Contemporary Works for Accordion

Música contemporânea para um virtuoso do acordeão

Teresa Cascudo

A integração do acordeão no âmbito da música clássica data de pouco mais de um século. Deveu-se, em parte, à casa Hohner, fábrica alemã, que deu um impulso notável ao ensino do instrumento e à composição de música especificamente para ele destinada.

Costuma considerar-se que as Sete novas peças, escritas em 1927 por Hugo Herrmann, protegido de Paul Hindemith, inauguraram o moderno repertório acordeonístico. A história organológica do acordeão explica esta incorporação tardia. Embora tenham existido ao longo da história diversos instrumentos aerófones de palheta, antecedentes, portanto, do acordeão, um instrumento com o nome Akordion só foi patenteado em 1829, em Viena, por um construtor de origem arménia. Era um instrumento de acompanhamento, fácil de tocar, pelo que teve um sucesso imediato. Foi tornando-se um instrumento cada vez mais complexo: a sua evolução deteve-se em 1959, quando uma nova solução técnica permitiu a alternância entre os dois tipos de baixos.

Da mesma forma que os pianistas compositores marcaram durante décadas o caminho para a exploração da sonoridade própria do piano para a criação musical, acordeonistas-compositores como o próprio Paulo Jorge Ferreira têm toda a responsabilidade na ampliação do repertório do acordeão. A sua primeira suite para acordeão, incluída nesta gravação, explora a capacidade técnica do intérprete, testada em muitos momentos. Especialmente nos andamentos 1º, 4º e 8º, existem passagens de execução técnica bastante exigentes, em que se utilizam alguns efeitos técnicos e sonoros típicos da técnica acordeonística, como o bellows shake, ricochete, cluster, gliss ou percussão. Paulo Jorge Ferreira relembra nesta peça a sua lua de mel na vila Maia de Pac-Chen, um projeto de ecoturismo que combina o respeito pela tradição e os costumes com o cuidado da natureza, no ambiente paradisíaco. da Península de Yucatan, no México. Relata, através do uso virtuoso dos diversos sons do instrumento, a chegada a Pac-Chen, o contato fascinante com os descendentes dos Maias que ainda ali moram e os momentos mais destacados da visita. A propósito de Densus, de 2011, o compositor enfatiza o seu caráter essencialmente lírico e o facto do seu título se dever ao tipo de textura sonora “densa” trabalhada. Tal como foi concebida por Paulo Jorge Ferreira, no seu duplo papel de intérprete e compositor, é uma peça essencialmente descritiva. O discurso musical apresentado em cada mão deve ser tocado de forma transparente. Está dividido em quatro secções principais, mas é comum a toda a partitura a sua atmosfera calma e meditativa e a predominância de uma gama de intensidades ao redor do piano. Por isso, o domínio do acordeão nos diferentes níveis de som é muito importante.

Jesper Koch não é acordeonista, mas o seu atracção pelo instrumento aparece em mais de uma peça do seu catálogo. Jabberwocky é uma delas. O título refere-se a um poema incluído por Lewis Caroll em Alice Through the Looking Glass, em que o escritor usa palavras de sua invenção, dando-lhes significados loucos, para a narrar a morte de um monstro fantástico chamado Jabberwock. No resultado de sua peça, Koch transfere para sua partitura a intenção humorística presente no poema de Caroll. Como o sentido de humor é um dos aspetos fundamentais desta peça, Paulo Jorge Ferreira, cuida, na sua interpretação, de lhe dar a abordagem estilística adequada, de modo a transmitir o seu caráter, por assim dizer, caprichoso. Deve-se notar que o domínio da estrutura das suas peças, juntamente com um extraordinário talento para contar histórias através da composição, são dois aspectos do estilo de Koch apreciados nos círculos da música contemporânea em que ele se move, especialmente nos países do norte da Europa.

Este CD também contém duas peças de compositores de origem russa. Arkady Borisovich Tomchin nasceu em 10 de abril de 1947 na cidade de São Petersburgo (então, Leningrado), onde obteve a sua formação musical. Ativo como membro da União dos Compositores Russos desde 1970, é autor de um vasto catálogo de obras para várias combinações instrumentais e também para coros e vozes solistas. Dedicou a Sonata para acordeão, de 1978, ao virtuoso Oleg Sharov, cujo nome constitui uma referência mundial em termos de ensino e interpretação de repertório para o instrumento. É dividida em dois andamentos, nos quais, usando a técnica do tema com variações, são exploradas diferentes texturas puramente acordeonísticas. Apresenta várias passagens de intenso virtuosismo e aborda efeitos sonoros interessantes. Em particular, o segundo movimento começa de uma forma brilhante, com duas páginas de execução em bellows shake, o que constitui um enorme desafio para qualquer acordeonista. Scythians of the XXth Century, de Aleksander Pushkarenko, é, ao contrário, uma obra bastante popular entre os instrumentistas.

Pushkarenko, nascido em 1952 na Ucrânia, estudou no Conservatório de São Petersburgo, onde se formou na especialidade do “bayan”, um tipo de acordeão cromático que teve um desenvolvimento específico na Rússia no início do século XX. Peça regularmente tocada em concursos de acordeão, Scythians of the XXth Century carateriza-se pela sua energia contagiante. O título misterioso da peça refere-se aos domadores de cavalos míticos e guerreiros sanguinários da estepe, os citas. O seu caráter guerreiro é traduzido musicalmente numa escrita quase sempre virtuosística: como nos mostra Paulo Jorge Ferreira nesta gravação, destreza e agilidade são requisitos indispensáveis para uma boa performance desta obra.

Contemporary Works for Accordion

Contemporary Works for Accordion

I am (K)not

“I am (k)not” é um ciclo seis peças de música acusmática, resultado do cruzamento interdisciplinar entre o compositor Hugo Vasco Reis e a artista cénica Ana Jordão.

Com o trabalho “I am (k)not”, Hugo Vasco Reis faz a sua primeira incursão discográfica e criativa como compositor de música acusmática. Autor e músico multifacetado, com sólida formação académica e uma experiência musical muito completa, Hugo Vasco Reis propõe-nos a escuta de um trabalho que reflete plenamente as múltiplas valências que o definem como artista.

Carlos Caires

A origem do termo “música acusmática”, referência a Pitágoras, deve-se ao facto de se tratar de uma música na qual não há contacto visual com os intérpretes e na qual não se visualiza qualquer representação física da origem dos sons. Apesar disso, este conjunto de obras estimulam o nosso sentido de escuta, apelando de forma particular ao nosso imaginário visual. As sugestões são muitas – ambientes, movimento, estatismo, materiais, matérias, fenómenos, locais – mas sempre competentemente dominados por um sólido métier de compositor – discurso, texturas, linhas, contrapontos, polifonias, formas…

Carlo Caires 2018

I am (K)not

I am (K)not

“I am (k)not” é um ciclo seis peças de música acusmática, resultado do cruzamento interdisciplinar entre o compositor Hugo Vasco Reis e a artista cénica Ana Jordão. O processo criativo desenvolve-se através da relação entre a expressividade, o gesto e o movimento. Entre o ritmo do corpo e a memória, de forma a encontrar interiormente, novos caminhos de escuta e perceção, num diálogo que oscila entre o sonho e a realidade. Durante o discurso de cada peça estão intrínsecos conceitos relativos ao processo criativo do compositor, encontrando-se gestos, focos, motivos e timbres, que criam em cada ciclo um discurso de ordem e desordem.

Hugo Vasco Reis 2018

Metamorphosis and resonances

“Metamorphosis and Resonances” é um caderno de oito peças para instrumentos solo, que tem como ponto de partida processos intuitivos intimamente ligados a gestos, timbres, camadas, imagens e focos, que definem as progressões de tensão e distensão, os elementos formais e o discurso de cada obra. (Hugo Reis 2017)

Metamorphosis and Resonances representa um compositor em plena posse dos seus meios de expressão, um compositor que, conhecendo as suas raízes, aponta para o alto, para o céu acima da copa da grande árvore do futuro.

Sérgio Azevedo

Partindo da ideia das 14 seminais Sequenze (1958-2004) de Luciano Berio (1925-2003), “ponto alfa” inevitável para qualquer compositor de hoje que se abalance a escrever para instrumentos a solo, de forma exploratória, Hugo Vasques Reis lança-se na sua própria sequência de metamorfoses e ressonâncias, metamorfoses e ressonâncias não somente do material musical – que percorre quase todas as peças – mas metamorfose do próprio timbre de cada um dos oito instrumento (os quais chegam a transfigurarem-se em pura matéria cósmica, como nas peças para acordeão e viola), e ressonância da matéria remanescente de um longínquo passado ibérico, como na peça dedicada à guitarra. No seu todo, Metamorphosis and Resonances representa um compositor em plena posse dos seus meios de expressão, um compositor que, conhecendo as suas raízes, aponta para o alto, para o céu acima da copa da grande árvore do futuro.

Sérgio Azevedo 2017

Metamorphosis and resonances

Metamorphosis and resonances

“Metamorphosis and Resonances” é um caderno de oito peças para instrumentos solo, que tem como ponto de partida processos intuitivos intimamente ligados a gestos, timbres, camadas, imagens e focos, que definem as progressões de tensão e distensão, os elementos formais e o discurso de cada obra. A ideia comum a todas as composições reflete um diálogo de cumplicidade e conflito, prazer e angústia, entre o horizonte e o abismo, entre a metamorfose e a ressonância. As gravações foram realizadas por um leque notável de músicos composto por: Ana Castanhito (harpa), Cândido Fernandes (piano), Filipe Quaresma (violoncelo), Frederic Cardoso (clarinete baixo), Lourenço Macedo Sampaio (viola d’arco), Monika Streitová (flauta), Paulo Jorge Ferreira (acordeão) e Pedro Rodrigues (guitarra clássica). Engenharia de som por António Pinheiro da Silva, com assistência de João Penedo. Fotografia de Cláudio Garrudo e prefácio de Sérgio Azevedo. Este trabalho teve o apoio da Direção Geral das Artes, Antena 2 e as gravações decorreram no auditório da Escola Superior de Música de Lisboa.

Hugo Vasco Reis 2017