A MÚSICA NO ENSINO BÁSICO

Excerto de O Ensino da Música na Escola Fundamental, tese de mestrado de da tese de Alícia Loureiro, Belo Horizonte 2001.

Embora nos meios científicos e académicos a música seja reconhecida, na realidade isso não ocorre. O que encontramos nas escolas são práticas isoladas, bastante variáveis e irregulares. (…)

O que se vê na maioria das vezes é que o espaço reservado para a música está incluído no da Educação Artística, disciplina que ainda tem as suas atenções voltadas para as artes plásticas ou cénicas. Decorre daí que o professor de Educação Artística, de formação abrangente e polivalente, não encontra meios para desenvolver objetivos propriamente musicais.

No contexto atual, marcado pelo crescente avanço da tecnologia, várias manifestações culturais se propagam de modo bastante intenso, rápido e diversificado. Não seria exagero imaginar que as crianças e jovens, fortemente influenciados pelos meios de comunicação, teriam à sua disposição uma variedade musical imensa e rica, formada por músicas de vários estilos, formas e épocas.

Entretanto, sabemos que essa disponibilidade não está ao alcance de todos e, o que é pior, contempla apenas aqueles que dispõem de condições apropriadas para a sua apreensão. Isso significa que a escola prioriza aqueles alunos que já possuem capital cultural, privilegiados de uma classe cultivada, para a qual vem direcionar um ensino elitista e excludente.

Esse quadro, ainda presente em nossas escolas, confirma que a função da escola continua sendo a de efetuar a transposição didática dos conteúdos legitimados pela hierarquia dos bens culturais e, no caso da música, conteúdos musicais que se definem como sendo “música clássica”, “música séria” ou “música de verdade”. (…)

É preciso promover, de modo mais amplo e democrático, uma educação musical de qualidade para a escola de ensino fundamental. (…) O enfrentamento das dificuldades oriundas da realidade escolar na qual se vê inserido é por demais desafiador e, muitas vezes, desestimulante. Decorre dessa situação a tendência, na grande maioria, de adotar as concepções, modelos e práticas de sua própria formação, longe das prioridades e necessidades da escola e de sua clientela.

Nesse contexto, o método tradicional torna-se para o professor o seu principal aliado no processo educacional. Cristalizado na sua própria formação, o professor passa a ensinar conforme aprendeu. Priorizando e considerando apenas o seu próprio conhecimento e a sua própria experiência musicais, ignorando a música apreciada pelos jovens e suas vivências, e adotando conteúdos fragmentados, desatualizados, abstratos, o ensino da música veiculado por essa via foge do desafio de levar a educação musical de qualidade para a escola.

Além disso, esse modelo não é o mais adequado quando se tem pela frente alunos oriundos de diversas camadas da sociedade, de diferentes meios culturais, onde a música erudita, séria e de valor, é excluída e, consequentemente, menos ouvida, compreendida e aceita.

O fato é que se há música como disciplina escolar, pouco tempo é reservado para a sua prática, a não ser como recreação ou como recurso didático, auxílio imediato para a promoção de festas escolares ou para minimizar as dificuldades no processo de ensino e de aprendizagem.

Na maioria das escolas onde há o ensino de música, os professores continuam reduzindo essa disciplina à realização de atividades lúdicas, com aspectos agradáveis, em que o produto final é mais importante do que o processo de aprendizagem que busca, como objetivo, a aquisição de um novo conhecimento.

A música como atividade educativa, quando inserida no contexto escolar, encontra ainda uma série de limitações, tais como carência de material músico-pedagógico, salas inadequadas, tempo disponível reduzido, além de turmas numerosas e heterogéneas.

Outro limite que se impõe à educação musical escolar diz respeito à ausência de um método atrativo e realista que, em concordância com o desenvolvimento psicossocial do aluno, lhe possibilite um aprendizado prazeroso, acessível e voltado para o seu crescimento pessoal.

São raras as escolas que dispõem de um trabalho musical bem orientado e metodologicamente estruturado, com possibilidades de garantir a sua continuidade. O processo de ensinoaprendizagem requer constante adequação e renovação de atividades e de materiais musicopedagógicos, conhecimento e disponibilização de recursos metodológicos que possam promover as condições necessárias como forma de assegurar a apreensão do conhecimento musical, o constante interesse do aluno e que, assim, possa devolver a alegria musical.

Uma concepção de educação que pretenda a transformação e o crescimento do indivíduo implica, portanto, uma maior aproximação e abrangência do conhecimento musical propiciando, dessa maneira, uma maior aproximação entre os diversos segmentos da cultura e da sociedade.

O espaço académico, nesse sentido, pode ser um produtor de música. Contudo, é preciso dar à educação musical um caráter progressivo, que deve acompanhar a criança ao longo de seu processo de desenvolvimento escolar. Momentos devem ser adaptados às suas capacidades e interesses específicos.

É preciso ter consciência e clareza para introduzir o aluno no domínio do conhecimento musical. Desacertos são cometidos no ensino da música em decorrência do desconhecimento da natureza dos elementos fundamentais como o som, o ritmo, a melodia, o ouvido musical, a harmonia e a inspiração no momento do fazer musical.

Para isso, é necessário considerar bases novas, mais amplas, que nos possibilitem transcender e libertarmo-nos das ideias preconcebidas que entraram no decurso do ensino de música. Não é necessário rejeitar os valores tradicionais.

O que importa é entender que existe hoje uma diversidade de formas de pensar, de lidar e de gostar de música revelados no cotidiano escolar que devem ser considerados na articulação e no entrelaçamento da construção do conhecimento musical.

Entendemos que é preciso romper com os mecanismos que fazem com que a escola simplesmente tome para si a postura de reafirmar a familiaridade musical dada a alguns pelo seu meio sociocultural.

Percebe-se aí, que o panorama de nossa cultura musical concentra-se em dois pólos distintos e complexos. De um lado, a cultura musical do nosso país segue privilegiando uma minoria iniciada tecnicamente, que tem acesso a uma escola especializada de música.

O objetivo principal é a formação do músico/intérprete, destacando-se pelo ensino do solfejo e da nomenclatura musical e do virtuosismo técnico, gerando uma aprendizagem árida e carente de sentido.

No lado oposto está a grande massa escolar, milhares de alunos de escolas públicas e privadas que, na ausência de uma política educacional coerente com a formação plena do aluno, encontram-se desprovidos de uma educação musical que os acompanhe no percurso da escolaridade básica.

Se, atualmente, são raras as escolas que se propõem a realizar um trabalho bem orientado e metodologicamente estruturado para o ensino da música, não menos rara é a presença do professor especializado para dispor-se a um trabalho dinâmico e de qualidade.

Estes parecem ser, no âmago da situação, os maiores obstáculos para a inclusão da música na escola de ensino fundamental do país.

É preciso, em nome do resgate da alegria escolar, tomarmos consciência das verdadeiras carências pedagógicas no domínio do ensino musical e projetar um plano estratégico, transparente e inovador, que tenha objetivos claros e bem definidos que possam ser efetivados no cotidiano da vida escolar.

Se o verdadeiro objetivo é aproximar o aluno da música, levando-o a gostar de ouvi-la, apreciá-la e compreendê-la, é preciso, com urgência, preencher o vazio musical no cotidiano escolar o qual, ao mesmo tempo, como num acellerando, deixa-se escapar aos nossos olhos, e como um allargando, deixa-se escapar aos nossos ouvidos.
(…)

Menina tocando (Hive Creative Studios)

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