Christopher Bochmann

CHRISTOPHER BOCHMANN

Christopher Bochmann nasceu em 1950. Estudou particularmente com Nadia Boulanger em Paris antes de entrar para o New College, Universidade de Oxford. Lecionou na Inglaterra e no Brasil e, desde 1980 vive e trabalha em Lisboa. Lecionou no IGL, Conservatório Nacional e Universidade Nova. Foi professor da ESML de 1984 a 2006, tendo coordenado o curso de composição durante quase 20 anos e da qual foi Director de 1995 a 2001. Atualmente é Professor Catedrático da Universidade de Évora, tendo sido Diretor da Escola de Artes desta Universidade de 2009 a 2017. Desde 1984, é Maestro Titular da Orquestra Sinfónica Juvenil. Ao longo dos anos, tem estreado várias obras suas com a orquestra, incluindo a gravação de três CD. Como compositor, ganhou vários importantes prémios, entre outros o Prémio Lili Boulanger (duas vezes) e o Clements Memorial Prize. Em 1999, foi-lhe atribuído o grau de Doctor of Music, pela Universidade de Oxford. Em 2004, foi condecorado com a Madalha de Mérito Cultural do Ministério da Cultura e em 2005 foi condecorado pela Rainha da Inglaterra com a distinção O. B. E. (Officer of the Order of the British Empire).

ENTREVISTA

Tendo nascido na Inglaterra e estudado em França, o que lhe pareceu a música em Portugal quando chegou ao país?

Cheguei a Portugal em Novembro de 1980 e comecei logo as minhas atividades letivas no Instituto Gregoriano de Lisboa (IGL). As minhas impressões iniciais, portanto, eram do ensino da música mais do que da música prática em si. Senti que a abordagem era bastante tradicional e seca, sobretudo no que dizia respeito à Formação Musical e à Harmonia, etc. Devo dizer, no entanto, que se a impressão foi assim no IGL, muito mais exageradamente tradicional era a situação na maioria das outras instituições. Tive sorte, pois a Direção do IGL estava muito aberta a mudanças e iniciei uma série de reformas no ensino, nomeadamente nas Técnicas de Composição e na Análise Musical. Poucos anos depois foi-me dada a oportunidade de estar à frente da criação dos novos cursos superiores de música, nomeadamente na Escola Superior de Música de Lisboa – cursos que eram verdadeiros cursos em vez de meras disciplinas.

Paralelamente com o meu envolvimento no ensino da música e especialmente da composição, comecei a formar coros e outros agrupamentos, tendo sido convidado a assumir a direção da Orquestra Sinfónica Juvenil em 1984 o que consolidou a minha relação com a música prática ao longo dos anos. Vejo com muita satisfação que o panorama da música prática a nível de escolas melhorou imenso no último terço de século: se uma parte desta melhoria se dever aos meus esforços, fico contente.

No que diz respeito à música em termos mais gerais, sinto que quando cheguei a Portugal as coisas estavam demasiado centradas em certas entidades. Nomeadamente, a Fundação Gulbenkian tinha uma espécie de monopólio que não era muito saudável: a Fundação nunca deixou de ter a sua importância mas felizmente apareceram outras entidades que completam o panorama musical.

Tendo recebido vários prémios internacionais, como aconteceu vir morar em Portugal?

Tendo terminado os meus cursos de Licenciatura e Pós-graduação, comecei logo a trabalhar e tive a sorte de arranjar boas colocações em várias escolas na Inglaterra. Por outro lado, senti com 25 anos que, dado o meu percurso até lá, poderia prever o que estaria a fazer na idade da reforma. Apanhei um susto: precisava urgentemente de fazer algo de completamente diferente. Através do contacto de um grande amigo brasileiro, José Antônio de Almeida Prado, que conhecia em Paris uns anos antes, consegui arranjar um trabalho na Escola de Música de Brasília onde fiquei dois anos maravilhosos. Ao regressar à Europa, a minha mulher e eu pensávamos em passar mais uns dois anos noutro país qualquer antes de regressar à Inglaterra. O facto de já falarmos português e de o nosso regresso à Europa coincidir com a morte do Maestro Frederico de Freitas e a reforma do Professor Artur Santos, fez com que acabamos de mudar para Portugal em fins de 1980.

Inicialmente pretendíamos ficar uns dois anos apenas. Mas ao fim de dois anos abriu-se um porta interessante que fez com que pensássemos em ficar mais um ano…. e assim em diante. Agora completam-se 36 anos!

Dividindo as suas atividades entre a composição, o ensino e a direção de orquestra, o que acha da música da evolução da música erudita em Portugal nos últimas três décadas?

Há determinadas áreas em que a música tem evoluído excecionalmente no últimos trinta anos. Eu indicaria duas áreas em particular: nas cordas e na composição. O ensino das cordas tem melhorado imenso, em grande parte graças à intervenção de professores imigrantes de países de leste da Europa; como resultado a qualidade dos instrumentistas tem melhorado muito, fazendo com que os portugueses facilmente concorrem com qualquer outra nacionalidade.

Também na Composição houve umas melhorias excecionais, fazendo com que, com uma certa razão, se poderia afirmar que temos hoje em dia um panorama de compositores nacionais com métier e com estilos bastante variados, panorama este que o país não teve desde o fim do século XVIII, ou talvez antes. Tenho o orgulho de sentir que tive alguma influência nesta evolução.

Qual foi o primeiro momento em que se lembra de ter tido consciência de que a música era fundamental para si?

Nasci numa família de músicos: os meus pais eram ambos violoncelistas; a minha avó materna aluna de Max Reger; o meu avô paterno organista de igreja; um tio organista da Sé de Frankfurt; uma tia que era das primeiras alunas da Licenciatura em Música da Universidade de Oxford; …. neste contexto, a música não foi propriamente uma escolha mas uma das coisas mais naturais.

Cantei cinco anos num coro de catedral; fiz o exame de oitavo grau no violoncelo com 15 anos; comecei a compor com 14 anos e com 16 fui convidado a estudar com Nadia Boulanger em Paris.

É difícil dizer em que momento é que percebi que a minha vida só podia realizar-se no âmbito da música…

Que professores foram mais marcantes na sua vida artística?

Tive vários professores marcantes. Com doze anos tive um professor (Clement MacWilliam) que passou a totalidade do curso de harmonia comigo e que me incentivou a começar a compor. Na escola a seguir tive um professor (Donald Paine) que me ensinou o contraponto palestriniano e outras coisas – era um grande admirador de Vaughan Williams o que me irritava na altura, mas ajudou-me a definir os meus gostos e desgostos! A seguir fui estudar a Paris com Nadia Boulanger …. e foi decisivo para mim! Apesar de ela ter sido grande apoiante do neoclassicismo, movimento que não me interessava na altura, os comentários dela eram sempre relevantes (depois de alguma interpretação!). Com ela cheguei a fazer exercícios de contraponto a seis vozes em claves diferentes – uma perícia técnica que nunca voltaram a pedir-me! Com 17 anos ingressei na Universidade de Oxford onde estudei com David Lumsden (que depois passou a ser Diretor da Royal Academy of Music), com Kenneth Leighton um interessante compositor, relativamente tradicional na linha de Hindemith, e com Robert Sherlaw Johnson. Este último foi a grande influência: era um homem humilde de um conhecimento excecional e de uma capacidade enorme de procura de coisas novas. Finalmente, tive aulas com uma certa regularidade com Richard Rodney Bennett: foi com ele que aprendi a verdadeira importância do pormenor, da notação e do domínio técnico. Para além destes, tive umas aulas isoladas com Pierre Boulez, Peter Maxwell Davies e Harrison Birtwistle, todos eles influências importantes para mim.

Condecorado pela rainha de Inglaterra e o Ministério da Cultura de Portugal, o que lhe ocorre dizer sobre as relações musicais entre os dois países na atualidade?

Sinto-me muito honrado por ter sido reconhecido pelos dois países, mas não me parece que haja nada de muito especial a dizer sobre a relação entre estes dois países especificamente. Neste momento, penso que o panorama europeu, ou até mundial, é mais importante do que as relações específicas entre determinados países.

Compôs muitas obras inspiradas em textos sagrados do cristianismo. Em que medida a tradição cristã influencia a sua vida e obra?

Fui criado na igreja anglicana e a minha experiência de cinco anos a cantar num coro de catedral fez com que há muitos textos (inclusive a maioria dos salmos) que ficaram muito na minha memória. Na realidade, há poucos dias que passam em que não sentimos a influência da nossa herança cristã de muitos séculos. Ainda mais especificamente na música, o número de obras primas que se baseiam em textos sacros (a missa, o Requiem, o Te Deum, o Magnificat, etc.) faz com que a espiritualidade do cristianismo nunca esteja muito longe. Não sou cristão praticante mas também não sou ateu. Penso que hoje – mais do que em épocas passadas a crença pode ser mais pessoal. Porém, sou claramente anti-laico: penso que é fundamental poder crer e não ter que comprovar tudo: crer no sentido de poder saber sem prova. Sem esta capacidade, perdemos a magia da arte, da música.

Os textos que tenho utilizado são em grande parte textos místicos (John Donne, Henry Vaughan, George Herbert, ….); ou textos que fazem parte de um cânone de textos religiosos (Laudate Dominum, De Profundis, …).

Que entidades destaca pelo seu contributo musical nos últimos 35 anos em Portugal?

Seria impossível não falar da Fundação Calouste Gulbenkian: a sua importância é inegável. Tenho pena de não ter podido colaborar com ela mais vezes (tive apenas três peças tocadas na Gulbenkian em 36 anos….).

Há outras entidades que também têm contribuído imenso: o São Carlos, a Metropolitana, a casa da Música, etc, etc. É saudável que a Fundação Gulbenkian não esteja a dominar a cena quase sozinha como fazia há umas décadas atrás.

Eu gostaria de chamar atenção a certas outras entidades que me parecem ter dado uma contribuição excecional mas que, por serem mais pequenas, talvez não sejam sempre lembradas. O Grupo Vocal Olisipo é um grupo que tem dado um contributo enorme ao longo dos anos – não daqueles projetos que fazem muito durante três anos e depois morrem! Este grupo tem trazido e consolidado um tipo de repertório diferente no país. Também gostaria de mencionar o Quarteto Matosinhos. Em Portugal fala-se muito das orquestras e as suas crises de vários tipos diferentes; não se fala da música de câmara nos mesmo termos porque a música de câmara praticamente não existe! A maioria dos quartetos de que se ouve falar encontram-se para fazer uns poucos ensaios antes de apresentar um programa com uns quartetos dos menos complicados e depois não se encontram mais enquanto não houver outro concerto (pago!) pedido. Ou seja, são biscates! O resultado é que efetivamente não conseguimos ouvir as obras mais pesadas do repertório (porque implica em demasiadas horas de ensaio). O Quarteto Matosinhos é dos poucos grupos que até certo ponto colmatam este vazio nacional.

É mais difícil ser compositor em Portugal do que na Inglaterra?

Não sei, porque deixei de viver na Inglaterra com 27 anos! Eu diria que provavelmente não é nem mais nem menos difícil – mas bastante diferente.

Quais lhe parecem as maiores dificuldades e vantagens que se colocam hoje aos compositores portugueses na atualidade?

A vantagem principal para os compositores portugueses de hoje em dia é o acesso a uma formação sólida que os pode colocar ao lado de compositores de qualquer outro país ou contexto. Alguns ex-alunos que foram para fora estudar têm-me dito que, por comparação com outros alunos locais, sentiam-se melhor preparados!

Alguns podem apontar a falta de material como uma dificuldade… mas a falta de contrafagotes, ou determinados instrumentos de percussão, ou matérias electroacústicos pode ser visto antes como um desafio à invenção do compositor. Já assistimos a espetáculos para os quais se gastaram milhares de euros (lembro-me de Ofanim de Berio na Gulbenkian; ou Das Märchen, a ópera do Emmanuel Nunes no S. Carlos): o compositor sai do concerto a pensar que para poder ser bom deve ter disponível um arsenal de materiais de um valor sem tecto! Convém lembrar, porém, que também Chopin com apenas um piano era génio; ou que Syrinx de Debussy será sempre uma obra prima.

Qual considera ter sido, até à data, o momento mais alto da sua carreira?

Não sei. Houve vários momentos inesquecíveis cada um por razões diferentes o que torna difícil a sua comparação. As três récitas da minha ópera, Corpo e Alma, formaram certamente um momento dos mais altos – em grande parte graças à interpretação completamente excecional do Armando Possante. O CD das minhas músicas para dois pianos também tem sido um dos momentos mais altos: a Ana Telles tem tocado várias músicas minhas e sou grande apreciador da sua mestria e entrega ao tocar. Ultimamente tenho colaborado ainda com outros dois colegas: Dejan Ivanovic na guitarra e Gonçalo Pescada no acordeão, ambos executantes do mais alto nível musical e humano. O problema de estar a enumerar certos casos é que há outros casos que são momentaneamente esquecidos mas não foram menos maravilhosos….

Outros momentos inesquecíveis incluem a estreia da minha Sinfonia em 2005 – obra que nunca voltou a ser tocada mas que o merece, diria eu! Acabo com um concerto de duas cantatas de Natal que escrevi no Brasil, apresentadas com umas 350 crianças em palco e mil pessoas na plateia, na Igreja Adventista em Brasília: não era permitido bater palmas portanto o público só podia abanar os braços no fim do concerto. Foi um momento deveras emocionante.

Qual foi a maior deceção musical na sua vida?

Outra vez, não sei! Talvez quando a Editora Peters me disse que afinal não queriam editar a minha música: tinha eu apenas 24 anos e marcou-me durante bastantes anos.

Não sei!

Quais os compositores da história da música que mais o marcam e inspiram?

Já falei dos compositores da geração imediatamente anterior (Lutoslawski, Boulez, Maxwell Davies, Birtwistle, …). Andando para trás, acrescentaria Webern, Varèse, Bartók, Berg, Max Reger, Schubert, Beethoven, Haydn, Bach, Purcell, Byrd, Vitoria, Dufay, …. Esta seria uma lista incompleta mas não totalmente falsa.

Há músicos contemporâneos que tenham influenciado especialmente sua carreira?

Tirando os professores e compositores que já mencionei devo talvez acrescentar o Maestro Levino Ferreira de Alcântara, aluno de Villa-Lobos e diretor da Escola de Música de Brasília enquanto eu lá estava. Este senhor tinha uma visão excecional, criando coros, orquestras e escolas de música – fazendo com que a cidade de Brasília conseguisse ter música desde o primeiro dia da sua inauguração em 1960.

Quais os compositores que ouve mais?

Depende: por vezes procuro educar-me ouvindo músicas que não conheço mas penso que deveria ouvir; por vezes opto por um repertório mais familiar. Esta “zona de conforto” inclui muita música de Bach e muitas vezes música do fim do século XIX (Strauss, Mahler, Reger, ….) ou início do século XX (Bartók, Berg, …).

Em três adjetivos, como se caracteriza a si mesmo?

A minha apreciação de mim mesmo será sempre suspeita!

Estes três adjetivos correspondiam a minha visão de mim – ou, pelo menos, a minha intenção.

Equilibrado – o equilíbrio entre a inspiração e o domínio técnico; o equilíbrio entre o trabalho e a família; o equilíbrio entre o protesto e a conformidade.

Íntegro – procuro fazer com que todos os aspetos da minha vida sejam interligados e fundamentalmente influenciados pelos mesmos critérios éticos e estéticos.

Leal – penso que confiança a longo prazo é importante; cria uma compreensão mútua que permite o desenvolvimento de ideias e planos de maior alcance.

Por outro lado, haverá certamente outros que para mim iriam escolher adjetivos como teórico, autocrático ou fechado…!

Acha que a música é um investimento que nos pode trazer mais qualidade de vida na terceira idade?

Não só na terceira idade! A música é uma disciplina que põe partes diferentes do nosso cérebro a funcionar em simultâneo e como tal tende funcionar como uma lufada de ar fresco, um descanso, um alívio – e ainda possivelmente uma maneira de manter afastadas certas doenças como o Alzheimer’s… quem sabe…

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