Poemas da canção portuguesa sobre temas de cidadania

José Afonso
Acordai!

Acordai!
Acordai,
homens que dormis
a embalar a dor,
a embalar a dor
dos silêncios vis!
Vinde no clamor
das almas viris,
arrancar a flor
que dorme na raiz!

Acordai!
Acordai,
raios e tufões
que dormis no ar,
que dormis no ar
e nas multidões!
Vinde incendiar
de astros e canções,
as pedras e o mar
o mundo e os corações…

Acordai!
Acordai,
de almas e de sóis,
este mar sem cais,
este mar sem cais,
nem luz de faróis!
E acordai, depois
das lutas finais,
os nossos heróis
que dormem nos covais!
Acordai!

Poema: José Gomes Ferreira
Música: Fernando Lopes Graça

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Dá o Outono

[ As Balas ]

Dá o Outono as uvas e o vinho
Dos olivais o azeite nos é dado
Dá a cama e a mesa o verde pinho
As balas deram sangue derramado

Dá a chuva o Inverno criador
Às sementes dá sulcos o arado
No lar a lenha em chama dá calor
As balas deram sangue derramado

Dá a Primavera o campo colorido
Glória e coroa do mundo renovado
Aos corações dá o amor renascido
As balas deram sangue derramado

Dá o sol as searas pelo Verão
O fermento no trigo amassado
No esbraseado forno cresce o pão
As balas deram sangue derramado

Dá cada dia ao homem novo alento
De conquistar o bem que lhe é negado
Dá a conquista um puro sentimento
As balas deram sangue derramado

De meditar, concluir, ir e fazer
Dá sobre o mundo o homem atirado
À paz de um mundo novo de viver
As balas deram sangue derramado

Dá a certeza, o querer e o construir
O que tanto nos negou o ódio armado
Que a vida construir é destruir
Balas que deram sangue derramado

Essas balas deram sangue derramado
Só roubo e fome e o sangue derramado
Só ruína e peste e o sangue derramado
Só crime e morte e o sangue derramado

Poema: Manuel da Fonseca
Música: Adriano Correia de Oliveira
Intérprete: Cantaremos Adriano (in CD “Homenagem a Adriano Correia de Oliveira: 25 anos após a sua morte”, Musicart, 2007)
Versão original: Adriano Correia de Oliveira (in “Que Nunca Mais”, Orfeu, 1975, reed. Movieplay, 1997; “Obra Completa”, Movieplay, 1994)

Dos que morreram sem saber porquê

[ Madrugada ]

Dos que morreram sem saber porquê
Dos que teimaram em silêncio e frio
Da força nascida do medo
Da raiva à solta manhã cedo
Fazem-se as margens do meu rio.
Das cicatrizes do meu chão antigo
E da memória do meu sangue em fogo
Da escuridão a abrir em cor
De braço dado e a arma flor
Fazem-se as margens do meu povo
Canta-se a gente que a si mesma se descobre
E acordem luzes, arraiais
Canta-se a terra que a si mesma se devolve
Que o canto assim nunca é demais
Em cada veia o sangue espera a vez
Em cada fala se persegue o dia
E assim se aprendem as marés
Assim se cresce e ganha pé
Rompe a canção que não havia
Acordem luzes nos umbrais que a tarde cega
Acordem vozes, arraiais
Cantem despertos na manhã que a noite entrega
Que o canto assim nunca é demais
Cantem marés por essas praias de sargaços
Acordem vozes, arraiais
Corram descalços rente ao cais, abram abraços
Que o canto assim nunca é demais
O canto assim nunca é demais.

Texto e música: José Luís Tinoco
Intérprete: Duarte Mendes

E depois do Adeus

E depois do Adeus
Quis saber quem sou
O que faço aqui
Quem me abandonou
De quem me esqueci
Perguntei por mim
Quis saber de nós
Mas o mar
Não me traz
Tua voz.
Em silêncio, amor
Em tristeza e fim
Eu te sinto, em flor
Eu te sofro, em mim
Eu te lembro, assim
Partir é morrer
Como amar
É ganhar
E perder.
Tu vieste em flor
Eu te desfolhei
Tu te deste em amor
Eu nada te dei
Em teu corpo, amor
Eu adormeci
Morri nele
E ao morrer
Renasci.
E depois do amor
E depois de nós
O dizer adeus
O ficarmos sós
Teu lugar a mais
Tua ausência em mim
Tua paz
Que perdi
Minha dor
Que aprendi.
De novo vieste em flor
Te desfolhei…
E depois do amor
E depois de nós
O adeus
O ficarmos sós.

Letra: José Niza
Música: José Calvário
Intérprete: Paulo de Carvalho* (1974) (in CD “Vida”, Farol, 2006)

Este parte

[ Cantar de Emigração ]

Este parte,
aquele parte
e todos, todos se vão
Galiza, ficas sem homens
que possam cortar teu pão

Tens em troca
órfãos e órfãs
tens campos de solidão
tens mães que não têm filhos,
filhos que não têm pais

Coração
que tens e sofre
longas ausências mortais
viúvas de vivos mortos
que ninguém consolará

Este parte,
aquele parte
e todos, todos se vão
Galiza, ficas sem homens
que possam cortar teu pão

Poema: Rosalía de Castro; trad. José Niza
Música: José Niza
Intérprete: Adriano Correia de Oliveira* (in “Cantaremos”, Orfeu, 1970, reed. Movieplay, 1999; “Obra Completa”, Movieplay, 1994; “Vinte Anos de Canções”, Movieplay, 2001)

Grândola, vila morena

Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade

Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena

Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade

Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena

À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade

Poema: José Afonso
Música: José Afonso
Intérprete: José Afonso, Cantigas do Maio, 1971

Lisboa adormeceu

[ Lisboa à Noite ]

Lisboa adormeceu, já se acenderam
Mil velas nos altares das colinas.
Guitarras, pouco a pouco, emudeceram
Cerraram-se as janelas pequeninas.

Lisboa dorme um sono repousado,
Nos braços voluptuosos do seu Tejo,
Cobriu-a a colcha azul do céu estrelado
E a brisa veio, a medo, dar-lhe um beijo.

Lisboa andou de lado em lado,
Foi ver uma toirada, depois bailou, bebeu.
Lisboa ouviu cantar o fado,
Rompia a madrugada quando ela adormeceu.

Lisboa não parou a noite inteira,
Boémia, estouvada, mas bairrista,
Foi à sardinha assada, lá na feira,
E à segunda sessão duma revista.

Dali p’ró Bairro Alto enfim galgou,
No céu, a lua cheia refulgia,
Ouviu cantar a Amália e então sonhou
Qu’era saudade, aquela voz que ouvia.

Lisboa andou de lado em lado,
Foi ver uma toirada, depois bailou, bebeu.
Lisboa ouviu cantar o fado,
Rompia a madrugada quando ela adormeceu.

Letra: Fernando Santos
Música: Carlos Dias
Intérprete: Milú (Maria de Lurdes de Almeida Lemos) (in CD “Milú: O Melhor dos Melhores”; vol. 16, Movieplay, 1994; CD “Melodias de Sempre: vol. 2”, Movieplay, 1995)

Não há machado que corte

[ Livre ]

Não há machado que corte
a raiz ao pensamento: 
não há morte para o vento, 
não há morte.

Se ao morrer o coração
morresse a luz que lhe é querida,
sem razão seria a vida,
sem razão.

Nada apaga a luz que vive
num amor, num pensamento,
porque é livre como o vento,
porque é livre.

Não há machado que corte
a raiz ao pensamento:
não há morte para o vento,
não há morte.

Se ao morrer o coração
morresse a luz que lhe é querida,
sem razão seria a vida,
sem razão.

Nada apaga a luz que vive
num amor, num pensamento,
porque é livre como o vento,
porque é livre.

Poema: Carlos de Oliveira (ligeiramente adaptado) 
Música: Manuel Freire
Intérprete: Manuel Freire (in EP “Manuel Freire canta Manuel Freire”, Tagus, 1968; LP “Dedicatória”, Tecla, 1972, reed. Tecla, 1974; livro/CD “Manuel Freire”, col. Canto & Autores, vol. 09, Levoir/Público, 2014)

No céu cinzento

[ Vampiros ]

No céu cinzento sob o astro mudo
Batendo as asas pela noite calada
Vem em bandos com pés veludo
Chupar o sangue fresco da manada

Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo, Eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada.

A toda a parte chegam os vampiros
Poisam nos prédios poisam nas calçadas
Trazem no ventre despojos antigos
Mas nada os prende às vidas acabadas

São os mordomos do universo todo
Senhores à força mandadores sem lei
Enchem as tulhas bebem vinho novo
Dançam a ronda no pinhal do rei

Eles comem tudo eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
No chão do medo tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos na noite abafada

Jazem nos fossos vítimas dum credo
E não se esgota o sangue da manada
Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada

Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada

José Afonso

O Cantador

O cantador
chegou de madrugada,
venceu a noite
pelas praias do mar;
na sua voz
teceu uma balada:
amanhecer
que havemos de cantar.

O cantador
rasgou as nossas penas
num canto moço
que havemos de acender;
na sua voz
ergueu vilas morenas:
Maio maduro
que havemos de colher.

Ergueu cidades
sem muros nem ameias,
lançou sementes
na terra de ninguém;
cantou o sol,
rompeu nossas cadeias,
trouxe consigo
outro amigo também.

O cantador
chegou de madrugada,
venceu a noite
pelas praias do mar;
na sua voz
teceu uma balada:
amanhecer
que havemos de cantar.

O cantador
rasgou as nossas penas
num canto moço
que havemos de acender;
na sua voz
ergueu vilas morenas:
Maio maduro
que havemos de colher.

Ergueu cidades
sem muros nem ameias,
lançou sementes
na terra de ninguém;
cantou o sol,
rompeu nossas cadeias,
trouxe consigo
outro amigo também.

Letra e música: José Medeiros
Arranjo: Paulo Borges e José Medeiros
Intérprete: José Medeiros com Mariana Abrunheiro (in CD “Torna-Viagem”, Memórias/Fortes & Rangel, 2004)

O meu amor disse que vinha

[ Trova do Vento Que Passa n.º 2 ]

O meu amor disse que vinha
quando a lua viesse
A lua já acolá vem
meu amor não aparece

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que eu morro por meu país

Letra: Popular (1.ª quadra) e Manuel Alegre
Música: Adriano Correia de Oliveira
Intérprete: Adriano Correia de Oliveira (in “O Canto e as Armas”, Orfeu, 1969; reed. Movieplay, 1997; “Obra Completa”, Movieplay, 1994)

O teu silêncio de estanho

O teu silêncio de estanho
Não alimenta a esperança
De ver o mundo mudar,
De haver alguma mudança.
O teu silêncio de estanho…

O mundo ficou tão estranho
Desde que tu te calaste;
Tomara que abandonasses
O teu silêncio de estanho!
O mundo ficou tão estranho…

Foi num beco sem saída
Que procuraste um abrigo,
Onde encontraste guarida,
Tua liberdade em perigo.
Foi num beco sem saída…

Andas de cabeça baixa,
Os olhos postos no chão;
Toda a gente te rebaixa,
E agora é tarde de mais,
Esqueceste o teu irmão.
Com os olhos postos no chão…

O desespero é tamanho,
Já não se sente a fragrância
Daquela força de antanho,
Daquela antiga pujança.
O desespero é tamanho…

Já não se sente a esperança,
Desde que tu desististe,
Desde que te demitiste,
Baixaste os braços, caíste.
Já não se sente a esperança…

Foste tu é que deixaste
Aquele estranho a mandar;
Calado, inerte ficaste,
Teu destino abandonaste,
Morreste sem se notar.
Deixaste um estranho a mandar…

Liberdade, tem cuidado, que te matam!
Tem cuidado, que te matam, Liberdade!
Liberdade, tem cuidado, que te matam!
Tem cuidado, que te matam, Liberdade!
Liberdade, Liberdade, tem cuidado, que te matam!
Tem cuidado, que te matam, Liberdade, tem cuidado!
Liberdade, Liberdade, tem cuidado, que te matam!
Tem cuidado, que te matam, Liberdade!…

Liberdade, tem cuidado!
Tem cuidado, que te matam!
Liberdade, tem cuidado!
Tem cuidado, que te matam!
Liberdade, tem cuidado!
Tem cuidado, que te matam!

Andas de cabeça baixa.
Baixaste os braços, caíste.
Eles que decidam por ti.

Não queres saber do futuro,
Eles decidem por ti,
Andas perdido no escuro;
E agora cobram-te o juro,
«— Porquê? Eu já me esqueci!»,
Eles decidem por ti.

Mas quando quiseres matar
O medo e a sua lembrança
Já vai ser tarde de mais;
Vais com certeza esbarrar
No teu silêncio de estanho.

Vais com certeza esbarrar
No teu silêncio de estanho.
Vais com certeza sair
Do teu silêncio de estanho.
Vais com certeza sair
Do teu silêncio de estanho.
Vais com certeza sair
Do teu silêncio de estanho…
Vais com certeza sair
Do teu silêncio de estanho…
Vais com certeza sair…

Letra e música: Rodrigo Crespo
Intérprete: Canto Ondo (in CD “Entre o Alto do Peito e as Campainhas da Garganta”, A Monda – Associação Cultural/Canto Ondo, 2016)

Pergunto ao vento

[ Trova do Vento Que Passa ]

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Poema (excerto): Manuel Alegre
Música: António Portugal
Intérprete: Adriano Correia de Oliveira (in EP “Trova do Vento Que Passa”, Orfeu, 1963; “Obra Completa”, Movieplay, 1994)

Quando a corja topa

[ O Que Faz Falta ]

Quando a corja topa da janela
O que faz falta
Quando o pão que comes sabe a merda
O que faz falta

O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta

Quando nunca a noite foi dormida
O que faz falta
Quando a raiva nunca foi vencida
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é acordar a malta
O que faz falta

Quando nunca a infância teve infância
O que faz falta
Quando sabes que vai haver dança
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta

Quando um cão te morde uma canela
O que faz falta
Quando à esquina há sempre uma cabeça
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta

Quando um homem dorme na valeta
O que faz falta
Quando dizem que isto é tudo treta
O que faz falta

O que faz falta é agitar a malta
O que faz falta
O que faz falta é libertar a malta
O que faz falta

Se o patrão não vai com duas loas
O que faz falta
Se o fascista conspira na sombra
O que faz falta

O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é dar poder à malta
O que faz falta

O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta

O que faz falta é acordar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta

O que faz falta é agitar a malta
O que faz falta
O que faz falta é libertar a malta
O que faz falta

O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é dar poder à malta
O que faz falta

Letra e música: José Afonso
Intérprete: José Afonso (in “Coro dos Tribunais”, Orfeu, 1974; reed. Movieplay, 1987, 1996)

Quero falar-te

[ Zeca ]

Quero falar-te e o coração, de comovido,
perde as palavras que juntara para ti.
Cantar-te sei e apenas isso faz sentido.
Menino d’oiro,
vem sentar-te aqui!
Menino d’oiro,
vem sentar-te aqui!

Por todo o ano é tempo de cantar janeiras.
Mulher da erva, inda agora a vi passar.
Por mar profundo, terra e todas as fronteiras
venham mais cinco
mil p’ra te saudar.
Venham mais cinco
mil p’ra te saudar.

Pode o Sol morrer de velho,
pode o gelo arder também,
mas a voz que de ti nasce
já não morre com ninguém.

No céu cinzento, o astro mudo inda revela
um bater de asas, o disfarce do seu pé.
Bebem do sangue, comem tudo… olhai, cautela!
O que faz falta
já se sabe o que é.
O que faz falta
já se sabe o que é.

Junta-te a nós, ó bairro negro! vem, falua,
p’la noite fora até que se erga o sol de Verão!
Solta as amarras, sopra, ó vento! continua,
que este homem não
se foi embora, não!
Que este homem não
se foi embora, não!

Pode o Sol morrer de velho,
pode o gelo arder também,
mas a voz que de ti nasce
já não morre com ninguém.

Letra: Hélia Correia
Música: Janita Salomé
Intérprete: Janita Salomé [in CD “Utopia: Vitorino e Janita Salomé cantam José Afonso (ao vivo)”, Virgin/EMI-VC, 2004]

Sempre tão constante

[ Liberdade ]

Sempre tão constante
o pulsar da Liberdade
ameaçada a cada instante,
perseguida pela vaidade
em que a mentira
gera ambiguidade.

Hoje, tão desperta
como nunca, a Humanidade
é confrontada com a severa,
insidiosa impunidade…
e a indiferença
esmaga a vontade.

Ferozmente silenciadas
as Palavras necessárias
às mudanças, tão contrárias
às ideias instaladas…

Brilha,
por entre as sombras
rompe a Claridade
insubmissa,
a chama da Verdade.

Luta
por encontrar um rumo,
para cumprir-se
imaculada a Dignidade,
a insubmissa
chama da Verdade.

Letra: Teresa Salgueiro
Música: Teresa Salgueiro, Rui Lobato, Óscar Torres, Marlon Valente e Graciano Caldeira
Intérprete: Teresa Salgueiro (in CD “O Horizonte”, Teresa Salgueiro/Lemon, 2016)

Somos filhos da madrugada

[ Canto Moço ]

Somos filhos da madrugada
Pelas praias do mar nos vamos
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flor no ramo
Navegamos de vaga em vaga
Não sabemos de dor nem mágoa
Pelas praias do mar nos vamos
À procura da manhã clara

Lá no cimo de uma montanha
Acendemos uma fogueira
Para não se apagar a chama
Que dá vida na noite inteira
Mensageira pomba chamada
Companheira da madrugada
Quando a noite vier que venha
Lá no cimo de uma montanha

Onde o vento cortou amarras
Largaremos p’la noite fora
Onde há sempre uma boa estrela
Noite e dia ao romper da aurora
Vira a proa minha galera
Que a vitória já não espera
Fresca brisa moira encantada
Vira a proa da minha barca

Letra e música: José Afonso
Intérprete: José Afonso (in “Traz Outro Amigo Também”, Orfeu, 1970; reed. Movieplay, 1987)
Outras versões: Teresa Silva Carvalho (in “Ó Rama, Ó Que Linda Rama”, Orfeu, 1977, reed. Movieplay, 1994); Vitorino e Janita Salomé (in CD “Utopia”, EMI-VC, 2004); Zé Eduardo Unit (in CD “A Jazzar no Zeca”, Clean Feed, 2004); Erva de Cheiro (in CD “Que Viva o Zeca”, Musicart, 2007)

Sonhei

[ O Madrugar de um Sonho ]

Sonhei… que já alta madrugada,
Viera a Razão armada
P’ra defender a Cidade;
Olhei… e vi que este nosso Povo
Levantara-se de novo
Aos vivas à Liberdade.

Depois…, e já de janela aberta,
Ouvi um bradar – “Alerta!” –
E o eco, p’la rua fora,
Gritou p’ra dizer com Razão pura
Que uma era de tortura
Terminava àquela hora!

Julguei ser um sonho,
Mas foi realidade;
E às vezes suponho
Que não foi verdade!

Mas se alguém disser
“Não há Liberdade!”,
Eu posso morrer
Mas não é verdade!

Saí… e vi uns homens libertos,
Todos de braços abertos…
Todos a pedir justiça!
Alguns já de saúde perdida
E com metade da vida
Em prisões de luz mortiça.

Ouvi… milhões de palmas e brados;
Trabalhadores e soldados
Vivendo a mesma euforia;
Senti… que havia um Portugal novo;
Vi tão alegre o meu povo,
Que até chorei de alegria!

Julguei ser um sonho,
Mas foi realidade;
E às vezes suponho
Que não foi verdade!

Mas se alguém disser
“Não há Liberdade!”,
Eu posso morrer
Mas não é verdade!

Mas se alguém disser
“Não há Liberdade!”,
Eu posso morrer
Mas não é verdade!

Letra e música: Frederico de Brito
Arranjo: Pedro Osório
Intérprete: Carlos do Carmo* (in LP “Álbum”, Philips/Polygram, 1980, reed. Universal Music, 2003, Universal Music, Série ’50 Anos’, 2013)

Tejo que levas as águas

Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Lava-a de crimes espantos
de roubos, fomes, terrores,
lava a cidade de quantos
do ódio fingem amores

Leva nas águas as grades
de aço e silêncio forjadas
deixa soltar-se a verdade
das bocas amordaçadas

Lava bancos e empresas
dos comedores de dinheiro
que dos salários de tristeza
arrecadam lucro inteiro

Lava palácios, vivendas
casebres, bairros da lata
leva negócios e rendas
que a uns farta e a outros mata

Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Lava avenidas de vícios
vielas de amores venais
lava albergues e hospícios
cadeias e hospitais

Poema: Manuel da Fonseca
Música: Adriano Correia de Oliveira
Intérprete: Cantaremos Adriano (in CD “Homenagem a Adriano Correia de Oliveira: 25 anos após a sua morte”, Musicart, 2007)
Versão original: Adriano Correia de Oliveira (in “Que Nunca Mais”, Orfeu, 1975, reed. Movieplay, 1997; “Obra Completa”, Movieplay, 1994; “Vinte Anos de Canções”, Movieplay, 2001)

Venham mais cinco

Venham mais cinco
Duma assentada
Que eu pago já
Do branco ou tinto
Se o velho estica
Eu fico por cá

Se tem má pinta
Dá-lhe um apito
E põe-no a andar
De espada à cinta
Já crê que é rei
D’aquém e d’além-mar

Não me obriguem
A vir para a rua gritar
Que é já tempo
D’embalar a trouxa e zarpar

A gente ajuda
Havemos de ser mais
Eu bem sei
Mas há quem queira
Deitar abaixo
O que eu levantei

A bucha é dura
Mais dura é a razão
Que a sustém
Só nesta rusga
Não há lugar
P’rós filhos da mãe

Não me obriguem
A vir para a rua gritar
Que é já tempo
D’embalar a trouxa e zarpar

Bem me diziam
Bem me avisavam
Como era a lei
Na minha terra
Quem trepa
No coqueiro é o rei

A bucha é dura
Mais dura é a razão
Que a sustém
Só nesta rusga
Não há lugar
P’rós filhos da mãe

Não me obriguem
A vir para a rua gritar
Que é já tempo
D’embalar a trouxa e zarpar

Letra e música: José Afonso
Intérprete: Cristina Branco (in CD “Abril”, Universal Classics France, 2007)
Versão original: José Afonso (in “Venham Mais Cinco”, Orfeu, 1973; reed. Movieplay, 1987, 1996)
Outras versões: Miguel Salerno com sua Orquestra e Coros (in LP “E Depois do Adeus… e Outros Grandes Êxitos da Música Portuguesa”, Alvorada, 1974); A Turma (in EP “O Facho”, Discos Estúdio, 1975); Nana Sousa Dias (in “Ousadias”, Polydor/Polygram, 1986); Tubarões (in CD “Filhos da Madrugada Cantam José Afonso”, BMG Ariola, 1994); Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra (in CD “Em Cantos”, Movieplay, 1995); Incógnita (in CD “A Morte Saiu à Rua”, Virtual Records, 1995); Hi-Tech Ensemble (in CD “Memórias II: Versões Instrumentais”, CNM, 1995); Banda da Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense (in CD “Terra da Fraternidade”, C. M. de Grândola, 1999); Vozes da Terra (in CD “Tributos (ao Vivo)”, Música a Metro, 2003); Nem Truz Nem Muz (in CD “Ao Vivo”, InforArte, 2004); Mar Fora (in CD “Ao Vivo”, Mar Fora, 2004); Mário Laginha e Bernardo Sassetti (in CD “Grândolas”, MVM, 2004); Sons da Fala (in CD “Sons da Fala”, Som Livre, 2007); Milladoiro (in CD “A Quinta das Lágrimas”, Pai Música, Galiza, 2008); Grupo Vocal Canto Décimo (in CD “Conta-me Um Conto (Ao Vivo)”, Canto Décimo, 2008)

Viemos com o peso do passado

[ Liberdade ]

Viemos com o peso do passado e da semente
Esperar tantos anos torna tudo mais urgente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
Vivemos tantos anos a falar pela calada
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só há liberdade a sério quando houver
A paz, o pão
habitação
saúde, educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir

Sérgio Godinho

José Afonso
Zeca Afonso
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