Poemário Folk

Caruma

Coragem

Coragem é ter cabeça dura
sem contrair defesas veneráveis
paro, fico tolo, não quero viver
passa tudo quando estou ao pé de ti
e se ela quer só trocar transpiração
não posso dar a minha desprovida
em todo o suor vai um coração
que à partida há-de ter volta após a ida
sacrifica-se a memória e recalco o que passou
isto que aqui está é outra história e vou ser mais do que fui
o tribunal conclui que o réu está bom
heróis do mar
somos tão valentes
mas a paixão dá cabo da força
preciso de ti p’ra ficar perto de mim
passa tudo quando te distrais de ti
e se amanhã me apareceres à frente
com intenções e alma decotada
a transpiração fica cheia de razão
fim do filme, pôr-do-sol de mãos atadas
sacrifica-se a memória e recalco o que passou
isto que aqui está é outra história e vou ser mais do que fui
o tribunal conclui que o réu está bom
o mal que pode correr é inversamente proporcional
ao bem que te pode fazer, ao bem
compro uma matilha p’ra não teres medo de mim
dizes que estás desacreditada
e já não lês histórias da carochinha
tu julgas que não mas sou o teu João Ratão
e mulher podes escrever que vais ser minha
tu julgas que não mas sou o teu João Ratão
e mulher podes escrever que vais ser minha
sacrifica-se a memória e recalco o que passou
isto que aqui está é outra história e vou ser mais do que fui
o tribunal conclui…
o tribunal conclui que o réu está bom

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Desenraizado

[ Fado ]

Desenraizado, não sei cantar fado nem sou popular
estou sempre ali perto dum país incerto a apanhar do ar
não sei ser de Alfama, não tenho saudade, eu nem sou daqui
então concentro de fora p’ra dentro a minha raiz
estás desgraçado, rapaz, oxalá não te percas
este país está dentro de ti
encadernado e usado com palavras certas
quem serás tu neste mundo se não és daqui?
beira mal plantado, cantinho encostado com sabor a nós
eu sou neste mundo Portugal profundo que já teve voz
se faço perguntas, se sou ou não fado, se ele já foi meu
passadas vitórias, vivo numa inglória, num país-museu
e tudo o que aqui resta sou só eu
estás desgraçado, rapaz, oxalá não te percas
este país esta dentro de ti
encaixotado e usado com palavras certas
quem serás tu neste mundo se não és daqui?
santificado é o fado de aceitar o fado de ser português
é um Bandarra, é Vieira, Pessoa que cheira a Pedro e Inês
ser Portugal é a sina, maldição divina de gente que crê
ser Portugal é a sina, maldição divina de gente que crê

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: Caruma* com José Medeiros (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Estás armado em parvo

[ Minar a Liberdade ]

Estás armado em parvo mas está tudo bem
vou ali num instante desmembrar alguém
vícios separados do tutano
limpo o coração muito muito bem
energia dura sem pátria ou poluição
pura das entranhas mas fora da pele não
e eu não fui
chega-te p’ra lá, toma lá dá cá
vais-me abandonar e eu vou já atrás
sarilhos que metem aviões
e sexo são arranca-corações
não te vejo aqui mas está cheio de ti aqui
esgueiraste o veneno e tu pensas que eu não vi
mas não sou tão drogada assim
eu não fui
eu sei que tudo passa e que vem tudo outra vez
sou da tua raça mas em fraco e tu não vês
isto de ser gente um p’ró outro
mais valia sermos tortos
e amar tudo de uma vez
aí está ele a minar a liberdade
estraguei outra vez depressa de mais
vais-te alimentar de mim com vontade
sou bicho-de-conta por medo de mim
mas é que se não for às cegas não vou
se não for com trapos e malas não vou
e escuto um grande “não” quando sussurras que sim
o teu magnetismo explica tanto cinismo
e a ser alguém que sejas tu
eu não fui
eu sei que tudo passa e que vem tudo outra vez
sou da tua raça mas em fraco e tu não vês
isto de ser gente um p’ró outro
mais valia sermos tortos
e amar tudo de uma vez
aí está ele a minar a liberdade
aí está ele a minar a liberdade
aí está ele a minar a liberdade
aí está ele a minar a liberdade
estás armado em parvo mas está tudo bem
vou ali num instante desmembrar alguém
vícios separados do tutano
eu não fui

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Quando dizes que a cerveja

[ Magnetismo em Riste ]

Quando dizes que a cerveja fez-te apaixonar por mim
foi por ela que deixaste de gostar de mim assim
que a boémia dá-me charme
que sou magnetismo em riste
que sou suor e sou carne
e sou ressaca de triste
ansioso e mal amado
estou de fora a ver-me a ser
sou assim encurralado
com bons modos a “des-ser”
catadupa em dissonante
por mais cantigas que cante
vou morrer sem mudar nada
dou-me armas e bagagens
dormente de encharcado
faço quatro mil viagens
e não vou p’ra nenhum lado
quero ser sem comprimidos
quero que sejas de mim
esperar mais é dar-me a morte
medicada pelo fim
canto de pupilas gastas
hipertenso cheio de sede
amanhã não me procures
amanhã não tenho rede
catadupa em dissonante
por mais cantigas que cante
vou morrer sem mudar nada
sei saltar de corpo em corpo
encarnado em ser melhor
sei ser um corpo no teu corpo
nasci a saber de cor
sou moldado a respirar
mando rajadas de sangue
e sai tudo disparado
e sai tão embriagado
vai montanha-russa abaixo
educado em pequenez
esfrego o pai-nosso do corpo
e sou puro duma vez
catadupa em dissonante
por mais cantigas que cante
vou morrer sem mudar nada

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: Caruma* com José Medeiros (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Ri sozinho de paspalhice

[ Projecto Internacional ]

Ri sozinho de paspalhice, chorei de devagar e disse:
«Isto não devia acontecer
dizeres que me amas
e depois que em duas semanas não acontece amor»
quero a minha casa
os braços dos meus
senti-me pujante de burro
eu num canto a olhar p’ra nada
a soluçar em nada
voltaste atrás assim:
«I was blind»
isso é dum filme
«I could not see»
é cantiga dos U2
e dormimos com arrepios
de tanto drama espojados na nossa cama
a fazer de conta amor
não sei, acho que isto já se partiu
eu já não suspiro e suspirar é bom
estar apaixonado em Budapeste
e ficar a leste sozinho com a maior das penas de estar sozinho
mas já sei o que faço aqui
espero a hora de virar daqui
não sou o teu projecto internacional
isso é dum filme
“I could not see”
é cantiga dos U2
e dormimos com arrepios
de tanto drama espojados na nossa cama
a fazer de conta amor

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Saltei p’ra ver

[ Boa Educação Imoral ]

Saltei p’ra ver
estou dentro de tão boa educação
emparedada de redondo
a arrastar a solidão de ser antigo
faça o favor de ser quem é
não tem de ser o que faz
faça o favor de usar juízo
desligar dispositivo e gostar mais de andar por cá
cansei de ser
borrego nesta imensa multidão
carecida de vontade
extremamente encarecida
há pão e vinho
santificado é o Senhor
que me santifica a bilha
chupa a teta e faz-me um filho
baptizados que hão-de vir têm a vida vencida
carcomido à nascença
e o teu Deus em contrapeso
que tapa o Sol com hóstias de mentol
boa educação imoral
não pode haver vontade em fabricar vontades, não
podia ser
tão bem encarrilhado em alemão
vida com chave na mão
empenhado até projeccionar a alma
suicidar a emoção
anti-anti-depressiva
bebo vinho a toda a hora
adormeço de vergonha a vontade de ser vida
carcomido à nascença
e o teu Deus em contrapeso
que tapa o Sol com hóstias de mentol
boa educação imoral
não pode haver vontade em fabricar vontades
não pode haver vontade em fabricar vontades
não pode haver vontade em fabricar vontades, não

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Tenho dinheiro p’ra trinta caixões

[ Trinta Caixões ]

Tenho dinheiro p’ra trinta caixões e nem um é para mim
tenho dinheiro p’ra trinta caixões e são todos por ti
está descansada que vives mil anos
mas com calminha p’ra não causar danos
tenho dinheiro p’ra trinta caixões e são todos por ti
vou tratar do meu casulo
afastar a gente má
que há quem viva neste mundo
e há quem queira andar só por cá
aquele já é doutor
e apregoa falsidade
algemados gritam alto:
«Viva a nossa liberdade!»
mãe, ó da guarda, ele não me liga mais
mãe, estou à venda a quem me oferecer mais
tenho planos nesta vida de ter carro, casa e pão
se não for com este jovem, homem velho não diz “não”
gosto mais de mim assim
a saber que sei gostar
gosto ainda bem de ti
mas não sei pagar pr’amar
somos todos tão fofinhos
eu sem ti não sei viver
venha daí o corpinho
isso eu sei fazer render
está descansada, vives mil anos
mas com calminha, cuidado com os danos
dança-me o corridinho com sapato velho
ai que acumulas a vida com a sorte da morte que p’ra ti não vem
mãe, ó da guarda, ele não me liga mais
mãe, estou à venda a quem me oferecer mais
tenho planos nesta vida de ter carro, casa e pão
se não for com este jovem, homem velho não diz…
tenho dinheiro p’ra trinta caixões e é tudo p’ra mim

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Troca-se o visto por dito

[ Visto por Dito ]

Troca-se o visto por dito
que cá na casa que fiz
gasta-se guito e imito
toda a gente a ser feliz
cada conta com seu conto
cada rei com seu carrasco
há polícia e Carnaval
para garantir o tasco
sapatinho no Natal
sandália o ano todo
o vento muda de Leste
e sou sempre eu que me lixo
carapaus e caviar
às vezes na mesma mesa
uns tostões, outros milhões
a cantar “A Portuguesa”
mandas na marca da minha sardinha
mas não mandas nada do que me vai cá na pinha
dizes p’ra ti: «sou tão inteligente!»
um dia destes ainda vais ouvir da gente
cantoria no Rossio, escanzelada a pontapé
a conversa vai madura na esquina do meu café
estremunhada acorda a banca, promessas de terror
amanhã colecta o fisco a gente a fazer amor
com tanta saliva fresca, com tanto sangue miúdo
sou da Jota não sei quê e já pareço graúdo
o sistema está assim bem montado em comité
tenho três paredes falsas com olho que tudo vê
mandas na marca da minha sardinha
mas não mandas nada do que me vai cá na pinha
dizes p’ra ti: «sou tão inteligente!»
um dia destes ainda vais ouvir da gente
ah que isto agora é um sonho mau
dissonância, arrastadeira, cantadeira, a maluqueira é tanta
que um dia vai tudo a pau
contam-se os mortos no fim
que a haver um fim vai ser com graça
que a desgraça não existe
que o que existe é ser feliz
mandas na marca da minha sardinha
mas não mandas nada do que me vai cá na pinha
dizes p’ra ti: «sou tão inteligente!»
um dia destes ainda vais ouvir…
um dia destes ainda vais ouvir…
um dia destes ainda vais ouvir da gente

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)

Vivo como um chulo à consignação

[ Bêbado ]

Vivo como um chulo à consignação
vendo lixo rico – é a minha obsessão
sentaste-te em cima da alma
agora queres comprar-me com mais calma
chulas-me a saúde e eu perco-me doente
quero mais de ti além de só saliva quente
atrofio o teu caminho, nunca foi o nosso
dá-me p’ra virar daqui sempre que posso
tudo tem de ser como tem de ser
conheci-te a tempo de te esquecer tão bem
dá-me mais um copo, juro desta é que me vou
sei que é sempre o mesmo a esta hora mas eu vou
disse-lhe três vezes que sou torto, parvo e bêbado
o bêbado não precisa de amigos nem tu precisas dum bêbado
tira-me este cheiro a sol e vinho velho
é sempre nesta altura que me queres levar p’rá cama
faço contas para decidir quando te beijo
e estou sempre ali preso na lama
tudo tem de ser como tem de ser
conheci-te a tempo de te esquecer tão bem
dá-me mais um copo, juro desta é que me vou
sei que é sempre o mesmo a esta hora mas eu vou
disse-lhe três vezes que sou torto, parvo e bêbado
o bêbado não precisa de amigos nem tu precisas de mim
nem tu precisas de mim
tudo tem de ser como tem de ser
conheci-te a tempo de te esquecer tão bem
dá-me mais um copo, juro desta é que me vou
sei que é sempre o mesmo a esta hora mas eu vou
disse-lhe três vezes que sou torto, parvo e bêbado
o bêbado não precisa de amigos nem tu precisas dum bêb…
sai daqui e deixa-me cair que eu vou cair
não há mais conversa, porque estás a insistir?
disse quatro vezes que sou torto, parvo e bêbado
o bêbado não precisa de amigos nem tu precisas de mim

Letra e música: Carlos Oliveira Martins
Intérprete: A Caruma* (in CD “Hóstia de Mentol”, Caruma & Alain Vachier/Alain Vachier Music Editions, 2016)