com certeza que as comunidades hão-de encontrar recursos nos Mecenas, nas Parcerias com instituições públicas e privadas e, também, na contribuição dos próprios fiéis. Cada vez se torna mais comum que quem recebe um benefício cultural contribua para ele.

4. Quem autoriza os Concertos nas Igrejas é o Ordinário do lugar. Quem deve fazer o requerimento ao Ordinário do lugar é o reitor da igreja (Pároco ou Capelão). Antes do requerimento, o reitor da igreja faz um primeiro juízo sobre o tipo de execução que se pretende fazer, na sua igreja, tendo em conta tanto a música como os executantes, socorrendo-se de um parecer abalizado, porventura da Comissão diocesana de música sacra. Se lhe parecer que nada obsta e que, pelo contrário, é oportuno ou do maior interesse pastoral, então fará o referido requerimento.

5. O requerimento deve ser feito, por escrito, em tempo útil, antes do Concerto ser anunciado, indicando o lugar, a hora, a(s) obra(s) a apresentar e o(s) autor(es), os executantes e os seus curricula. Pode haver necessidade de apresentar partituras ou de obter pareceres artísticos sobre os executantes. Quando tal acontecer é conveniente que haja tempo.

6. Após a aprovação do Ordinário do lugar, inicia-se a preparação e organização do Concerto: publicidade, cartazes, programas, estudo do espaço e sua disposição e ocupação, no máximo respeito pelo lugar sagrado, por parte de todos, executantes e assistentes. De acordo com a prática do turismo cultural religioso e, no respeito pelo que determina o cânone 1221, nada impede que as entradas e/ou os programas possam ser pagos, desde que seja justo, isto é para cobrir as diversas despesas que envolvem a organização, e se evite não só o aspecto, mas também o carácter de negócio.

7. Como é prática consolidada, retira-se o Santíssimo Sacramento e, antes do Concerto, o reitor da igreja acolhe os presentes e faz uma breve introdução ao Concerto, sobretudo na sua vertente catequética ou espiritual.

Eis, pois, para concluir, a resposta à questão: «porque hão-de os Concertos ser em igrejas?».

S. D. L. Porto, in Voz Portucalense, 09 Novembro 2005

Coro Polifónico da Lapa

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