Seja dada a devida atenção ao estudo da música no Seminário, para que os futuros sacerdotes adquiram sensibilidade e mentalidade artísticas e obtenham os conhecimentos indispensáveis.

(D. Jorge Ortiga)

MÚSICA E LITURGIA

CRITÉRIOS E ORIENTAÇÕES PASTORAIS

por D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga,
Arcebispo Primaz de Braga

I. A MÚSICA NA LITURGIA

O Mistério Pascal e a música litúrgica

1. A ressurreição de Cristo é a causa profunda de toda a alegria cristã. Por isso, a celebração do Mistério Pascal, em que se realiza sacramentalmente a nossa participação no mistério de Cristo morto e ressuscitado e, com ele, na comunhão trinitária, encerra em si toda a alegria possível ao ser humano. Terminadas as comemorações do Jubileu do nascimento de Jesus, é oportuno lembrar a importância de procurarmos que uma tal celebração se revista daquelas condições que hão-de fazer dela, em modo autêntico, uma efectiva vivência desse profundo júbilo que deve animar cada comunidade cristã. Com esse intuito achei por bem dar algumas indicações a todos os caríssimos diocesanos que, a qualquer título, são chamados a intervir activamente na celebração litúrgica do mistério cristão. De momento, desejo apelar particularmente à reflexão sobre uma das mais belas e elevadas formas de manifestação dessa alegria pascal: a música, enquanto parte integrante da própria Liturgia.

É verdade que a expressão da música litúrgica não se esgota na alegria. De facto, não há Páscoa sem Paixão, não há ressurreição sem morte. Tal como no Saltério, assim na Liturgia a música exprime louvor, acção de graças, exultação, júbilo. mas também súplica, lamento, tragédia, arrependimento, profissão de fé. “Chorareis e lamentar-vos-eis [.]. Estareis tristes, mas a vossa tristeza converter-se-á em alegria” (Jo 16, 20). O ano litúrgico comporta os sentimentos que percorrem todos os mistérios da vida de Cristo, desde o nascimento até à glorificação. Há Baptismos e Matrimónios, mas há também exéquias e ritos penitenciais. Sabemos que é função da música litúrgica exprimir intensamente todos estes passos e sentimentos da vida cristã. Sem esquecermos, pois, a complexidade da expressão musical e a variedade das celebrações, concentremos, por agora, a nossa atenção na celebração do domingo, como “Páscoa semanal” , memorial da Morte e Ressurreição do Senhor. Deste modo, vamos, aliás, ao encontro de uma das grandes recomendações sinodais, precisamente sobre a arte de bem celebrar, como devendo constituir uma das primeiras preocupações dos pastores.

Necessidade de discernimento

2. Desde o princípio, o cristianismo utiliza a música nas suas celebrações. Depois dos modelos musicais da sinagoga judaica, foi acrescentando a arte dos povos que foram progressivamente evangelizados. Este vastíssimo reportório, tão importante na cultura musical do Ocidente, foi o modelo inspirador da grande polifonia sacra do período áureo da Renascença e continua a ser o manancial recomendado pela autoridade da Igreja como fonte de inspiração para os actuais compositores de música litúrgica, sem prejuízo para outras fontes que possam verdadeiramente enriquecer a criação de novos trechos musicais.

Os cristãos do século XXI têm a responsabilidade de manter vivo o tesouro musical herdado e de o enriquecer com novos contributos da verdadeira arte musical do nosso tempo. Uma tarefa assim tem um alcance tão profundo que toca a intimidade das pessoas que se dirigem a Deus, nomeadamente nas assembleias dominicais. Teremos de continuar hoje com a qualidade artística do passado, porque só a qualidade poderá atingir o íntimo da pessoa. A todos se exige, por isso, um trabalho sério de discernimento, que evite os extremos tanto da mera repetição do que já existe como da experimentação fácil, estéril e sem critério. Com a sabedoria e pedagogia que lhe reconhecemos, a Igreja evitou sempre, na Liturgia, a música de menor qualidade. Uma vez que o Mistério Pascal é celebrado num momento concreto da existência humana, deve ser enriquecido com os elementos culturais e artísticos mais nobres e expressivos de cada período da História, para melhor responder às manifestações de fé em cada tempo. A cultura e a arte foram, em todas as épocas, veículos privilegiados do contacto com as realidades divinas. Para o homem contemporâneo continuam a ser expressão apropriada nas suas relações com Deus.

3. Com estes pressupostos, considero, pois, oportuno chamar a atenção para o necessário discernimento nesta matéria, oferecendo para isso alguns critérios e dirigindo a todos algumas recomendações fundamentais, destinadas a orientar a prática pastoral na Arquidiocese. Não pretendo, como é óbvio, afastar-me das normas gerais da Santa Sé sobre este assunto, expostas em numerosos documentos.

II. CRITÉRIOS DE ORIENTAÇÃO

4. Em qualquer acção litúrgica, nada se fará como convém se não houver previamente uma adequada preparação dos intervenientes. A preparação técnica e litúrgico-pastoral tenderá a fornecer critérios que facultarão uma correcta escolha de textos e melodias, bem como proporcionará a conveniente pedagogia que possibilite uma verdadeira participação. Deste modo se estará apto para avaliar a qualidade artística, os géneros de música e os instrumentos, tendo também em conta a especificidade das assembleias.

Qualidade artística

5. Segundo a orientação da Igreja, a música litúrgica tem como exigência fundamental, além da “santidade”, a qualidade artística, resumida na palavra “beleza” usada frequentemente nos documentos. Para os textos musicados deve existir a mesma exigência de “santidade” e “beleza”, para que possam “alimentar a oração e exprimir o mistério de Cristo”. A pastoral litúrgica que enveredar por soluções fáceis, também neste campo está condenada ao fracasso, embora pareça eficaz à primeira vista. Não é difícil antevê-lo, dada a contradição existente, por um lado, entre essa facilidade e a exigência evangélica e, por outro, entre a verdadeira e a falsa arte musical para o serviço da Liturgia e a expressão do indizível.

Esta exigência de qualidade artística adquire particular actualidade na nossa sociedade de consumo. De facto, esta coloca os seus “valores” precisamente na facilidade e na fruição do exteriormente agradável, embora humanamente pouco exigente. Os complexos processos publicitários divulgados pelos media utilizam demagogicamente essa perspectiva de facilidade como meio para captar as massas e vender tanto produtos materiais como ideologias ou marcas. Sabemos, porém, que, a médio prazo, uma tal opção se manifestará profundamente insatisfatória.

Também os novos movimentos religiosos, que actualmente proliferam por toda a parte, utilizam frequentemente este processo para atingirem os seus objectivos nem sempre claros.

Vivendo neste contexto cultural, a Igreja na nossa Arquidiocese está sujeita à tentação de enveredar por caminhos semelhantes, facilmente os confundindo com a pastoral autêntica, a única que é libertadora do ser humano. Ora, os caminhos de Deus não se anunciam com ilusórias promessas de facilidade nem com ofertas enganosas. Um dos meios que melhor se prestam à manipulação das massas é, sem dúvida, a música. Usada de forma simplista no comércio, bem como nas campanhas políticas e publicitárias, sob a capa de total sintonia com os sentimentos humanos da actualidade, a maior parte dessa música, de facto, movimenta apenas emoções passageiras, ao sabor das modas. Por ser demasiado epidérmica, dificilmente atinge o interior da pessoa humana. É um erro grave introduzir tal género de música na Liturgia, a pretexto de uma pastoral moderna e actualizada. Fazê-lo não seria apenas falta de estratégia pastoral, mas erro de reflexão teológica e grave desvio do genuíno sentido da tradição e da história do Cristianismo, o qual vai na direcção contrária à via demagógica e alienante da facilidade e superficialidade, alheia à verdadeira qualidade artística.

A fim de se evitarem caminhos desses, no discernimento dos trechos musicais a executar na Liturgia tenham-se em conta as normas gerais da Santa Sé, expostas em vários documentos.

Géneros de música

6. A distinção entre música litúrgica e música não litúrgica exige reflexão atenta. Se tudo é sagrado, estamos perante uma forma velada de panteísmo; se o sagrado é apenas o que já o era nos séculos passados, estamos, como já foi referido, longe de concretizar a doutrina conciliar no que diz respeito à música para a Liturgia. Em todas as culturas existem manifestações artísticas que foram assumidas pelas respectivas celebrações cultuais. A Liturgia cristã, porém, apesar de envolver toda a realidade humana e cósmica, só utiliza os elementos mais nobres e marcados por características determinadas, conforme o seu significado cultural, religioso e simbólico. Se não tivermos em consideração essas características, criar-se-á uma mistura de contextos e ambientes, de sinais e expressões sem sentido, tendentes a desvirtuar a autenticidade da celebração. Na cultura ocidental, sobretudo com a difusão mediática e massiva da música durante o século XX, é fácil de ver que determinados géneros de música estão conotados, de forma tão clara, com ambientes de divertimento, que não é possível transpô-los para a Liturgia, a fim de aí desempenharem uma função diferente. Só a falta de sensibilidade litúrgica e musical, agravada pela deficiente formação religiosa e humana, pode explicar a utilização indiscriminada de todo o género de música na Liturgia. É também importante manter viva a grande música que ao longo dos tempos foi escrita para a mesma Liturgia. Assim se evitará que ela seja transferida exclusivamente para os concertos, onde é executada fora do contexto para o qual foi criada. Está previsto que muitos trechos dessa música possam ter lugar, enriquecendo-as, nas actuais celebrações. Se, por desleixo ou falta de gosto, a Igreja contemporânea permitisse que toda a grande música do passado fosse executada e apreciada apenas em concertos, manifestaria empobrecimento cultural, humano e religioso. Além da música litúrgica do passado, há a música litúrgica do presente. É necessário produzir novas composições, no espírito da estética musical contemporânea, como recomenda o Concílio. Assim será aumentado o tesouro musical da Igreja herdado dos que professaram a mesma fé. Dada a actual complexidade do mundo estético-musical e cultural, essa tarefa reveste-se de tal dificuldade que não pode ser encarada de ânimo leve, ao sabor de gostos particulares ou de modas passageiras. Deverá ser assumida e realizada por especialistas seriamente preparados, quer em Liturgia quer em música.

Instrumentos musicais

7. Outro problema que hoje causa preocupação é o que diz respeito aos instrumentos musicais a utilizar na Liturgia. Mantendo-se o princípio fundamental da primazia do canto, podem utilizar-se instrumentos adequados, segundo a tradição e as normas gerais da Santa Sé, tanto para acompanhamento do canto como para execução a solo.

Por razões de herança cultural e de sonoridade peculiar, o órgão de tubos continua a ser o instrumento de referência para uso litúrgico. Outros instrumentos podem ser usados, contanto que sejam artísticos, não desdigam do carácter sagrado das funções litúrgicas, não sejam demasiado ruidosos, sejam tocados de forma artística e sejam capazes de edificar os fiéis.
Há instrumentos que, por serem frequentemente utilizados noutros contextos, assumem conotações simbólicas que dificultam o seu uso litúrgico. Nesse caso é preferível não recorrer a eles.

Seria cómodo declarar que não existem instrumentos absolutamente “interditos” ou “profanos”, que tudo é válido, ou que nada se pode admitir. No entanto, os critérios sobre esta matéria devem assentar numa séria reflexão pastoral e cultural, apoiada no conhecimento dos vários documentos da Santa Sé. Parece que o verdadeiro problema é realmente este: reflexão séria e estudo dos documentos.

Celebrações específicas

8. Em circunstâncias particulares, como as celebrações de casamento, deve ser aproveitada a oportunidade para esclarecimento dos intervenientes (noivos e familiares). As razões de alguma anarquia nestes casos passam pela falta de formação religiosa e litúrgica, pela falta de sentido pastoral e pelo desconhecimento geral dos documentos da Igreja. Geralmente esses casos não acontecem por má fé. Por isso, devem ser encarados nessa perspectiva e solucionados com paciente pedagogia. Sem enveredarmos por soluções extremas de rigorismo nem de laxismo, merece atenção redobrada o que se refere à selecção de cânticos adaptados aos diversos níveis etários, nomeadamente nas celebrações com crianças ou jovens.

Tendo em conta que os membros mais novos das comunidades cristãs devem, progressivamente, ser introduzidos nas celebrações normais de toda a comunidade – com a correspondente exigência musical – não se deve ignorar que, naquelas celebrações em que há um grande número de crianças, se devem utilizar não só partes próprias dos rituais específicos, mas também alguns trechos musicais apropriados. Quanto às celebrações com jovens, é preciso proceder com seriedade, abertura e critério. Se é verdade que boa parte da gente nova se identifica com a chamada “cultura juvenil”, identificando-se, por isso, com certa música comercial e consumista, também é certo que muitos jovens – os mais exigentes – não se revêem nessa música e se distanciam dessa cultura massificante. Por isso, embora em algumas celebrações se possa ir ao encontro de um gosto dito “juvenil”, artisticamente menos elaborado e exigente, é preciso não perder de vista a pedagogia pastoral e a formação progressiva dos jovens. Procurar-se-á que atinjam aquele nível de aperfeiçoamento e participação litúrgica que está de acordo com a nossa melhor tradição cultural, evitando o nivelamento pela qualidade inferior. Nesse sentido, é urgente que seja intensificada a formação doutrinal e espiritual dos jovens, a fim de que a vivência autêntica da Eucaristia os leve à apreciação e execução de um estilo de música que corresponda ao carácter sagrado da Liturgia. Sem essa formação não estarão capacitados para sentir a impossibilidade de conciliar um espírito alheio ao Evangelho e à celebração com a música própria da Liturgia. O mero recurso a normas exteriores é pouco convincente e não as torna suficientemente entendidas.

É necessário também não fomentar o hábito de um pequeno grupo de jovens “impor” as suas preferências musicais a uma assembleia inteira não juvenil. Tal procedimento não é um serviço à Liturgia e a essa assembleia, mas antes, presumivelmente, pura exibição e deleite do próprio grupo. Uma celebração concreta, realizada exclusivamente com crianças ou jovens, cria condições diferentes das celebrações heterogéneas habituais. No entanto, haja atenção cuidadosa para evitar que as músicas dessas celebrações sejam simples adaptações de textos a músicas de outros ambientes, conhecidas por eles. Dificilmente, nestas circunstâncias, se impedirá que o pensamento seja desviado para o ambiente profano que está na origem dessas canções e que o sentimento correspondente acabe também desvirtuado. Compreende-se que tais adaptações possam servir para convívios ou reuniões, mas não são aptas para a Liturgia.

Quando tal acontece, não raras vezes as razões deste procedimento decorrem da falta de tempo ou de condições para ensaiar os cânticos aos jovens, incluindo-se nesta preparação, em primeiro lugar, a formação doutrinal e litúrgica a partir dos textos. A liturgia dos jovens deve ser preparada também no que diz respeito à música. Aliás, uma celebração ocasional não vai resolver todos os problemas daqueles. É preciso apostar na sua formação contínua.

Evitem-se puritanismos radicais e estéreis, bem como demagogias fáceis, com o intuito duvidoso de “conquistar” jovens para as celebrações. A médio e longo prazo, o trabalho persistente das escolas de música e dos grupos corais paroquiais – frequentados maioritariamente por jovens – darão uma ajuda ímpar neste campo.

Concertos nas igrejas

9. É cada vez mais frequente a utilização do espaço litúrgico para a realização de concertos de música sacra e religiosa. Essa prática não se opõe à finalidade das igrejas, dado que as obras executadas nesses concertos foram compostas para a Liturgia ou são inspiradas nos textos sagrados. É louvável a promoção e apoio dessas actividades musicais e culturais, para se tornar vivo um património secular de incalculável riqueza, e também para dar a conhecer novas criações de carácter religioso ou litúrgico, como foi prática normal ao longo da história da Igreja. Desse modo, esta pode dar um contributo valioso na promoção cultural e artística animada pelo Evangelho. Além disso, dada a estreita ligação entre o conteúdo desses concertos e a Boa Nova cristã transfigurada em arte musical, é importante aproveitar a oportunidade desses acontecimentos para uma renovada evangelização, pela música e pelos textos, para que o enriquecimento dos ouvintes seja simultaneamente artístico e evangélico, numa perfeita simbiose entre Arte e Cristianismo. Devem ser observadas as normas concretas da Santa Sé sobre os procedimentos a seguir nestas circunstâncias, as quais se recordam mais adiante.

III. RECOMENDAÇÕES PASTORAIS

10. Com o objectivo de se realizar um trabalho pastoral correcto, equilibrado e progressivo, hei por bem recomendar:

a) Seja dada a devida atenção ao estudo da música no Seminário, para que os futuros sacerdotes adquiram sensibilidade e mentalidade artísticas e obtenham os conhecimentos indispensáveis. Assim, verão fundamentadas as razões para a correcta orientação das pessoas e grupos, neste campo da sua futura acção pastoral.

b) Seja aproveitado, promovido e incentivado o trabalho da Escola Diocesana de Música Sacra, a trabalhar em Braga desde 1988. Ela oferece um contributo ímpar na preparação de agentes da pastoral litúrgica no campo da música (organistas, salmistas, directores de coro e assembleia), com capacidade para animar as assembleias litúrgicas e preparar as comunidades para uma maior sintonia com a música de qualidade.

c) A médio ou longo prazo criem-se condições para que haja um responsável pela pastoral litúrgica nas principais igrejas da Arquidiocese ou, pelo menos, em cada Arciprestado. Este terá a devida preparação litúrgica e musical.

d) Nos orçamentos paroquiais tenha-se em conta a aquisição de órgãos litúrgicos e o restauro de órgãos de tubos históricos, quando existam. Simultaneamente, cada paróquia deve providenciar o apoio moral e financeiro necessário para a formação de directores de coro e assembleia, organistas e outros instrumentistas capazes.

e) No que se refere ao uso de outros instrumentos, que não o órgão de tubos, tenham-se em conta os critérios enunciados no número 7 deste documento.

f) Seja aproveitado o contributo de revistas especializadas em música para a Liturgia. Sendo orientadas por especialistas de diversas áreas, desde a poesia e literatura à liturgia e música, proporcionam orientação e ajuda preciosas para o canto litúrgico. É de louvar o recurso à Nova Revista de Música Sacra, publicação particularmente apreciada pelos profissionais da música, quer a nível nacional quer no estrangeiro. Desde Agosto de 1989 foi declarada pelo Prelado diocesano “órgão oficioso da Arquidiocese de Braga para o sector da música sacra”. Dentro de um sadio e legítimo pluralismo, juntamente com ela podem ser usadas outras, de estilos e conteúdos diversos, mas sempre com aquela qualidade que serve os objectivos litúrgicos.

Logo que seja concretizado o projecto de criação de um Arquivo Diocesano, capaz de recolher e catalogar o património existente, facilitando o seu conhecimento e utilização, procure-se tirar dele máximo proveito.

g) Sejam apoiados e aperfeiçoados os grupos corais litúrgicos existentes e sejam criados outros onde forem necessários, para que se melhore não apenas a qualidade do canto a vozes mas também a participação da assembleia dos fiéis nas melodias que a ela se destinam. A intervenção exclusiva do coro, em momentos previstos da celebração, não se faça por mera exibição musical, mas com espírito de profundo e qualificado serviço à participação. Tais intervenções devem ser pontuais, sem impedir a beleza do canto da assembleia numa celebração inteira. Assim, nas festas mais solenes da liturgia paroquial, nas visitas pastorais e em circunstâncias semelhantes, haja um cuidado particular na preparação das melodias da assembleia, para que esta cante festivamente e não se limite a escutar o grupo coral durante toda a celebração. Na ausência do grupo coral, um animador da assembleia devidamente preparado pode supri-lo com eficiência em algumas celebrações. Deve evitar-se, porém, que o animador substitua sistematicamente o coro.

h) Tendo em conta a cultura e tradição local, evite-se o abuso de importações musicais de outras culturas. Se o contacto com diferentes sensibilidades pode ser enriquecedor, o abuso pode fazer dessa música um corpo estranho na identidade cultural de cada comunidade celebrante e, nessa medida, um sinal inadequado e expressivamente ineficaz nas suas celebrações.

i) Nas comunidades em que não existe ainda a qualidade desejável no canto, tenha-se em conta o sentido pedagógico e progressivo na condução de uma pastoral litúrgica bem estruturada, sem enveredar por soluções fáceis de atingir, mas de conteúdo duvidoso. É importante o contributo que um bom grupo coral pode dar na formação do gosto artístico de toda a assembleia e no seu modo de cantar.

j) No que se refere aos concertos nas igrejas, além da doutrina universal, lembro os procedimentos a seguir: antes de impresso, deve ser enviado à Secretaria Arquiepiscopal o programa, acompanhando o pedido de autorização. Nesse pedido, além do local, data e hora, serão indicados os títulos, autores e intérpretes das obras a executar. Consultada a Comissão Diocesana de Música Sacra e fundamentada no parecer técnico por ela apresentado, a competente autoridade diocesana emitirá a resposta adequada. Poderá ser autorizado ou impedido o concerto, ou exigida a remoção ou substituição de parte do programa analisado. Será sempre preservado o respeito pelo local e haverá o cuidado de retirar o Santíssimo Sacramento para lugar conveniente e digno. Como já foi referido, a evangelização passa também pela música destes concertos. Por isso, é oportuno introduzi-los com alguma breve e oportuna explicação bíblica, doutrinal ou litúrgica, que situe as obras executadas no contexto histórico do louvor a Deus, para edificação dos ouvintes.

k) Há cada vez maior número de escolas de música ao alcance de todos. Além dos elementos básicos, nelas se aprende a tocar grande número de instrumentos nobres usados na grande música. Não se perca a oportunidade para incentivar os jovens das nossas paróquias, nelas formados, a aumentar a beleza artística da Liturgia. Os mesmos serão convidados a contribuir com a sua arte para animar encontros, convívios e festas. Assim, poderemos evitar a tendência geral para nivelar as reuniões de jovens pelo mais baixo nível musical, às vezes aliado a manifestações morais pouco concordantes com o espírito evangélico. Desse modo também, será possível estabelecer a diferença entre grupos de jovens cristãos e outros grupos. É importante o papel da arte na formação humana, cristã e litúrgica dos jovens.

l) Em cada paróquia, a Equipa de Liturgia deve incluir representantes dos grupos corais, dos salmistas, directores do coro e assembleia.

m) Em princípio, o grupo coral é paroquial. Para exercer a sua actividade fora da paróquia de origem, deve ser credenciado pelo respectivo pároco e autorizado, em cada caso, pelo pároco da igreja em que se apresenta. De modo semelhante, para que outros grupos corais não paroquiais possam também exercer idêntica actividade, terão de ser credenciados pela Secretaria Arquiepiscopal. Esta só o fará mediante documento do pároco em cujo território está sediado, que ateste a qualidade musical do grupo e o testemunho de vida cristã dos seus elementos. Poderá ser pedido também o parecer da Comissão Diocesana de Música Sacra, que emitirá um juízo depois de ouvir e examinar o seu repertório e confirmar o respeito pelas normas litúrgicas em vigor. A credencial poderá ser temporária e sujeita a caducar a qualquer momento, no caso de faltarem as condições que a haviam fundamentado.

n) Recomenda-se que os grupos corais paroquiais tenham as suas contas integradas no Fundo Paroquial. A paróquia deve assumir as despesas inerentes à sua actividade, como acontece com outros grupos apostólicos.

11. A terminar, quero manifestar o meu profundo agradecimento a todos quantos, no espaço da Arquidiocese, vêm contribuindo, a qualquer título, para que as nossas celebrações litúrgicas se revistam daquela qualidade musical que lhes convém, e, em particular, aos milhares de pessoas que formam os grupos corais dispersos um pouco por toda a parte, pelo seu trabalho ao mesmo tempo imenso e discreto. No serviço persistente e desinteressado que prestam – autêntico ministério de anúncio do Reino de Deus entre os homens – são exemplo de como o povo cristão pode assumir a nobre tarefa de tornar mais viva e rica a Liturgia, através da música executada “com arte e com alma”. Louvo, agradeço e incentivo, também em particular, o trabalho dos organistas, salmistas, directores de coro e animadores de assembleia. No exercício do seu ministério, são eles os mais empenhados na qualidade artística e litúrgica da música das celebrações. Deles depende, em boa medida, a intensidade de participação de todos os fiéis nos mistérios celebrados. Desejo ver aumentado o número e a qualidade destes colaboradores da Liturgia, para bem da cultura e da arte, para bem da Igreja e para glória de Deus Pai.

Braga, Quinta-Feira Santa, 12 de Abril de 2001

+ JORGE FERREIRA DA COSTA ORTIGA, ARCEBISPO PRIMAZ

D. Jorge Ortiga

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