Foto Cláudio Carvalho

NUNO OLIVEIRA

ENTREVISTA

Como começou a sua descoberta da arte dos sons?

Quando tinha três anos de idade, ingressei no Jardim Escola Gago Coutinho em Lisboa, na Rua Visconde Valmor. A minha educadora de infância era membro efectivo do Coro do Teatro Nacional de São Carlos, e terá dito aos meus pais que um dia eu haveria de ser maestro, e que por tal facto deveria começar a aprender música quanto antes. Bem, parece que uns bons anos antes, a mesma educadora de infância terá dito que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, actual Presidente da República e também ele ex-aluno desta instituição, seria político ao mais alto nível. Parece que foi acertando…

Aos seis anos começou a estudar Piano, com aulas particulares, na igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa. Foi aí que nasceu o seu interesse pelo órgão?

Não, mas tenho uma vaga ideia de que ao assistir a celebrações litúrgicas na Igreja de Nossa Senhora de Fátima eu teria uma atenção especial quando o órgão tocava. Não consigo traduzir esse comportamento ou correlacioná-lo com um eventual interesse pelo instrumento. Sei que ouvia alguma música para órgão, e quando mais tarde fui convidado a ingressar na classe de órgão do Professor Joaquim Simões da Hora, o meu interesse pelo instrumento definitivamente despertou.

As paróquias desempenham ou podem desempenhar um papel importante na orientação vocacional para a Música?

Poderão desempenhar, tendo sido a partir dessa orientação que eu próprio ingressei na Escola de Música do Conservatório Nacional, em Lisboa.

Qual foi o seu primeiro instrumento?

Foi o piano.

Qual foi o momento em que se lembra de ter tido consciência de que a música era fundamental para si?

Sobretudo a partir do momento em que concluí o meu 4º ano de Piano, onde um ciclo de quatro anos termina e um outro com mais dois anos começa. No 5º ano ingressei na Classe de Piano da Professora Melina Rebelo, ainda hoje uma grande referência para mim. Foi em sua casa que ouvi as primeiras gravações em disco, curiosamente grandes obras de compositores do período barroco, como sejam a Oratória ‘O Messias’ de Handel ou a Paixão Segundo São Mateus de Bach. Ainda hoje se desloca aos meus concertos, apesar dos seus quase 90 anos…

Quando concluiu o Curso Superior de Piano na Escola de Música do Conservatório Nacional com 19 valores achou que iria ser mais fácil a sua vida como músico, ou a realidade ficou aquém das expectativas?

O meu trajecto musical a partir desse momento foi um pouco diferente do esperado. Parte-se do princípio que, uma vez completa toda a formação possível no nosso país em determinado instrumento, o músico partirá para o estrangeiro no sentido de aperfeiçoar as suas qualidades e em busca de novas aprendizagens. Isso não aconteceu comigo, quanto mais não seja pelo facto de ter tido várias escolhas possíveis para o meu futuro a nível musical. O Professor Paulo Brandão, na altura professor de classe de conjunto achava que tinha uma óptima voz para canto lírico. Não segui canto. A minha professora de Análise e Técnicas de Composição, a falecida compositora Maria de Lourdes Martins, queria que eu fosse estudar composição com um de três grandes nomes com quem mantinha um estreito contacto (Luigi Nono, Pierre Boulez e Karl-Heinz Stockhausen), visto que, para além de ter realizado um trajecto exemplar ao nível da Composição, teria seguramente um futuro promissor. Também não segui Composição. E fui criticado por isso, num programa realizado em directo pela Antena 2, onde a entrevistada foi precisamente a Professora Maria de Lourdes Martins. E por fim, o piano… que não era de facto a minha praia. Eu era de extremos: ou música barroca ou música moderna/contemporânea. Para Rachmaninov ou mesmo Chopin eram precisos muitos dedos, coisa que eu não tinha. Podia tocar muito bem Haydn ou Mozart, e ir até Beethoven, arranhando algumas sonatas. A partir daí, a situação complicava-se e de que maneira… Assim sendo, criou-se um hiato musical na minha vida, onde me limitei a frequentar algumas aulas particulares de piano, apenas para não perder a técnica, tanto mais que tinha começado os meus estudos em Medicina Dentária na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. O interesse pela música antiga, que foi sendo cultivado ao longo do tempo, ouvindo a música dos grandes compositores do período barroco, ou tocando Bach e Carlos Seixas ao piano, ficou como que adormecido…

Que professores foram mais marcantes na sua vida artística?

Como em parte já referi, tive muitos professores durante a minha longa carreira musical. Contudo, a Professora Melina Rebelo ainda é a minha grande referência. Foi quem me permitiu aperfeiçoar um determinado tipo de técnica e articulação que hoje me são necessários em tudo o que faço ao nível da execução. A única referência no campo da música antiga que tive enquanto miúdo foi um contacto com a Professora Cremilde Rosado Fernandes, através de um curso de clavicórdio por ela ministrado e no qual participei. Apesar de me ter sugerido uma eventual mudança para o cravo, devido às qualidades técnicas muito específicas deste instrumento e que com o tempo poderia vir a aperfeiçoar, acabei por permanecer no piano. Marcou-me negativamente a Professora Raquel Simões de Educação Musical. Eu era apenas um miúdo com 10 anos, e de alguma forma não se conseguiu tirar partido de eventuais qualidades que pudesse ter. Acontece que reprovei o ano na disciplina, e como esta situação tinha implicações ao nível da minha continuação na escola, a professora escreveu uma carta à direcção onde solicitava a minha continuação no ano seguinte, frequentando um “1º avançado”. Nunca soube bem o que isso significava. Apenas sei que, dois anos depois eu estava no 5º ano, e que durante o meu 2º ano eu já fazia todas as leituras ou ditados que os alunos do 6º ano (o último) faziam. Não me pergunte como, pois nem eu consigo arranjar explicação para tão súbita mudança.

Como nasceu o interesse pelo canto gregoriano?

Apenas participei em algumas semanas de Canto Gregoriano organizadas pela Professora Idalete Giga. Não poderei falar propriamente de um interesse em particular, mas sim de uma necessidade. Quem de alguma forma está ligado à música sacra deve integrar este género de música nos seus interesses.

O que o levou a estudar Cravo e Baixo Contínuo na Holanda?

Como referi anteriormente, esse interesse pela música antiga esteve quase sempre adormecido durante o tempo que frequentei as licenciaturas em Medicina Dentária e em Medicina, ambas na Universidade de Coimbra. Durante este período fui-me interessando pelo órgão e frequentando cursos de curta duração, por forma a ter contacto com o instrumento. Já muito antes desse período tinha acompanhado celebrações litúrgicas um pouco por todo o lado e durante vários anos, naturalmente fazendo apenas uso da minha formação pianística, complementada com as minhas visitas regulares à Sé Patriarcal de Lisboa, onde um certo dia conheci aquele que é unanimemente considerado como o pai de toda a geração de organistas portugueses que conhecemos até aos dias de hoje, o ilustre Professor Antoine Sibertin-Blanc. A arte de acompanhar e de improvisar do Professor Sibertin era única. Bastava quase ouvi-lo regularmente para que tudo o que fazia ficasse como que gravado na minha memória. Com as facilidades que tinha ao nível do contraponto e harmonia, tornava-se fácil a minha prática de acompanhamento ao órgão. O baixo contínuo tem muito a ver com esta prática, e terá sido esse gosto e essa facilidade natural que me levaram a procurar algo mais na área da música antiga. É nesta altura que frequento cursos organizados pela Academia de Música Antiga de Lisboa, e mais tarde pela Fundação Casa de Mateus. Comecei como ouvinte. Num desses cursos, acabei por conhecer Jacques Ogg, professor de cravo do Koninklijk Conservatorium, em Haia. Pediu para me ouvir. Por momentos recusei, dado que o meu contacto com um cravo tinha sido muito raro até então. Contudo, e após alguma insistência lá acabei por preparar uma pequena peça durante uma dessas semanas de aulas que frequentei como ouvinte, em Mateus. Trocámos algumas impressões sobre uma hipotética e futura ida para fora do país, apenas por curiosidade. Oito meses depois desse curso que frequentei, recebo uma carta do próprio Jacques Ogg, solicitando a minha comparência em Haia, com o intuito de realizar provas de entrada para o conservatório. Já estava praticamente a terminar os meus estudos em Medicina, e como neste tipo de situações não há segundas oportunidades, nem pensei duas vezes. Fiz provas e entrei. Acabei por estar dois anos no Koninklijk Conservatorium, em Haia, e outros dois no Conservatorium van Amsterdam, outrora apelidado de Sweelinck Conservatorium, em Amesterdão.

O que achou do ensino da Música na Holanda?

Reconheço que não aproveitei todos os recursos que a Holanda me poderia proporcionar ao nível musical. Tinha que trabalhar para poder subsistir, dado que parti para a Holanda com rendimentos que apenas me iriam permitir aguentar uns meses. Felizmente consegui trabalho na minha área, e as coisas conseguiram compor-se. Por tal facto, não sei se serei a melhor pessoa para descrever o ensino da música na Holanda com o pormenor que se impõe. Contudo, só o facto de se respirar música por tudo quanto é sítio, já dá a entender o longo caminho que ainda teremos que percorrer até termos um ensino da música com outra qualidade. Até em Portugal, parece que há 20 anos atrás o ensino era bem melhor. Hoje em dia, para muitos músicos, ler em clave de dó ou fazer uma transposição à vista é um verdadeiro tormento.

No fim dos estudos de Cravo sentiu-se tentado a ficar na Holanda?

Não. Quatro anos foram os suficientes para conhecer a escola holandesa. Além disso, gosto muito do nosso clima e da nossa comida.

Que entidades destaca pelo seu contributo musical nos últimos 35 anos em Portugal?

Poderia mencionar imensas, individuais ou colectivas… Não querendo referir-me a nenhuma entidade em particular, penso que cada uma tem dado o seu melhor, no sentido de dar a conhecer ao público a música em geral, e sobretudo a nossa música.

Quais lhe parecem as maiores dificuldades e vantagens que se colocam hoje aos organistas e cravistas em Portugal?

Não me parece que haja dificuldades exclusivas de organistas e cravistas, mas sim para os músicos em geral. O nosso país investe pouco em áreas culturais, e do muito que fui vendo ao longo da vida e com os contactos que tive, a música dita erudita é mesmo o parente pobre de toda a cultura. Acresce o facto de organistas e cravistas não serem músicos titulares de orquestra, tal como acontece com os pianistas que apenas são solicitados quando necessários, o que dificulta a inserção dos mesmos num mercado de trabalho. Vantagens? Sim, caso abordem o instrumento numa perspectiva global, onde o trabalho solístico deve ser sempre complementado com trabalho de acompanhamento, de correpetição, etc. Há algumas áreas onde seriam desejados organistas, e onde apenas pianistas ou cravistas (raramente) são elegíveis. Nas classes de canto, por exemplo… A diferença entre poder ser acompanhado por um pianista ou por um organista para o caso de se tratar do estudo de uma ária antiga é notória.

Qual considera ter sido, até à data, o momento mais alto da sua carreira?

Não sei se consigo eleger um que se destaque. Poderei mencionar dois. Estão à distância de 30 anos, e em ambos toquei Bach. No primeiro fui solista em orquestra, representando o nosso país num concerto de jovens organizado pela RTP e transmitido por esta estação de televisão, com apenas 14 anos. No segundo, 30 anos depois, voltei a tocar Bach com uma orquestra e coro de jovens músicos que estudam em grandes escolas de música por esse mundo fora. À data desta entrevista, a transmissão televisiva ainda não ocorreu. Está para breve…

Gravou para televisões e em CD. As gravações representaram um reconhecimento do seu trabalho e trouxeram-lhe benefícios?

Curiosamente, apesar de ter gravado por duas vezes, nenhum dos CDs viu ainda a luz do dia. Gravei uma terceira, mas trata-se de uma gravação meramente académica para a Universidade de Coimbra, e em que apenas gravei duas Sonatas para Órgão de Carlos Seixas. Para a RTP, pode dizer-se que este último concerto que ainda há-de ser transmitido me poderá trazer algum reconhecimento pelo trabalho que tenho desenvolvido nos últimos anos.

Como é a sua relação com o público?

Destaco o facto de ter conseguido cativar aquele amigo ou colega que nunca ouviu ou nunca se interessou por música erudita, e que de repente fica a gostar e a querer voltar, apenas por e para me ouvir. Tenho um amigo muito próximo, que desde que o “converti” à música de órgão dos séculos XVI a XVIII, me acompanha há mais de 20 anos em concertos de órgão e me ajuda nas mudanças de registação. Até sabe que registos estão a soar num determinado momento de uma peça. Divertimo-nos imenso, algo que também faz parte. Essa relação tem sido ainda mais próxima quando tenho a missão de apresentar um instrumento novo ao público ou ao meio musical.

Foi organista titular em São Vicente de Fora. O que pensa evolução da atividade organística em Portugal?

De facto fui organista titular na Igreja de São Vicente de Fora. Contudo, tratou-se de uma época muito anterior ao último restauro efectuado no órgão histórico, pelo que a questão da titularidade ou a falta dela não se colocava. Eu acompanhava as celebrações de Domingo, e era só, tanto mais que não existia muita actividade musical que dependesse do instrumento, tendo em conta o estado do mesmo. Com a minha ida para Coimbra, um familiar próximo substituía-me na minha ausência. Mais tarde, e já com uma vida intensa em Coimbra, veio o restauro do órgão, pelo que, deixei de exercer as minhas funções. A titularidade foi entregue a um colega, sendo que me foi oferecida a possibilidade de voltar como seu substituto, algo que recusei por existirem perspectivas mais aliciantes e novas circunstâncias de vida.

Tem um interesse especial pela música antiga e pelas interpretações em instrumentos da época. É um grande desafio?

Hoje em dia já não usamos essa designação, visto que a música antiga vai muito mais além do que a simples utilização de um instrumento antigo. Eu chamar-lhe-ia ‘interpretação de acordo com uma perspectiva historicamente informada’. Será sempre um grande desafio, até porque há sempre algo que desconhecemos e que a dado momento nos surpreende. Há muita música ainda por descobrir ou tocar, e muitos conhecimentos ainda por adquirir. É todo um processo que nunca acaba…

O que lhe traz mais realização pessoal: a interpretação a solo, a participação em agrupamentos ou a direção coral ou instrumental?

Tudo me traz realização. Música é sempre música. Gosto sempre de um ambiente de grupo. Contudo, num concerto a solo acabamos também por criar esse ambiente. Há sempre quem queira e goste de ver um concerto de perto, ao contrário de muitos intérpretes que não gostam de ter quem quer que seja ao lado, pelo que levo sempre alguém para mudanças de registação, etc. É divertido…

Além de músico, é médico. A música e a medicina são próximas?

Há quem diga que sim. Muitos músicos e grandes maestros licenciaram-se em Medicina. É sempre difícil conseguir ir longe não optando por uma área em detrimento da outra. Felizmente tenho conseguido manter-me no activo em ambas as áreas, sempre com a melhor dedicação possível.

Como concilia as actividades de música e medicina?

Trabalho 40 horas por semana, raramente trabalho ao fim-de-semana, não trabalho à noite e não faço serviço de urgência. Por norma, estou livre por volta das 17 horas. Há muito tempo para estudar, para preparar ensaios, transcrever manuscritos, etc. Tenho mais tempo livre do que muitos professores de música.

No dia 3 de Julho foi inaugurado o seu ‘Organo ad ala’. O que é um ‘Organo ad ala´ e como nasceu a ideia?

Eu já dispunha de um pequeno órgão de baixo contínuo com três registos, construído pelo mesmo mestre-organeiro e que se encontra em uso por um grupo de música antiga que também oriento. Apesar desta situação, cedo me apercebi que esta onda de execução de toda a música antiga sob uma perspectiva historicamente informada onde sistematicamente se recorre a este tipo de instrumento relativamente leve e de fácil transporte, não seria a ideal. É apenas a mais cómoda. Esse tipo de instrumento, tal como o concebemos hoje, não existia sequer. Um ‘truhenorgel’ dá muito jeito, sobretudo para ensaios e quando não dispomos de outro meio para realizar um concerto, mas não há instrumento que possa substituir o próprio órgão de igreja.

Para a música italiana dos séculos XVI e XVII, tantas vezes vilipendiada pelo uso de semelhante instrumento, o ‘Organo ad ala’ e o ‘Organo di legno’ eram as alternativas ao órgão propriamente dito fora do espaço eclesiástico, cada um com a sua função. Como o próprio nome indica, ‘ala’ significa asa, algo que lhe confere a sua forma trapezoide. Possui uma base, e a sua parte superior apresenta-se inclinada num dos lados. É transportável, dotado de um único teclado manual com oitava curta e não apresenta pedaleira.

A sua base de registação é um Principale de 8 pés, em que a primeira oitava se apresenta com tubos em madeira tapados, sendo os restantes abertos em liga metálica. Os restantes registos eram constituídos por harmónicos de quinta e oitava da família do Principal, podendo ir até à Vigesimanona. O projecto inicial, que concebi e formalizei, apresentava um instrumento com dez registos, incomportável do ponto de vista do seu transporte. Dois desses registos, Bordone 8’ e Flauto a camino 4’, foram eliminados. No fundo, representavam ainda a permanência desse estilo de acompanhamento que muitos teimam em manter. Por outro lado, não escondo que poderia existir um certo receio à reacção de cantores, instrumentistas ou maestros a um instrumento que não dispõe de um registo de “flauta”, muito “soft” (o mais “soft” possível, como tantos gostam…) para poder acompanhar um solista. Assumi esse risco. O instrumento não é uma cópia fiel de um instrumento italiano, até porque sobreviveram muito poucos até aos dias de hoje. É, digamos, um “after italian models”… Este instrumento tentou manter grande parte das características originais do ‘Organo ad ala’, alterando apenas pequenos aspectos que o pudessem dotar de alguma versatilidade, tendo em conta o vasto repertório que hoje em dia nos é solicitado, e para que o instrumento não esteja confinado a um único estilo ou a uma única função em particular.

A parte superior foi dividida em dois blocos, uma torre e uma asa, por forma a facilitar o seu transporte ao distribuirmos o seu peso total por duas unidades. O instrumento apresenta 405 tubos, distribuídos por vários registos, e cujas dimensões têm por base uma harmonização própria de escolas italianas do século XVI, alargada aos séculos XVII e XVIII por força da inclusão de três registos que se encontram noutros tipos de órgãos positivos italianos mas não neste tipo em particular. Também para se tornar mais fácil a sua construção, a maior parte desses registos apresentam-se divididos, à semelhança de um órgão ibérico. O órgão italiano do século XVIII também apresenta alguns registos divididos desta forma, pelo que, esta opção não colide com princípios que quisemos ter em mente, abrindo também possibilidades à interpretação de muita música ibérica. A primeira oitava do Principale apresenta uma mistura de tubos abertos e tapados em madeira consoante a região em causa. Apresenta um teclado transpositor e oitava completa. Todos os tubos podem ser afinados à altura e temperamento desejados. Permite ainda a troca de um dos registos, o Violoncello, registo de palheta com ressoador curto, por um outro, Flauto in Ottava, que começou agora a ser pensado e que estará disponível daqui a uns meses. Apresenta uma pedaleira de 13 notas, sem registos independentes.

Apesar da função que lhe é habitualmente confiada, a execução do baixo contínuo, tornar-se muito útil para a realização de concertos a solo, sobretudo se não dispomos de um órgão histórico por perto, ou quando até dispomos do mesmo, mas apenas para acesso de alguns… Aliás, essa foi também uma das razões pelas quais decidi dotar o instrumento de certos recursos que me permitissem executar música a solo. Assim não terei que pedir as devidas licenças a quem quer que seja, para as situações em que esse acesso se torna complicado. Embora não conheça todos os instrumentos existentes, não terei grandes dúvidas de que é o primeiro do género no nosso país, sendo seguramente uma mais-valia e um grande passo no sentido de podermos devolver alguma autenticidade a uma parte significativa da história da música. Estou certo de que aqueles que me acompanham, em ideias ou concertos, estiveram ansiosos pela sua chegada.

Quem é Nicola Ferroni e como o conheceu?

É um grande mestre-organeiro italiano, residente em Lendinara, que conheci num grupo de discussão através de uma rede social. Trabalhou durante muitos anos para a conhecida firma Ruffatti, tendo mais tarde optado por trabalhar por conta própria. Embora faça todo o tipo de trabalhos nas áreas de construção, manutenção e restauro de órgãos, o seu maior interesse é a construção deste tipo de instrumento que começa a surgir e a substituir o tradicional ‘truhenorgel’. Este é o terceiro instrumento do género que construiu, o primeiro que vem para Portugal, e é também o que apresenta o maior número de possibilidades a todos os níveis. Um quarto instrumento, cópia deste último, encontra-se actualmente em construção.

Qual foi a maior decepção musical até hoje?

Nunca tive uma grande decepção. Tive sim, muitas pequenas decepções, ainda as tenho e continuarei a tê-las. Faço minhas as palavras dos muitos que, dotados de imensas qualidades, não as conseguem demonstrar em público, por serem muitas vezes impedidos de o fazer. Portugal ainda é um país onde os conhecimentos e as amizades que se travam nos bastidores se sobrepõem ao mérito individual ou colectivo.

O que é a música para a sua vida?

Numa palavra, é tudo.

Em três adjectivos, como se caracteriza a si mesmo?

Prefiro que outros me caracterizem. Terei seguramente uma opinião sobre o músico Nuno Oliveira, a perspectiva sobre a qual realmente importa que teçam as mais variadas considerações, mas guardo-a para mim.

* Nuno Oliveira escreve de acordo com o antigo acordo ortográfico

26 de Julho de 2017

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