Quadras ao Gosto Popular
Levas chinelas que batem
No chão com o calcanhar.
Antes quero que me matem
Que ouvir esse som parar.
Teu xaile de seda escura
É posto de tal feição
Que alegre se dependura
Dentro do meu coração.
Comi melão retalhado
E bebi vinho depois,
Quanto mais olho p’ra ti
Mais sei que não somos dois.
Tiraste o linho da arca,
Da arca tiraste o linho.
Meu coração tem a marca
Que lhe puseste mansinho.
Ao dobrar o guardanapo
Para o meteres na argola
Fizeste-me conhecer
Como um coração se enrola.
Aquela que mora ali
E que ali está à janela
Se um dia morar aqui
Se calhar não será ela.
Este é o riso daquela
Em que não se reparou.
Quando a gente se acautela
Vê que não se acautelou.
Quantas vezes a memória
Para fingir que inda é gente,
Nos conta uma grande história
Em que ninguém está presente.
Poema: Fernando Pessoa (quadras avulsas, in “Quadras ao Gosto Popular”, col. Obras Completas de Fernando Pessoa, Vol. IX, Lisboa: Edições Ática, 1965, 6.ª edição, Lisboa: Edições Ática, 1973 – p. 40, 45, 86, 94, 94, 108, 113, 57)
Música: Álvaro M. B. Amaro
Intérprete: Dialecto (in CD “Aromas”, Dialecto/Cloudnoise, 2011

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