Órgão de tubos António Xavier Machado e Cerveira, na Capela do Palácio da Bemposta, em Lisboa, Portugal, de 1792

António Xavier Machado e Cerveira

Organeiro

Ernesto Vieira, em Diccionario Biographico dos Músicos Portuguezes, 1900, apresenta António Xavier Machado e Cerveira como:

O mais notável organeiro português e que maior quantidade de trabalho produziu. Era irmão consanguíneo do grande escultor Joaquim Machado de Castro e filho de outro organeiro e escultor em madeira, Manuel Machado Teixeira ou Manuel Machado Teixeira de Miranda.

Machado Cerveira nasceu em 1 de Setembro de 1756 na Freguesia de Tamengos, pequena povoação pertencente ao concelho de Anadia, diocese de Coimbra. Seu pai, natural de Braga, tinha casado em primeiras núpcias com D. Teresa Angélica Taborda que foi mãe de Machado de Castro, e em segundas núpcias casou com Josefa Cerveira, natural de Arguim, a qual veio a ser mãe de Machado e Cerveira.

O nome do pai dos Machados figura no grande órgão que existia no coro do Mosteiro dos Jerónimos do lado do evangelho, o qual tinha esta inscrição: “Manuel Machado Teixeira de Miranda o fez e acabou no anno de 1781.”Esse orgão tinha 4:010 tubos, 74 registros e 12 pedais de combinações; os foles eram em número de sete. É uma fabrica majestosa, ocupando lateralmente todo o comprimento do coro que é extensíssimo, tendo no interior uma escadaria que vai até à abobada do templo para se poder limpar e consertar todas as peças do instrumento.

Diz a tradição que o fabricante tinha deixado um volumoso livro manuscrito com minuciosa descrição da sua obra, mas esse livro desapareceu. Teixeira Machado, porém, se planeou e dirigiu os trabalhos desse magnifico instrumento, teve seguramente um ajudante activo e vigoroso que inteligentemente lhe secundasse a direcção, porque ele em 1781 estava já decrépito devendo contar mais de oitenta anos de idade, visto que o seu primeiro filho nasceu em 1721. E esse ajudante não podia ser outro senão o filho mais novo, que com o pai aprendeu a arte de construir órgãos.

O último trabalho do mestre foi ao mesmo tempo o primeiro do discípulo, que ao tempo contava vinte e cinco anos de idade. Em face do orgão precedentemente nomeado, estava outro de igual construção, mas que não chegou a ficar concluído; tinha esta inscrição: “O Ex.mo D. Fr. Diogo de Jesus Jordão sendo bispo de Pernanbuco mandou fazez este orgão no anno de 1789.” Foi construído por Machado filho, porque o pai já a esse tempo era falecido.

O primeiro orgão completo que Machado e Cerveira construiu e hoje existe em perfeito estado, é o da Igreja dos Mártires. Tem na inscrição a data de 1785 e o número 3 indicando os instrumentos construídos pelo autor até essa data. Talvez ele contasse como números 1 e 2 os do Mosteiro dos Jerónimos. É um bom instrumento, não de grande fabrica interna mas de vozes fortes e estridentes segundo o gosto da época. O seu frontispício tem um belo aspecto ornamental, perfeitamente em harmonia com o local em que foi posto e produzindo óptimo efeito olhado do corpo da Igreja.

Depois de ter feito o orgão dos Mártires, Machado e Cerveira ganhou um grande credito e foi incumbido de construir todos os órgãos que as igrejas de Lisboa, reedificadas depois do terramoto, tiveram de adquirir; a sua missão nesta especialidade foi idêntica à de Pedro Alexandrino na pintura. Assim é que, com as mesmas dimensões do orgão dos Mártires embora com diferentes frontispícios, produziu sucessivamente os órgãos de S. Roque, Convento da Estrela, convento de Odivelas, Sacramento, Santa Justa, os três de Mafra, o da Capela Real de Queluz, além de muitos outros menores, como os do Socorro, Santa Isabel, Boa Hora (em Belém), Anjos, S. Tiago, S. Lourenço, ermida da Vitória, Encarnação, etc. Fabricou também muitos instrumentos para diversas igrejas das proximidades de Lisboa, como Barreiro, Lavradio, Coruche, Marvila, Santarém (onde há três, sendo o mais considerável o da Misericórdia), Santa Quitéria de Meca, etc.

Igualmente mandou muitos para o Brasil, alguns deles de grandes dimensões. Por motivo de ter construído os órgãos de Mafra e Queluz, foi nomeado organeiro da casa real – Organorum regalium Rector, como ele mesmo se intitulava – e condecorado com o hábito de Cristo. Um dos últimos instrumentos produzidos por este laborioso fabricante foi o orgão que existe Freguesia do Barreiro; tem o número 103 e data de 1828, exactamente o anno em que ele morreu.

Machado e Cerveira entrou para a Irmandade de Santa Cecília em 22 de Novembro de 1808, sendo muito considerado nesta corporação. Exerceu com a maior pontualidade e zelo, durante os últimos anos e até poucos meses antes de falecer, o cargo de primeiro assistente, presidindo a todas as sessões da mesa.

Tinha ultimamente oficina e moradia numa das propriedades da Casa de Bragança ao Tesouro Velho, creio que a mesma que ocupara seu irmão Machado de Castro. Morreu em Caxias, para onde tinha ido já muito doente, em 14 de Setembro de 1828, contando 72 anos de idade; foi sepultado nos covaes dos Jerónimos.

A oficina de Machado e Cerveira continuou ainda a funcionar, dirigida pelo seu ajudante e discípulo José Teodoro Correia de Andrade, sendo proprietária a viúva D. Maria Isabel da Fonseca Cerveira. Extinguiu-se porém pouco tempo depois sem ter produzido mais trabalho algum importante.

Os maiores órgãos de Machado, com excepção dos dois que estavam nos Jerónimos, não têm uma fabrica muito grande; podem até considerar-se pequenos comparados com os instrumentos monumentais que existem espalhados pela Europa, e em Lisboa mesmo, antes do terramoto, havia-os muito mais grandiosos. São porém muito bem construídos, com solidez notável, no gosto italiano predominante em toda a Península desde os fins do século XVII. Por isso nenhum tem o teclado de pedais e raros têm dois teclados manuais. São muito pobres nos registros graves, tendo apenas um flautado de 24 palmos ou 16 pés.

A sua maior riqueza consiste na palheteria e nos registros compostos, que são sempre muito numerosos havendo registros com sete ordens de tubos. São por isso brilhantes e estridentes nos cheios, mas pouco nutridos nos flautados. Satisfaziam ao gosto vulgar da época que exigia, mesmo na igreja, música alegre e ruidosa.

Como se vê, o carácter desses instrumentos é completamente oposto ao dos órgãos modernos, cujas tendências são para adoçar os timbres suprimindo de todo os registros compostos, diminuindo a palheteria e aumentando os flautados principalmente nos registros graves.

No que porém os órgãos de Machado são por vezes admiráveis, é na escultura ornamental. Vê-se que conhecia a arte de modelar a madeira, fazendo-o com aprimorado gosto. Já me referi sobre este ponto ao orgão dos Mártires; os do Jerónimos, que foram planeados pelo pai, mas cuja execução não pode deixar de lhe ser atribuída, são muito mais grandiosos e de superior beleza. Mas o que a todos sobreleva no fino acabamento dos pequenos ornatos e emblemas em relevo é o de Odivelas.

Tambem é notável sob o ponto de vista ornamental o orgão do Convento da Estrela. É dividido em cinco corpos laterais, porque a pequena distancia que separa o coro da abobada não permitia desenvolve-lo em altura; os emblemas, festões e figuras inteiras nos remates assim como os finos embutidos nos teclados. Constitui tudo trabalho de muito gosto para se admirar. Tem este orgão dois teclados, quarenta e três registros e sete pedais de combinações. A sua inscrição, manuscrita com letra bastarda muito bem lançada sobre uma prancheta de marfim, diz:

“Este Orgão fez Antonio Xavier Machado e Cerveira no anno 1789. N.º 23.”

[ Naturais de Anadia ]

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