maestro Bruno Borralhinho

BRUNO BORRALHINHO

ENTREVISTA

Membro da Orquestra Filarmónica de Dresden e fundador e diretor artístico do Ensemble Mediterrain, Bruno Borralhinho apresenta-se regularmente como solista com orquestra, em recitais a solo, com piano e de música de câmara. A sua diversificada atividade artística inclui também a direção de orquestra. Estudou em Berlim e em Oslo e tocou em algumas das mais importantes salas de concerto por toda a Europa, Rússia, Estados Unidos, Ásia e América do Sul, trabalhando com músicos tão conceituados como Abbado, Barenboim, Masur, Blomstedt, Nelsons. A música portuguesa foi desde sempre uma prioridade destacando-se as suas últimas gravações: “Página Esquecida” e “Portuguese Music for Cello and Orchestra”.

Como começou a sua descoberta da arte dos sons? Havia tradições musicais na sua família?

Comecei a estudar música aos 12 anos na EPABI – Escola Profissional de Artes da Beira Interior, na minha cidade natal. A minha irmã estudava piano no Conservatório local e havia uma relação muito próxima desta escola com a ainda jovem EPABI. Os professores eram aliás praticamente os mesmos numa e na outra. Foi portanto a minha irmã que me convenceu (e aos meus pais) para “experimentar” a música. Como já estava a começar relativamente tarde, os primeiros tempos foram realmente muito experimentais, mas rapidamente notei que era mesmo aquilo que eu queria fazer na vida. O ambiente da EPABI era muito familiar, haviam apenas três turmas de uns 20 alunos cada, passávamos quase o dia inteiro na escola e o ritmo era ambicioso e exigente. Esse conjunto de fatores ajudou-me a mim e aos meus colegas a evoluir muito rapidamente, seis anos depois já estava a estudar em Berlim, numa das melhores escolas da Europa.

Qual foi o primeiro instrumento que tocou? Porque optou pelo violoncelo?

Foi mesmo o violoncelo! Também foi por “conselho” da minha irmã e estou-lhe muito agradecido por isso, porque adoro o som do violoncelo e o repertório. Mas se ela me tivesse “aconselhado” a tuba, provavelmente agora seria tubista, porque não? Pelo meio, estudei também piano e cravo, como segundos instrumentos de plano curricular, mas confesso que hoje em dia não me atreveria a subir a um palco para tocar nenhum deles. Lembro-me que antes de começar na EPABI inclusivamente fiz uma audição. A escola era pequena e haviam muitos candidatos, ou seja, a direção e os professores tinham que fazer alguma seleção e possibilitar algum equilíbrio entre os vários instrumentos. Lembro-me que fiz prova de violoncelo, que era a minha primeira opção, e de viola. Não sei qual foi o critério, mas lá me escolheram para violoncelo.

Qual a importância das escolas profissionais para a evolução da qualidade da música em Portugal?

As escolas profissionais foram e são imprescindíveis. Eu sou daquela geração que as viu aparecer e consolidar-se e a quantidade e qualidade dos músicos que se tem formado em Portugal nas últimas décadas à custa dessas escolas é formidável. Claro que depois nos deparamos constantemente com a situação: tantos músicos para tão poucas saídas profissionais. Foi sempre um problema e continua a ser, mas eu diria que é melhor ter esse problema do que ter outros, como a falta de músicos de qualidade. Hoje em dia é possível encontrar músicos em Portugal formados em escolas profissionais com capacidade e qualidade para qualquer tipo de repertório e para fazer música a um nível muito alto. E não são só um nem dois por instrumento, são dezenas! Isto é um privilégio que talvez há 20 ou 30 anos pareceria uma utopia.

Quem foram os seus professores de música na EPABI?

Os que mais me marcaram foram obviamente os meus professores de violoncelo. O Rogério Peixinho, que me ajudou a dar os primeiros passos durante o primeiro ano, e depois o Luís Sá Pessoa que foi aliás muito mais que um professor. Foi um mentor, um guia, um amigo. E continua a se-lo. Foi com ele que aprendi a ser violoncelista e mas também músico porque me ensinou muitíssimas coisas sobre música e músicos em geral. Foi ele que me levou a Lisboa par ver por primeira fez o Rostropovich ou o Yo-yo Ma ao vivo, são recordações que ficam e que marcam. Tínhamos aulas ao sábado ou ao domingo se fosse preciso, aprendíamos repertório de memória de uma semana para a outra, trazia-nos dezenas de CDs e revistas cada semana. É preciso notar que naquela época não havia Youtube e afins, e na Covilhã nem sequer havia uma loja de música. Quase tudo o que me chegava de informação, era o Luís Sá Pessoa que me trazia. Mas também tive excelentes professores de música de câmara, formação musical, história da música, etc.. Aliás quando foi estudar para Berlim notei que a formação que trazia na bagagem eram realmente muito boa e completa.

Como foi o seu percurso enquanto estudante no ensino secundário? Valorizava igualmente as outras disciplinas, ou interessava-se mais pela área musical?

A EPABI englobava a formação musical e e a formação secundária “normal” e acho que sempre fui bom aluno em geral. Claro que a música cada vez me foi interessando mais, mas nunca deixei ficar para trás tudo o resto. Lembro-me que adorava por exemplo as aulas de Português ou História, e convém não esquecer que um bom músico tem que estar informado sobre muitas outras coisas que directa ou indirectamente podem influenciar ou complementar uma determinada interpretação. No fundo, sabia que a minha situação de aluno de uma escola com vocação artística especializada era diferente da situação de um aluno de uma escola secundária generalista, mas procurava ser o mais normal possível. Verdade seja dita, tive também professores muito bons nas disciplinas sócio-culturais, que conheciam a realidade da EPABI, mas que conseguiam manter os alunos motivados nas aulas não-musicais.

O que o levou a estudar em Berlim?

Em 1999 representei Portugal na Orquestra Mundial de das Juventudes Musicais e um dos estágios foi em Berlim. O preparador dos violoncelos era um membro da Orquestra Filarmónica de Berlim aposentado, um músico fantástico e um autentico “guru” que viveu por dentro a era de Karajan em Berlim, por exemplo. Na altura toquei para ele, ele pelos vistos gostou e apresentou-me àquele que viria a ser o meu professor durante 6 anos em Berlim. Também tive uma outra opção na Alemanha, mas finalmente decidi ficar em Berlim porque senti que a cidade me poderia proporcionar coisas muito boas. E assim foi.

Ganhou o 1º Prémio no Concurso de Instrumentos de Arco Júlio Cardona em 1999 e o 1º lugar no “Prémio Jovens Músicos” organizado pela RDP – Radio Difusão Portuguesa em 2001. Os prémios são importantes para a estruturação de uma carreira?

Claro que sim, são sempre um elemento importante no currículo. Principalmente o “Prémio Jovens Músicos” foi muito importante também em termos de projeção e, não menos relevante, no meu tempo o prémo ainda era um instrumento e eu tive a sorte de ter recebido um instrumento muito bom. No entanto, em geral, sou da opinião que o mais importante de um concurso não é tanto o resultado mas sim a evolução que se consegue nos meses anteriores. Pelo menos foi esta a minha experiência. Eu pessoalmente nunca gostei muito de fazer concursos e creio que ser músico é muito diferente de ser cavalo de corrida, mas confesso que o facto de se ter um objectivo em concreto pela frente e partindo do princípio que a preparação é feita com a maior ambição e responsabilidade possível, a evolução ao longo do período em que nos estamos a preparar para um concurso pode ser muito superior à evolução habitual diária. Salvo erro, fiz quatro concursos na minha vida inteira: ganhei dois e perdi outros dois. Mas ganhei muitas coisas nos quatro porque também é possível aprender muito com as coisas que não funcionaram tão bem como tínhamos planeado ou desejado.

É membro fundador e diretor artístico do Ensemble Mediterrain. Para muitos músicos portugueses, o futuro passará por tocar pelo menos parcialmente no estrangeiro?

Depende de muitos factores e é difícil estar a generalizar. Hoje em dia é possível fazer música em Portugal ao mais alto nível, mas por uns motivos ou por outros, nem todos os músicos podem aceder a determinado tipo de oportunidades. Nesse caso, é legítimo e compreensível tentar a sorte noutras paragens. O caso do “meu” Ensemble Mediterrain é um pouco diferente porque já foi fundado quando eu estava a viver há alguns anos na Alemanha. Os músicos convidados regulares são oriundos de algumas das mais importantes orquestras profissionais alemãs, mas já realizámos vários projectos nos quais integrei músicos portugueses a viver em Portugal. Fiquei nesses casos com mais provas ainda que os músicos portugueses podem partilhar o palco com outros estrangeiros de grande qualidade sem nenhum tipo de complexo ou preconceito.

Qual foi o primeiro momento em que se lembra de ter tido consciência de que o violoncelo seria a sua profissão?

Foi talvez quando fui aceite para estudar na Universität der Künste em Berlim. Por ser uma das melhores da Europa, é normal que eu tenha pensado que o caminho que tinha escolhido era o correto. Se depois as coisas se desenvolvem em termos profissionais, isso é outra história, mas em princípio eu sentia que se tinha chegado até ali, seria difícil não poder continuar a procurar o sonho. O meu sonho foi sempre ser membro de uma grande orquestra e atenção que não era ser o maior solista do mundo, como na maior parte dos casos. Digamos que eu era um sonhador mas com os pés bem apoiados no chão. Sempre tive uma fascinação pela Alemanha e, por ser um país com uma grande tradição em termos de orquestras de qualidade, tinha mais um sinal de que o caminho era o correto. Pelo meio tive experiências fantásticas, por exemplo como academista da Staatskapelle de Berlim (D. Barenboim) ou como membro da Orquestra de Jovens Gustav Mahler (C. Abbado, F. Welser-Möst), mas só quando consegui o meu lugar na Orquestra Filarmónica de Dresden é que senti que o sonho estava realizado.

Que professores foram mais marcantes na sua vida artística?

O Luís Sá Pessoa, por todos os motivos que já referi, e o Markus Nyikos, que foi o meu professor de violoncelo em Berlim durante 6 anos. Normalmente, a nossa formação solidifica-se com o trabalho a médio ou longo prazo com um, dois ou três professores. Mas claro que também tive momentos marcantes com outros professores. Com toda a certeza com o Truls Mork, que sempre foi um dos meus maiores ídolos e com quem tive o prazer de estudar durante um ano em Oslo; com o Anner Bylsma, outro dos meus grande ídolos com o qual trabalhei numa Masteclass; e também ao nível das Masterclass destacaria a Natalia Gutman e o Pieter Wispelwey.

Que música ouvia na sua juventude?

A partir dos 12 anos comecei a ouvir cada vez mais música clássica, mas também adorava ir a concertos dos Xutos e Pontapés! Sempre adorei Jazz, mas também tive fases mais rebeldes em que ouvia Nirvana, AC-DC ou Chemical Brothers. Digamos que os meus gostos musicais eram multifacetados com clara predominância da música clássica! (risos) Hoje em dia, a predominância agravou-se, mas sou muito mais moderado em tudo o resto. O importante é que a música seja boa, o menos comercial possível (como se hoje em dia fosse possível…) e feita com arte e critério.

Que entidades destaca pelo seu contributo musical nas últimas décadas em Portugal?

Creio que a Fundação Calouste Gulbenkian estará sempre numa posição de destaque, tanto pela excelente oferta artística que as suas temporadas proporcionam, como pelos corpos artísticos próprios (tanto a Orquestra como Coro são do melhor em Portugal e motivo orgulho quando se apresentam no estrangeiro), pelas bolsas de estudo, pelos diversos projectos e iniciativas relacionadas com jovens músicos (por exemplo a Orquestra Estágio), etc.. Por outro lado, fico muito contente por notar que o Teatro Nacional de São Carlos recuperou alguma estabilidade e tem apresentado produções e concertos de grande qualidade. O Centro Cultural de Belém e a Casa da Música do Porto são também sinónimos de muita qualidade e variedade. Mudando de sector, mas não menos importantes, destaco o papel fundamental que têm tido todas as escolas de música, sejam elas conservatórios, academias, escolas profissionais ou escolas superiores, na evolução do meio musical em Portugal. Por vezes em conjunturas muito desagradáveis, o trabalho das centenas de professores de música em Portugal tem sido fantástico e quase heróico.

Qual das suas gravações foi mais marcante na sua carreira?

Todas têm importância, por um motivo ou por outro. Mas destaco duas em particular com os quais gravei, na minha opinião, o essencial do repertório português para violoncelo: o CD duplo “Página Esquecida” (DreyerGaido), com a pianista Luísa Tender, dedicado ao repertório para violoncelo a solo e com piano, e o CD “Portuguese Music for Cello and Orchestra” (Naxos), com a Orquestra Gulbenkian dirigida pelo Pedro Neves, dedicado ao repertório para violoncelo e orquestra. Encarei estes projectos como uma espécie de missão, porque o objectivo principal foi a divulgação da música portuguesa no estrangeiro (e em Portugal!). E confesso que tenho uma feliz sensação de dever cumprido. O último CD foi inclusivamente premiado com o Listener’s Choice Award como o melhor de 2016 após votação pública a nível internacional promovida pela The Violoncello Foundation (Nova Iorque/EUA). Foi escolhido por votantes de mais de 65 países distribuídos por 5 continentes, ou seja, é um motivo de grande orgulho para mim e para todos os envolvidos.

Como é a sua relação com os músicos de orquestras e agrupamentos, e com o público?

Na minha orquestra em Dresden o ambiente é muito bom, desde o primeiro minuto que me senti em casa. E a melhor prova disso é que inclusivamente me casei com uma colega! (risos) No Ensemble Mediterrain o bom ambiente é ponto assente. Cada músico tem a a sua orquestra, a sua universidade, o seu ganha-pão, e depois reunimo-nos para fazer música de câmara ao mais alto nível, mas entre amigos. Lembro-me que um dia me contaram que um quarteto de cordas muito famoso pede sempre com antecedência que os músicos fiquem em hotéis separados e que se coordenem as refeições de modo a que não tenham que se encontrar. Isso comigo não funcionaria, com certeza. Fazer música é comunicar, tanto com o público como com quem se executa. E por isso é muito importante e gratificante para mim o trabalho que fazemos com o Ensemble Mediterrain. Já lá vão 15 anos -entretanto somos um dos grupos de formato livre mais antigos da Europa- e nunca ninguém me disse que não quer tocar porque não gostou do último projecto ou de trabalhar com o músico X ou Y. Aliás, pelo contrário, o feedback que tenho é sempre que os músicos ficam ansiosos pelos próximos projectos.

Em relação ao público, tento sempre fazer passar uma determinada mensagem, de preferência a que supostamente o compositor idealizou para a obra em questão. A comunicação é fundamental e não me refiro a fazer um discurso antes ou no final de tocar uma obra. Refiro-me à comunicação que se gera entre os intérpretes e o público enquanto a própria música acontece. Se a mensagem chega ao público ou como o público a recebe, depende muito do próprio público. Mas acredito que a nossa missão como intérpretes, sejamos instrumentistas, cantores ou maestros, é transmitir e criar uma mensagem, sentimentos, estados de espírito.

Qual o papel do Estado na promoção da música e das artes em geral? A DGArtes e as Direções Regionais de Cultura têm desempenhado o papel que seria de esperar na música portuguesa?

Ora aí está uma pergunta difícil. Considero que, por um lado, o Estado deve exercer determinadas responsabilidades e apoiar o sector artístico muito mais do que tem apoiado. É desnecessário referir a percentagem do Orçamento de Estado, sobretudo porque é ridícula e vergonhosa. Por outro lado, não considero que seja o Estado a decidir o que se faz e em que medida. O meio artístico vive da criatividade e não precisa que ninguém decida se apoia ou não em função dos gostos ou critérios, sempre muito subjetivos, de alguém que está algures atrás de uma mesa de escritório. O que o Estado deve fazer é criar condições para que o meio artístico possa prosperar. Ao fim ao cabo, o problema fulcral é o dinheiro, ou melhor, a falta dele. Não quero acreditar que da parte do Estado hajam más intenções e que se tente acabar com uma orquestra aqui ou uma companhia de teatro ali. O problema do financiamento é o modo como se repartem os apoios com o pouco dinheiro disponível. Sim ou sopas, seria muito importante rever o modelo atual a vários níveis. Sobre as Direções Regionais de Cultura, sinceramente, prefiro não me pronunciar porque não tenho grandes informações ou conhecimentos sobre a sua atividade. Será isto um sinal?

Tocou com grandes orquestras, grandes músicos em grandes palcos internacionais. Que diferenças nota entre as realidades musicais de Portugal e de outros países da Europa?

Entrar em comparações deste tipo é sempre complicado e até injusto. Eu posso falar mais da Alemanha porque é o país onde vivo há 18 anos e não é difícil constatar que a música erudita faz parte da vida das pessoas numa proporção quase impensável para Portugal. A esmagadora maioria dos alemães entre os 40 e os 60 anos, por exemplo, sabe ler música, toca/tocou um instrumento ou canta/cantou num coro, e sabe quem foi Bach, Haydn ou Brahms sem ter que ir pesquisar primeiro ao Google. A tradição vem de muito longe e reflete-se naturalmente em muitos aspetos do meio musical. Quantas orquestras profissionais há em Portugal? Quantas delas são realmente estáveis e financiadas com dinheiro público? Na Alemanha são cerca de 130. Quantos teatros de ópera há em Portugal? Na Alemanha são mais de 80. Mas não pretendo com estes números minimizar o meio musical em Portugal, pelo contrário! Pretendo sublinhar que as realidades são diferentes desde há séculos, e como tal, é muito entrar em determinado tipo de comparações.

A verdade é que o meio musical português evoluiu enormemente nas últimas décadas e que seria de qualquer forma impensável ter muito mais orquestras do que as que temos ou muitos mais teatros de ópera do que o único que temos porque, que eu saiba, não é habitual haver tumultos para conseguir bilhetes para os concertos e récitas que se vão realizando em Portugal. O importante seria apoiar e dar condições à estruturas que já existem para que estas possam funcionar condignamente e, a partir de aí, pensar em expandir o meio musical e preencher algumas das lacunas que todos conhecemos.

Na sua perspetiva, que tipo de aposta se faz em Portugal na educação e a cultura?

No que respeita ao poder central, a aposta é certamente muito mais modesta do que o que seria desejável e muitas vezes não se vai muito mais além das declarações de intenções ou de discursos demagógicos. Por sorte, temos um meio musical recheado de talento e vontade de trabalhar que vai conseguindo levar o barco a bom porto. Creio por exemplo que se tem apostado muito em levar a música erudita aos jovens e a camadas sociais menos habituadas ao contacto com o meio artístico erudito. Veja-se por exemplo o fantástico trabalho da Orquestra Geração. É um exemplo louvável e cujos frutos poderão ser colhidos tanto no presente como no futuro.

Quais lhe parecem as maiores dificuldades e vantagens que se colocam hoje aos maestros portugueses na atualidade?

Tendo em conta que Portugal é um país pequeno e com poucas orquestras profissionais estáveis, torna-se difícil a um maestro fazer uma grande carreira só em Portugal. Atenção que a carreira pode ser grande em termos de mérito e conquistas, mas a agenda será sempre supostamente menos preenchida do que a de um maestro que se movimenta num meio com muitas orquestras e muitas oportunidades. Por outro lado, é extremamente aliciante para um maestro trabalhar num meio no qual se nota, em termos de mão-de-obra, uma subida constante de qualidade. Se há uns anos só seria possível fazer uma grande sinfonia de Mahler com 2 ou 3 orquestras em Portugal, hoje em dia até já as orquestras de jovens nos estágio de verão, conseguem fazer repertório sinfónico exigente com excelente parâmetros de qualidade. Isso para um maestro é muito aliciante.

Guilhermina Suggia é ainda uma figura inspiradora para os violoncelistas?

Sem dúvida! Foi uma artista com uma projeção internacional como até ao presente tivemos poucas em Portugal, e isso certamente é um motivo de orgulho e um grande incentivo para todos os violoncelistas portugueses.

Quais as qualidades essenciais para alguém se tornar solista?

São necessárias muitas qualidades, muito talento, mas também muito trabalho e muita disciplina. Sem esta reunião de fatores, é pouco provavelmente que alguém consiga estabelecer uma carreira sólida e duradoura. Principalmente hoje em dia porque a concorrência e a exigência cada vez são maiores. E depois há solistas e solistas… aqueles que fazem grandes carreiras a solo, que fazem 4 ou 5 concertos por semana e viagens intercontinentais quase todos os meses, precisam também de ter muito espírito de sacrifício e de estar preparados para abdicar de uma vida “normal”. Pessoalmente, acho que não seria feliz se fosse um solista desse nível. Podia até ter milhares de fãs no Facebook e assinar contratos chorudos mas prefiro com toda a certeza ter uma actividade profissional muito variada mas que me permita reservar tempo para a família, para outros interesses, para ser uma pessoa “normal”.

Quem é para si “o compositor” para violoncelo?

É impossível escolher “o compositor” porque foram vários os que tiveram uma enorme importância no desenvolvimento do repertório para violoncelo. Claro que Bach e as suas 6 Suites para Violoncelo – Solo são incontornáveis, mas também o são as Sonatas Vivaldi ou os Concertos de Schnittke. Felizmente, o repertório de violoncelo é riquíssimo e variadíssimo.

Qual o seu repertório predileto?

Também não lhe saberia responder com coerência porque depende muito, por exemplo, das obras que estou a trabalhar no momento. Tive por exemplo a minha fase barroca, a minha fase “Shostakovich”, enfim… entretanto creio que uma certa maturidade facilita a abertura a qualquer tipo de repertório. Mas posso por exemplo confessar que a minha fase “Mahler” nunca passou nem acredito que vá passar jamais.

Lembra-se de algum momento embaraçoso em palco?

Sim, uma ou duas situações em que o espigão do violoncelo me pregou partidas e tive que improvisar colocando o violoncelo entre as pernas (à barroco) para não ter que interromper o concerto. Com orquestra, lembro-me por exemplo de um concerto com a Deutsches Symphonie Orchester na Philharmonie de Berlim em que fizemos um concerto de Natal com um conceito muito esotérico e até tomates nos atiraram… não estou a brincar! E também de uma digressão da minha orquestra de Dresden com o Mischa Maisky no Japão e na Coreia do Sul: tocámos o Concerto de Dvórak umas 10 vezes seguidas e no último concerto da tournée, no último minuto do Concerto, o Mischa Maisky perdeu-se e esteve pelo menos 30 segundos a improvisar e a inventar notas… o nosso maestro na altura era o Frühbeck de Burgos e, como tinha muito mau feitio, em vez de ajudar a disfarçar o momento embaraçoso do solista, começou a cantar alto e bom som as notas que ele deveria tocar… enfim, acabou por ser um momento muito embaraçoso também para a orquestra e até para o público!

Há alguém que seja para si um modelo na arte?

Ter apenas um modelo seria quase contraditório porque a arte é criatividade e não pode restringir-se a uma pessoa ou um estilo. Ou se o fazemos, tornamos a arte mais pobre. É normal ter referencias, ídolos, modelos, mas pessoalmente tento não ter ou pelo menos ter vários em âmbitos diferentes. Acho que o Rostropovich era incrível, mas não gosto de ouvir gravações dele para determinados tipos de repertório. Acho que o Claudio Abbado era genial, mas para repertório mais clássico, prefiro ver e ouvir gravações de outros maestros. Noutros tipos de arte, a mesma coisa: os quadros de Monet podem ocupar um espaço especial nas minhas preferências, mas nunca se confundirão com minhas preferências por romances de Victor Hugo. São modelos diferentes e ocupam espaços diferentes, é isto que torna arte tão interessante e infinita.

Se não fosse músico, em que profissão acha que teria sucesso?

Quando era mais novo queria ser jogador de futebol, mas se tentar ser mais realista, acho que poderia ser jornalista ou ter algum tipo de profissão relacionada com a investigação histórica.

Qual considera ter sido, até à data, o momento mais alto da sua carreira?

Felizmente fui sempre alcançando os meus sonhos e tendo muitas alegrias na carreira. Considero-me realizado profissionalmente mas não quero sentar-me à sombra da bananeira e enquanto tiver motivação e enquanto gostar do que faço, prefiro pensar que o melhor está por vir.

Já teve alguma deceção musical na sua vida?

Algumas. Mas é normal e saudável. É dos momentos mais difíceis que podemos sair mais fortalecidos e faz parte da carreira de um músico ter um concerto que corre mal, não ganhar um concurso, etc.

Quais os compositores que ouve mais?

Certamente que oiço mais os compositores ou as obras que estou a trabalhar no momento, mas posso confessar que, por exemplo, Bach, Mozart, Beethoven, Schubert e Mahler estão sempre à espreita nas minhas preferências.

O que é que a música lhe dá?

Dá-me muito mas não me dá tudo e não sou dessas pessoas que vivem exclusivamente para a música. Por muito que a música seja parte da minha vida, nunca será mais do que os meus filhos, a minha esposa, a minha família. O ideal é encontrar um equilíbrio saudável para todos. E se todos estiverem felizes, eu estou feliz também.

Quais os seus passatempos não musicais?

Não tenho muitos passatempos não-musicais. Quase nem me atrevo a referir a leitura porque ultimamente não tenho tido tempo para sequer abrir aquele livro que tenho na mesa de cabeceira há meses… gosto de cinema, gosto de futebol (de ver e de jogar) e dedico bastante tempo diariamente a ler imprensa online, seja portuguesa, alemã, internacional ou desportiva.

Em três adjetivos, como se caracteriza a si mesmo?

Positivo, justo, dedicado.

Covilhã, 04.06.1982

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