Canções sobre instrumentos

Teresa Tarouca

A sono solto dormia

[ Águias Perdidas ]

A sono solto dormia há muito a cidade
e eu procurava como louca rua em rua
a tua sombra entre essas ruas da saudade
onde uma noite sobre nós raiara a lua

Na minha grande amargura de águia perdida
que começou com a tua ausência eu queria ser
ao encontrar-te a perfumada flor da vida
ou ser de novo uma alegria por viver

Mas fui tão pouco ao teu olhar desencantado
e o nosso abraço uma tristeza tão profunda
que entre o silêncio o amor com lágrimas quebrado
abandonou-se nas estranhas mãos da lua

Ergueu-se ao longe a sinfonia das guitarras
perdida a voz, quebrado o amor nada entendemos
beijei-te a fronte e assim sem mágoa nem palavras
serenamente unidos, meu amor, morremos

Letra: Manuel Lima Brummon
Música: Bernardo Lino Teixeira (Fado Ginguinha)
Intérprete: Tereza Tarouca (in LP “Portugal Triste”, Alvorada/Rádio Triunfo, 1980; CD “Tereza Tarouca”, col. O Melhor dos Melhores, vol. 32, Movieplay, 1994; CD “Álbum de Recordações”, Alma do Fado/Home Company, 2006)

Teresa Tarouca
Teresa Tarouca

Campaniça do despique

Campaniça do despique,
Na venda e bailes de roda:
Dedilhando o improviso
Ou trauteando uma moda.

Na rua do velho monte,
Com as moças a bailar
Os passos simples duma dança
E a viola a dedilhar.

Nas feiras e romarias,
Na serra e no alambique,
Na venda e bailes de roda:
Campaniça do despique.

O tocador da viola
É feio mas toca bem;
Se não casar por a prenda,
Formosura não a tem!

Campaniça do despique,
Na venda e bailes de roda:
Dedilhando o improviso,
Ou trauteando uma moda.

Na rua do velho monte,
Com as moças a bailar
Os passos simples duma dança
E a viola a dedilhar.

Nas feiras e romarias,
Na serra e no alambique,
Na venda e bailes de roda:
Campaniça do despique.

Letra e música: Pedro Mestre
Intérprete: Pedro Mestre (in CD “Campaniça do Despique”, Viola Campaniça Produções Culturais/Pedro Mestre, 2015)
Outra versão de Pedro Mestre (in DVD “No CCB: Pedro Mestre & Convidados”, Pedro Mestre, 2017)

Roncos do Diabo

Com três paus faz-se um bordão,
Com mais um faz-se um ponteiro:
O Demo anima a função
Encarnado num gaiteiro.

O Diabo já é velho
Mas é grande folião:
Na festa mete o bedelho
P’ra animar a bailação.

P’ra aquecer o bailarico
Abre a torneira ao tonel;
O cura dá-lhe um fanico,
Lá se vai o hidromel.

Essa bebida dos anjos
Que agrada tanto ao Demónio
Já tentou S. Cipriano,
S. João e Santo António.

Santo António milagreiro
Fez um pacto com o Demónio:
O Diabo era gaiteiro
E o santo tocava harmónio.

S. João tocava caixa
Com dois paus de marmeleiro;
Mas o delírio das moças
Era a gaita do gaiteiro.

Guinchava como um leitão
Quando se lhe puxa o rabo;
Pela copa do bordão
Jorravam roncos do Diabo.

Era a gaita do Demónio
Que soava endiabrada,
Afinava com o harmónio
Mas não estava homologada.

Estava fora das medidas,
Saía da convenção,
Tinha veias no ponteiro
E dois papos no bordão.

Criação de Belzebu,
Diabólica magia:
Nas voltas da contradança
Quem dançava enlouquecia.

E nas voltas da loucura,
As almas em desatino
Saltavam de corpo em corpo
Errando do seu destino.

O gaiteiro as reunia
Como se junta um rebanho:
Fê-las descer ao Inferno,
No fogo tomaram banho.

E já os corpos em brasa
Iam fazendo das suas,
As vestes esfarrapadas
Mostravam as carnes nuas.

Indulgencia absolutionem
et remitionem peccatorum
tribut ad nobis Dominum.

Com três paus faz-se um bordão,
Com mais um faz-se um ponteiro:
O Demo anima a função
Encarnado num gaiteiro.

As fêmeas eram lascivas:
Ondulantes de paixão,
Corroídas p’lo desejo
Contorciam-se no chão.

No terreiro da função
Os corpos se confundiam:
Seguidores de Belzebu
Das almas santas se serviam.

Foram pela noite fora
Perdidos no bacanal,
Ao som desta banda louca
Até ao Juízo Final.

Indulgencia absolutionem
et remitionem peccatorum
tribut ad nobis Dominum.

Letra e música: Carlos Guerreiro
Arranjo: Carlos Guerreiro
Intérprete: Gaiteiros de Lisboa
Versão original: Gaiteiros de Lisboa (in CD “A História”, Uguru, 2017; CD “Bestiário”, Uguru, 2019)

Gaiteiros de Lisboa, Roncos do Diabo
Gaiteiros de Lisboa, Roncos do Diabo

Ó sino da minha aldeia

Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

Letra: Fernando Pessoa (ligeiramente adaptado)
Música: Uxía Senlle e Sérgio Tannus
Arranjo: Quiné Teles
Intérprete: Ela Vaz, com Rui Oliveira (in CD “Eu”, Micaela Vaz, 2017)

O tambor a tocar

[ O Primeiro Canto (dedicado a José Afonso) ]

O tambor a tocar sem parar,
um lugar onde a gente se entrega,
o suor do teu corpo a lavar a terra.
O tambor a tocar sem parar,
o batuque que o ar reverbera,
o suor do teu rosto a lavrar a terra.

Logo de manhãzinha, subindo a ladeira já,
já vai a caminho a Maria Faia…

Azinheiras de ardente paixão
soltam folhas, suaves, na calma
do teu fogo brilhando a escrever na alma.

Estas fontes da nossa utopia
são sementes, são rostos sem véus,
o teu sonho profundo a espreitar dos céus!

Logo de manhãzinha, subindo a ladeira já,
já vai a caminho a Maria Faia,
desenhando o peito moreno, um raminho de hortelã
na frescura dos passos, a eterna paz do Poeta.

Uma pena ilumina o viver
de outras penas de esperança perdida,
o teu rosto sereno a cantar a vida.

Mil promessas de amor verdadeiro
vão bordando o teu manto guerreiro,
hoje e sempre serás o primeiro canto!

Ai, o meu amor era um pastor, o meu amor,
ai, ninguém lhe conheceu a dor.
Ai, o meu amor era um pastor Lusitano,
ai, que mais ninguém lhe faça dano.
Ai, o meu amor era um pastor verdadeiro,
ai, o meu amor foi o primeiro.

Estas fontes da nossa utopia
são sementes, são rostos sem véus,
o teu sonho profundo a espreitar dos céus!

Mil promessas de amor verdadeiro
vão bordando o teu manto guerreiro,
hoje e sempre serás o primeiro canto!

Letra: João Mendonça, Dulce Pontes e António Pinheiro da Silva
Música: Dulce Pontes e Leonardo Amuedo
Intérprete: Dulce Pontes (in CD “O Primeiro Canto”, Polydor B.V. The Netherlands/Universal, 1999)

Quando uma guitarra trina

[ Guitarra ]

Quando uma guitarra trina
Nas mãos de um bom tocador
A própria guitarra ensina
A cantar seja quem for

Eu quero que o meu caixão
Tenha uma forma bizarra
A forma de um coração
A forma de uma guitarra

Guitarra, guitarra querida
Eu venho chorar contigo
Sinto mais suave a vida
Quando tu choras comigo

Letra dos poetas do fado (Popular)
Música: Pedro Ayres Magalhães e Rodrigo Leão
Intérprete: Madredeus (in CD “Ainda”, EMI-VC, 1995)

As Tuas Mãos, Guitarrista

São tuas mãos, guitarrista,
Que as cordas fazem vibrar,
Que me fizeram fadista
E não deixam que resista
Ao desejo de cantar.

A guitarra quere-te tanto,
Tem por ti tal afeição
Que te deu consentimento
P’ra desvendares o tormento
Que guardo no coração.

Em teu peito tem guarida,
Em tuas mãos seu penar;
Se tu não lhe desses vida
Ficava p’ra ali esquecida
E não voltava a trinar.

 

E se a tens abandonado
Não seria mais fadista;
Mesmo que fosse cantado,
Morria com ela o fado
Sem tuas mãos, guitarrista.

Letra: Maria Manuel Cid
Música: Joaquim Campos (Fado Tango)
Intérprete: Tereza Tarouca (in EP “Passeio à Mouraria”, RCA Victor, 1964; 2LP “Álbum de Recordações”: LP 2, Polydor/PolyGram, 1985; CD “Temas de Ouro da Música Portuguesa”, Polydor/PolyGram, 1992)

Teresa Tarouca
fadista Teresa Tarouca
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