Anna Mascolo (1930-2019)

Anna Mascolo

Bailarina . Pedagoga

“Anna Mascolo é guardiã de um património fundamental. Se a Dança é uma arte efémera, fugaz, não o é inteiramente com Anna Mascolo, que lhe soube dar a espessura dos grandes intérpretes, a dimensão humana de um ensino qualificado e exigente, condições indispensáveis para fundar a memória da arte.” (Daniel Tércio)

Anna Mascolo nasceu em Nápoles, Itália, a 18 de Dezembro de 1930 e faleceu a 30 de Março de 2019.

Na sequência das missões profissionais do pai viveu em várias cidades italianas até chegar a Zara (Dalmácia italiana), na qual permaneceu até 1939. Nesse ano partiu para Roma e em Agosto de 1940, já após a entrada de Itália em guerra, chegou a Lisboa e continuou os estudos habituais na Escola Italiana (actual Instituto Italiano de Cultura em Lisboa). Do seu programa didáctico fazia parte o Ensino Artístico. A professora Ruth Asvin que ministrava a Dança, convidou-a a potenciar essa disciplina na sua Escola Privada. Contava então 11 anos. Alguns meses mais tarde o pai, que não aprovou a sua carreira na Dança, interrompeu os seus estudos.

Aos 13 anos, sem o conhecimento dos pais, matriculou-se no Conservatório Nacional (Secção de Dança). Em 1944, a convite da Directora do recém-constituído Círculo de Iniciação Coreográfica, Margarida de Abreu, integrou este grupo no qual veio a ter acção decisiva na sua implantação e desenvolvimento. Em 1947, diplomou-se no Conservatório e, no ano seguinte, recebeu o «Prémio Nova Geração».

Depois da Segunda Guerra Mundial, actuaram em Portugal as melhores companhias de bailado do mundo que trazem artistas tais como Anita Bronzi, Nina Verchinina, René Bon, Serge Lifar, Christiane Vaussard, Paul Szilard, George Balanchine, entre outros (com os quais teve a oportunidade de estudar em Lisboa).

Determinada a dar início a uma carreira profissional na tradição da Grande Dança académico-clássica, para a qual foi fortemente encorajada pelas supracitadas personalidades, parte, de sua iniciativa, por períodos de dois a três meses, desde 1948 a 1952, para Paris e Nápoles para estudar com Olga Preobrajenska, R. Rouzanne, Lubov Egorova e Bianca Gallizia. Foi com tais mestres da Grande Dança que confirmou o meticuloso estudo que a esperava e pelo qual anseava.

Depois de participar nas temporadas de Ópera no Teatro Nacional de S. Carlos de Lisboa e Coliseus, decidiu procurar além fronteiras, apesar do êxito alcançado em Portugal, uma carreira profissional de nível internacional.

Ingressou, em 1953, na companhia “Le Grand Ballet du Marquis de Cuevas” . Nesta Companhia, o rigor e a exigência profissional, na sua plenitude, bem como a criatividade e excepcional maturidade artística de mestres como Bronislava Nijinska, Felia Doubrovska, Leonide Massine e colegas como Rosella Hightower, os irmãos Golovine, Nina Vyroubova e George Skibine comprovam que a Dança Académico-Clássica, melhor designada a Grande Dança Teatral, atinge o estatuto de Arte Maior. Da mestra e coreógrafa Bronislava Nijinska, irmã do mítico Nijinsky, guardava a imagem de uma mulher dominadora na sua genialidade profissional, a qual, numa primeira fase, Anna Mascolo não estava preparada para a entender. Algum tempo mais tarde, com o regresso de Nijinska à companhia, Anna Mascolo, depois de intensa meditação e trabalho árduo, viria a partilhar a sua visão da dança enquanto genial criação da cultura europeia, tal como a Música. Segundo a própria Mascolo, a Nijinska deve o que é “ver” e “pensar” a Dança como bailarina, pedagoga, criadora e ser humano.

Dançando diariamente, interpretou papéis de Solista. Motivos de carácter particular obrigaram-na a suspender abruptamente o trabalho nessa companhia no momento em que alcançou as condições de realização como Ballerina, ao mais alto nível. O próprio Marquês de Cuevas declararia publicamente, no Teatro Monumental, em Lisboa, “quanto lamenta a suspensão das actividades da bailarina, indigitada ‘Étoile’ da Companhia”. As qualidades de Anna Mascolo enquanto bailarina já haviam sido evidenciadas por Tomaz Ribas:

…uma bailarina versátil, de forte personalidade dramática, e grandes qualidades líricas.

Movida pela vontade de conhecer pessoalmente a grande tradição da formação dos bailarinos profissionais – 8/9 anos de estudo de ensino integrado – foi para Milão, em 1955 , partilhar com o seu marido um projecto de vida, ele na Arquitectura, ela na Dança. Na Escola de Dança do Teatro alla Scala, de Milão, dirigida por Esmée Bulnes, teve a excepcional possibilidade de estudar o percurso do futuro bailarino, desde os 10 aos 18/19 anos, que conjuga os estudos de Dança na modalidade de ensino integrado. Foi neste contexto que a sua visão da Dança se amplificou ao ficar com a certeza que o virtuosismo e a criatividade do bailarino exigem especial investigação na área da pedagogia e da ciência do movimento. Tal conceito pessoal de Dança, como Arte e Ciência, tornou-se inspiração da sua carreira e do seu pessoal projecto de vida.

Paralelamente à sua personalidade de bailarina tomou consistência a de pedagoga decidida em sistematizar o seu ensino segundo a metodologia de uma investigação rigorosa que prossegue ao longo de toda a sua vida. Estavam criados os pressupostos do seu endereço pedagógico, da sua filosofia da Dança e da sua própria metodologia de ensino.

Data igualmente dessa época o seu encontro com o “pensamento” de Agrippina Vaganova.

Ainda em Milão, foi convidada a apresentar a sua candidatura a ocupar um lugar de Primeira Bailarina no “American Ballet Theatre” de Nova Iorque, em substituição da bailarina Ady Addor que tinha apresentado a sua demissão para regressar ao Brasil, onde se encontrava o marido. Fase da sua vida assim recordada por Luís de Lima, homem de Teatro e amigo de Ady Addor:

Lembro-me ainda: que [Anna Mascolo] devido à discriminação pelo seu estado de casada não pôde integrar-se no American Ballet Theatre.

Determinada em dar uma sólida preparação, até então inexistente, de nível internacional aos bailarinos profissionais do incipiente Bailado Português, fundou, em 1958, o Estúdio-Escola de Dança Clássica de Anna Mascolo (EEDC-AM), em Lisboa, o qual teve a seguinte premissa :

Tenho um Ideal a alcançar que transcende o mero ensino: o de criar nos meus alunos uma dignidade humana e artística.

Pela primeira vez, aparecem, no curriculum da Escola, matérias até então nunca consideradas naquele tempo nem sequer no Conservatório Nacional. Começou então uma nova fase da sua carreira, a de precursora e impulsionadora artístico-cultural da Dança com a fundação daquele Centro de Ensino e Cultura cuja inauguração, em 29 de Março de 1958, conta com a presença de convidados de honra, Rei Humberto II de Itália, Marquesa Olga do Cadaval e Dr. Medeiros Gouveia, este em representação do I.A.C. Como conferencistas estiveram Mestre Almada Negreiros, maestro Frederico de Freitas, poetisa Oliva Guerra e a própria Anna Mascolo. Com esta acção abre um ciclo de conferências com temas que reflectem sobre a relação da Dança com outras formas de expressão.

Em 1960, apresentou junto da Fundação Gulbenkian um projecto de escola de Dança com ensino integrado, ainda inexistente no país, o qual não foi aceite por ser considerado muito ambicioso. Iniciou junto do Ministério da Educação uma acção ininterrupta de persuasão para que fosse introduzido o estudo da Dança como carreira profissional de nível universitário, único meio válido da formação do bailarino e da sua dignidade artística enquanto Executante e Intérprete, também de particular relevância e facilitação no momento da sua reconversão de carreira. Essa determinação aliada ao talento enquanto bailarina leva o “Laban Center of London” a defini-la com estas palavras:

…has been one of the guiding spirits of portuguese dance for many years.

Em 1962 nasceu a sua primeira filha, pianista-concertista e professora universitária nos E.U.A., Alexandra Mascolo-David. No ano seguinte nasceu o seu filho, Bruno Mascolo-David, que foi bailarino no “Ballet Gulbenkian” e mais tarde bailarino-solista na companhia “Ballet National de Marseille Roland Petit”. Um acidente em cena obrigou-o a deixar esta carreira e a fazer, aos 27 anos, a reconversão profissional. Actualmente trabalha no campo do Design e da Arquitectura.

Em 1964 entra na recém fundada “Academia de Música de Santa Cecília” como Orientadora e Professora, na qual permaneceu até 1971, data da extinção da “secção de Dança”. No mesmo ano tornou-se Directora Artística do “Grupo Experimental de ballet” da Associação do Centro Português de Bailado. Por reconhecer ao grupo potencialidades de futura companhia profissional, apresentou em Assembleia-geral a Moção que levará a Fundação Calouste Gulbenkian a assumir a administração directa do agrupamento, transformando-o no “Grupo Gulbenkian de bailado” (posteriormente “Ballet Gulbenkian”). Desde esta data até 1968 levou a efeito muitas actividades artístico-teatrais e culturais.

Em 1968, funda, com os alunos do seu Estúdio-Escola, o “Grupo de Bailado de Anna Mascolo” (GBAM) com a finalidade de enquadrar os Alunos-Bailarinos na estrutura de uma pequena Companhia de Bailado e dimensionar a nível profissional a sua futura actividade, nomeadamente a preparação de reportório e a sua apresentação em temporadas regulares de Bailado e Ópera. Tal aconteceu com a Companhia Portuguesa de Ópera do Teatro da Trindade, fundada pelo seu director Dr. José Serra Formigal. Com esta Companhia portuguesa colaborou (até 1972) como directora coreográfica de extenso reportório operático e como bailarina na ópera “Carmen”. Também assumiu especial relevo a série de espectáculos efectivada com esse Grupo no Teatro Maria Matos, durante a quadra do Natal de 1969, promovida por Igrejas Caeiro, dedicado às crianças de Lisboa, e por ele denominada “Contos e fantasias Coreográficas”. Esse programa, acompanhado de notas explicativas de Anna Mascolo foi, em seguida, gravado para a RTP e integrado pelo seu valor educativo no “Programa Juvenil”.

Em 1969, os excepcionais resultados culturais, pedagógicos e artísticos fazem-na ganhar o «Prémio Especial de Imprensa», particularizado com uma menção:

Para distinguir a sua tarefa de impulsionadora do Bailado em Portugal, em que avulta a sua carreira internacional de bailarina e, sobretudo, a sua actividade pedagógica, orientada no sentido de dar ao ensino da Dança, um nível técnico e artístico que se considera indispensável à preparação global de bailarinos profissionais.

Por não usufruir de qualquer subsídio oficial (desde 1960, incansavelmente solicitado a todas as entidades a quem compete a promoção da Arte do Bailado em Portugal), Anna Mascolo viu-se forçada a dissolver o Grupo em 1973.

No desenvolvimento do seu próprio método de ensino e por não existir a obrigatoriedade de diplomas para ensinar Dança em Portugal, nem cursos de formação, Anna Mascolo propõs no início dos anos 70, ao Ministério da Educação Nacional, a realização de um concurso de provas públicas com um específico regulamento para preenchimento de lugares docentes na Escola de Dança do Conservatório Nacional e de outras. O sentido de tal acção é o de avaliar a aptidão dos docentes para o ensino. Este concurso, ao qual também concorreu, realizou-se finalmente em Abril de 1974. O júri do Conservatório Nacional de Lisboa, presidido pela Fundadora e Directora Artística dos “Grands Ballets Canadiens”, Professora Ludmilla Chiriaeff, atribuiu-lhe o «Diploma de Excelência do Professorado» em Técnica da Dança Académico-Clássica, a abranger os oito anos de ensino (Elementar, Intermédio, Avançado e Superior), único Diploma desta qualificação a ser concedido. A motivação foi “o excelente método de ensino” revelado no decorrer das provas do Concurso. Este Diploma indigitou-a para Directora daquela Escola, na qual ingressou como docente em Janeiro de 1975. Nessa instituição foram-lhe solicitados planos de estudo que são adoptados com assinalável sucesso didáctico.

Em 1976, na sequência das relações diplomáticas estabelecidas após o 25 de Abril de 1974 com a URSS, integrou, em representação da Dança, uma missão com vários expoentes da cultura portuguesa. Em Baku, em encontros com elementos do Teatro de Opera e Bailado (no qual foi-lhe dedicado – em exclusivo – um espectáculo de Dança) e em Moscovo, no Teatro Bolshoi. O Embaixador Dr. Mário Neves teve a ideia de criar um bailado sobre Inês de Castro neste âmbito. Ideia valorizada por Anna Mascolo junto da Secretaria de Estado da Cultura Portuguesa, a qual, apesar do apoio do Bolshoi, não deu sequência.

Em 1978, foi nomeada membro da comissão da reestruturação do Ensino Artístico em Portugal, pelo Ministério da Educação e Cultura/MEC. Pela mesma altura, coordenou a “Semana Cultural” que assinala o 20º aniversário do Estúdio-Escola. Em 1979, foi incumbida por este Ministério de apresentar um projecto para uma Escola da Dança fora do Conservatório Nacional. Mais uma vez a execução deste projecto não foi concretizada pelo MEC que, à revelia de Anna Mascolo, aproveitou só uma parte daquele projecto cujo conteúdo só faria sentido na sua totalidade.

As solicitações feitas ao longo de muitos anos por parte dos diversos Ministérios devem-se à sua reconhecida capacidade demonstrada através da coerência do seu acertado fundamento daqueles projectos, todos a visar a implementação em Portugal da carreira do Artista de Dança no respeito da sua especificidade. Tal mérito é da seguinte forma enaltecido pelo Prof. Dr. Leopoldo Guimarães:

A força da competência só tem significado se aliada ao ritual da “sabedoria”. De outro modo torna-se inútil, irrelevante, apenas acessório. É assim na Ciência, nas Letras, na Arte onde a perspectiva última deveria ser sempre a contribuição para a elevação espiritual da pessoa humana. A professora Anna Mascolo é um daqueles casos onde a competência e a sabedoria se encontram harmoniosamente. A luta persistente que tem travado a favor da dignificação do Ensino Artístico em Portugal, nomeadamente da Dança, acabará por certo por dar os bons resultados que todos nós, os que a conhecem, esperamos para bem da coerência do Ensino no nosso País.

Em 1981, iniciou um novo tema de investigação em Dança , ao qual, um ano mais tarde, deu continuidade a convite do Governo Francês. O objectivo desta investigação é a análise comparativa entre as escolas académico-clássicas italiana, francesa e russa. Anna Mascolo trouxe para Portugal documentação inédita, a qual faz parte do seu arquivo pessoal

Em finais de 1982, no Principado do Mónaco, a Princesa Antoinette, irmã do Príncipe Rainier III, tomau a iniciativa de fundar uma companhia de bailado que retoma a tradição dos “Ballets de Monte-Carlo”. Sir Anton Dolin e John Gilpin foram indigitados seus directores. O trabalho artístico-profissional e a pedagogia do método de ensino de Anna Mascolo, repetida e pessoalmente “admirados” por Sir Anton Dolin (desde 1966), levaram-no a convidá-la para partilhar com eles tão bela, quão entusiasmante tarefa. A aceitação foi imediata e incondicional. No entanto, à morte súbita e inesperada de John Gilpin, seguiu-se a de Sir Anton Dolin, alguns dias mais tarde, o que levou à não concretização de tal projecto nesse momento.

A partir de Abril de 1983, foi professora convidada do Departamento de Dança da Faculdade de Motricidade Humana (FMH) na Universidade Técnica de Lisboa, instituição que oferece níveis e graus universitários em Dança. Foi também responsável pela criação de estudos curriculares em Dança Clássica nessa Universidade, na qual permaneceu até 2001.

O Conselho Internacional da Dança/CIDD -UNESCO, em 1983, nomeou Anna Mascolo, sua Delegada Nacional, com a incumbência de fundar e presidir (eleita em Assembleia Geral) o Conselho Português da Dança. Para a concretização de tais acções foi considerado, pelo Ministério da Educação, o seu destacamento.

Em 1984, permaneceu durante seis semanas em Macau, onde para além das masterclasses dadas, coreografou e dançou o bailado “Linguagem” com o bailarino chinês Cheong Son Seng. Na sequência desta permanência fo-lhe solicitado um projecto para uma escola de Dança Académico-Clássica com vista à implantação dessa forma de Arte em Macau. Este projecto apresentado na Secretaria de Estado da Cultura não obteve, mais uma vez, o seu apoio.

Foi também membro activo da Federação Internacional da Dança (FID), do Conselho Nacional Italiano da Dança (CNID/UNESCO), do Conselho Brasileiro da Dança – CBDD/UNESCO, que, em 1990, a galardoou com a Medalha de Mérito Artístico “pelos relevantes serviços prestados à Dança, ao longo da sua vida”.

Entre 1985 e 2001 desenvolveu uma série de actividades ligadas ao CPD.

Em 1995, em Lausanne, no prosseguimento da sua acção para a definição do Estatuto Jurídico da Dança em Portugal, relacionou-se com a “Organisation Internationale pour la Reconversion des Danseurs Professionnels” através do seu fundador e presidente, Philippe Braunschweig. Recebeu convite para representar Portugal nesse Organismo, que aceitou só depois do MEIC/IPAE ter assumido a responsabilidade de assegurar a sua presença em todos os encontros e a incumbência de dar sequência a esse trabalho. O alargamento dessa perspectiva já a abranger o nível internacional, incentivou-a a prosseguir – até junto da Assembleia da República – a valorização das razões específicas da carreira do Bailarino profissional. A mudança de governo levou à suspensão daquela decisão por parte daquele Ministério.

Anna Mascolo continuou a ficar na expectativa da acertada compreensão, por parte do Governo Português, da exigência do direito à diferença devido à carreira do Bailarino Profissional.

Porque não depende de uma decisão pessoal de um Artista da Dança, a regulamentação dos direitos e deveres do Bailarino Profissional incumbe ao Governo de cada país a responsabilidade de institucionalizar o seu Estatuto Jurídico. Nesse sentido e por ser por incumbência dos diversos Ministérios, Anna Mascolo foi considerada uma “Legisladora” da Dança em Portugal ao introduzir soluções profissionais diferentes, baseadas em inovadoras ideias, e ao formular ao longo dos vários anos projectos e planos que visam a promoção da Dança no País.

Em Julho de 1997, no Salão Nobre da FMH, por iniciativa de colegas do Departamento de Dança, secundados pelo Conselho Directivo e por professores, funcionários e alunos, foi-lhe prestada especial homenagem por ocasião dos 50 anos de carreira. O Prof. Dr. Henrique Melo Barreiros demonstrou da seguinte forma o seu apreço por Anna Mascolo:

Há já algum tempo que tive conhecimento de manifestações de apreço pela sua carreira profissional desde que iniciou, de modo reconhecido, a actividade de bailarina […] Recordei o tempo em que iniciou um novo espaço dessa carreira, na comunidade académica […] É uma carreira rica, multifacetada, com diferentes instituições e pessoas interessadas em manifestar aquele apreço. […] O que de mais importante recebi da sua carreira – a perseverança, o empenhamento e o sentido de luta por uma causa, qualidade raras nos tempos actuais. Guardo este exemplo.

No ano seguinte realizou-se o Evento 98, produção divulgativa, em Portugal, das “Rencontres Européennes de Création Chorégraphique/RECC”, cujo projecto, adaptado às circunstâncias financeiras de cada País, foi elaborado por Anna Mascolo como Directora Artística e Executiva. Tal evento contou com a presença de representações de diversos países (Portugal, França, Itália, Holanda, Malta e Reino Unido) e mais de uma centena de participantes. Teve uma forte adesão institucional e de mecenato trazendo a Portugal vários espectáculos de Dança em itinerância.

Ainda em 1998, participou na 13ª Assembleia-geral do CID/UNESCO para assistir ao simpósio internacional “Interaction, influence and evolution of World Dance between the East and the West in the 20th Century” realizado em Seoul, Coreia do Sul. De particular relevo um espectáculo dançado por executantes-intérpretes da Dança Cultural Coreana, todas em idade compreendida entre os 75 e os 85 anos, considerados Património Cultural Nacional. Experiência que Anna Mascolo considerava inesquecível.

Prosseguiu como sempre a sua actividade pedagógica no Estúdio-Escola e a sua participação como membro de júri em concursos e cursos de dança, nacionais e internacionais. Foi também solicitada como membro de júri das provas de licenciatura de uma sua ex-aluna (orientada pelo Prof. Dr. António Mendes Pedro), cuja tese, apresentada no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, foca o próprio método de ensino de Anna Mascolo para crianças dos 3 aos 6 anos.

Na qualidade de Presidente do CPD, apresentou em Atenas, em 2001, ao Presidente do CID/UNESCO, o grego Alkis Raftis, a demissão daquele cargo. O projecto formulado desde a sua fundação para aquela associação portuguesa foi divulgar e dignificar a Dança a nível institucional, e assim vincular o Estado à carreira do Executante-Intérprete. Projecto a merecer, em 1987, por parte da Secretaria de Estado da Cultura, a declaração de reconhecimento do “manifesto interesse cultural da criação do Museu da Dança e do Centro Artístico de Aperfeiçoamento e Reciclagem”, bem como do Estatuto do Artista de Dança. Ou seja, a tutela do Enquadramento Jurídico que a Pessoa da Dança aguarda, merece e reclama há já demasiado tempo. Tutela que os Ministérios da Educação, Cultura, Justiça, Saúde, Saúde, Finanças e Trabalho devem endossar. A falta de vontade política para a sua consecução num País que ainda se interroga sobre a “aplicação” do Ensino Artístico de Dança como trajectória de conhecimento e de formação do ser humano; onde a carreira do Bailarino e a do Professor de Dança Clássica não constituem ainda um modo normal de vida, leva Anna Mascolo a questionar se tanto esforço e fé teriam beneficiado alguém e em que medida.

Entre 2001 e 2007 desenvolve várias actividades pedagógicas.

Em 2002/03, teve a percepção de que o seu marido, o arquitecto Vittorio Ferreira-David (1923-2006), dava sinais de uma mudança do seu estado de saúde. Em 2004 verificou-se clinicamente ser devido à doença de Alzheimer. Tal facto levou Anna Mascolo à redução de iniciativas outras que não fosse a sua docência no seu Estúdio-Escola.

Vittorio Ferreira-David, homem de cultura (duas licenciaturas em Arquitectura, em Lisboa e em Milão) e de vanguarda, que participa com alguns colegas da Escola Superior de Belas-Artes no recém-criado “Círculo de Iniciação Coreográfica”, iniciativa de uma tradição balética em Portugal, na sequência de quanto José Almada Negreiros tentara em 1918, após a visita a Lisboa dos “Ballets Russes de Diaghilev”. Ferreira-David foi também arquitecto paisagista, pintor e desenhador de excepção, com um apurado sentido estético e invulgar criatividade; para Anna Mascolo um colaborador de valor inestimável.

Em 2007 comemorou os 60 anos de carreira e em 2008 foram comemorados os 50 anos do seu Estúdio-Escola. Recordemos, a propósito de tamanho feito, estas palavras de estima, respeito e admiração deixadas por Daniel Tércio na homenagem que lhe é prestada na FMH pelos 50 anos de carreira:

Anna Mascolo é guardiã de um património fundamental. Se a Dança é uma arte efémera, fugaz, não o é inteiramente com Anna Mascolo, que lhe soube dar a espessura dos grandes intérpretes, a dimensão humana de um ensino qualificado e exigente, condições indispensáveis para fundar a memória da arte.

* * *

Anna Mascolo é também conhecida pelas suas notáveis funções como Directora Artística do Grupo Experimental de Ballet (posteriormente denominado Ballet Gulbenkian) – entre 1964 e 1965 –, e Presidente do Centro Português de Bailado (a primeira associação cultural dedicada ao Bailado) – de 1966 a 1968, data da sua extinção. Fundadora e Directora do Grupo de Bailado de Anna Mascolo – de 1968 a 1973 –, e Directora Coreográfica de várias temporadas de ópera no Teatro da Trindade.

Participou também como coreógrafa e ballerina em numerosas performances de ballet, ópera, teatro e televisão em Portugal e no estrangeiro.

Anna Mascolo ensinou e preparou vários bailarinos e professores portugueses.

Membro de júri em prestigiados eventos, apresentou “masterclasses” em várias escolas e universidades, europeias e americanas. Foi constante a sua presença nos média: participação activa em conferências e workshops promovidos pela rádio, televisão e várias entidades culturais em Portugal e no estrangeiro. Através das classes de aperfeiçoamento, conferências, artigos de jornais, entrevistas e críticas de bailado, comprovou a diversidade do seu conhecimento profissional, bem como o domínio de várias línguas.

O seu nome é citado em livros e dicionários portugueses, Enciclopédia Luso-Brasileira, Enciclopédia Verbo, Dicionário de Ballet Russo, Larousse – Danse, Dicionário Enciclopédico do EDICLUBE e n’O Grande Livro dos Portugueses, etc.

É ainda de salientar a sua tendência para a recolha, desde muito nova, de documentação inerente à sua carreira profissional, a qual, aliada à sua carreira como investigadora no campo da Dança, fez com que o seu arquivo pessoal constitua um dos maiores espólios sobre essa área em Portugal.

Dedicou-se com especial empenho – à organização daquele extenso arquivo (livros, dossiers, fotografias, programas, etc.), a fim de retomar o projecto de redacção do livro Celebrar a Dança, no qual se evidencia o seu próprio percurso humano e profissional, e o das pessoas que com ela o partilharam.

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