CANTAR COM OS MAIS NOVOS

Catequese, música e liturgia

por António José Ferreira

Introdução

A música é uma prática cultural de grande relevo nas sociedades contemporâneas, em especial entre os mais jovens. Tendo consciência disso mesmo, a revista francesa Catéchèse dedicou em 1988 um número inteiro à música e ao canto na Catequese. Não tenho conhecimento que alguma publicação do género tenha sido feita alguma vez em Portugal. Contudo, a Igreja não pode hoje ignorar as novas tecnologias da informação e comunicação; com gastos relativamente reduzidos, pode promover estudos e disponibilizar elementos sobre um aspecto incontornável da actividade evangelizadora. Através da música o amor exprime-se, a tristeza transforma-se, a fé estrutura-se. Cantar é assumir o seu dom e pobreza, é dar e receber.

A transmissão de ideias através do canto desempenhou um papel único quando a leitura e a escrita estavam confinadas a uma minoria. Com alfabetização generalizada, a música não deixa de ter um papel importantíssimo na transmissão de conteúdos, objectos e ideias – na publicidade, nas canções de intervenção na Liturgia e na Catequese.

Mas há que ter sempre em conta que tudo o que é produzido e manuseado pelo homem, pode ser objecto de uso e de abuso. Através da música se vendem detergentes e perfumes, carros e telemóveis, através da música se propagam as ideologias, democracias e ditaduras.

1. Canto, mais do que palavras

Para nos encontrarmos realmente com a beleza, precisamos de tempo e disponibilidade. E a beleza pode abrir-se, como janela, caminho e ponte. Linguagem universal (nasce com os homens enquanto seres aptos para cantar e tocar), a música é um veículo natural de comunhão entre pessoas. Nela se une a diversidade dos povos, raças, sexos, idades, condições, temperamentos e línguas.

Cantar é tão gratuito e natural como amar. Não pertence à ordem da necessidade, da eficácia, da rentabilidade, mas da gratuidade e da entrega. A voz não é instrumento que se possa comprar ou vender: é-nos dado como dom, mas torna-se conquista na medida que se desenvolve a técnica vocal.

Foi dito: “quando falo, digo o que penso; quando canto, digo o que sinto”. O aforisma é questionável; todavia, é verdade que através da música podemos revelar o que pensamos e sentimos a um nível diferente da linguagem falada. Desde os primórdios da Igreja, os missionários entenderam o papel crucial do canto na evangelização e no louvor. Não se pode cantar com verdade o Pai-nosso sem perdoar os irmãos, não se pode dizer “ouvi-nos, Senhor”, sem humildade, não se pode cantar “O amor de Deus repousa em mim” sem um coração dócil.

Os cânticos e canções aprendidos na infância perduram ao longo da vida. São uma arte de operar em conjunto, gerando comunhão. Nesse sentido, não é essencial que todos cantem perfeitamente afinados; mais importante do que isso é que o canto colectivo exprima as vivências do grupo e das pessoas. Perante as dificuldades que, por vezes, as crianças experimentam em partilhar com os pais, o canto em conjunto é uma forma de colocar os pais em presença do que o grupo vive.

O canto é um elemento insubstituível na catequese e na liturgia. “O ritmo e a melodia ajudam à memorização de um texto” (E. Uberall, Chanter avec les enfants, in Signes Musiques 37, 4). Todos os manuais do percurso catequético sugerem um complemento musical, com gravações e cadernos. “O canto educa a fé” (A. M. AITKEN, Un répertoire de chants en catéchèse, in Église qui chante 252 (1990) 13).

O texto é memorizado através do ritmo, da melodia, da rima, das palavras ou ideias que se repetem, da sequência lógica das afirmações. A rima cruzada, (ABA’B’, ou ABCB’) tão importante na poesia popular, e a organização do poema em versos regulares de 7 sílabas (chamado redondilha maior), ajuda à memorização do texto. É o caso do cântico de Teodoro Dias de Sousa “A família de Jesus / é quem ouve o que Ele diz. / Quem fizer como ele fez, / viverá sempre feliz!”

Assim, “o canto é um modo privilegiado de dizer um texto.” (Isabelle Schiffman, Chanter avec les enfants, in Catéchèse 113 (1988) 59). Daí que não se possa cantar qualquer coisa. A uma pergunta de um membro de um coro de aldeia, um sacerdote que ia presidir à celebração respondeu um dia: “cantem qualquer coisa, desde que não seja a vareira!” Descontando o sentido de humor da resposta, a verdade é que existe muitas vezes uma conceição do canto como algo muito secundário e ornamental.

A selecção dos repertórios de canto deve colocar questões como esta: o texto possui boa qualidade literária, é rico em linguagem simbólica? Na relação texto – música, as sonoridades e rimas são naturais ou forçadas? A passagem de uma estrofe a outra está bem construída? O conjunto da melodia combina com o “tom” do texto? A memorização é fácil? No que se refere aos conteúdos da fé, Deus é apresentado de forma coerente com o que se apresenta da catequese?

cânticos cuja mensagem é de compreensão imediata (“Deus gosta de ti muito mais que possas imaginar”); outros apresentam uma feitura poética simples (“Eu sou uma carta escrita por Deus pelo poder do Espírito”); outros têm uma mensagem mais complexa de inspiração bíblica (“A semente é a tua palavra, senhor”).

A componente textual é muito importante e deve adaptar-se à psicologia da criança. Simplicidade não é simplismo, infantilidade não é infantilismo. A linguagem deve ser adaptada às crianças, mas não pueril. Um texto pode ser simples, ter qualidade poética e riqueza simbólica, apontando o Mistério de Deus que não se reduz às palavras. O vocabulário não tem que ser todo da idade das crianças: os mais novos também são capazes de aceder à dimensão poética e à riqueza simbólica dos cânticos. Mais do que explicar racionalmente, o canto abre portas ao Mistério.

2. Cantar na catequese e na liturgia

Se a caminhada de fé se dirige ao ser humano na sua totalidade e não apenas à inteligência, a música pode dar um contributo fundamental nas sessões de catequese. “Todas as cordas do ser humano são tocadas no acto de cantar” (Stanislas Lalane, Jouez et chantez, in Catéchèse, 5). O canto, especialmente o canto em conjunto, “exige e opera um investimento de todas as capacidades do ser humano: o corporal, o cerebral, o sensível, o emocional, o irracional, o simbólico” (Claude Duchesneau).

Além disso, “no acto de cantar, como no acto de fé, o ouvir tem prioridade em relação ao compreender” (Jean-Yves Hameline, Acte de chant, acte de foi, in Catéchèse, 43). A fé passa pelos sentidos e, de modo especial, pelo ouvido. O canto existe para ser vivido, mas não chegará a sê-lo se não for ouvido.

Não se canta, na catequese, como na liturgia, para manter as crianças sossegadas, embora isso possa ser um efeito desejável. Canta-se porque os melhores sentimentos transbordam em poesia, porque o ritmo ajuda à memorização, porque a melodia envolve numa experiência de Deus.

O canto parte da experiência humana e deve fecundar a experiência humana, recordando o compromisso e o sentido de missão. Enquanto parte integrante da liturgia e da catequese, o canto educa as crianças e alimenta a sua fé. Os catequistas não devem, por isso, escudar-se na falta de ouvido para nunca oferecer música às crianças. Podem, ao menos, recorrer às gravações disponíveis.

A liturgia não é catequese, nem para as crianças, nem para os adultos. Há que ser prudente para que a liturgia não se transforme em catequese. Se a catequese é essencialmente aprendizagem, a liturgia é essencialmente oração, súplica e louvor. Entre os cânticos para a catequese e os cânticos para a liturgia, há diferenças que lhes vêm da própria finalidade. O canto catequético é mais da ordem da aprendizagem; o cântico litúrgico é mais da ordem da celebração e do louvor. O canto catequético é pedagógico; o canto litúrgico é mistagógico.

O canto catequético o está ao serviço da caminhada de fé, colocando a criança numa relação de amor a Deus e de compromisso com os irmãos; e o canto litúrgico, não aprofunda também ele a fé? Todavia, o canto litúrgico e o canto catequético não são estanques. A catequese conduz à liturgia e a liturgia remete para a catequese. Na catequese também se ora, e na liturgia também se aprende.

3. Música nas missas com Crianças

Em determinados momentos do percurso catequético, pelo menos, há toda a vantagem em fazer celebrações com crianças. A celebração só com crianças (com alguns adultos apenas) é minoritária, sobretudo ao Domingo. O mais comum entre nós é as crianças participarem nas assembleias dominicais gerais, muitas vezes sem a participação activa desejável. As crianças aprendem fazendo, e louvam a Deus pela acção e o movimento.

Como em qualquer eucaristia, a participação nas missas com Crianças deve ser activa, interior e exterior. O Directório Romano das missas com Crianças reconhece ao canto um papel muito importante, dando prioridade às aclamações, sobretudo as aclamações da Oração Eucarística. Os cantos da Glória e do Credo, o Santo, e Cordeiro de Deus podem ser adaptados, não devendo ser excessivamente longos, além das qualidades que são naturalmente exigíveis à música e aos textos.

O canto entre as leituras deve ser sálmico e ter melodia simples. Deve cantar-se ao menos o refrão, como ressonância da 1ª leitura. Uma hipótese é usar em certos tempos litúrgicos um refrão comum que vá ao encontro da primeira leitura. Um salmo para o Advento, dois salmos para a Quaresma e outros dois para a Páscoa, por exemplo, são hipóteses a ter em conta.

Depois da homilia pode cantar-se um cântico adequado (DMC 46). O canto contribui para a assimilação da Palavra de Deus e é uma forma importantíssima de participação das crianças.

A assembleia tem um protagonismo inalienável no canto. Participar é ouvir, mas não se limita à audição. Mesmo quando não há animador da assembleia, mesmo quando não há órgão ou outros instrumentos, mesmo quando não há coro, há sempre a possibilidade de os cristãos reunidos cantarem. Um animador poderá ajudar muito as crianças, com um gesto, um sorriso, um olhar.

O canto a solo é muitas esquecido nas missas com crianças. Assim como se pode pedir às crianças que façam uma leitura ou uma oração, pode-se pedir e preparar as crianças mais dotadas para cantarem como solistas, uma estrofe de um cântico ou uma invocação. Pode-se criar também um pequeno coro de crianças vocalmente mais aptas, coro que dê segurança e dialogue com o grande coro.

O modo de execução dos cânticos pode melhorar e diversificar-se também com um refrão cantado e frases de louvor recitadas (após a comunhão). Outro modo de fazer em certas eucaristias, e certos momentos, é as crianças cantarem os solos e a assembleia o refrão, ou então um grupo de crianças dialogar com o coro adulto. Uma relação estreita entre o animador da liturgia e o animador da catequese pode abrir novas perspectivas ao canto com os mais novos.

Muitas crianças tiveram ou têm Educação Musical na escola, incluindo flauta de bisel, um instrumento doce que pode enriquecer alguns cânticos. Acompanhamento, prelúdios e interlúdios de órgão ou guitarra, podem enriquecer as celebrações e motivar os adolescentes, jovens e crianças. Certos instrumentos de percussão como as maracas, pandeireta, triângulo podem valorizar a celebração litúrgica e a catequese.

4. Cantar o quê? Repertórios e colectâneas

Escolher cânticos para a catequese ou para uma celebração é uma tarefa de responsabilidade que deve ter em conta as crianças e os laços que se pretende criar. Quando as crianças estão em larga maioria, devem ter um repertório específico, mesmo que não seja muito abundante. É desejável um repertório de cânticos para crianças, tal como há versões da Bíblia especialmente adaptadas à infância.

Ao seleccionar um cântico ou canção, o catequista deve ter em conta a relação do texto com a melodia, coerência entre o canto e o momento catequético, a adaptação do canto ao grupo (com a sua idade e características). Quanto maior é o grupo, maior é a necessidade da música, do canto e do ritmo. E, embora na catequese os grupos não sejam muito grandes, nem por isso o gesto vocal deixa de ser importante.

Um bom cântico para crianças é o que “fala ao corpo, que faz ver, ouvir e sentir, que põe em movimento todos os sentidos para por em movimento o próprio sentido” (M. SCOUARNEC, La foi des enfants a besoin du chant… de tous!, in Église qui Chante 252(1990)2). Um bom cântico é o que parece novo e renovador depois de ouvido muitas vezes; o que não presta, só é novo quando se ouve pela primeira vez.

“Vários cânticos concebidos para a catequese serão bem-vindos à celebração e, inversamente, os catequistas poderão retomar cânticos do Domingo com as crianças” (Uberall, Chanter, 4). Alguns cânticos devem facilitar a sua integração na comunidade, inclusive cânticos do ordinário da missa, cânticos estáveis. Ensinar às crianças alguns cânticos da assembleia dominical é facilitar a sua integração. A conjugação entre a catequese e a liturgia far-se-á de um modo harmonioso: “a justeza é a irmã da justiça” (Thibault, Je chante, 8).

Quando estão as crianças estão com adultos em número significativo, convém equilibrar os repertórios. Há inclusive certos cânticos que foram compostos para crianças e podem ser expressão de fé para os adultos (“Quanta alegria é para mim tua presença”, “Bendito sejas, Senhor nosso Pai”, “Bendito és Tu, Senhor”). cânticos compostos para crianças podem ser também expressão de adultos, e cânticos compostos para adultos podem ser expressão da fé das crianças.

Os padres e animadores litúrgicos devem fazer com que as crianças participem sempre na liturgia com alguma acção: um cântico, o ofertório, uma oração, um gesto, palmas, um instrumento de percussão.

Para as crianças, não são apropriados cânticos com um âmbito demasiado grande, com notas muito graves ou muito agudas. As vozes das crianças, que ainda não estão plenamente desenvolvidas, movimentam-se à vontade entre no espaço de uma oitava: dó e dó, ou ré e ré. Os ritmos sincopados próprios de estilos musicais nascidos do Jazz não põe dificuldades e até são do agrado dos jovens. Para estes, o tipo de canção ideal para a catequese estará mais próximo da canção ligeira.

Na preparação do ensaio de canto ou da sessão de catequese, há que ter discernimento na resposta a estas questões: cantar o quê? Ouvir o quê? O cântico adapta-se à idade das crianças? É difícil? É demasiado infantil? O acento das sílabas coincide com os acentos musicais? O canto deve exprimir correctamente a fé, fazendo a ligação entre a fé e os comportamentos morais. As paráfrases (adaptações) da Bíblia, não devem empobrecer, confundir ou distorcer a Palavra, mas antes explicitá-la.

A posição do animador ajuda a distinguir a catequese da liturgia: na catequese, o catequista está no centro; na liturgia é Cristo que está no centro. Na catequese, Deus é aquele de quem se fala; na liturgia é mais aquele com quem se fala; na catequese é um grupo que caminha e se forma; na liturgia é a assembleia formada que louva o Senhor pelas suas maravilhas e se alimenta com a Palavra e o corpo de Cristo. Mas é evidente que a catequese comporta um espaço de oração e conduz a ela; e a liturgia comporta a dimensão memorial e leva ao seu aprofundamento. A liturgia não é um apêndice da catequese, mas sua fonte, seu cume e sua meta. No que se refere à Música, a catequese é tempo de aprender e explicar o cântico; a liturgia é tempo de o cantar.

Nem todas as crianças que vão à catequese vão à missa, mas as crianças que vão à missa vão também à catequese, salvo raras excepções. A liturgia será aprendizagem de uma outra dimensão da fé cristã, a da oração comunitária. “A catequese culmina e desabrocha na celebração” (M. Thibault, Je chante avec tout mon être, in Église qui chante 252 (1990) 8).

5. Corporeidade e expressão gestual

O corpo de Jesus de Nazaré não foi uma aparência de corpo, mas corpo humano verdadeiro, que se sofreu e se alegrou, morreu e ressuscitou. Na corporeidade do Filho de Deus o corpo humano passou a valer mais. “Desde que o nosso Deus se fez carne, o corpo humano torna-se templo do Espírito. Quando celebramos, isso diz respeito a todo o corpo” (E. UBERALL, Celébrer avec tout son corps, in Signes Musiques 38(1997)4).

Gestos movimento e criatividade visual na catequese e ns missas com crianças são importantes pela própria natureza da Igreja, da salvação destinada ao homem todo e da psicologia das crianças, que gostam de cantar e fazer gestos. A expressão corporal revela o ser de cada um. Graças ao gesto, a corporeidade torna-se um símbolo, a pessoa comunica e comunica-se a si mesma e ao grupo. A gestualidade é um elemento inevitável. Não se trata de ceder a uma moda, mas de ajudar à participação efectiva em que o Concílio Vaticano II tanto insiste. É importante que cada um se sinta bem no seu corpo.

Em certas regiões do mundo, os cristãos estão habituados a participar na liturgia com o corpo todo, e não apenas com os ouvidos, olhos e boca. O canto e a palavra devem falar ao ser humano como um todo: corpo, inteligência, memória e sensibilidade. Todavia a expressão gestual e a corporeidade são vistas na Igreja com alguma desconfiança, o que se deve, por vezes, à falta de senso e de qualidade da expressão gestual. Certa espiritualidade mortificou excessivamente o corpo pelo sacrifício e pela ascese. A própria liturgia se tornou muito cerebral e intelectual, em detrimento da dimensão física e corporal. O contacto com culturas africanas, por exemplo, e a influência de movimentos como o Renovamento Carismático ou as próprias seitas, contribuiu para a redescoberta do papel do corpo na oração.

Contudo, numa cultura cheia de contrastes e desequilíbrios, dá-se às vezes uma importância exagerada ao corpo, como se pode ver em certas operações plásticas, em dietas violentas e perigosas, em ginásticas obsessivas.

Há assembleia habituadas a exprimirem-se gestualmente e outras que experimentam muita inibição quando a gestualidade ultrapassa o que é feito segundo os hábitos estabelecidos. Há os acham importante as celebrações serem mais gestuais e dinâmicas, e os que desconfiam de gestos não previstos nos rituais como um perigo de profanidade.

Em si mesmo, canto já é uma excelente actividade física da assembleia. Não se canta apenas com a boca: canta-se com a respiração, com a caixa torácica, com o cérebro, com os lábios. Todo o corpo vibra e respira. Há que ser todo no que se canta, ser todo no que se faz, habitar inteiro o acto que se realiza.

O gesto precede e segue a palavra, seja o presidente, o leitor, ou o cantor. Certos gestos, nunca banalizados ou generalizados (gesto da paz, aspersão da água, procissões, palmas, levantar ou dar as mãos no Pai-nosso, erguer a vela, ou os ramos no Domingo da Paixão…) podem ajudar a exprimir de uma forma mais existencial a fé da comunidade cristã. O corpo humano é o instrumento musical mais natural e mais acessível.

Erguer as mãos num aleluia ou num hossana (ou outra aclamação), abrir as mãos num cântico da apresentação dos dons são gestos muito simples que podem ajudar a criança a exprimir a sua fé de um modo mais perfeito. E há palavras cuja mímica é muito fácil: eu, tu, nós, terra, céu, Deus, amar, sim, não, casa, rocha, sopro, passar, luz, estrelas, amigo, Bíblia, vida, subir, descer, dormir, ir, vir… Pedir às crianças sobre a géstica a utilizar pode também ser uma forma de aprofundar a mensagem e memorizar o cântico.

No entanto, a eucaristia será sempre oração e não espectáculo, tanto para os mais novos como para os adultos. Não se vai à igreja para aplaudir uma audição ou criticar um concerto. Cada cristão, nas circunstâncias em que se encontra, vive o mistério de Cristo na celebração. A gestualidade na catequese deve ser simples e o número de gestos deve adaptar-se à idade e ao tipo de cântico e de oração em que ele se insere.

Uma grande complexidade gestual centra a atenção na actividade e desvia do essencial, que é a mensagem. A própria regência deve ser segura e sóbria, ajudando as crianças a cantarem verdadeiramente em coro, entrando no momento exacto, mantendo o andamento adequado e terminando ao mesmo tempo.

6. O lugar dos jovens

O processo de socialização dos adolescentes que gostam de estar sós e usar meios individuais de ouvir música como o walkman ou mp3, deve ser completado com a prática colectiva de concertos e instrumentos ou canto. A catequese pode ser um contributo importante nesse sentido, superando alguma tendência individualista.

Se a música e a expressão gestual têm um lugar insubstituível na vida humana e, de modo especial, na infância, o catequista deve pensar na gestualidade que poderá acompanhar o canto, mesmo que venha a pedir sugestões às crianças e jovens. Quando as celebrações são maioritariamente jovens, ou há um número razoável de crianças, a preparação da liturgia deve ter em conta essa circunstância para que a participação seja realmente activa.

A questão do lugar dos jovens nas celebrações cristãs é importante. Há poucos adolescentes e jovens nas missas dominicais, e muitas vezes aborrecem-se, porque falta ritmo à liturgia. É preciso ter em conta a sua presença, as suas preferências repertoriais, com um desempenho activo e não apenas consciente.

A geração dos 60-75 anos nasceu na época dos meios de comunicação frios (jornal, rádio); a juventude actual cresce com os meios de comunicação quentes (televisão, CD-rom, internet, imagens). A maior parte das liturgias cristãs funciona nos esquemas antigos de comunicação: muitas palavras, poucos movimentos, cânticos pouco dinâmicos, gestos estereotipados e pouca criatividade. As dificuldades dos jovens, que esperam convivialidade, melodias atraentes e ritmadas, participação afectiva e efectiva nas celebrações passam muito pelo carácter estático da liturgia.

O meio em que os jovens estão inseridos é a cultura do espectacular. Embora a liturgia não seja um espectáculo mas celebração da fé, há lugar para certos elementos que são também espectaculares: a questão da luz, os símbolos, o ritmo, o andamento, as rupturas e as alternâncias. Há lugar para a criatividade, a adaptação e a variedade, como é reconhecido pela “Introdução Geral do Missal Romano”: procissões, silêncios estratégicos, aclamações, diálogos, iluminação, instrumentos, palmas, gestos, espontaneidade.

Se a cultura juvenil é contrastada, é preciso jogar melhor com os momentos de interiorização e exteriorização. Embora haja riscos, a emoção, a afectividade e a sensibilidade (não a sensualidade) têm lugar na celebração e na própria catequese. Os jovens apreciam os grupos de oração, o ambiente caloroso dos pequenos grupos, de preferência ao institucional e ao hierárquico. A celebração comunitária na igreja pode ser o cume de uma reflexão e de uma vivência em pequenos grupos cristãos.

7. Ensinar cantando. Sugestões para ensaios

A fase da escuta é crucial no ensino/aprendizagem de um cântico ou canção. O modo de ensinar um cântico é fundamental para criar ambiente e suscitar a adesão das crianças, de forma segura e viva. As crianças fixam bem pois a memória é nelas uma faculdade em desenvolvimento. O animador ou catequista ensaia, na semana seguinte, retoma o cântico e ele fica consolidado.

O ritmo livre e muito irregular, como os salmos, dificilmente resulta com grupos grandes de crianças. Mas não é impossível uma criança cantar o salmo e o grupo ou a assembleia responder com o refrão. Além disso, para que a mensagem se entranhe na vida, é necessário que as crianças gostem do cântico e sintam prazer em cantá-lo.

O catequista deve estar atendo e dar indicações básicos aos educandos: não gritar, articular as palavras, respirar bem.

Quanto ao suporte escrito dos cânticos para as crianças, há sempre riscos, tanto nas fotocópias como nos livros e pastas, uma vez que as crianças facilmente se podem distrair a folheá-los.

O animador deve conhecer com perfeição o cântico ou a canção, sem desafinações, hesitações ou enganos. É muito difícil corrigir uma má entoação ou um ritmo distorcido.

O ensaio de canto, poderá fazer-se de vários modos:

> Cantar o cântico todo seguido, primeiro, e depois por partes;

> Frase por frase;

> Aprender o texto e a música, separada ou conjuntamente;

> Decompor a música em ritmo;

> Ensinar de cor, ou com folhas;

> Começar pelo princípio, pelo refrão, ou por frases que se repetem;

> Utilizar um instrumento que dê a melodia apenas ou que acompanhe com acordes;

> Utilizar uma gravação para a aprendizagem;

> Cantar com a gravação exige do catequista que esteja muito seguro e atento para se manter no ritmo e andamento exactos:

> Fazer saborear o texto antes de ensaiar o canto, valorizando a reflexão e interiorização da mensagem.

Tomemos o cântico de entrada “Vamos entrando na casa de Deus. Vamos fazer a festa com Jesus!”. Qual é a casa de Deus? Que festa vamos fazer?

Pequemos no cântico “A semente é a tua palavra, Senhor”. O que é uma semente? Se a Palavra de Deus é semente, onde há-de ser semeada? O que é preciso para que ela germine e cresça?

O catequista deve interrogar-se previamente sobre quais as imagens mais interessantes e sobre o que merece ser explicado. Um cântico torna-se, assim, uma catequese.

Pode escolher-se uma nota de partida que permita às crianças cantar naturalmente. Além disso, não se deve cantar demasiado lento. As crianças têm um ritmo cardíaco mais rápido que os adultos, e a caixa torácica é menor. O andamento deve permitir às crianças cantar uma frase sem esforço. O animador do canto deve dar espaço às crianças, deixando-as cantar sozinhas, sem abafar a voz das crianças com uma voz eventualmente menos bela e até mais desafinada.

cânticos com certos intervalos semelhantes ou iguais. Em caso de necessidade, pode-se aproximar certos intervalos vizinhos, para ressaltar a diferença. Deve executar-se com precisão a duração de cada nota, exemplificando até o ritmo com o batimento da mão numa superfície ou com palmas.

Cantar a vozes é difícil, mas o cânone pode perfeitamente ser uma primeira experiência da polifonia. Pode jogar-se com a alternância crianças – adultos, pequeno coro – grande coro, solista – coro, repeitando o cântico que se está a entoar. Um toque de ferrinhos no fim de uma frase, um ritmo regular de tambor, o abanar certo de uma maraca podem enriquecer o canto e a participação das crianças e jovens.

Conclusão

A música é dispensável em determinadas catequeses e celebrações litúrgicas, mas é indispensável na liturgia ou na catequese no seu todo. O canto reforça a consciência do grupo e permite um acolhimento digno da Palavra de Deus.

O canto, no texto, na música e na forma como se executa é um reflexo da Igreja, da comunidade e de si mesmo. Afirma Michel Scouarnec: “Diz-me o que cantas, dir-te-ei a tua fé!”

Tal como a catequese, ou enquanto catequese, o canto é um caminho que se percorre como experiência de Deus, uma janela que nos abre à brisa do Espírito Santo, uma ponte que nos liga ao mistério de Cristo. Na Igreja, a formação e celebração não podem viver uma sem a outra. Com base nessa premissa, o próprio canto na catequese e na liturgia andam indissociavelmente ligados.

As pedagogias musicais activas (Orff, Kodaly), dão preponderância à experiência vivida, tanto na voz como nos instrumentos, ao ritmo e movimento corporal. Promovem o desenvolvimento da improvisação, a partir da invenção de melodias simples e ritmadas, ou sob a forma de pergunta e resposta. Nesse sentido, tem aspectos em comum com a catequese. O catequista promove a participação activa e não apenas a audição, respeita os destinatários do Evangelho sem o normalizar.

A qualidade das sessões de catequese passa também por melhor formação, melhores recursos, melhores colectâneas, melhores cânticos e canções. Justifica-se assim mais investimento numa área fundamental da Igreja. Os meios disponíveis sobre canto com crianças e jovens na Internet é insignificante.

É consensual a importância que as novas tecnologias da informação e comunicação têm na tarefa evangelizadora da Igreja e na formação. Publico este trabalho julgando dar algum contributo à reflexão sobre o tema, esperando melhorá-lo com base em documentos do Magistério, e estudos psicológicos e musicológicos.

António José Ferreira

BIBLIOGRAFIA

Jouez et chantez. Pratiques musicales aujourd’hui, in Catéchèse, nº 113, Octobre 1988.

Frases destacáveis à maneira de aforismas

A música toca no mais fundo da pessoa humana.

O canto catequético é algo insubstituível e não apenas um adorno.

O canto coral é a amplificação comunitária de cada voz.

Sem boa audição, não há boa aprendizagem.

O cântico só é bem assimilado quando é bem ouvido.

O canto faz um trabalho individual de memorização e um trabalho colectivo de repiração num mesmo ritmo.

O canto coloca a pessoa e o grupo em comunicação e comunhão.

Cantar juntos é caminhar no mesmo andamento.

Para serem aceitáveis no canto catequético, as palavras devem ser dignas, e dignidade não significa aqui solenidade ou pompa, mas graça, musicalidade e humor.

As pedagogias musicais contemporâneas e, na perspectiva do Vaticano II, a liturgia e a catequese, têm uma característica em comum: defendem uma participação activa e não mera assistência ou audição.

Cantar com os mais novos implica respeito pelas pessoas e a obra musical que propõe.

Se as crianças cantam em casa a canção nova que aprenderam na catequese, é porque gostam dela: o processo audição/aprendizagem foi bem realizado.

“Cantar com os mais novos: catequese – música – liturgia” resulta de uma acção de formação realizada em 2000 sobre o “Canto na Catequese” e aprofundada em 2006/2007 para uma palestra dirigida a 70 catequistas da paróquia de Avintes

Canto com gestos

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